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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A busca difícil pelos desaparecidos nas cheias: “Espero que morta, pelo menos, apareça. Viva não tenho esperança”

Famílias em Sedaví continuam à procura dos corpos de desaparecidos nas cheias em Valência. Uma equipa especial acaba de chegar de Madrid: “Procuramos alguém com vida, mas só vemos mortos.”

Francisco Murgui saiu de casa esta terça-feira à noite, pouco depois de a Proteção Civil espanhola ter alertado a população para a tempestade. Queria salvar o carro e a mota que tinha na garagem. “A última coisa que sei é que os vizinhos o viram agarrado a uma árvore antes de ser levado pela corrente”, conta a filha, Maria Murgui. “Não sei se alguém o conseguiu salvar ou se foi para algum lado. Se aconteceu alguma coisa, não sabemos, porque ninguém nos diz nada.”

Maria, a mãe e o irmão, residentes em Sedaví, uma povoação de 10 mil habitantes a poucos quilómetros de Valência, estão numa busca incessante pelo homem de 57 anos cuja imagem está a ser partilhada nas redes sociais com a palavra “desaparecido”. “Começámos a enviar a fotografia para toda a gente, falei com meios de comunicação daqui de Espanha, falei com a polícia, com bombeiros, guarda civil. Não dizem nada. Não fazem nada. Estão só a resgatar cadáveres e a esvaziar garagens.”

A jovem de 27 anos não se resigna. Fala com o Observador por telefone enquanto procura o pai em localidades circundantes. Descreve-o com todos os detalhes que consegue: “É moreno. Mede um metro e oitenta. Tem barriga, mas as pernas magras. Tem vestido um casaco da Adidas preto com riscas brancas e uns calções azuis. Não me lembro de que sapatilhas tinha, senão também te dizia.” A voz é límpida, o tom seguro: “Estou a tentar manter a calma para não perder o controlo. Há que tentar continuar e procurar uma solução.”

As imagens das ruas de Sedaví, onde tudo aconteceu, foram das primeiras a dar a volta ao mundo na imprensa internacional, com uma fotografia do município valenciano a ilustrar o impacto das cheias repentinas: uma rua a rebentar pelas costuras com pilhas de carros arrastados pelas chuvas. Mas nos últimos dias tem sido Paiporta o centro de diretos e manchetes, e a situação em Sedaví tem sido menos visível — mesmo que a devastação neste município de Horta Sud não seja menos preocupante. Pelo menos 12 pessoas morreram, mas todos temem que o número aumente à medida que avancem os trabalhos de busca e as limpezas. Há muitas caves nas casas desta localidade, atestam moradores. “Até que não saia toda a água das caves, não vamos saber [o número de desaparecidos]”, confirma fonte dos bombeiros ao Observador. “Onde há caves, há gente”. Tal como em Paiporta, a falta de chuva na região teve um efeito perverso: como não havia risco de precipitação, não se alertou a população com a antecedência necessária. “Aqui não se alertou ninguém”, confirma a mesma fonte. Esta quinta-feira, o autarca de Sedaví, José Francisco Cabanes, deu um grito de alerta sobre a situação no município: “Se não vierem [ajudar], vai começar a haver infeções e doenças.” A ajuda humanitária é “muito urgente”, clamou.

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A polícia cortou as estradas e os acessos, não há rede móvel ou eletricidade e a água potável é incerta. Fonte dos bombeiros fala ao Observador em 800 pessoas desaparecidas, mas as autoridades não têm querido confirmar oficialmente os números — o jornal espanhol El Diário cita um documento do comité de emergência para o desastre que fala em 2.500 pessoas registadas como desaparecidas, através das chamadas de familiares e amigos para o número 112. Só esta quinta-feira, terão sido localizadas com vida 600 dessas pessoas. O que significa que a lista de pessoas a procurar junta agora 1.900 nomes.

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Encarnacion Planels, 85 anos, ainda está por encontrar. A porta da casa onde vive, no centro de Sedaví, está escancarada. Lá dentro, as sobrinhas varrem a lama para a rua. “Ninguém a viu, mas não aparece e dentro de casa está tudo destruído”, diz Pepa Juan. “A minha tia vivia sozinha. Ao princípio ainda pensámos que alguém tinha arrombado a porta, mas não, foi a água. Ela estava muito mal das pernas, andava com um andarilho, não subia ao andar de cima da casa.”

A sala, ainda que destruída, está repleta de fotografias nas paredes com imagens de penteados de outros tempos. Solteira e sem filhos, Encarnacion foi cabeleireira antes de se reformar, e chegou a usar o piso térreo como salão para receber clientes. As máquinas do salão estão agora na rua com memórias de outras vidas.

