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O que está em causa?

[Este explicador foi publicado originalmente a 22 de julho e é republicado agora a propósito do abaixo-assinado subscrito por cerca de 100 personalidades que defendem a objeção de consciência de pais que não queiram filhos nas aulas de Educação para a Cidadania]

Desde o ano letivo 2018/19 que dois dos seis filhos de Artur Mesquita Guimarães não participam na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento por decisão dos pais. Antes disso, também os mais velhos não tinham tido Educação Sexual na escola. Com uma diferença: esta última disciplina não era obrigatória, mas Cidadania é.

Não frequentar as aulas dá direito a faltas. E faltar um ano inteiro dá direito a chumbo, mesmo que os adolescentes, de 12 e 14 anos, sejam alunos de 4 e 5 às restantes disciplinas e tenham passado pelo quadro de honra.

Apesar de muita discussão entre o Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco e os pais, no ano letivo 2018/19 o Conselho de Turma acabou por aprovar os alunos. Foi já no ano letivo seguinte (este que terminou em junho) que Mesquita Guimarães foi informado de que essa decisão poderia ser revertida e que os seus filhos, já a frequentar o 6.º e o 8.º ano, teriam de andar um ano para trás — e eventualmente perder também aquele no qual se encontravam, pelo facto de a situação se manter. O motivo? A decisão de não chumbá-los violava a lei. 

A escola de Vila Nova de Famalicão apresentou aos pais a hipótese de os alunos recuperarem as aprendizagens, como previsto na lei. Foi essa, aliás, a posição do secretário de Estado da Educação, que, em janeiro, fez saber que, para se confirmar a passagem no ano 2018/2019 — e também no de 2019/2020, em que os dois adolescentes continuavam a faltar —, os alunos teriam de cumprir os Planos de Recuperação das Aprendizagens. Os pais, porém, sempre recusaram. “Não tenho nada contra a disciplina, tenho contra o facto de ser obrigatória. As matérias não são tabu em nossa casa, nem as sexuais, e os nossos filhos não vivem fechados na despensa”, diz. O que não aceita é que a escola tome o lugar dos pais em questões que têm a ver com a consciência. 

“A disciplina visa formar a consciência, do ambiente, à solidariedade, passando pela sexualidade. E isto são competências objetivas do pais. Apesar de ser católico, os meus filhos também não têm Religião e Moral na escola”, conta, lembrando que, por serem do ensino articulado de música, os dois adolescentes até têm mais três disciplinas do que os colegas.

Em Cidadania fala-se de temas tão díspares como direitos humanos, igualdade de género, sexualidade, media ou mundo do trabalho.

Perante a recusa dos pais a todas as soluções alternativas, previstas na lei, a escola acabaria por decidir chumbar os dois alunos — numa decisão comunicada em junho. Na resposta, Artur Mesquita Guimarães avançou para tribunal, interpondo uma ação contra a escola e a tutela, escudando-se no artigo 36 da Constituição Portuguesa: “Os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos.”

O processo está a correr no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

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Comecemos pela cronologia. Quando foram tomadas as decisões e por quem?

Há dois momentos fundamentais para o desfecho agora conhecido: em janeiro deste ano, quando o Ministério da Educação, questionado pela escola, faz saber que a lei obrigava os alunos a um Plano de Recuperação de Aprendizagens, caso não quisessem chumbar, por causa das faltas; e em junho deste ano, quando, perante a recusa dos pais, a escola decide que as duas crianças vão perder os dois anos anteriores.

Mas a troca de argumentos entre as várias partes — bem como os avisos à família e a procura de soluções — começou bastante antes.

2018

  • No dia 10 de outubro 2018, o pai avisou o diretor da escola Escola EB 2, 3 Júlio Brandão que não autorizava a participação dos dois filhos “em qualquer aula, ação ou aconselhamento relativo à disciplina de Educação para a Cidadania”.
  • O diretor Carlos Teixeira encontrou-se com Artur Mesquita Guimarães sete dias mais tarde, altura em que o pai aclarou o seu pedido.
  • Por e-mail, no dia seguinte, a 18 de outubro 2018, o pai dos alunos foi avisado do caráter obrigatório de frequência da disciplina Cidadania e Desenvolvimento e o diretor do agrupamento negou o provimento a todos os pedidos feitos no primeiro contacto, a 10 de outubro de 2018.
  • A 19 de dezembro desse mesmo ano, o chefe da equipa multidisciplinar de Apoio Pedagógico da Direção de Serviços da Região Norte da DGEstE, Jorge Araújo, enviou ao diretor do Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco um primeiro ofício, que foi dado a conhecer ao pai dos alunos 21 de dezembro 2018, onde se reafirma a frequência obrigatória da disciplina.
  • Por e-mail, no último dia de 2018, o pai dos alunos reiterou a sua posição de que os filhos não estavam autorizados a assistir às aulas de Cidadania.

