Escrever que o feminismo está na ordem do dia corre o risco de ser um understatement, mas, mal ou bem, a afirmação serve de arranque para olhar para Hollywood com outros olhos. O exemplo mais recente do movimento que apela à emancipação das mulheres surgiu nos últimos dias num formato inesperado, hiperviolento e muitíssimo acelerado. Mad Max: Estrada da Fúria, que o Observador considerou o “filmaço do ano”, traz ao grande ecrã um conjunto de mulheres que, na luta pela sobrevivência, revelam-se destemidas e independentes q.b.

O protagonismo feminino que marca o enredo é assunto de debate um pouco por toda a Internet, mas é o britânico Guardian que põe o dedo na ferida ao argumentar que há quem, na pele masculina, considere o filme uma “conspiração feminina” de enormes proporções. A longa-metragem tem na atriz sul-africana Charlize Theron uma das suas personagens principais e, a julgar pelos valores de bilheteira que superam os 200 milhões de euros, as audiências têm, afinal, uma queda por heroínas.

A questão da igualdade de género tem sido um tema recorrente entre portas, nas entranhas da indústria do cinema. Antes de um quarto Mad Max ressuscitar o debate sobre a participação das mulheres nas películas, já o assunto calcava terreno — fosse na forma da conhecida desigualdade salarial entre atores e atrizes ou através do dress code sexista de Cannes. Os exemplos são muitos, pelo que vale a pena recordar os que mais deram que falar nos últimos tempos.

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D.R

– Há um problema de idade em Hollywood, isto é, com os pares que vivem histórias de amor no grande ecrã 

Há poucos dias, a atriz Maggie Gyllenhaal revelou um segredo pouco simpático associado à indústria: foi-lhe dito que, aos 37 anos, era demasiado velha para fazer de amante de um homem com 55. “Há coisas que são realmente decepcionantes sobre ser uma atriz em Hollywood e que me surpreendem constantemente”, contou em entrevista ao The Wrap. “Tenho 37 anos e foi-me dito recentemente que era demasiado velha para interpretar o papel de amante de um homem que tinha 55. Foi surpreendente para mim. Fez-me sentir mal, deixou-me zangada e, depois, fez-me rir.”

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Esta não foi a primeira vez que algo semelhante aconteceu, até porque a fórmula tida como romântica é recorrente e mostra um padrão comum: no que a casais diz respeito, ele é sempre bastante mais velho do ela. E não faltam exemplos que comprovam a realidade em causa, seja no filme O Lobo de Wall Street, onde existe uma diferença de 16 anos entre Leonardo DiCaprio e a atriz que faz de sua mulher, ou na película Na Terceira Pessoa, onde um Liam Neeson de 58 anos, que antes contracenou com mulheres oscarizadas da sua idade, divide o spotlight com uma Olivia Wilde de 29 anos.

– Alto, saltos rasos não entram… em Cannes

Ainda o Festival Internacional de Cinema de Cannes estava a decorrer quando foi alvo de uma polémica que deu muito que falar e pouco que calçar. A notícia de que um grupo de mulheres na casa dos 50 anos foi impedido de entrar numa das muitas exibições cinematográficas — por não estarem a usar sapatos de salto alto –, fez com que as más atenções se focassem no dress code do festival e as críticas dos fãs se acumulassem a um ritmo alucinante. O seu diretor, Thierry Frémaux, acabaria por pedir desculpas publicamente, ao reconhecer, de acordo com AFP, a possibilidade de ter existido um “momento de excesso de zelo”.

O certo é que ainda não foram extraídos todos os frutos da polémica, com a atriz e produtora Rashida Jones a ser das últimas vozes a juntar-se ao protesto, tal como conta a Hollywood Reporter. “[Isto] É parte de um problema maior, do qual os saltos altos são o pior. Eles fazem as nossas pernas ficarem mais bonitas, mas são sobretudo os homens que os projetam e que definem essas regras”, disse enquanto participava no The Nightly Show. “Se eles criam a regra de que eu tenho de usar saltos na passadeira [vermelha], então eu crio a regra de que vou usar rasos de cada vez que me pedirem para usar saltos.”

