O corte é à escovinha, reluzente de gel, patilhas com aprumo, finas e desenhadas. Pedro Proença sempre teve, como árbitro, um cuidado extremo com imagem na hora de subir ao relvado, vestido de negro ou florescente, bem engomado, apito na mão, cartões no bolso, mas nunca se confessou como “um vaidoso” — quem o conhece bem, diz que é. Mas também não importa se o é ou não. Quando apita, trata os jogadores por “meu querido”, não se impõe mas faz-se impor, e todos o respeitam, quer jogadores, quer dirigentes ou adeptos.

O ex-árbitro internacional português deixou de apitar a 22 de janeiro. O último jogo que arbitrou como profissional foi um Cruz Azul-Auckland City, em Marraquexe, que definiria o terceiro e quarto classificados do Mundial de Clubes, em dezembro. Não apitou a final, entre Real Madrid e San Lorenzo, por, alegadamente, o presidente do clube argentino se ter insurgido contra a nacionalidade de Proença, a mesma de Cristiano Ronaldo. Acabou por ser um guatemalteco, Walter López, a dirigir o encontro. E o San Lorenzo lá perdeu, 2-0, num jogo sem história e sem discussão. Nem o Papa Francisco, que é um fervoroso adepto do San Lorenzo, valeu ao clube argentino.

Mas voltemos a 22 de janeiro, em Lisboa. Proença justificou a decisão de deixar a arbitragem com o “desgaste físico e mental” que sofreu durante a longa carreira que teve. Árbitro desde os 17 anos, Pedro Proença subiu à primeira categoria em 2000. Tornou-se internacional em 2003, marcando presença nas fases finais do Euro 2012 (em que dirigiu a final) e do Mundial 2014. Proença dirigiu, como profissional, 466 jogos, dos quais 362 em competições nacionais e 104 em competições internacionais. Internacionalmente, esteve em 37 jogos da Liga dos Campeões, incluindo a final de 2012, em Munique, entre o Bayern e o Chelsea.

No adeus, Pedro Proença Oliveira Alves Garcia, lisboeta, de 44 anos, confessou: “Tenho consciência de que deixo uma imagem de competência, profissionalismo e credibilidade perante todos os agentes desportivos com quem me cruzei. Mesmo reconhecendo que possa ter errado dentro de campo — e sofrendo com esses mesmos erros –, estou consciente de que muito fiz para melhorar as minhas capacidades”. Mas Proença confessou mais, confessou que não rejeitaria regressar ao futebol e à arbitragem. “Estou disponível para contribuir no que for necessário em prol da arbitragem e do futebol português”. E regressou. Primeiro, para ser, desde a sua retirada, membro do Comité de Árbitros da UEFA, e, desde hoje, para ser candidato à presidência da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com eleições marcadas para final do mês, a 28 de julho, contra o atual líder, Luís Duque.

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Duque tem o apoio garantido de oito clubes: Benfica, Braga, Belenenses, Boavista, Tondela, Oriental, Mafra e Farense. Mas Proença, metódico, exigente e sempre rigoroso, só avançaria caso tivesse a certeza de que disputaria a Liga em condições iguais. Com o não-apoio (o que é diferente de dizer que apoiam Pedro Proença) de Futebol Clube do Porto (que apoiou Luís Duque na primeira eleição) e Sporting ao atual presidente, Proença viu-se com hipóteses de vencer, e a reunião que teve, esta quarta-feira de manhã, em Oliveira de Azeméis, com todos os clubes da Segunda Liga, fê-lo, por fim, avançar.

