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Não diz nunca a Marcelo, mas o mais perto que se coloca num apoio à recandidatura do atual Presidente da República é com um “não” a um candidato do PCP ou do BE. Ao contrário do ministro e dirigente socialista Pedro Nuno Santos, a líder parlamentar Ana Catarina Mendes é perentória a afirmar que “não” preferia votar num candidato presidencial da esquerda em detrimento de Marcelo Rebelo de Sousa. Tudo o mais é “extemporâneo”, até porque ainda nem estão no terreno todos os candidatos presidenciais.
Em entrevista ao programa Sob Escuta da Rádio Observador, Ana Catarina Mendes rejeita um bloco central mesmo depois da viabilização pelos sociais-democratas do Orçamento Suplementar — e insiste que os parceiros do PS nas negociações futuras são o PCP, o BE e o PAN. Até diz que a “pedra de toque” do PS para o próximo Orçamento é o combate à precariedade, o que vai ao encontro da grande bandeira de bloquistas e comunistas. Se isso passa por mexer nas antigas leis da troika, não revela.
Ana Catarina Mendes chegou ao estúdio do Observador para a entrevista a duas horas de uma das reuniões mais tensas que havia de ter na bancada do PS, em que o tema foi o fim dos debates quinzenais. Começámos por aqui.
[Veja aqui o vídeo completo da entrevista]
Debates quinzenais. “O primeiro-ministro vem 10 vezes ao Parlamento prestar contas”
Está aqui connosco numa altura em que surgem críticas dentro da sua própria bancada sobre o fim dos debates quinzenais. Isto depois de os projetos de PS e PSD já terem sido aprovado no parlamento, na comissão. Não houve esta discussão prévia no grupo parlamentar socialista?
Ao longo dos meses tem havido discussão sobre a alteração do regimento, designadamente a necessidade de ajustar o próprio regimento à nova atualidade. O quadro parlamentar hoje mudou substancialmente. Temos deputados únicos no Parlamento, temos várias forças políticas e foi necessário fazer um trabalho ao longo destes meses para garantir maior agilidade e também maior proporcionalidade nos tempos que são atribuídos a todos os parlamentares. A questão dos debates quinzenais é uma das que surgem no meio de vários temas. O que está em causa, essencialmente, é o exercício do Parlamento com a maior transparência possível, nunca perdendo de vista que o Governo tem a obrigação de prestar contas no Parlamento. Ao Parlamento compete fiscalizar. Ao Governo compete vir ao Parlamento.
A minha pergunta tinha a ver com o debate interno dentro do PS.
Tem havido debates internos, foram ouvidos vários deputados, foram acolhidas sugestões de variadíssimos deputados para este grupo de trabalho que foi coordenado pelo Pedro Delgado Alves, no âmbito da primeira comissão. E, como sempre no grupo parlamentar do Partido Socialista, as vozes não são sempre únicas, há sempre vozes discordantes.
Verdade, mas só se ouviram agora essas vozes porque Jorge Lacão, por exemplo, veio dizer que não houve essa discussão dentro da bancada parlamentar. Nas reuniões de que fala, houve pessoas que se manifestaram contra ou o que me está a dizer é que quem está a falar deveria ter falado antes, e não agora?
O próprio Jorge Lacão fez parte do grupo que deu sugestões para a revisão do Regimento da Assembleia da República. A questão aqui é a de ter menos vezes o primeiro-ministro no Parlamento, mas mais vezes os próprios ministros. Numa conta geral rápida, porque reduzir o grupo de revisão do regimento apenas aos debates quinzenais é redutor, há a ida do primeiro-ministro cinco ou seis vezes aos debates mensais; duas vezes aos debates do Conselho Europeu; uma vez ao debate do Estado da Nação; e uma vez ao debate do Orçamento. Portanto, num ano parlamentar de dez meses, são dez as vezes que o próprio primeiro-ministro estará a prestar contas no Parlamento. Devo recordar que foi o PS que, há muitos anos, passou de debates de seis em seis meses no Parlamento para debates mensais. Em 2007 avançou-se, também pela mão do PS, para os debates quinzenais.
