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Pedro Passos Coelho deu uma longa entrevista a Maria João Avillez no podcast "Eu estive lá"
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Pedro Passos Coelho deu uma longa entrevista a Maria João Avillez no podcast "Eu estive lá"

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Pedro Passos Coelho deu uma longa entrevista a Maria João Avillez no podcast "Eu estive lá"

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Afastamento de Montenegro? "É muito evidente que houve essa preocupação de tentar desligar"

Em entrevista a Maria João Avillez, ex-primeiro-ministro sugere que Montenegro se afastou deliberadamente da herança passista. Aponta críticas a Paulo Portas e reflete sobre a sua relação com Cavaco.

Mais de 90 minutos de uma entrevista que estava marcada há vários meses, a reconstituição na primeira pessoa de um período particularmente crítico da história política mais recente e muitas, muitas revelações. Em entrevista à jornalista Maria João Avillez, para o podcast do Observador “Eu Estive Lá”, Pedro Passos Coelho fala sobre os anos da troika, as medidas que teve de tomar e o impacto político que elas tiveram, a relação nem sempre fácil com Paulo Portas e ainda sobre os embates com Aníbal Cavaco Silva, com quem, apesar das discordâncias pontuais, manteve uma relação “impecável”. Nesta conversa, o antigo primeiro-ministro fala também de uma personagem política que nasceu a partir desse período, de quem se tornou progressivamente mais distante e que hoje veste o fato que já foi o dele: Luís Montenegro.

[Ouça aqui a entrevista de Pedro Passos Coelho]

Mesmo na reta final da entrevista, Pedro Passos Coelho, há muito um crítico pouco discreto da estratégia traçada por Luís Montenegro, defende que o agora primeiro-ministro está, como forma de afirmação política, ativamente a tentar “desligar-se” da herança passista e do seu passado enquanto líder parlamentar do PSD durante o período da troika. “[Montenegro] tornou-se uma possibilidade de liderança dentro do PSD pelo exercício que fez no Parlamento. De contrário, não creio que alguém se fosse lembrar dele por esse efeito. Teve essa oportunidade e trabalhou bem nela porque realmente foi um grande líder parlamentar. Portanto, ele faz parte dessa herança e desse legado. Em que medida é que ele se quer desconectar mais desse seu próprio passado também ou não, não sei. A mim parece-me que foi muito evidente durante os últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar”, reflete Passos.

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Nesta mesma linha, o antigo primeiro-ministro reconhece que ainda hoje não é uma figura consensual e que motiva reações “extremadíssimas” sempre que intervém. “Há pessoas que acham que fui extraordinário e há pessoas que acham que fui o fim do mundo e o pior que podia ter acontecido ao país. E ainda hoje se nota isso”, concede. Ora, continua Passos, o próprio partido que liderou teve e tem dificuldades em refletir esse mesmo legado. “Rui Rio era a minha oposição interna enquanto estive no governo. Era vocal, dizendo que não concordava com o que estava a ser feito e por aí fora. É natural que se sentisse menos obrigado a aceitar a herança política, o legado político que deixei, porque discordava dele.”

“A seguir foi Luís Montenegro, que apoiei de forma muito discreta, porque acho que quem já foi presidente não deve andar envolvido nas disputas internas, e que foi um grande líder parlamentar, nessa fase muito difícil em que eu estive à frente do governo. Mas, até por isso, tenho a preocupação, o grande cuidado, de não interferir. Faço isso com qualquer pessoa que tivesse trabalhado comigo. Não quero criar nenhum constrangimento às pessoas. E, portanto, quando me pedem opinião, eu dou. Se não pedirem opinião, não ando a chatear as pessoas a dizer ‘olha, acho que deves fazer assim, que deves fazer assado’. Zero. A minha relação é muito descomplexada”, diz.

Apesar de tudo, o antigo primeiro-ministro relativiza o afastamento entre os dois e sugere que é uma forma de Montenegro escrever também a sua própria história. Mas deixa um aviso: não vai deixar de dizer o que pensa por receio de melindrar o seu sucessor. “É importante que os partidos possam ter uma perspetiva para o futuro e não ficarem sempre só ligados ao seu passado. E, portanto, às vezes é um equilíbrio difícil de fazer. Não quer dizer que se renegue o passado, mas se andarmos sempre só a defender o passado ou com o passado ao colo, a gente não consegue abrir tanto futuro. Ele saberá como é que quer fazer as coisas e a última coisa que quero é andar a criar constrangimentos. Agora, também não posso ser impedido de, de quando em vez, poder dizer alguma coisa do que penso. E eu penso pela minha cabeça, evidentemente”, faz questão de frisar Pedro Passos Coelho.