2019

  • Nova carta foi escrita ao diretor a 21 de janeiro 2019, por motivo da avaliação do primeiro período, na qual o pai dos dois alunos manifestava estranheza por ambos os filhos terem tido a classificação de 3 a Cidadania.
  • A 4 de fevereiro de 2019 e 7 de fevereiro 2019, o diretor recebe duas novas cartas do pai no seguimento da proposta recebida de um Plano de Recuperação para um dos filhos, recusando-o.
  • Dias mais tarde, ainda em fevereiro, o encarregado de educação voltou a receber um Plano de Recuperação de Aprendizagens, desta vez para o outro filho. A 22 desse mês, recusava-o também.
  • Esse ano letivo de 2018/2019 terminou, os alunos puderam transitar para o ano seguinte, apesar das faltas, por decisão do Conselho de Turma — que agora está a ser investigada —, e já no ano letivo seguinte, a 9 de outubro de 2019, é enviado um novo Plano de Recuperação das Aprendizagens. Resposta chegou a 19 de outubro de 2019, salientando os pais que não reconheciam nenhuma falta à disciplina “Cidadania e Desenvolvimento”.
  • Novo Plano de Recuperação das Aprendizagens foi enviado cerca de um mês depois, a 25 de novembro de 2019, e devolvido à escola, dois dias depois.
  • Em resposta, a escola informou que, dado o incumprimento das medidas de recuperação e o excesso de faltas a Cidadania e Desenvolvimento e o não cumprimento do plano de recuperação, seria aplicado o previsto na Lei n.o 51/2012. Assim, a 17 de dezembro de 2019, a Equipa Técnica de Primeira Linha do Agrupamento reuniu-se com o pai, altura em que foi notificado de que os seus filhos iriam ser referenciados para a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

2020

  • A 23 de janeiro 2020, os pais foram convocados pela CPCJ para uma entrevista a realizar no dia 3 de fevereiro de 2020.
  • E a 27 de fevereiro de 2020, o diretor entregou aos pais a notificação dos ofícios da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direção de Serviços da Região Norte, e dos respetivos anexos — parecer da Inspeção Geral da Educação e da Ciência e um despacho do secretário de Estado Adjunto e da Educação e Ciência, João Costa, datado de 16.01.2020.
  • Nesse parecer de 16 de janeiro, o secretário de Estado dava seguimento ao parecer da IGEC, que considerava que a passagem de ano decidida pelo conselho de turma no ano anterior era ilegal e que, para resolver o problema, os alunos tinham de cumprir o Plano de Recuperação das Aprendizagens.
  • No seguimento dos ofícios, o Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco programou novos Planos de Recuperação das Aprendizagens e informou os pais dos mesmos a 4 de março de 2020.
  • O impasse manter-se-ia. Até que a 15 de junho de 2020, a escola deu conhecimento aos pais dos despachos emitidos pelo diretor do Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, que anulavam a deliberação do Conselhos de Turma no que diz respeito à transição dos dois alunos no ano letivo que agora terminou e no anterior.
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Um encarregado de educação pode proibir um filho de assistir a uma disciplina obrigatória?

A resposta a esta questão não se resume a um simples sim ou não, embora o Ministério da Educação defenda que tal não é possível. “É um problema complexo”, defende Filinto Lima, presidente da associação que representa os diretores de escolas públicas.

“Há duas perguntas a fazer. Por um lado, pode um pai impedir um filho de assistir a uma disciplina de ensino obrigatório? E, por outro, pode o Estado obrigar um estudante a ter uma disciplina com a qual o pai não concorda?”, questiona, sem arriscar uma resposta e lembrando que o tema da Educação Sexual sempre foi polémico.

O problema é a Caixa de Pandora que se abre. “História é uma disciplina com um grau elevado de subjetividade. Pode um pai impedir a presença do filho quando são dadas algumas temáticas? E a Português? Se não quiser que o meu filho leia o Auto da Barca do Inferno?”, pergunta o diretor do agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia. “São questões melindrosas, não são de resposta fácil.”

