As propostas apresentadas pela equipa de economistas liderada por Mário Centeno deverão ser parte importante do programa de Governo apresentado por António Costa. Até ao momento, no entanto, não se pode dizer que as medidas apresentadas na terça-feira tenham colhido a unanimidade entre parceiros sociais.

Entre os representantes patronais e sindicalistas ouvidos pelo Observador a posição é clara: embora reconheçam alguns aspetos positivos do cenário macroeconómico projetado pelos socialistas, os parceiros sociais defendem que ainda há muito trabalho pela frente.

Sobretudo no que diz respeito à dupla renegociação da Taxa Contributiva para a Segurança Social (TSU). Medida que conseguiu juntar do mesmo lado sindicatos e patrões: a reforma da TSU, nos moldes propostos pelo PS, pode colocar em sério risco a sustentabilidade da Segurança Social e ter efeitos negativos na saúde económica dos trabalhadores e dos empregadores. Mas há mais pontos de discórdia ou que não convenceram os parceiros sociais. Conheça-os aqui.

  • Dupla Redução da Taxa Contributiva para a Segurança Social (TSU)

A equipa de economistas liderada por Mário Centeno propõe a dupla redução da TSU, uma medida surpreendente e que está a merecer críticas de patrões e sindicatos. Na prática, a solução assenta em duas frentes: a redução gradual da TSU a cargo dos empregadores, mas apenas nas contribuições dos trabalhadores com contratos permanentes; e na redução gradual da TSU, mas aplicada apenas a trabalhadores com menos de 60 anos.

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Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP-IN, disse, em declarações ao Observador, “não estar de acordo com esta medida” e mostrou-se “muito preocupado” em relação aos efeitos da proposta para a “sustentabilidade da Segurança Social”. Isto porque para compensar a redução gradual da TSU as pensões terão de ser diminuídas, refletindo as menores contribuições realizadas durante o período de aplicação da medida.

“As receitas da Segurança Social têm de ser asseguradas por mais e melhor emprego e melhores salários”, não por alterações desta natureza, defende Arménio Carlos. “Os rendimentos perdidos só serão compensados com a reposição e aumento dos salários e com outra distribuição de riqueza”.

Para o secretário-geral da CGPT-IN, esta proposta, de resto, parte do pressuposto errado de que a redução da TSU, “é uma medida motivadora de criação de emprego e de que “vai melhorar a qualidade dos rendimentos” dos portugueses.

Além disso, acredita Arménio Carlos, a redução da TSU abre possibilidade à existência de “uma transferência” de parte das receitas obtidas com a carga fiscal para a Segurança Social de forma a “minimizar” os efeitos provocados a curto prazo na sua sustentabilidade. “[Esta medida] levaria à redução dos direitos dos trabalhadores que têm contribuído para a Segurança Social e à redução do valor das prestações sociais para um nível assistencialista”, disse.

O sindicalista insistiu, ainda, numa solução várias vezes proposta pela CGTP-IN e pelo PCP que passa pelo aumento das contribuições para a Segurança Social de empresas “com poucos trabalhadores” mas que “têm lucros muito elevados”.

Já Carlos Silva, secretário-geral da UGT, elogiou a redução progressiva e temporária da TSU dos trabalhadores e dos empregadores, designadamente por proporcionar maior poder de compra às famílias. Mas, ao mesmo tempo, manifestou-se ao mesmo tempo apreensivo com “a volatilidade” prevista para compensar financeiramente a previsível perda de receita do sistema público de Segurança Social.

Esta terça-feira, em declarações aos jornalistas no final da reunião com António Costa e Mário Centeno, Carlos Silva explicou a posição da UGT: “Deixámos aqui alguns alertas em relação a algumas matérias. Esta central sindical, apesar de optar pela moderação e de privilegiar o diálogo, não pode deixar de suscitar algumas preocupações, desde logo em relação ao mercado de trabalho”.