"Julgo que ele não sabe isto, mas, para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, obriguei o ministro das Finanças a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. Paulo Portas não sabe disto. Não sabe que foi uma exigência minha, porque o que a troika exigia era uma carta dele, assinada por ele, porque não confiava nele."

“Portas não tinha uma noção realista das nossas possibilidades”

Nesta entrevista conduzida por Maria João Avillez, Pedro Passos Coelho é particularmente duro com Paulo Portas, com quem dividiu as despesas da governação durante aquele período, apesar da falta de “solidariedade” tantas vezes demonstrada pelo então líder do CDS. “Paulo Portas não tinha uma noção precisa, realista, de qual era o limite das nossas possibilidades. E uma vez que o seu partido tinha como bandeiras essenciais a questão fiscal, a questão dos impostos, a questão dos pensionistas, quando tivemos de tomar medidas que eram medidas gravosas, o CDS e Paulo Portas convenceram-se, a partir de certa altura, que era assim porque nós não defendíamos devidamente os interesses do país junto da troika”, lamenta o antigo primeiro-ministro.

Ainda antes da crise do “irrevogável“, o período mais tenso dessa relação, recorda agora Pedro Passos Coelho, aconteceu durante as negociações para a sétima avaliação da troika ao memorando de ajustamento, altura em que foi preciso encontrar medidas estruturais que permitissem tapar um buraco de 1300 milhões de euros depois de o Tribunal Constitucional ter chumbado um conjunto de medidas previstas no Orçamento do Estado. É por esta altura que nasce a “TSU dos pensionistas”, termo que Portas cunhou de “forma deliberada” para criar “um sobressalto no país e uma revolta no país”. “O próprio CDS não tinha uma medida alternativa. Não a apresentava. Não aceitava aquela, mas não apresentava uma equivalente”, lembra Passos. Seguiram-se momentos de impasse, de profunda divergência entre os dois partidos e que chegaram a ameaçar fazer ruir tudo.

“Informei o Presidente da República [Aníbal Cavaco Silva] e convoquei um Conselho de Ministros para explicar ao governo que íamos falhar a avaliação porque Paulo Portas não aceitava aquela avaliação. E, portanto, o que se passaria a partir daí era uma incógnita, mas uma incógnita limitada. A troika diria: ‘Então, se os senhores não querem fazer nada, também não querem mais dinheiro, com certeza. Então o que é que se viu? Para mim é um mistério, mas Paulo Portas mudou de opinião. Eu creio que foi o Presidente da República. Escreveu nas memórias que recebeu o doutor Paulo Portas nessa manhã antes do Conselho de Ministros e que ele mudou a sua opinião”, recupera o social-democrata.

A esse propósito, aliás, Passos faz mais uma revelação: a troika, a partir de certa altura, “percebeu que havia um problema com o CDS e passou a exigir cartas assinadas por Paulo Portas”. “Julgo que ele não sabe isto, mas, para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, obriguei o ministro das Finanças a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. Paulo Portas não sabe disto. Não sabe que foi uma exigência minha, porque o que a troika exigia era uma carta dele, assinada por ele, porque não confiava nele.”

Pouco depois desse período, em julho de 2013, Paulo Portas apresentou a sua “demissão irrevogável”, apanhando todos de surpresa. “Creio que o Presidente da República ficou, evidentemente, bastante magoado porque foi tomado de surpresa com a decisão de Paulo Portas, que foi anunciada publicamente e não foi comunicada previamente ao Presidente da República, a não ser por mim, quando percebi que ele estava mesmo a falar a sério e que se queria demitir. A ministra de Estado e das Finanças ia tomar posse naquela tarde, um secretário de Estado do CDS ia tomar posse com ela naquela tarde. Portanto, a situação era um bocadinho caricata. Não tinha nenhuma antevisão de que uma crise destas pudesse ser possível.”