Já o constitucionalista José Melo Alexandrino defende que estão em causa dois direitos fundamentais, que se sobrepõem, devendo ser o Tribunal Constitucional (TC) a deliberar sobre este caso. “É um caso complexo, de difícil solução, que deve ser ponderado pelo TC.”

Para além do artigo 36.º — os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos — está em causa o direito à educação das crianças. Por outro lado, há uma norma que impõe o ensino obrigatório e que este deve ser regulado pelo Estado.

A resposta mais perentória chega do lado do Ministério da Educação. “Não. O Estatuto do Aluno e Ética Escolar não prevê tal possibilidade. A consequência, em qualquer disciplina, em que os alunos não cumpram o dever de assiduidade sem justificação é a reprovação do ano.”

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A recusa em ir às aulas de Cidadania não configura abandono escolar?

Não. Abandono escolar refere-se a estudantes que desaparecem do sistema de educação, ou seja, que deixam de aparecer nas salas de aulas. Os dois alunos em causa não têm como regra faltar às restantes disciplinas e têm um percurso académico marcado pelo bom aproveitamento, argumenta o presidente da ANDAEP, Filinto Lima.

O mesmo entendimento tem a tutela. “Não configura abandono escolar, na medida em que os alunos estão matriculados”, diz o secretário de Estado da Educação.

Secretário de Estado nega ter mandado chumbar dois alunos do quadro de honra de Famalicão

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Mas pode um aluno passar de ano se exceder as faltas a uma disciplina?

Não. Sobre isso o Estatuto do Aluno e Ética Escolar é bastante claro. A ultrapassagem dos limites de faltas (artigo 19.º) “constitui uma violação dos deveres de frequência e assiduidade e obriga o aluno faltoso ao cumprimento de medidas de recuperação e ou corretivas específicas”.

Se estas falharem — e, neste caso concreto, os pais dos dois adolescentes recusaram o plano de recuperação proposto pela escola —, o artigo 21.º determina “a retenção no ano de escolaridade em curso, no caso de frequentarem o ensino básico”.

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Que tipo de medidas podem ser tomadas?

“Conforme previsto na legislação, deve ser informada a Comissão de Proteção de Crianças e Menores e devem ser propostos planos de recuperação das aprendizagens para que os alunos tenham possibilidade de compensar a falta de assiduidade com trabalhos suplementares”, responde o secretário de Estado João Costa.

Segundo o Estatuto do Aluno e Ética Escolar, quando há excesso grave de faltas, os pais devem ser notificados. No entanto, tal não se aplica a este caso, uma vez que eram os próprios encarregados de educação que proibiam os filhos de frequentar a disciplina de Cidadania. Apesar disso, Artur Mesquita Guimarães confirma ao Observador que recebeu várias notificações da escola avisando-o das faltas dos filhos.

Só depois deve ser notificada a CPCJ e, de seguida, propor as já referidas medidas de recuperação (artigo 20.º do Estatuto do Aluno e Ética Escolar).

Se fosse na sua escola, Filinto Lima diz que primeiro teria uma conversa com o pai — coisa que o diretor do agrupamento terá feito logo em 2018. Tentaria perceber os motivos por trás da decisão, procurando uma solução de compromisso. Uma das hipóteses, admite, poderia passar por os alunos só frequentarem algumas das aulas da disciplina. Se nada resultasse, encaminharia o processo para a tutela e para a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

O Observador tentou contactar o diretor do Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, Carlos Teixeira, sem sucesso.

Abandono escolar à distância. Se os pais não respondem aos contactos dos professores, escolas devem avisar Comissão de Proteção de Menores

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Foram tomadas algumas delas? A CPCJ, por exemplo, foi alertada para o caso?

Sim. João Costa, sem mais detalhes, garante que a escola tentou resolver o problema “aplicando as medidas previstas na legislação e tentando a colaboração dos encarregados de educação”.

Esta terça-feira, no Parlamento, em resposta ao deputado Duarte Marques (PSD) disse ser “mentira” que a escola nada tenha feito para resolver a situação quando, na verdade, “desencadeou os processos normais” num casos destes.

E terão sido várias as conversas entre encarregados de educação e escola, segundo conta o próprio pai dos dois alunos ao Observador. No final, já no início de 2020, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens foi chamada a intervir. 

“Andámos o ano letivo anterior sempre nesta conversa, cartas para a frente e para trás, fomos avisados de que os dois ultrapassaram os limites de faltas e de quais seriam as consequências. Sistematicamente respondíamos, explicávamos por que é que eles não participavam na aulas. Acabámos por ter uma reunião com as psicólogas da escola para prepararem o relatório para a CPCJ”, conta ao Observador.