Também Maria Rosário Gomes, presidente da APRe – Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, afinou pelo mesmo diapasão. Começando por admitir que a APRe ainda está a “estudar o impacto das medidas” e fazendo questão de lembrar que este “não era o programa de governo do PS”, mas sim um documento de análise, Maria Rosário Gomes criticou, ainda assim, o facto de a medida colocar em causa “a sustentabilidade da Segurança Social para os reformados e pensionistas, atuais e futuros”.

“António Costa garante que não baixará as pensões e as pessoas até poderão ganhar alguma qualidade de vida [com a redução da TSU] num primeiro momento, mas terão de se precaver para situações futuras”. Ou seja, os portugueses terão de se preparar para um futuro sem uma pensão adequada, afirmou Maria Rosário Gomes ao Observador.

Para a presidente da APRe, “o crescimento da economia faz-se com o aumento do poder de compra e com a melhoria da qualidade de vida” e não pela mexida na TSU, pelo que “terá de haver uma grande reflexão sobre esta proposta”, correndo o risco de, a concretizar-se, acarretar “riscos no imediato para a sustentabilidade da Segurança Social”.

Já António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), revelou-se contra a redução da TSU a cargo dos empregadores porque não atende às diferenças entre a realidade das várias empresas.

“Nós defendemos que a redução da TSU deveria ser por diferenciação positiva”, ou seja, “aplicada apenas a empresas produtoras de bens e serviços transacionáveis, que exportam ou que substituem importações” por produção própria, explicou. “Baixar a TSU para empresas que não estão expostas à competitividade internacional”, não faz sentido, defendeu António Saraiva.

  • Eliminação gradual da sobretaxa do IRS e reposição gradual dos salários da função pública

O PS propõe, também, a redução da sobretaxa do IRS até 2017. E, também neste ponto, existe uma diferença de posições entre os representantes dos trabalhadores. Carlos Silva (UGT), mesmo salientado que o futuro Governo deveria “acabar rapidamente” com a sobretaxa, admitiu que “existe um encontro de posições nesta matéria”. Já Arménio Carlos (CGTP) e José Abraão (SINTAP) defendem o fim imediato da medida.

Quanto à reposição gradual dos salários da função pública – o PS quer restabelecer os níveis salariais até 2017 – a opinião é unânime: o próximo Governo deve fazê-lo já em 2016.

Carlos Silva, embora considere que os socialistas estão “mais próximos” do que o Governo do objetivo da UGT, ao preverem a reposição de 40% dos salários na Função Pública logo em 2016, sublinhou, precisamente, que continuam “aquém” e que importante que aconteça “a recuperação imediata salarial”.

O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, vai mais longe e considera mesmo que essa opção é uma “inconstitucionalidade”.

“A reposição dos salários tem de ser global e deve acontecer já em 2016. É essa a interpretação que fazemos do [acórdão] do Tribunal Constitucional, que admitiu apenas uma reposição parcial dos cortes salariais em 2015. Ora, a partir de 2015 acabaram-se as reposições parciais, pelo que essa reposição tem de ser total em 2016”, afirmou ao Observador.

Uma posição partilhada por José Abraão. “O SINTAP mantém a exigência da reposição imediata dos salários de 2010. A proposta apresentada pelos economistas é melhor do que  aquela que o Governo defende, mas não corresponde às expectativas. Até porque após a decisão do TC, a nossa expectativa ia no sentido que os salários fossem repostos já em 2016”, defendeu o presidente do SINTAP, em declarações ao Observador.

  • Congelamento da descida do IRC

Este é, precisamente, o ponto que mais críticas mereceu do CIP. O PS propõe colocar um travão na descida do IRC, congelando a descida da taxa – a proposta do Governo (que está na lei aprovada há ano e meio) aponta para uma redução progressiva até aos 17%, mas o PS quer desfazer esse acordo.

Se Arménio Carlos não “se opõe à medida”, o presidente da CIP não concorda com que se “mudem agora as regras do jogo”.