Esse histórico que está a fazer é interessante porque é um histórico de mais escrutínio e não menos. Neste momento, o que estão a fazer é o contrário. É tirar o primeiro-ministro dos debates. Isto é factual: alguém que vai de 15 em 15 dias passa a ir, quanto muito, mensalmente.
Podemos olhar para isto focando no debate com o primeiro-ministro…
Que é uma coisa importante. Admite isso, ou não?
É fundamental em democracia. Mas o Governo não é só o primeiro-ministro. É o primeiro-ministro e todos os seus ministros. Também é papel do Parlamento não só ouvir o senhor primeiro-ministro, mas ouvir cada um dos ministros sectoriais, porque muitas vezes fica muita coisa por esclarecer. Fica na espuma dos dias ou fica nas páginas dos jornais, não fica num debate parlamentar. A ideia de, naqueles momentos em que não vai o primeiro-ministro, ter a presença de um ministro do Governo a prestar contas, é também isso.
Mas há uma figura para isso, que são as interpelações ao Governo.
Há as interpelações que surgem em função de uma situação qualquer que acontece no momento e que deve ser discutida e há debates de outra natureza, que são debates mais consistentes, com mais tempo. Não é uma interpelaçãozinha.
Os debates de atualidade e os debates de urgência também já têm a presença do governo.
Com grelhas muito pequeninas.
E não era suficiente ampliar essas grelhas?
Não. O importante é que todo o governo possa ser escrutinado nos mesmos moldes.
Não existe esse escrutínio nas comissões parlamentares, onde os ministros vão com muita regularidade? Não há falta de ministros no Parlamento, ou acha que há?
Não, acho que não.
Agora não vai haver falta do primeiro-ministro? Porque há pouco disse uma coisa interessante que é ter feito sugestões que também não foram acolhidas. Qual era a sua posição inicial sobre esta questão concreta dos debates com o primeiro-ministro?
O que defendi sempre, ao longo destes tempos, é que os debates quinzenais deixassem de existir porque não fazem sentido. Deve haver sempre prestação de contas e, portanto, o primeiro-ministro deve ir ao Parlamento. Nos meses em que não vai, deve haver um debate com um membro do Governo. Não considero que esta ampla reforma que foi feita para o Regimento da Assembleia da República retire transparência, fiscalização, ou sequer democracia.
O PS está agradecido ao dr. Rui Rio por avançar com esta questão agora?
Não tenho que estar agradecida. O que me interessa é o trabalho que estou a fazer, se dignifica ou não o Parlamento, se amplia ou não a capacidade de escrutínio a todo o governo, se permite que todos os governantes possam prestar contas junto do Parlamento e, através do Parlamento, junto dos portugueses. Estarei agradecida todos os dias em que eu conseguir cada vez mais aprofundar a democracia.
Peço-lhe para fazer aqui um exercício. O PS não vai ficar para sempre no poder, a democracia funciona assim. O que pensará desta alteração se for Rui Rio – ou outro qualquer – que estiver como primeiro-ministro?
Estará várias vezes, continuará a ser escrutinado e todo o governo é escrutinado.
O “valor da palavra” é suficiente na geringonça
Tem feito falta um acordo escrito com o PCP e o Bloco de Esquerda nesta legislatura?
Como sempre disse, não acho que o acordo escrito seja a pedra de toque para um entendimento à esquerda. Acho que é possível fazê-lo, é possível percebermos o que todos queremos para o país depois de uma sessão legislativa tão atípica, assolada pela tragédia da crise sanitária, a que se soma uma crise económica e social muito importante. Todo o pacote financeiro que foi conquistado na Europa deve ser bem gasto e gasto naquilo que é absolutamente essencial: melhorar a vida das pessoas.
Estava a falar-lhe da prática até agora, se nestes meses tem sentido essa falta de consistência.