Isso não intimidou a família, que viu ali uma oportunidade, chegando a pedir ajuda à CPCJ de como proceder. Quando perceberam que não os poderiam ajudar, não autorizaram o envolvimento da comissão.

“Isto foi em janeiro. A CPCJ ou entregava o processo ao Ministério Público ou devolvia-o à escola. Como até hoje não fomos notificados de nada, penso que terá sido o segundo caso”, diz Mesquita Guimarães.

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É legítimo um conselho de turma passar um aluno que não frequentou uma disciplina?

Não, responde o secretário de Estado da Educação, João Costa, argumentando com a legislação: “Conforme explícito no Estatuto do Aluno e Ética Escolar, a ineficácia do cumprimento de medidas de recuperação determina a retenção.” O parecer da Inspeção Geral da Educação e da Ciência (IGEC), a que o Observador teve acesso e que foi apresentado aos pais em fevereiro, vai nesse sentido.

A situação seria diferente, e mais fácil de resolver, se os alunos em causa tivessem tido negativa à disciplina. Nesse tipo de cenário, o Conselho de Turma tem poder para alterar uma retenção. Por exemplo, se um aluno tem um 2 (negativa) a uma disciplina, o Conselho de Turma pode decidir alterar a nota para um 3 (positiva). O professor titular aceita ou não a alteração de nota, mas, mesmo que não a queira alterar, aquele órgão da escola tem poder para fazê-lo, transformando a negativa em positiva.

Neste caso concreto — “e que é inédito”, sublinha Filinto Lima —, “não há sequer avaliação”.  Não havendo avaliação, e não tendo o professor titular (ou grupo de professores) da disciplina elementos para classificar o aluno, fica por explicar em que é que o Conselho de Turma se baseia para transformar uma não avaliação numa nota positiva — o Observador tentou, sem sucesso, falar com a escola.

Segundo os pareceres da IGEC, comunicados à família em fevereiro de 2020, cada um dos conselhos de turma, na avaliação pedagógica dos dois alunos, faz referência à “assiduidade a todas as outras disciplinas e às atitudes cívicas exemplares que revelavam, para além do excelente desempenho escolar de cada um deles e de cada um deles ter sensibilidade e ser solidário com os outros, cumprir com todas as tarefas propostas, ser responsável e revelar integridades nas suas ações”.

Apesar disso, a IGEC considerou que “houve irregularidade no ato praticado”, referindo-se à transição dos alunos, “sendo suscetível de ser anulado administrativamente no prazo de um ano a contar da data da respetiva emissão”.

Resumindo: a passagem de ano seria anulada.

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Por que motivo houve irregularidade, segundo a inspeção geral?

A lei, tal como explicado no número 4 deste Explicador, prevê que um aluno que exceda o limite de faltas seja retido, a não ser que recupere os atrasos na aprendizagem cumprindo um plano de atividades proposto pela escola — o que não aconteceu, por recusa dos pais.

Já a portaria que regula o funcionamento do Conselho de Turma não tem nenhuma alínea que preveja o que deve ser feito na ausência de avaliação. Essas situações apenas aparecem reguladas no Estatuto do Aluno e Ética Escolar e determinam a retenção do aluno.

No entanto, no Decreto-Lei 55/2018, a alínea 2 do artigo 29.º prevê que “caso o aluno não desenvolva as aprendizagens definidas para um ano não terminal de ciclo” que comprometam o desenvolvimento das aprendizagens definidas para o ano de escolaridade subsequente, o conselho de turma “pode, a título excecional, determinar a retenção do aluno no mesmo ano de escolaridade” — já que em toda a legislação sobre a matéria a retenção é sempre vista como uma exceção.

Terá sido com base no DL 55 que os dois Conselhos de Turmas tomaram a decisão de passar os alunos.

Acontece que a IGEC considera que quando um Conselho de Turma se confronta “com duas normas impositivas” — a da retenção dos alunos e a da “exigência” de procederem a uma avaliação de natureza pedagógica prospetiva — “deve ter prevalência” a norma especial sobre a norma geral, ou seja, a que determina a retenção dos alunos.

Assim, a Inspeção Geral acredita que a única decisão legítima do Conselho de Turma seria chumbar os alunos, casos não aceitassem o plano de recuperação.

 

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Se a decisão do Conselho de Turma é ilegal, ele não pode ser punido?