“Ouviu-se ‘socorro, socorro’”, conta uma vizinha, que viu como a água destruiu a porta ao lado. A angústia das sobrinhas de Encarnacion é notória. “Desde terça-feira que não nos dizem nada. As autoridades não fazem nada. O único que fazem é não nos deixar passar para poder ajudar”, diz Pepa Juan, que caminhou uma hora com a irmã para chegar à povoação. “Graças a Deus que há gente humana que vem e que ajuda. Isto está um caos. Uma senhora saiu para levar o lixo e a água levou-a. Outra senhora estava morta há dois dias debaixo de um carro e ninguém dava por ela.”

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“Foi este jovem muito amável e com muita força que a retirou dali”, conta uma vizinha, na rua ao lado, apontando para um jovem de t-shirt encardida e rosto cansado. Este responde: “Pus-lhe uma manta e pu-la dentro da mala do carro dela. Não a podia deixar ali. Não podemos deixar gente assim.”

Nas últimas horas, alguns dos casos de desaparecimento têm resultado neste desfecho. As cheias em Valência fizeram já mais de 200 mortes. Na Câmara Municipal de Sedaví há uma lista de pessoas desaparecidas, de acordo com relatos de quem garante ter dado os nomes ao organismo. Questionado pelo Observador, a autarquia remete explicações para um centro de apoio local, que as devolve para a Câmara.

“Dizem que nos dizem se souberem de alguma coisa. Mas até agora nada”, reafirma a sobrinha de Encarnacion. “Ontem já perdi a esperança. Espero que [a minha tia] morta, pelo menos, apareça. Mas viva não tenho esperança.” Quanto tempo é muito tempo? “Aconteceu na terça. Esperava que na quarta nos dissessem alguma coisa, mas nada. Quinta, nada. Se alguém encontra alguém supõe-se que diga à Câmara ou à Cruz Vermelha que tem alguém em sua casa. Diz-se às autoridades. Se não disse nada às autoridades, é porque não [está viva], é porque não.”

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Fonte dos bombeiros de Alicante revela ao Observador que desde quinta-feira que a busca por pessoas desaparecidas foi interrompida e que, neste momento, o foco é a recolha de corpos mortos. “Há já muito pouca esperança de vida. Ontem, a equipa parou.”

É um trabalho de contra-relógio aquele que cabe à equipa de bombeiros ERICAM (sigla de Grupo de Emergencia y Respuesta Inmediata de la Comunidad de Madrid), uma equipa especializada em resgate e buscas urbanas que acaba de chegar da capital espanhola. São 50, entre bombeiros, médicos e busca canina. Chegaram esta sexta-feira a Valência e começaram precisavamente por Sedaví e Benetússer, duas das povoações mais afetadas. “Procuramos alguém com vida, mas só vemos mortos. Já encontrámos quatro mortos.”

Os elementos desta equipa estão habituados a trabalhar em situações limite, como terramotos ou incêndios. Aqui, trabalham coordenados com os bombeiros locais e dirigem-se a pontos onde se suspeita que haja vítimas. É o caso de um parque de estacionamento no centro de Sedaví que está completamente alagado.

Três bombeiros com material impermeável entram pelo mar castanho. Um deles mergulha até uma ponta vermelha no oceano barrento. É um carro. Com recurso a um ferro, parte a janela e o veículo começa a flutuar. “Está vazio”, ouve-se com alívio. Entretanto, chega uma carrinha para começar a retirar a água do parque. Lança-se um tubo para a água. “Dá-lhe, Pedro.” O cabo mexe-se como se tivesse vida própria. A carrinha suporta cinco mil litros de água e não tarda a estar cheia.

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Um dos bombeiros, com material de mergulho, nada no primeiro piso (-1) do parque de estacionamento. Cinco carros estão à tona, identifica pouco depois. Esses estão vazios, mas há muitos mais submergidos por verificar. Além disso, o parque tem um segundo piso inferior (-2). Esvaziar toda a água que ali se concentra será um trabalho de dois a três dias, asseguram.

É uma das raras situações em que um bombeiro pode resgatar um corpo, explicam ao Observador. Se o corpo estiver submergido, podem trazê-lo até à entrada do parque, mas, nos outros casos, não se deve tocar no corpo da vítima, e é necessário chamar um médico forense — o que, nas situações testemunhadas pelo Observador, em ruas de difíceis acessos bloqueadas por montanhas de carros e lama, se revela difícil. A passagem de uma carrinha funerária é o desfecho que todos receiam, mas que muitos antecipam.

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