Não, porque tenho sentido a capacidade de diálogo com a esquerda parlamentar. Não é a existência de um papel que a torna mais forte. É muito pelo valor da palavra e daquilo que são os compromissos assumidos entre nós.
Recentemente, António Costa falou da necessidade de uma “renovada estabilidade no horizonte da legislatura”. Está claramente a estender a mão à esquerda, que desconfia desta abordagem. O que gostava de perceber é o que vão tentar fazer, em concreto, no Parlamento. É uma reedição formal da geringonça? Há necessidade disso, até por causa desta situação sanitária que referiu?
Temos demonstrado, ao longo dos tempos, no Orçamento de 2020 e no Orçamento suplementar, que a nossa estratégia é prioritária com o encontro à esquerda, rejeitando as medidas austeritárias e ampliando cada vez mais a possibilidade de ter trabalho com dignidade. Por isso mesmo, os trabalhos para o Orçamento de 2021 já começaram, com reuniões com o Bloco de Esquerda, com o PCP, o PEV e com o próprio PAN, no sentido de termos um horizonte de legislatura com estabilidade. A pior coisa que se pode somar à crise sanitária, à crise social é à crise económica é uma crise política, que neste momento não antecipo.
No Orçamento suplementar, geriu as negociações do lado do PS e negociou com ambos os lados. E não foi só com a esquerda. Negociou também com o PSD. Foi mais fácil negociar com o PSD ou com a esquerda?
O que é que diz que eu negociei com o PSD?
O acordo para os sócios gerentes, por exemplo. Ou para o subsídio de desemprego. Houve várias questões.
No Orçamento suplementar, o PS apresentou uma proposta socialmente justa que não tinha sido apresentada por nenhum grupo parlamentar: dar proteção social a todos aqueles que, com as medidas no tempo da emergência e a seguir, não tinham ficado consagrados, ou seja, os trabalhadores informais, os trabalhadores domésticos.
Havia várias propostas à esquerda nesse sentido, que tinham inclusive a aprovação prévia do PSD, em anteriores votações que tinham sido feitas no Parlamento. Depois, essa votação foi alterada num acordo entre o PSD e o PS. É o caso dos sócios gerentes.
O caso dos sócios gerentes é muito simples. O próprio PSD percebeu que a proposta que queria o seu líder não era a que estava apresentada.
Ou seja, tinha visto mal.
E por isso corrigiu. Mas isso não teve a ver com um acordo entre PSD e PS.
Chumbo do PCP. “Isso não significa que para a frente esteja estragada a relação com o PCP”
Esta foi a primeira vez que o PCP chumbou um orçamento desde a formação da geringonça. E foi a primeira vez que o PSD se absteve. Isto significa o quê? Começou aqui uma nova fase?
Significa, como o próprio PCP disse, que, apesar das negociações, apesar do esforço de conciliação, apesar do esforço de encontrarmos soluções, há matérias que, para o PCP, foram intransponíveis e que consideraram não estarem consagradas neste Orçamento do Estado, nem refletirem as preocupações inscritas no programa de estabilização e de estabilidade. Não estou à espera que seja o voto para o próximo Orçamento de Estado.
Portanto, nos próximos orçamentos, o PS vai fazer de tudo para isso não voltar a acontecer.
O PS vai continuar a trabalhar seriamente com todos os partidos à esquerda para conseguir garantir a estabilidade política que se exige num momento destes.
Do seu ponto de vista, não se inaugurou uma nova fase, digamos assim, em que o PSD passa a fazer parte do jogo do PS?