"Há quem diga que tinha uma forma dura de comunicar, insensível. É provável que sim, mas era deliberado, de certa maneira. Porque se o primeiro-ministro aparecesse vacilante, choroso... Era preciso que as pessoas percebessem que havia um compromisso firme. As pessoas fora do governo, as pessoas dentro do governo e dentro das instituições. E essa foi a forma decidida que eu encontrei de fazer a comunicação. Admito que não fosse a melhor"

“Cavaco Silva desajudou algumas vezes”

Foi nessa altura que Cavaco Silva decidiu promover negociações entre Pedro Passos Coelho e António José Seguro na procura de uma solução entre os dois partidos, hipótese que o social-democrata sempre descartou. Paulo Portas acabaria por recuar e manter a coligação, mas a relação entre o líder do CDS e o então Presidente da República sofreu um enorme abalo. “O Presidente da República achou que o CDS podia não ser de confiança para assegurar as tarefas do pós-troika.”

De resto, nesta entrevista, Passos não esconde as divergências que teve com Aníbal Cavaco Silva, ainda que reconheça o facto de o então Presidente da República ter salvado “o governo mais do que uma vez” e de nunca ter retirado o apoio ao governo que estava em funções. Tive um relacionamento impecável com o Presidente da República. E, nos momentos difíceis, tive o apoio dele e isso foi importante e foi importante para o país. Porque, se tivesse falhado, o país teria falhado também.”

Mesmo assim, o antigo primeiro-ministro acredita que foram muitos os momentos em que o então Presidente da República levantou obstáculos difíceis de transpor. “Uma boa parte das decisões que o Tribunal Constitucional assumiu, assumiu no conforto de que o Presidente da República não concordava com elas. E ele foi muito vocal nessas matérias”, começa por dizer Passos. “Tive até discordância severa e assumida em termos públicos. E isso evidentemente que nem sempre ajudou. Algumas vezes desajudou.”

Em retrospetiva, Passos tenta encontrar uma justificação. “Julgo que o Presidente da República, não direi que da mesma maneira que Paulo Portas, porque o Presidente da República é um professor de Finanças Públicas, é um homem que foi primeiro-ministro há 10 anos e, portanto, era uma pessoa com outra preparação. Mas de outro tempo. Quero dizer, a leitura que o Presidente da República fazia do que se passava nas instituições europeias naquela época tinha pouco a ver com o que se tinha passado 20 anos antes na sua experiência governativa. Ele acreditava que as instituições tinham a obrigação de proceder de outra maneira, mas não procediam. E não era pelo governo português dizer, ‘olha, eu isso não faço’, que elas passariam a concordar connosco.”

“TSU dos trabalhadores foi um erro político”

Também nesta entrevista conduzida por Maria João Avillez para o podcast do Observador “Eu Estive Lá”, Pedro Passos Coelho fala sobre um dos momentos mais polémicos do seu mandato como primeiro-ministro — a TSU dos trabalhadores, que motivou uma das maiores manifestações desse período e que obrigou o governo a recuar — e de como ainda hoje tem “sentimentos mistos” sobre a medida. Ainda assim, o antigo primeiro-ministro já não tem grandes dúvidas sobre o resultado prático: “Foi um erro político”.

“Eu é que era o chefe de governo e eu é que tinha de tomar a decisão. O Presidente da República alertou-me. O CDS preferiria outras coisas, mas não queria um aumento de impostos. E esta medida acabou por ser prosseguida por mim, justamente porque resolvia o problema. Mas foi um erro político, não tenho dúvidas. Se me perguntar ainda hoje o que é que eu tinha feito em alternativa, continuo a dizer que não sei. Porque não havia nada com essa dimensão que eu pudesse apresentar e que a troika aceitasse. Depois teve de aceitar, porque manifestamente o país desfez a medida e, portanto, eu não podia prosseguir com ela”, recorda.

Ainda em retrospetiva, Passos reconhece que cometeu também muitos erros na forma como comunicava com o país. “Os problemas de comunicação foram realmente grandes. Acredito que pudesse ter feito melhor comunicação do que aquela que fiz. Concentrei muita da informação, sobretudo aquela que era mais negativa, porque nunca quis mandar ministros informar o país das coisas difíceis que tinham de fazer. Fui sempre eu”, começa por notar.

“E há quem diga que tinha uma forma dura de comunicar, insensível. É provável que sim, mas era deliberado, de certa maneira. Porque se o primeiro-ministro aparecesse vacilante, choroso… Era preciso que as pessoas percebessem que havia um compromisso firme. As pessoas fora do governo, as pessoas dentro do governo e dentro das instituições. E essa foi a forma decidida que eu encontrei de fazer a comunicação. Admito que não fosse a melhor”, termina.

Passos sobre ontem: “Os anos da troika? Perderíamos tudo se não corresse bem”. Sobre hoje: “Tenho uma relação descomplexada com o PSD”

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