“A reforma do IRC foi negociada e validada. O que mais desejamos é alcançarmos a estabilidade fiscal, pelo menos por um período entre 8 a 10 anos. Mudarmos as regras de cada vez que mudamos de Governo é o mesmo que entrarmos num jogo de futebol, dizerem-nos que podemos jogar com 11 e, depois, no intervalo, dizem-nos que temos de jogar com 9. Não é aceitável que não se reduza a taxa gradualmente”, defendeu, em declarações ao Observador

António Saraiva fez questão de lembrar que o documento é apenas “uma proposta de trabalho” com “aspetos positivos”, como a desburocratização e a retoma de um programa semelhante ao Simplex. E tem, por isso, caminho aberto para ser alterado e negociado em sede de concertação social. Ainda assim, o presidente do CIP revelou-se “apreensivo” com o rumo que está a ser traçado pelos socialistas. E não só em relação à redução da TSU e ao congelamento da reforma do IRC: há ainda questão da limitação do regime de contrato a termo e a proposta de penalização das empresas que despeçam com frequência. Medidas que poderão estar em cima da mesa de um futuro Governo socialista.

“É evidente que os governos devem ter preocupações relativas às condições associadas aos regimes de contrato a prazo. Mas o quadro legal existente já restringe a utilização abusiva desse mecanismo”, pelo que “não faz sentido criar” mais restrições à contratação a termo, defendeu António Saraiva.

O presidente do CIP deu, ainda, o exemplo do que acontece em épocas especiais como a Páscoa e o período de verão, onde as empresas procuram, muitas vezes, reforçar temporariamente o número de trabalhadores. “Então, e depois destes períodos, as empresas devem ser obrigadas a contratar esses funcionários? Não faz sentido”, defendeu António Saraiva.

O mesmo se aplica, acredita, à possibilidade de as empresas virem a ser penalizadas por despedirem trabalhadores com frequência. “Ninguém gosta de despedir. Mas existe um quadro legal aplicável e uma entidade reguladora com a capacidade de analisar e detetar situações, eventualmente, abusivas”.

  • Descongelamento progressivo das admissões na administração pública e das carreiras

O PS propõe-se a iniciar, a partir de 2018, o processo de descongelamento progressivo das carreiras dos funcionários da Administração Pública. Além disso, defende, ainda, o descongelamento das admissões na administração, nomeadamente nos setores críticos (como a saúde, a justiça e a educação) e de quadros qualificados onde a administração pública seja deficitária – mas sem que isso resulte num aumento do total de funcionários e admitindo que posso haver uma “racionalização de efetivos”, compensada com o aumento noutras aéreas.

Mesmo admitindo, à semelhança do que fizeram os restantes parceiros, que o documento deve merecer uma “análise mais aprofundada”, e deve ser olhado com “prudência”, José Abraão, representante máximo da SINTAP, mostrou-se satisfeito o cenário traçado. Mas deixou um aviso a António Costa e ao Partido Socialista: “Somos perfeitamente exigentes em relação ao fim do regime de requalificação e de mobilidade especial. Um regime que é uma verdadeira humilhação para os funcionários e que deveria ter acabado já ontem”.

De resto, José Abraão não vê “qualquer obstáculo” a que exista essa “racionalização de efetivos”, desde que seja acompanhada de “incentivos”. O mesmo se passa em relação às progressões de carreira, que sem incentivos não se traduzirão numa maior “motivação” dos trabalhadores. “É preciso fomentar a criação de emprego de qualidade”, defendeu José Abraão.

José Abraão, à semelhança do que fez Arménio Carlos, apontou a existência de uma certa indefinição em matéria de legislação laboral. Os dois acreditam que a António Costa deve dizer, no futuro, o que pretende fazer em relação à redução das indemnizações por despedimento e à reposição das 35 horas de trabalho semanais.

Há ainda a questão da eliminação das discrepâncias que ainda existem entre os regimes Geral da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações, uma fusão que deve ser “devidamente clarificada”, defendeu, por fim, o presidente do SINTAP. A CGTP e a UGT reuniram-se, esta quarta-feira, com o coordenador da equipa de economistas do PS. No dia 28, será a vez da CIP se reunir com Mário Centeno e António Costa. Os restantes representantes patronais devem, também, ser ouvidos no mesmo dia, embora não haja ainda confirmação oficial.