Não. Temos que entender as circunstâncias. Houve um momento de união total no país no combate a um vírus que nos deixa inquietos a todos, que nos deixa uma incerteza enorme sobre o futuro, quando haverá vacina ou qual é a cura para este vírus. A prioridade foi reforçar ao máximo o Serviço Nacional de Saúde de forma a mitigar os danos, designadamente as mortes, que pudessem existir. E, em conjunto com a comunidade científica, encontrar as medidas necessárias para ir adaptando a sociedade portuguesa a essa realidade. Isso fez com que houvesse uma ampla união entre todos os partidos para responder a uma situação de emergência, pela primeira vez na história da nossa democracia. E gostava de sublinhar que o Parlamento português foi dos poucos na Europa que não fecharam. Mais uma vez houve um reforço do trabalho de fiscalização que o Parlamento tem que ter, mesmo em momentos de emergência. Houve união de todos os grupos parlamentares no sentido de encontrarmos as melhores respostas, o que faz com que o próprio PSD se abstenha no Orçamento suplementar. Se isso significa que daqui para a frente o PSD estará ao lado do PS no Orçamento? Não sei. Acho é que o Orçamento suplementar que apresentámos era um bom orçamento para responder ao momento atual.
Mas não rejeita a possibilidade de o PSD vir a estar ao lado do PS noutros orçamentos futuros? O Bloco de Esquerda já disse que não estará onde estiver o PSD.
Não sei se vai estar. Sei que escolhemos um caminho em 2015 que trouxe aos portugueses emprego, mais riqueza e mais rendimentos. Foi escolhido e trilhado com o BE, o PCP e o PEV. Somou-se nesta legislatura o PAN. Esse é o nosso caminho, com estes parceiros.
Também o anterior pivot da geringonça, Pedro Nuno Santos, disse sobre este retificativo que um Orçamento apoiado pelo PSD não é igual a um Orçamento apoiado pelo PCP ou pelo BE. Concorda?
Volto ao mesmo ponto: as circunstâncias são excecionais e nesses momentos as respostas são excecionais. Ao longo destes meses houve uma compreensão de todos os partidos, incluindo o maior partido da oposição, com a situação que estávamos a viver, e que lhe permitiu abster-se do voto no Orçamento – que eu corrijo: não é retificativo, é suplementar, até porque se fosse retificativo estaríamos a falar de um orçamento que cortava. Este orçamento é um orçamento que reforçou em várias matérias o Orçamento de 2020. Reforçou, desde logo, o Serviço Nacional de Saúde, reforçou na proteção social, reforçou no apoio às empresas, reforçou nas linhas de crédito às empresas e reforçou tudo aquilo que era preciso fazer.
Portanto, não havia diferenças entre este orçamento e os outros que o PS aprovou.
Não fez diferenças porque não é um Orçamento retificativo. É um Orçamento suplementar, ou seja, é um balão de oxigénio para a situação que estávamos a viver. Felizmente, pudemos apresentá-lo sem cortar pensões, sem cortar salários, sem cortar postos de trabalho, mas a reforçar o Estado Social, que é absolutamente essencial, e a injetar dinheiro na economia e no investimento público.
Ou seja, é um orçamento que vem na linha daquilo que são os orçamentos dos últimos cinco anos. E mesmo assim só foi aprovado porque o PSD o viabilizou. Isto significa que o PCP, que foi quem votou contra, não está à altura destes momentos de maior crise, e que aí é preciso ir buscar apoio ao PSD?
O PCP está à altura destes momentos de exceção e queria que estivessem inscritas duas ou três outras coisas que não estiveram, mas com o PCP foi possível avaliar um conjunto de matérias. Desde logo, o reforço do Serviço Nacional de Saúde — quer nas camas dos cuidados continuados, quer nas camas dos agudos —, o reforço da contratação de mais profissionais de saúde. Foi possível avançarmos em matéria de creche, em matéria de proteção social e noutras áreas. O que aconteceu é que, para o PCP, aquelas medidas eram insuficientes e queriam mais. Isso não significa que para a frente esteja estragada a relação com o PCP.
Significa que, daqui para a frente, vão ao encontro das reivindicações que o PCP fizer.
Vamos, como sempre fomos. Agora, também sabemos todos que os recursos não são ilimitados.
“Não há uma nova geringonça com o PSD”
Mas repare: ultimamente estas aproximações ao PSD não se têm limitado às questões orçamentais que são fundamentais para o país.
Quais aproximações ao PSD?
