(Artigo atualizado com a reação do Ministério das Finanças da Grécia à decisão)
O Banco Central Europeu suspendeu hoje a dispensa das regras de rating mínimo no uso da dívida pública grega como garantia nos empréstimos do BCE à banca comercial, dizendo que “não é possível esperar-se nesta altura que a revisão do programa seja concluída com sucesso”. A decisão faz com que os bancos que têm dívida grega deixem de a poder dar como garantia ao BCE quando lhe pedem dinheiro emprestado. Falta de financiamento dos bancos gregos terá agora de ser compensada pelo Banco Central da Grécia. Ministério das Finanças da Grécia diz que a decisão coloca pressão no Eurogrupo.
No mesmo dia em que o ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, se deslocou a Frankfurt para falar com Mario Draghi, o banco central tomou uma decisão que vai complicar e muito a vida da Grécia, em especial dos bancos gregos. A decisão foi tomada pelo conselho de governadores, ou seja, todos os governadores dos bancos centrais, mais os seis membros da comissão executiva, onde se incluem Mario Draghi e Vítor Constâncio.
Com os constrangimentos nos mercados de financiamento, os bancos ficaram muito dependentes do BCE para conseguirem liquidez para financiar as suas operações. Os bancos nos países resgatados ficaram numa situação particularmente delicada porque o BCE só aceita dívida pública que tenha um rating mínimo num determinado nível: acima de lixo. Se tivessem um dos seus ratings dados pela Moody’s, Standard & Poor’s, Fitch ou DBRS acima de lixo, bastava.
A crise levou a sérios cortes de rating e os pedidos de resgate financeiro não ajudaram nesse sentido, mas o BCE acabou por avançar com uma dispensa para os países sob resgate. Enquanto estivessem sob um programa de resgate, essa dívida continuava a poder ser utilizada pelos bancos, mesmo que o rating fosse inferior ao permitido, como colateral nas operações de cedências de liquidez conduzidas semanalmente.
Agora, o BCE mudou de ideias em relação à Grécia e num comunicado publicado hoje, diz que retirou esse ‘waiver’ em toda a dívida emitida ou garantida pela Grécia e diz que está só a cumprir as regras do Eurossistema.
“A suspensão está em linha com as regras existentes no Eurossistema, uma vez que não é possível esperar-se nesta altura que a revisão do programa seja concluída com sucesso”, diz o comunicado.
Ainda assim, garante, o estatuto de contraparte não foi retirado aos bancos gregos. Ou seja, os bancos gregos ainda podem pedir dinheiro emprestado ao BCE, mas só se apresentarem outras garantias que não sejam dívida pública grega ou dívida garantida pelo Estado grego.
Segundo BCE, esta regra entra em vigor no dia 11 de fevereiro, na próxima semana quarta-feira, altura em que vence o empréstimo atual (que é feito a uma semana).
O Ministério das Finanças da Grécia já reagiu, em comunicado, argumentando que “esta decisão coloca pressão no Eurogrupo para concluir rapidamente um novo acordo entre a Grécia e os seus parceiros que beneficie as duas partes”.
O Ministério liderado por Yanis Varoufakis diz que a decisão “não reflete qualquer desenvolvimento negativo no setor financeiro do país” e que surge após “dois dias de estabilização substancial”, e que a banca grega tem capital suficiente e está protegida de eventuais perturbações e escassez de liquidez através dos empréstimos de emergência do banco central grego.
” O Governo alarga todos os dias o leque de consultas com os seus parceiros e instituições a que pertence, permanece inabalável no seu objetivo de avançar com um programa de salvação social que honre o voto do povo grego e no desenho de uma política europeia que termine finalmente a atual auto-alimentada crise da economia social grega”, diz o comunicado.
O corte desta dívida não traz obrigatoriamente uma crise na banca grega, uma vez que o sistema bancário grego não está excessivamente exposto à dívida do seu país. De acordo com o Banco Central da Grécia, os bancos gregos têm 21 mil milhões de euros de dívida grega. Além disso, a dívida pública grega estava a ser usada como colateral nos empréstimos do BCE mas com um desconto considerável: o haircut aplicado chegava aos 40%.
Todos os outros ativos que os bancos gregos usavam continuam a ser igualmente válidos. O restante terá de ser financiado pelo Banco Central da Grécia e é isso mesmo que diz a instituição liderada por Mario Draghi: as necessidades extra que venham a ser detetadas nos bancos gregos podem ser cobertas através de empréstimos de emergência do Banco Central da Grécia, desde que cumpram as regras do Eurossistema.