Pode, mas essa possibilidade, em princípio, já prescreveu. Apesar disso, segundo o parecer da IGEC, foi aberto um inquérito para apurar responsabilidades disciplinares no processo, inclusive para perceber por que motivo a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) não abriu nenhum processo àquele grupo de professores.

“Considerando que a DGEstE tomou conhecimento da situação, senão antes, pelo menos em 10-9-2019, e caso a DGEstE não tenha instaurado um procedimento disciplinar (processo de inquérito ou processo disciplinar) — o que também deverá ser apurado no processo de inquérito em curso — afigura-se que o direito de instaurar um procedimento disciplinar se encontrará prescrito”, lê-se no parecer que justifica a prescrição com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

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A decisão do Conselho de Turma é soberana ou pode ser alterada por algum órgão da escola?

A decisão do Conselho de Turma não tem de ser definitiva, embora o seja na maioria das vezes. O Conselho Pedagógico, um órgão superior das escolas, pode alterá-la, como explica Filinto Lima.

“Qualquer órgão que esteja acima de nós pode reverter uma decisão. Não é uma situação normal, mas acontece”, diz o presidente da associação de diretores de escolas. “Nesta altura de final de ano letivo, por exemplo, temos vários pedidos de recursos de notas e essas alterações podem acontecer.”

E lembra que até as decisões dos Conselhos Pedagógicos podem ser alteradas. E, claro, “a tutela é a tutela”, sublinha. Ou seja, o Ministério da Educação.

Já o secretário de Estado João Costa sublinha que a decisão é da escola, deixando um alerta: “As decisões de qualquer órgão têm de obedecer às condições fixadas na lei.”

No parecer da IGEC (comunicado aos pais em fevereiro), e depois de se considerar que, neste caso, a decisão do Conselho de Turma é ilegal, também se refere que “é anulável no prazo de um ano a contar da sua prática e a competência para a sua anulação recai sobre o autor do ato ou o seu superior hierárquico”.

E, de facto, assim foi através da comunicação feita aos pais pelo agrupamento de escolas a 15 de junho, assinado pelo diretor Carlos Teixeira e intitulada “Anulação da decisão de transição de ano escolaridade”.

E apesar de reconhecer que, se passasse mais de um ano, o ato deixaria de poder ser anulado, tornando-se definitiva a decisão de passar os dois alunos, o parecer da IGEC diz que essa solução não seria “consentânea com os princípios que devem reger a atuação da Administração Pública, além de que premiaria uma conduta desconforme com as regras aplicadas à generalidade dos alunos”.

Nessa medida, entendeu a inspeção geral, que a administração pública “se encontra obrigada à reposição da legalidade, devendo proceder oficiosamente à anulação do ato praticado pelo conselho de turma e à prática de um novo ato em conformidade com o quadro legal aplicável”.

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Como é que o Ministério da Educação teve conhecimento da situação?

“Mediante pedido de esclarecimento da escola face à legitimidade da aprovação dos alunos e perante a recusa de colaboração por parte dos encarregados de educação”, responde João Costa. Ou seja, foi o agrupamento que alertou o Ministério da Educação do que se passava por ter dúvidas sobre a decisão do Conselho de Turma de não reter os dois irmãos. O despacho de João Costa foi assinado a 16 de janeiro e apresentado aos pais a 27 de fevereiro.

A intervenção do ministério tornou-se necessária “assim que a situação foi exposta”, explica o secretário de Estado.

Na terça-feira, no Parlamento, João Costa avançou mais detalhes: a tutela foi alertada pela escola de que dois alunos tinham sido aprovados sem a realização da disciplina — “o que sabemos ser ilegal” — e, a partir daí, o Ministério da Educação remeteu o caso para a Inspeção Geral de Educação e Ciência que deu o seu parecer.

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É legítimo o Ministério da Educação reverter a decisão de transitar os alunos de ano?

“O Ministério da Educação não reverteu a decisão de transitar os alunos”, responde João Costa ao Observador, clarificando que o seu despacho de 16 de janeiro não anulou a transição dos alunos. O que fez foi validar o parecer da IGEC, segundo o qual, perante as faltas, os alunos tinham de se submeter a Planos de Recuperação das Aprendizagens, para não perderem os anos, porque a passagem no ano anterior tinha sido ilegal, por causa das faltas — e seria de novo este ano.

No Parlamento foi mais claro e negou ter assinado um despacho a ordenar o chumbo dos dois irmãos, como chegou a ser noticiado. “O Ministério da Educação não tem competência para chumbar alunos”, disse aos deputados.

