Foi há quase dois anos que Maria de Belém começou a dizer aos seus mais próximos que não excluía a hipótese de se candidatar a Presidente da República. Mas a ex-presidente do PS não tinha previsto fazê-lo já – acabou por antecipar o anúncio de candidatura, depois de sentir que o seu partido se preparava para apoiar o ex-reitor da Universidade de Lisboa, sem lhe dar a hipótese de entrar antes na corrida e de convencer os militantes do PS de que devia ser ela a candidata do PS.

O gatilho da decisão veio na semana passada, segundo disse ao Observador um dos seus apoiantes de primeira hora. Quando António Costa deu uma entrevista à Visão na última quinta-feira, apresentando Sampaio da Nóvoa como um candidato da ala socialista por quem tem “estima”, Maria de Belém foi inundada com telefonemas. Muitos de autarcas do PS e líderes de concelhias, para quem o ex-reitor tem ligado pedindo encontros e para marcar presença na estrada.

“Quem acelerou o processo foi o Costa”, acusa um outro apoiante da ex-ministra da Saúde, explicando que o secretário-geral socialista “percebeu as movimentações e começou a precipitar o apoio do PS a Sampaio da Nóvoa”. “Havia o risco evidente de esse apoio aparecer sem haver consulta aos órgãos oficiais do partido. Muitos lhe [a Maria de Belém] disseram isso: que precisavam de saber se ela ia ser candidata ou não, para saberem o que fazer.” Na prática, Maria de Belém quis travar, portanto, que o aparelho socialista ficasse entregue ao ex-reitor, aparentemente o preferido de António Costa para a corrida presidencial.

Um outro apoiante da agora candidata oficial acrescentou ao Observador a ideia que motivou a decisão. Na prática, Belém avançou para evitar “que as pessoas se fossem aproximando de Sampaio da Nóvoa. Se não aparecia, era ele quem ia ocupar o vazio”.

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Um mês sob pressão

Maria de Belém confirmou tarde desta preferência. Mas terá ficado sem dúvidas quando Costa a convidou para encabeçar a lista do PS no Porto, nas próximas legislativas. Belém recusou, explicando ao líder que os seus planos podiam passar por outra eleição, a presidencial. E ficou aí combinado que seria antes suplente em Lisboa, cargo honorífico que permitia aos dois dizer do empenhamento da ex-presidente nas legislativas. Foi aí que os apoiantes, conta um deles ao Observador, perceberam que não havia volta atrás. A candidatura estava lançada e Maria de Belém tinha, com esta recusa em ser cabeça-de-lista, mostrado que seria mesmo candidata.

Nessa conversa, Costa não disse a Maria de Belém o que tencionava fazer nas presidenciais – o que, de resto, voltou a acontecer numa conversa mais recente. Mas precisamente quando se formavam as listas de candidatos do partido, houve duas notícias (seguidas) que foram vistas pela agora candidata como o sinal decisivo que Costa não a queria apoiar: uma dizendo que Carlos César, o seu substituto no Rato, tinha reunido com Sampaio da Nóvoa e lhe tinha prometido apoio do partido; outra dizendo que Costa tinha um plano para ela própria: a presidência da Santa Casa da Misericórdia – sinal de que o seu partido não tinha interesse na sua candidatura.

Estas movimentações mais profundas do último mês acentuaram-se com a entrada em cena de um apoiante/organizador. Luís Reto, reitor do ISCTE foi dos mais ativos nos incentivos à agora candidata, que confirmou a decisão com o apoio da família, em especial do marido, contou um dos apoiantes.

Por esta altura, já os seus mais acérrimos apoiantes tinham na mão uma sondagem, que lhe foi entregue para dar ânimo, como conta ao Observador um dos presentes. Mostrava que Maria de Belém “tinha, sem fazer nada, mais notoriedade e maior recetividade à direita do que Sampaio da Nóvoa”. Na semana passada uma outra confirmou a tendência: a socialista estava quatro pontos à frente do ex-reitor, colocando-se como a mais bem colocada à esquerda para passar à segunda volta.

Ora estas movimentações desembocaram numa outra que deu a ver ao público que as mexidas para uma candidatura a Belém já estavam mais avançadas do que a simples vontade da candidata. Pelo meio foram aparecendo apoios, uns mais surpreendentes que outros. Como Marçal Grilo, ex-ministro da Educação. Como uma petição cheia de personalidades e ex-reitores, apelando à sua disponibilidade. E também aproximações, como Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas, que fez questão de dizer que o cargo de Presidente da República tem que ser entregue a políticos experientes.

Perante os apoios que foram surgindo e a vontade que ia aumentando, Maria de Belém, depois de umas curtas férias, desdobrou-se em reuniões e telefonemas. Há um apoiante que garante que as conversas mais importantes são u ato solitário: “Tem feito tudo sozinha”. Contudo, várias são já as pessoas que a estão a ajudar no terreno.

Belém informou Costa… e pouco mais

Depois da pressão dos últimos dias, Belém decidiu formalizar a sua vontade. E escolheu o dia da entrega das listas do PS de Lisboa, onde apareceu ao lado de António Costa, para avisar o líder que a decisão era irreversível.

A candidata não avisou nem os seus principais apoiantes, que em larga medida foram apanhados de surpresa, em férias, com a escolha do dia. Agora, não tem pressa: dizendo que só avançará no terreno depois das legislativas, Belém terá mês e meio para montar a estrutura de campanha nos bastidores. Os seguristas, por exemplo, irão aparecer a apoiá-la, mas com cuidados – para não fazer da candidatura uma de fação. Com eles virão, confiam os seus mais próximos, autarcas, líderes do aparelho e – sobretudo – pessoas com poucas ou nenhumas ligações ao PS. “Isto arrancou bem”, diz um deles ao Observador.

Acabou-se a indecisão. “Ainda bem”

António Costa até sorriu quando foi confrontado em plena entrevista em direto na SIC Notícias. Já sabia o que ia acontecer, mas não o espalhou pelo Largo do Rato. Alguns dos mais próximos foram apanhados de surpresa pelo anúncio, mas não pela vontade. “Não constituiu surpresa nenhuma. E é indiferente face ao tabu que já estava a ser criado”, conta um elemento próximo de Costa ao Observador.

O sentimento é o de que mais vale acabar já com a indecisão do que prolongar as perguntas da comunicação social sobre presidenciais. António Costa já disse que vai “repetir a cassete” – ou seja só depois das legislativas é que vai dar apoio – o que tenderá, acreditam, a comunicação social a desviar o foco depois do anúncio claro de Maria de Belém. “Era pior andar para trás e para a frente. Ainda bem que ela anunciou, agora temos tempo para nos dedicar às legislativas”, conta outra fonte.

Na prática, a frase de Costa acaba por deixar Sampaio da Nóvoa em suspenso até depois das legislativas. O candidato contava com o apoio do PS e foi dos primeiros a reagir ao anúncio de Maria de Belém, dizendo que estava “agradado” com a decisão.