Tem dado este argumento de que a questão sanitária tem unido os partidos. Mas se olharmos para lá do Orçamento, houve a questão do presidente do Conselho Económico e Social, houve a questão do ministro das Finanças para o Banco de Portugal, houve aquela questão de saber se havia um período de nojo, que era feito especificamente para apanhar esta situação, e que o PSD não acompanhou… E ainda esta questão de que estivemos a falar longamente dos debates quinzenais. Há aqui uma nova geringonça ou não? Há aqui um novo parceiro?
Não, não há uma nova geringonça, refuto completamente essa expressão. O Partido Socialista reforçou-se nas últimas eleições e, sem uma maioria absoluta, disse sempre que continuaria a trabalhar com os seus parceiros privilegiados, que foram os parceiros com quem trabalhou de 2015 a 2019 e que trouxeram os resultados que todos conhecemos. Não vale a pena repeti-los. Como toda a gente sabe, o Conselho Económico e Social é aprovado com dois terços dos deputados. Não percebo porque é que falam no Conselho Económico e Social e não se releva também a importância histórica da votação para o Tribunal Constitucional que teve 194 votos. E teve 170 votos o Conselho Económico e Social.
O Conselho Económico e Social correu correu mal da última vez.
Correu mal várias vezes, não foi da última. Na anterior legislatura, foi chumbado duas vezes.
Não se conseguiram entender. E agora conseguiram. A questão é essa.
Não é agora conseguiram. Nós apresentamos nomes, informamos os partidos de que os nomes seriam aqueles. Também me pode dizer que há uma geringonça do Tribunal Constitucional, porque se olharmos para os votos que houve no Tribunal Constitucional, eles não são apenas do PS e do PSD. Portanto, não vale a pena criar um fantasma do aparecimento de uma nova geringonça. O PS e o PSD são dois partidos históricos na democracia portuguesa, mas não têm a mesma visão estratégica para a sociedade, nem a mesma conceção do Estado Social. Ao longo de quatro anos — apoiados pelos partidos à esquerda — foi possível reforçar a Segurança Social, foi possível reforçar o Serviço Nacional de Saúde, foi possível reforçar a escola pública, e com isto foi possível dar respostas à pandemia. Não me vai dizer que isto foi o PSD que fez. Sabemos bem que o Dr. Rui Rio partilhou várias vezes a sua visão com o Dr. Pedro Passos Coelho ou com a Dra. Maria Luís Albuquerque. Essa não é a visão do PS e não há nenhuma nova geringonça. Mas os portugueses precisam de respostas. E devemos saudar o líder do maior partido da oposição ao dizer: “Este é um momento excecional, coloquemos de lado as nossas divergências e conversemos sobre aquilo que é essencial”, ou seja, a proteção social dos trabalhadores, que as empresas continuem a trabalhar, que o lay-off seja um instrumento ao serviço dos trabalhadores e das empresas.
Mas este momento excecional pode prolongar-se por muito tempo. Até porque há outra questão em cima da mesa: um pacote de 45 mil milhões de euros que virá nos próximos anos para Portugal de Bruxelas e que o primeiro-ministro tem dito que tem de ser consensualizado de forma mais alargada.
Foi o primeiro-ministro que pôs no programa do Governo que, por exemplo, os grandes investimentos têm que ser aprovados com dois terços dos votos na Assembleia da República. Porquê? Porque não podemos estar sistematicamente, de legislatura em legislatura, a alterar os projetos que queremos fazer. Tenho bem consciência de que o vírus está para ficar e que, durante muito tempo, vamos ter que conviver com esta situação. Saibamos nós aplicar os recursos que temos naquilo que é essencial. Reforçámos a proteção do mercado de trabalho e dos trabalhadores, para poderem garantir o seu posto de trabalho.