“A primeira mentira é que existe um despacho a mandar chumbar os alunos”, acrescentou na Assembleia da República durante uma audição ao ministro da Educação. E explicou, como já o tinha feito ao Observador, que o seu documento devolve o processo à escola para reposição da legalidade, em função da análise jurídica feita pelos serviços do ministério.

“Simplesmente, mediante exposição pela escola, o ministério fez a análise jurídica e solicitou que a escola desenvolvesse as medidas previstas na legislação para reposição da legalidade, o que foi feito pela escola, que se confrontou com a rejeição dessas medidas pela família dos alunos”, esclarece o governante na resposta ao nosso jornal.

“Mediante a exposição feita pela IGEC, esclareceu-se a escola de quais os procedimentos a adotar para a reposição de legalidade”, clarificou João Costa. Estes, frisou, passavam por um plano de recuperação à disciplina que os pais — que proibiram os filhos de assistir à disciplina — “recusaram”.

E isto cinco meses antes da decisão final da escola de chumbar os alunos.

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Mas os dois alunos vão mesmo ter de andar dois anos para trás?

Não, desde que os pais aceitem os planos de recuperação de aprendizagem propostos pela escola. Aí, terão de demonstrar que recuperaram a matéria, por exemplo, através da apresentação de trabalhos.

A questão é que os pais não estão interessados nesta solução — e a escola e o Ministério da Educação ficaram a braços com uma situação inédita em Portugal. Em fevereiro passado, no dia em que os estudantes deviam ter comparecido na escola para a recuperação de aprendizagens, faltaram por decisão dos pais.

No seu parecer, a IGEC oferecia ainda uma outra solução que não obrigava os estudantes a frequentarem as aulas de Cidadania e Desenvolvimento ou a fazer o plano de recuperação:  “A validação a título excecional do percurso dos alunos em apreço, no ano letivo de 2018/19, sem prejuízo das consequências legais que um eventual incumprimento do dever de assiduidade e das medidas de recuperação acarretem, no presente ano letivo.”

Neste caso, o ónus voltaria à escola, que teria de encontrar forma de justificar a título excecional a passagem de ano do 5.º para  6.º ano de um dos alunos e do 7.º para o 8.º ano do outro. Mas isso resolvia apenas a primeira passagem de ano ilegal. A do ano letivo que agora terminou continuaria por resolver.

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Então, um ano chumbam de certeza?

Se os pais continuarem a recusar o plano de recuperação de aprendizagens, e perante o parecer da IGEC, não parece possível que os alunos possam transitar de ano de outra forma, a não ser que a decisão seja tomada pelos tribunais.

Aliás, neste último fim de ano letivo, as suas pautas com as notas não foram publicadas.

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O que vai acontecer em concreto com estes dois alunos?

Pai e Ministério da Educação têm visões diferentes. Mesquita Guimarães espera poder, nos próximos dias, matricular os adolescentes no 7.º e no 9.º ano, tal e qual como se tivessem transitado de ano.

João Costa espera que os alunos compensem a falta de assiduidade. “Como já foi proposto pela escola e pelos serviços do Ministério da Educação, há lugar a validações excecionais de percurso escolar, mediante aceitação das medidas de recuperação.”

No entanto, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na quinta-feira passada, admitiu a providência cautelar dos pais e suspendeu da eficácia dos atos administrativos.

“Na sexta-feira, o diretor do agrupamento quis marcar uma reunião para ir resolver a situação, mas eu já tinha a decisão da juíza”, conta Mesquita Guimarães.

A escola e o ministério têm dez dias para deduzir oposição.

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Esta situação terá, agora, de resolver-se na justiça?

Sim. Se o secretário de Estado João Costa diz esperar que “o direito à educação dos alunos prevaleça, independentemente do local de resolução”, o pai dos dois alunos está disposto a ir até às últimas consequências.

“Se o desfecho não for poder matricular os meus filhos no 7.º e no 9.º ano, estou pronto para continuar. Não vão voltar à escola para ter disciplinas em que já tiveram boas notas, não vão repetir o ano e não vão assistir a Cidadania. A escola e o ministério podem contra-argumentar, mas estou pronto a ir até aos tribunais da Europa”, esclarece.

Pelo caminho, poderia até procurar outra escola, uma internacional, por exemplo. “Mas este caso é pessoal e intransmissível, não vou desistir. Fui educado por ser livre, e tenho obrigação moral de lutar pela educação que quero para os meus filhos”, conclui Mesquita Guimarães.