Foi ao tapete. E foi-o por mais do que uma vez. Mas voltou sempre

10 de setembro de 2000. Foi num domingo à tarde, na Vila das Aves, distrito do Porto, que Pedro Proença apitou o seu primeiro jogo na Primeira Liga. Um Desportivo das Aves-Campomaiorense. O jogo foi duro, ríspido até, terminou empatado, e Proença distribuiu oito cartões amarelos. No final, Proença e os três assistentes só conseguiram sair do estádio, mais de duas horas depois do jogo, sob escolta policial. “O jogo correu-me mal. Mas ficaram alguns cartões por mostrar e alguns penáltis por marcar”, explicava um, então, jovem árbitro Pedro Proença. Mas não desmoralizou. Nesse ano apitou mais dois jogos. Seguir-se-iam 14 épocas e 175 jogos na Primeira Liga.

Não quebrou Proença naquela tarde, longa, na Vila das Aves, como não quebraria nunca. No mais infeliz dos seus dias como árbitro, foi violentamente agredido por um adepto benfiquista no Centro Comercial Colombo, em agosto de 2011. “Podemos cair e ir ao tapete, mas nunca nos vencerão”, reagiu o ex-árbitro na sua página do Facebook.
Mais tarde, em 2014, numa entrevista ao Diário de Notícias, confessaria que, aquele episódio, “continua a ser o pior que me aconteceu na carreira”.

Pedro Proença nunca escondeu o seu benfiquismo, clube do qual é sócio desde jovem. Mas chegou a ser andebolista do rival da Segunda Circular, o Sporting, clube que trocaria, nem de propósito, pelo Benfica. Mas o benfiquismo de Proença até lhe valeu uma desavença com o presidente do clube da Luz, Luís Filipe Vieira. Na época de 2011/2012 o Futebol Clube do Porto venceu o Benfica, na Luz, por 2-1. O golo irregular de Maicon, mas que Proença deu como válido, fez correr muita tinta na imprensa, muito bate-boca fora dela, e Vieira chegou mesmo a acusá-lo, ao ex-árbitro: “O senhor Proença que deixe de arbitrar jogos do Benfica, se ele se sente condicionado. Era um favor que prestava a todos os benfiquistas e ao futebol”. Mas no dia do adeus de Proença à arbitragem, em janeiro, Luís Filipe Vieira, que prefere ver Luís Duque ser reconduzido na Liga, estava lá, na primeira fila, ao lado de Bruno de Carvalho e Antero Henrique, do Futebol Clube do Porto. Ao Diário de Notícias, na véspera de partir para o Mundial do Brasil, em 2014, Proença reafirmou: “Sou benfiquista como sou muitas outras coisas. Há coisas em que nunca mudamos. O que mudou nos últimos anos é ter passa­do a ser visto de uma maneira diferente.”

Pedro Proença é casado, pai de uma menina de 4 anos, Joana, e vive em Lisboa. Fora dos relvados, licenciou-se em gestão de empresas no Instituto Superior de Gestão, e começou a trabalhar como auditor, pouco depois, em outubro de 1995, aos 22 anos, na KPMG. Hoje, e desde 2000, é diretor da Natureza Verde, em Leiria, uma empresa que faz recolha e transporte de resíduos sólidos. À parte disso, tornou-se, em 2003, administrador de insolvências, dando apoio técnico a magistrados em comarcas de todo o país. De há sete anos para cá, tornou-se também proprietário de uma empresa metalúrgica, a Fanamol, especializada em molas para os setores automóvel e industrial.

Mas o que Pedro Proença, ou “PP”, como o miúdo traquina (“era brinca­lhão, fazia as minhas traquinices como outro miúdo qualquer. Fazia as parvoíces normais”, recordou, Proença, ao Diário de Notícias) era chamado pelos amigos com quem brincava na rua, realmente gosta, é de futebol. Sempre foi. Pedro Henriques, também ex-árbitro de futebol, confessou em janeiro, ao portal Mais Futebol, que Proença é bom de pés e não só de apito. “Costumávamos organizar algumas peladinhas e ele era muito bom jogador. E não gostava nada de perder. Era muito competitivo.” Agora, pendurado o apito — e como a idade já não lhe permitirá ser futebolista –, Proença quer ser presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.