A taxa de desemprego também já está a subir…
Mas abaixo daquilo que era expectável numa crise desta natureza. E temos, neste momento, um conjunto de instrumentos para os quais o grupo parlamentar do Partido Socialista também contribuiu, designadamente o código das insolvências, para que as empresas não sejam obrigadas a correr para a insolvência, mas que nessa situação possam ser agilizados os seus processos para não se estender por muito tempo a situação de agonia financeira. Isto ao mesmo tempo que as próprias empresas foram capazes de se reinventar. Podemos querer olhar para o país e ter só a visão dos socialistas. Ou só a do PSD. Ou só a do BE. Ou podemos olhar para o que se abateu no mundo de forma mais concertada. Volto a dizer: o nosso entendimento privilegiado é com os parceiros à esquerda.
E dizia há pouco que até já começaram as negociações para o próximo orçamento à esquerda…
Mas deixe-me só dizer isto: olhando para o que aconteceu esta semana na Europa, a possibilidade de os 27 terem conseguido chegar a este acordo é a demonstração de que é possível trabalharmos com todos, desde um Orbán a um António Costa – e veja como a oposição existe entre ambos. Mas, no espaço da União Europeia, foi possível encontrar um pacote financeiro que dê robustez e resiliência à economia europeia e, por sua vez, resiliência e robustez à economia nacional. O pacote financeiro que a Europa traz para Portugal é absolutamente essencial para os próximos dez anos. Vai permitir a reindustrialização da economia, o reforço do Serviço Nacional de Saúde, o reforço dos serviços públicos, a criação e a manutenção do emprego, a proteção social, e uma coisa essencial: o combate às desigualdades, que estão aí outra vez, destapadas, e é preciso que haja uma estratégia nacional que garanta que são combatidas, sejam territoriais, sejam sociais.
“Combate à precariedade é a pedra de toque do PS” para o Orçamento de 2021
Nas conversações para o próximo Orçamento de Estado, o BE e o PCP vão querer respostas muito concretas. Não basta proclamações. Uma das questões tem a ver com as alterações na legislação laboral, grande bandeira destes dois partidos. O PS está disposto a negociar?
As conversações estão a ser feitas entre o Governo e os grupos parlamentares e uma das pedras de toque para o PS, e que acredito que o PCP e o Bloco acompanhem, é o combate à precariedade. Esta crise também demonstrou que, apesar de todos os esforços que fizemos na anterior legislatura de combate à precariedade, ela está aí e esse combate tem de ser feito de forma feroz.
Este foi um assunto muito delicado na altura de tentar reeditar a geringonça.
As negociações estão a decorrer agora. Seria indelicado da minha parte dizer o que quer que fosse sobre o que está a acontecer nas reuniões.
Mas já se percebeu que é uma das linhas vermelhas para esses partidos.
As reuniões estão a decorrer. Não vamos antecipar conclusões de uma reunião que está a acontecer e de outras que terão lugar a seguir.
Há uma questão que não temos de antecipar nem fazer futurologia, que tem a ver com um plano que foi apresentado esta semana, encomendado pelo Governo a António Costa Silva, para aplicar estes fundos nos próximos anos. Os políticos já não são confiáveis para traçar planos a longo prazo?
Mal fora se os políticos não se pudessem consultar com aqueles que são os melhores da sociedade portuguesa e que não os pudessem procurar para nos ajudar também a pensar. É evidente que temos uma agenda estratégica, temos um programa de governo e fomos confrontados – volto a dizer — com uma situação excecional que exigiu também rever como é que aceleramos um conjunto de coisas e como é que os próximos dez anos podem ser de melhoria da sociedade portuguesa.
E esta altura foi boa, tendo em conta este período excecional, para sair alguém como o anterior ministro das Finanças, Mário Centeno, que conseguiu estabilizar os números da economia quando eles começam a dar sinais de que vão piorar? Não era bom manter essa figura? Que se mantivesse essa estabilidade?
A estabilidade mantém-se, até porque quem fica na equipa foi o braço direito de Mário Centeno ao longo destes anos no Ministério das Finanças. Mário Centeno vai ter um papel muito desafiante e muito importante também na estabilização da economia e no setor financeiro em Portugal, que é ser governador do Banco de Portugal. E Mário Centeno deixa, de facto, um país com contas públicas a sério, equilibradas, com excedente orçamental, o que permitiu mitigar muitos dos efeitos desta crise. Estou certa de que o Banco de Portugal vai ter muito trabalho nos próximos anos.