Ou seja, o Banco Central da Grécia pode emprestar por si dinheiro aos bancos, mas o BCE pode opor-se caso a injeção de dinheiro no sistema com esse empréstimo possa colocar em causa as metas da inflação. Isto não quer dizer que o BCE tenha de dar autorização prévia. O BCE tem de ser informado, e, se decidir não se opor, a operação avança normalmente.
O Banco da Grécia exigirá, também, ativos como garantia aos empréstimos que der aos bancos mas não está limitado pelas regras do BCE. É este banco central que define os ativos que aceita e o haircut que lhes aplica.
No entanto, esta decisão pode trazer problemas aos Estado grego, não só porque passa uma mensagem de falta de confiança do BCE no futuro próximo da economia grega e que não continuará a apoiar a Grécia independentemente do programa de resgate avançar ou não, como pode levar ainda a uma venda generalizada da dívida pública grega. Com os investidores sem sequer poderem usar esta dívida como colateral e numa altura em que o futuro da dívida grega está em causa, a probabilidade de correrem para o mercado para venderem a preço de saldo é maior, o que faria com que os juros aumentassem substancialmente no mercado secundário, deixando a Grécia cada vez mais afastado dos mercados de financiamento, isto apesar do custo para servir a sua dívida até ser relativamente baixo.
O comunicado do BCE na íntegra:
Eligibility of Greek bonds used as collateral in Eurosystem monetary policy operations
- ECB’s Governing Council lifts current waiver of minimum credit rating requirements for marketable instruments issued or guaranteed by the Hellenic Republic.
- Suspension is in line with existing Eurosystem rules, since it is currently not possible to assume a successful conclusion of the programme review.
- Suspension has no impact on counterparty status of Greek financial institutions
- Liquidity needs of affected Eurosystem counterparties can be satisfied by the relevant national central bank, in line with Eurosystem rules
The Governing Council of the European Central Bank (ECB) today decided to lift the waiver affecting marketable debt instruments issued or fully guaranteed by the Hellenic Republic. The waiver allowed these instruments to be used in Eurosystem monetary policy operations despite the fact that they did not fulfil minimum credit rating requirements. The Governing Council decision is based on the fact that it is currently not possible to assume a successful conclusion of the programme review and is in line with existing Eurosystem rules.
This decision does not bear consequences for the counterparty status of Greek financial institutions in monetary policy operations. Liquidity needs of Eurosystem counterparties, for counterparties that do not have sufficient alternative collateral, can be satisfied by the relevant national central bank, by means of emergency liquidity assistance (ELA) within the existing Eurosystem rules.
The instruments in question will cease to be eligible as collateral as of the maturity of the current main refinancing operation (11 February 2015).
Esta não é a primeira vez que o BCE toma esta decisão. Em fevereiro de 2012, quando a Grécia estava a negociar com os credores privados a reestruturação da sua dívida e com os parceiros europeus e o FMI um segundo resgate, o BCE anunciou a suspensão desta dispensa. O resultado foi um aumento drástico do financiamento dado pelo Banco Central da Grécia aos bancos, precisamente através deste mecanismo que permite empréstimos de emergência (Emergency Liquidity Assistance ou ELA) a bancos com problemas de liquidez, desde que não tenham problemas de solvência.
O BCE viria a aceitar novamente a dívida pública grega e a dívida garantida pelo Estado grego como colateral, a 08 de março. A 20 de julho o BCE voltou a deixar de aceitar a dívida grega como colateral, mas desta vez só no final do ano é que viria a levantar a suspensão.
O comunicado do BCE a 28 de fevereiro de 2012:
Eligibility of Greek bonds used as collateral in Eurosystem monetary policy operations
The Governing Council of the European Central Bank (ECB) has decided to temporarily suspend the eligibility of marketable debt instruments issued or fully guaranteed by the Hellenic Republic for use as collateral in Eurosystem monetary policy operations. This decision takes into account the rating of the Hellenic Republic as a result of the launch of the private sector involvement offer.
At the same time, the Governing Council decided that the liquidity needs of affected Eurosystem counterparties can be satisfied by the relevant national central banks, in line with relevant Eurosystem arrangements (emergency liquidity assistance).
Marketable debt instruments issued or fully guaranteed by the Hellenic Republic will become in principle eligible upon activation of the collateral enhancement scheme agreed by the Heads of State or Government of the euro area on 21 July 2011, and confirmed on 26 October 2011, together with a number of other measures aimed at assisting Greece in its adjustment programme. This is expected to take place by mid-March 2012.