André Ventura arrependeu-se de não ter estado com o Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. Apesar de ter, propositadamente, viajado até à Madeira para fazer campanha eleitoral, e mesmo tendo tido o conforto da ala mais conservadora do partido, que gostou desta forma de protesto anti-Francisco escolhida ativamente por Ventura, o líder do Chega sentiu necessidade de explicar aos seus mais próximos o porquê de ter decidido escrever uma carta ao chefe da Igreja Católica a pedir desculpa pela sua ausência.
Com todos os olhos postos em Lisboa, nas centenas de milhares de peregrinos e nas palavras do Papa Francisco durante toda a presença no evento, a ausência daquele que é o líder político que mais fala publicamente de Deus foi notada e questionada — até nos círculos mais próximos do presidente do Chega, da Igreja à política. Para André Ventura, terá sido delicado gerir este caso. No fim de ter pesado tudo o que aconteceu, decidiu fazer uma espécie de ato de contrição público, assumindo que errou e pedindo desculpa ao Papa.
André Ventura é um crítico frontal do Papa Francisco. Aliás, a relação dos partidos-irmãos do Chega com este Papa tem sido particularmente difícil. Como contava aqui o Observador, apesar de não ter justificado publicamente as razões que o levaram a estar longe da capital naqueles dias, ao núcleo duro do partido chegou a deixar recados: “Um Papa que recebe ditadores comunistas [uma referência a Lula da Silva] e recusa receber líderes de direita [Francisco não quis receber Matteo Salvini] não merece muito o nosso compromisso.” Ou seja, a decisão de faltar ao evento foi premeditada e teve razões políticas. Mas terá começado a tornar-se um dilema moral para Ventura.
O Observador sabe que o líder do Chega decidiu avisar os deputados do próprio partido que tinha escrito aquela carta a Francisco, fazendo questão de frisar que se tratava de uma decisão meramente pessoal que não vinculava o Chega. Ciente de que a ausência do presidente da terceira força mais votada do país (só mimetizada por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda) pode ter provocado divisões no partido, e para evitar mais danos colaterais, Ventura falou com os seus mais próximos precisamente para enquadrar aquela carta enviada a Francisco.
Nessa comunicação enviada aos deputados, a que o Observador teve acesso, André Ventura não só reconhece que “não morre de amores por este Papa”, como assume que decidiu conscientemente “não estar [presente] nos eventos oficiais da JMJ”. Porém, aproveitou para partilhar que, apesar das razões que o levaram a evitar o Papa, não houve qualquer abalo na fé: “Não confundo, no entanto, a árvore com a floresta, e a minha obediência ao Papa e à Igreja mantém-se como sempre esteve desde que me batizei.”
Ventura justificou também a divulgação de excertos da carta na comunicação social pelo receio que tinha de que a mesma fosse difundida de forma “falseada ou até manipulada”. O Observador sabe que o líder do Chega tem feito questão de sublinhar, no seu círculo mais próximo, que esta é uma causa pessoal — ignorando as eventuais consequências políticas que podem vir daí. Que não são exatamente fáceis de antecipar: se é verdade que, tal como o Observador noticiou, a ala mais conservadora do partido está bastante confortável com o facto de o líder ter preferido afastar-se de um Papa considerado por muitos demasiado progressista, também não é menos verdade que há uma parte do eleitorado católico que alimenta o Chega e que não terá encaixado a decisão do presidente do partido.
O líder do Chega não divulgou a carta ao Papa Francisco na íntegra por nela estarem também refletidas questões pessoais e também quis deixar o Chega fora desta discussão — ainda que separar o partido de um líder como Ventura acabe por ser praticamente impossível. Vários dirigentes e deputados do Chega marcaram presença nos eventos oficiais da Jornada Mundial da Juventude e, ainda assim, a ausência do presidente do Chega não passou despercebida. Pelo contrário.
Aos deputados, André Ventura quis deixar claro que a carta o vincula única e simplesmente a si enquanto pessoa. “Faço[-o] em nome estritamente pessoal, sem jamais vincular o nome do Chega, dos seus deputados ou dirigentes. Fi-lo em meu nome e sem usar o nome de mais ninguém. Muito menos o do partido.” E numa das últimas frases da mensagem enviada aos deputados do Chega, o presidente do partido reconhece um arrependimento pelo facto de não ter marcado presença na JMJ e justifica a carta ao Papa Francisco: “Fi-lo porque não me sentia bem com a minha consciência e com a minha fé se não o fizesse.”
A chamada que abalou Ventura
O Observador sabe que houve uma chamada no arranque da JMJ que contribuiu para que André Ventura começasse a repensar se tinha tomado a decisão certa ao evitar cruzar-se com o Papa. Falou com um bispo português e foi nesse momento que decidiu que escreveria uma carta a Manuel Clemente a explicar as razões, até por ser próximo do cardeal-patriarca de Lisboa desde os tempos em que vivia em São Nicolau.
Porém, e tendo em conta que a ausência de Ventura se justificava com o facto de não gostar deste Papa — chegou a acusar Francisco, em entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, de estar a prestar “um mau serviço ao cristianismo” –, o líder do Chega optou por dirigir a carta diretamente ao chefe da Igreja Católica. O Observador sabe que entregou a missiva, noticiada pelo Correio da Manhã, a um amigo padre que está a estudar em Roma para se assegurar de que chegava mesmo a Francisco. Não há, todavia, qualquer garantia de que a carta tenha chega ao seu destinatário, uma vez que o correio do Papa é altamente controlado e filtrado.
Apesar disso, Ventura decidiu que seria assim que resolveria parte do seu problema de consciência. Recorde-se que a ausência do líder e de Pedro Pinto, presidente da bancada parlamentar do Chega, no evento institucional no CCB, onde o Papa Francisco dividiu palco com Marcelo Rebelo de Sousa e em que os partidos podiam estar representados, obrigou o Chega a requerer uma autorização especial para que Pedro Frazão substituísse o líder do Chega. “Confesso que podia ter estado no CCB com Sua Santidade e não desejei esse encontro. Peço a Deus que me perdoe por isso e tenho tido todas as dificuldades com a minha própria consciência. Mas tomei a decisão em consciência e assumo-a”, escreveu na carta enviada ao Papa Francisco.
Mesmo não tendo estado em qualquer evento oficial, André Ventura disse ao Observador que foi ao Parque Tejo no fim de semana, onde decorreram os eventos de encerramento da Jornada Mundial da Juventude. Afirma que não o fez como presidente do Chega, mas como crente — longe das câmaras e da área VIP onde vários políticos tiveram assento — e foi o primeiro momento em que se entendeu que poderia estar arrependido do que tinha feito.
Ventura exilou-se na Madeira para evitar Papa. Ala mais conservadora do Chega confortada