Vai continuar a ser um player, digamos assim?
Claro, porque vai ter que olhar para o sistema financeiro, garantindo que não vai abaixo. Vai ter que olhar para a economia portuguesa e fazer as suas previsões e os seus alertas. Estará, indubitavelmente, a olhar também pelas contas do país, com a competência que se lhe conhece.
Ana Catarina Mendes não diz “nunca” a Marcelo. Preferia Marcelo a um candidato do PCP ou do BE
Nunca apoiará um candidato da direita nas próximas eleições presidenciais?
Acho que a primeira questão das presidenciais é sabermos quais são os candidatos. Dizer nunca… Não há candidatos apresentados, o PS ainda não se pronunciou.
Já há pessoas no PS que disseram “nunca”. Pedro Nuno Santos foi taxativo: nunca apoiará um candidato da direita.
Várias pessoas já disseram várias coisas. Espero que as presidenciais não se tornem um folclore. Espero que estejam à altura daquilo que é absolutamente necessário. Espero que a escolha dos portugueses seja um Presidente da República cooperante, que esteja comprometido com os interesses nacionais. Neste momento não há nenhum candidato ainda declarado. Há hipotéticos. Eu pronunciar-me-ei no seio do Partido Socialista quando o momento se colocar.
Preferia votar em alguém do PCP ou do Bloco de Esquerda em vez de Marcelo Rebelo de Sousa?
Não.
Mas ainda hoje, numa entrevista à TSF, Ferro Rodrigues dizia que não faz sentido uma candidatura do PS se 70% dos socialistas apoiam Marcelo Rebelo de Sousa, como veio numa sondagem recente.
Lá está, estamos a discutir nos jornais o que devíamos estar a discutir dentro do partido. No momento em que o Partido Socialista se debruçar sobre o assunto, terei todo o gosto em vir aqui falar convosco.
Mas o Congresso do PS vai ser só depois das presidenciais.
Mas antes disso há comissões nacionais, há comissões políticas…
Mas já houve o Secretariado Nacional do partido a vir tomar publicamente uma posição sobre esta matéria, o apoio a Marcelo. Houve, aliás, muitas figuras que acharam — como Ana Gomes, como Manuel Alegre — que isso não foi correto. Acha que houve uma precipitação de António Costa?
Não, acho que quando estiverem em cima da mesa todos os candidatos, voltaremos a falar sobre isso.
Para o ano também há autárquicas, que são importantes para todos os partidos. Acha que o PS tem capacidade para igualar o resultado de 2017?
Acho que fizemos um bom trabalho ao longo destes quatro anos e acho que é possível manter o mesmo número de câmaras municipais.
É um objetivo ambicioso, uma vez que foi um resultado histórico para o PS. Consegue fazer essa perspetiva a esta distância?
Consigo acreditar que há uma estratégia do Partido Socialista para ganhar estas eleições autárquicas. Temos muito bons autarcas ao longo dos tempos. Podemos perder uma aqui, outra ali, mas acho que estão criadas as condições para repetirmos um bom resultado autárquico.
Sucessão no PS? “António Costa está cá e estará por muitos anos”
Em relação à sucessão no PS, muitos dizem que é prematuro e que é melhor esperarem sentados os que estão em bicos de pés. Há pessoas em bicos de pés?
Há um líder do Partido Socialista que tem feito um bom trabalho ao longo dos últimos cinco anos, que está permanentemente comprometido com o país. Devíamos estar todos focados naquilo que é essencial, dar respostas às pessoas. Não discussões prematuras de quem será o senhor que se segue. António Costa está cá, é um bom secretário-geral e um bom primeiro-ministro. E estará por muitos anos.
A verdade é que Fernando Medina e Pedro Nuno Santos parecem já estar a posicionar-se para essa corrida, independentemente de ser agora ou daqui a muito tempo. Onde é que se posiciona nesta dupla?
