Índice
Índice
Novo Governo, novos rituais, novas estratégias de comunicar o que vai ser feito. A proposta de Orçamento do Estado para 2025 é seguramente aquela que mais debate mereceu, ainda antes de ser conhecida, e a que ainda não sabemos como vai ficar e ser aprovada, ultrapassados todos os obstáculos até à sua votação final global marcada para dia 29 de novembro.
A sua apresentação pública mostrou logo que Governo novo significa sempre novo ritual. A conferência de imprensa foi marcada para as quatro da tarde. À entrada no primeiro piso do Salão Nobre do Ministério das Finanças a primeira novidade: uma mesa com bebidas, salgados e doces. O Salão foi-se enchendo de jornalistas, mas também de funcionários e membros da equipa do ministro das Finanças, como habitual, não fosse, com recurso à memória, parecer que estava muito mais cheio que no passado. As regras para os jornalistas também mudaram. Apenas 10 poderiam fazer perguntas e, após o sorteio, nenhuma rádio teve esse privilégio.
Quando o ministro Joaquim Miranda Sarmento entra com a sua equipa todos esperam, como sempre, vê-lo dirigir-se para o palco ali montado. Não foi isso que aconteceu. Sentaram-se na plateia e aparece um vídeo de cerca de um minuto e meio sobre as prioridades do Orçamento do Estado para 2025: “Recuperar, Reformar e Relançar Portugal com Responsabilidade”. Só depois o ministro das Finanças sobe ao palco. Feitas as perguntas, menos de uma hora depois estava a conferência de imprensa concluída. E os jornalistas, que ainda tinham trabalho para fazer, acelerados para saírem.
E assim começamos a conhecer a proposta de Orçamento do Estado para 2025, marcada por um processo negocial digno de um romance. O líder do PS, que começou por dizer logo na noite das eleições que seria muito difícil ao PS viabilizar um Orçamento da AD, aceitou negociar, mas acabou por não existir nenhum acordo. O centro da discórdia foi o IRC. Os socialistas aceitaram a proposta do Governo de descer apenas em um ponto percentual, de 21 para 20%, a taxa nominal de IRC, mas quiseram colocar condições para o futuro. E Luís Montenegro não aceitou.
Mas o processo negocial alterou as duas propostas bandeira do Orçamento. Numa, no IRS Jovem, o Governo foi salvo pelo PS. Na outra, no domínio do IRC, as empresas acabaram por conseguir o melhor dos mundos. Tudo isto, claro, se o Orçamento for aprovado como foi entregue ao Parlamento.
[Já saiu o quinto e último episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio, aqui o segundo, aqui o terceiro e aqui o quarto episódio .]
A proposta do Governo para o IRS Jovem, além de ter um custo da ordem dos mil milhões de euros, levantava graves problemas, como uma subida brutal da tributação quando se passasse dos 35 para os 36 anos e diferenças significativas, por causa da idade, no salário líquido entre pessoas na mesma empresa com a mesma remuneração bruta. Continuando a ser uma medida controversa, o modelo que resultou da negociação mal sucedida é melhor do que o inicial por resolver em parte aqueles problemas e é mais barato. O próprio primeiro-ministro reconheceu isso mesmo. Mas os jovens, obviamente ficaram a perder, no sentido em que têm uma fatia mais pequena do bolo orçamental.
O mesmo não se pode dizer das empresas. Ainda que a falta de informação inviabilize que se chegue a um valor de impacto financeiro, o processo negocial acabou por permitir que as empresas beneficiassem dos modelos defendidos pelo PS e pelo Governo. Pedro Nuno Santos disse sempre que era contra um corte transversal da taxa de IRC, preferindo o caminho dos benefícios fiscais ancorados em objetivos, como a valorização salarial e a capitalização – medidas já existentes. A AD, pelo contrário, defende uma descida acentuada das taxas nominais de IRC.