– Desigualdades que também chegam às contas bancárias

Ainda se lembra do ataque informático à Sony a propósito do filme Uma entrevista de loucos? Com o crime informático vieram a público documentos que provaram que tanto Jennifer Lawrence como Amy Adams foram pagas consideravelmente menos que os atores Christian Bale, Bradley Cooper e Jeremy Renner na película Golpada Americana — um e-mail datado de 2013 dava conta de que as atrizes receberam 7% dos lucros do filme e que o trio masculino auferiu 9%.

Resultado? O tema de desigualdade salarial tornou-se um tópico sensível, mas nem por isso menos debatível, com Charlize Theron a exigir a mesma quantia que o seu coprotagoniza, Chris Hemsworth, no filme The Huntsman (mais de oito milhões de euros). A notícia foi avançada no início deste ano pela Page Six que, citando fontes anónimas, escrevia que a atriz estava a marcar uma posição ao garantir um salário igual ao do ator australiano com quem contracena na longa-metragem.

Ainda há dias foi Salma Hayek quem fez questão de abordar o assunto, durante uma conversa organizada pela Variety e pela ONU Mulheres, no âmbito da campanha He For She (encabeçada pela atriz Emma Watson). “Isto é simples, é pura ignorância. Acham que o único valor que trazemos a um filme é enquanto objeto. O único tipo de filmes em que as mulheres recebem mais que os homens é nos filmes pornográficos. E não tem piada”, defendeu. “Há apenas uma coisa que motiva as pessoas e o poder nesta indústria, e isso chama-se dinheiro. Eles (Hollywood) têm de perceber o poder económico que nós podemos ter.”

– A falta de papéis substanciais para as atrizes mais velhas

No final de 2014, Russel Crowe dizia às atrizes mais velhas para agirem de acordo com a sua idade. A declaração, feita durante uma entrevista à edição australiana da Women’s Weekly, teve por base as colegas de profissão que se queixam da falta de papéis substanciais no grande ecrã a partir de uma determinada idade. Sobre isso, o eterno Gladiador argumentou que “a melhor coisa na indústria em que estou — filmes — é que há papéis para pessoas em diferentes fases da vida. (…) Acho que as mulheres que dizem isso [que os papéis acabaram] são aquelas que aos 40, 45 e 48, ainda querem interpretar a [rapariga] ingénua e não conseguem perceber porque não estão a ser escolhidas como as de 21 anos.”

As reações não se fizeram esperar, com críticas visíveis tanto da parte da Internet como de diferentes publicações internacionais. O assunto em questão tinha, então, uma dimensão considerável, até porque tinham sido várias as mulheres a expressarem uma preocupação semelhante, desde Helen Mirren, quando disse que viu muitas carreiras de colegas serem postas de lado face ao progresso de atores menos talentosos, Meryl Streep, que outrora argumentou que teria os dias contados — profissionalmente falando — aos 40 anos, e a atriz britânica Rose Byrne, que explicou o quão difícil é para uma mulher vingar na indústria cinematográfica.

– A problemática do Who/what are you wearing?

O que aconteceria se, em plena passadeira vermelha, os homens ouvissem as mesmas perguntas que as mulheres — “O que está a vestir?” ou “O que fez para ficar em forma?”? A mesma ideia teve o The Daily Telegrah que aproveitou uma cerimónia recente para fazer o derradeiro teste. O resultado final foi revelado em vídeo e mostra os homens (a quem as perguntas foram feitas) confusos e algo desagradados.

O fenómeno não tem nada de novo e faz parte do glamour associado à passadeira vermelha. Mas é só nos últimos tempos que se ouvem relatos de atrizes zangadas com as questões tidas como sexistas. É o caso de Scarlett Johannson que se revoltou contra uma entrevista em duas ocasiões enquanto promovia o novo filme da saga Os Vingadores. Primeiro, perguntaram-lhe como ficou em forma para o papel de Viúva Negra e, depois, se conseguia usar roupas por baixo do fato da personagem que interpreta no filme. “Que tipo de entrevista é esta?”, protestou, então, a atriz.

Por esse motivo, a rede social Twitter passou a ser usada para dar voz a campanhas como aquela que tem como iniciativa, desde fevereiro de 2014, mudar o tom de conversa que domina as cerimónias de entrega de prémios em Hollywood — chama-se #AskHerMore e, tal como a hashtag deixa entender, pretende que sejam colocadas perguntas de relevo às mulheres. Outra forma de feminismo, ainda que não das mais evidentes.