Acho que essa discussão é toda extemporânea.
E acha que está a ficar para trás numa corrida que já começou?
Não. Não acho sequer que essa corrida esteja iniciada. Poderá estar na cabeça de alguns. Que eu saiba, o próximo candidato a secretário-geral do Partido Socialista é António Costa.
E considea qye faz falta ao PS ter uma mulher líder?
Felizmente temos o António Costa como líder do Partido Socialista.
E ainda fará mais uma campanha e ainda será novamente eleito, nessa perspetiva.
Acho que sim, tem todas as condições para isso.
Para terminarmos esta conversa: quando chegou ao partido, em 2015, lançou uma série de ideias, prometeu um PS com mais pessoas “normais” (estou a citá-la), pessoas que não precisam de nomeação ou eleição para as funções que desempenha. O que eu lhe pergunto é: qual é o problema de pessoas como António Costa, Eduardo Ferro Rodrigues, Pedro Nuno Santos, Francisco Assis, Fernando Medina?
Não percebi a sua pergunta.
A sua ideia era trazer pessoas que não dependam ou não precisem de nomeação para as funções que desempenham.
Não tenho problema com nenhuma das pessoas que me indicou. O que eu acho é que há muitos militantes anónimos. Há muitas pessoas próximas do Partido Socialista que, não tendo nenhuma função partidária, podem vir a desempenhar… Era o que eu queria dizer e, na altura, foi ridicularizado. Pessoas normais são pessoas da sociedade civil que possam contribuir.
E conseguiu fazer isso? Porque não se viu grande alteração em termos de órgãos de direção do partido desse ponto de vista.
Não consegui fazer totalmente.
Além disso ainda dizia que queria acabar com o pagamento de quotas no partido a partir de 2018. Nada disto aconteceu. Teve um problema em deixar uma marca no partido? Que marca é que queria deixar e não conseguiu?
Eu disse que queria acabar com as quotas em 2018?
Sim. Disse numa entrevista em 2016.
Não tenho nada com isso, até porque o dr. Luís Patrão não me deixaria fazer isso. Vou ter que ir aos meus arquivos. Não tenho memória de ter proposto isso, até porque o Partido Socialista nessa altura vivia numa situação financeira dramática, que não permitia que os seus militantes não pagassem os dois euros de quota.
Conseguiu deixar marca no PS? A questão era essa.
Os militantes julgarão, eu julgo que sim, que deixei um partido mais dinâmico, com mais discussão aberta à sociedade civil. Tivemos três resultados eleitorais que falam por si, dentro do Partido Socialista, as eleições legislativas, europeias, as eleições autárquicas, a que se pode somar o melhor resultado de sempre das eleições na Madeira. E as lideranças também se revelam de forma indireta nos resultados.
E que marca quer deixar no grupo parlamentar? Tem havido algumas críticas de alguma anemia, de a bancada estar apagada, que é o que acontece tradicionalmente quando o partido dessa bancada está no poder. Que marca quer deixar?
Tenho uma visão muito particular sobre o Parlamento. É o centro da democracia. Quando somos líderes parlamentares do partido que suportamos, é normal que seja menos ouvida a sua voz, o que começa logo na comunicação social — se estiver o primeiro-ministro, o líder parlamentar nunca passa nas notícias. Mas eu não me queixo dessa dificuldade, até porque o meu estilo não é o de ter que estar sempre a criticar em público para poder aparecer. Não tenho essa necessidade. Tenho a necessidade de que o grupo parlamentar possa contribuir para melhorar a vida das pessoas e essa é a forma que eu tenho de estar na política.
Mesmo nos debates quinzenais, que agora aparentemente vão acabar, não é a líder parlamentar quem tem feito as intervenções.
Mas isso não é novo, na anterior legislatura o meu antecessor também fez isso várias vezes e é uma forma de dar voz àqueles que foram eleitos. Eu tenho 108 deputados que também merecem ser ouvidos nestes debates.