Na sequência do processo negocial, o Governo alargou alguns benefícios fiscais que vinham do Governo PS e criou outros, reduzindo a base de tributação, como é o caso da valorização salarial, e passou a redução da taxa de dois pontos para um ponto percentual por ano. As empresas ficaram, assim, com o melhor dos dois mundos. É certo que o Governo nunca disse que queria acabar com as medidas que herdou. E embora a falta de informação impeça que se coloquem números em cada um dos cenários, a profusão de benefícios e a descida da taxa coloca as empresas numa situação favorável.
A falta de informação é um dos problemas da proposta de Orçamento do Estado para 2025. Não é possível, com os dados que o Governo divulga, perceber qual o impacto das medidas anunciadas para as empresas, contrariamente até ao que aconteceu com o último Orçamento de António Costa. Uma outra marca do novo Governo em matéria orçamental é a participação menos ativa do ministro das Finanças quando comparamos com a história recente. Joaquim Miranda Sarmento pouco se tem pronunciado, parecendo funcionar mais como o ministro que faz o Orçamento e menos como o ministro das Finanças.
Em termos gerais temos um plano para as contas públicas em que é difícil perceber as prioridades. Apesar de o Governo o anunciar como um instrumento para Recuperar, Reformar e Relançar Portugal, o conjunto das políticas ali inscritas aponta mais no sentido de uma soma de medidas sem um objetivo global claro. Não existem obviamente reformas e é difícil considerar que o IRS Jovem e as alterações no IRC possam recuperar ou relançar Portugal. Resta a política salarial para a administração pública que acaba por ser aquela que mais dinheiro vai buscar ao conjunto das principais medidas.
Temos a promessa de crescer mais do que este ano, com um Orçamento que nos grandes números não se afasta da orientação de 2024, o que lhe dá um carácter expansionista muito limitado. Os menos impostos prometidos, correspondendo à realidade, vêm deste ano quando olhamos para quem tem mais de 35 anos, sendo apenas os jovens que vão ter mais benefícios em 2025. E é difícil classificá-lo como sendo de direita, até porque uma das medidas que permitiria levá-lo para esse lado, o IRC, tem o seu impacto financeiro escondido.
Quanto e como vamos crescer?
Perspetivas prováveis e prudentes, assim classifica preliminarmente o Conselho das Finanças Públicas (CFP) as previsões macroeconómicas em que se baseia a proposta de Orçamento do Estado para 2025. O crescimento da economia de 2,1% está alinhado com as principais e mais recentes previsões, sendo exatamente igual à divulgada também em outubro pelo Banco de Portugal. As dúvidas levantam-se mais relativamente ao que se espera para 2024, com Joaquim Miranda Sarmento a apontar para 1,8% e Mário Centeno para 1,6%, o que pode ser relevante para o resultado do excedente orçamental deste ano, com impactos em 2025.
É nas componentes do PIB que as divergências entre a Av. Infante D. Henrique e a Rua do Comércio são mais acentuadas no ano de 2024. Assim, no consumo privado o Governo aponta para um crescimento de apenas 1,8%, enquanto o Banco de Portugal espera 2,5%. E no investimento espera 3,2% quando o banco central se fica pelos 0,8%. O CFP chama aliás à atenção para os valores do Governo, considerando que existem algumas incoerências.
No caso do consumo seria de esperar maior crescimento devido à subida do rendimento, quer por via do emprego, quer, especialmente, pelas medidas como a redução do IRS, com impacto desde setembro, e o suplemento extraordinário para as pensões até 1527,78 euros que pode ir até 200 euros e que foi pago no mês de outubro. O Banco de Portugal estima, aliás, que o rendimento disponível real (se quisermos, o poder de compra) deverá aumentar este ano 6,6%, um valor elevado em termos históricos.
No investimento verifica-se da parte do Governo o que se pode considerar como algum otimismo, considerando o Conselho das Finanças que essa perspetiva “aparenta estar alicerçado numa evolução do investimento público de difícil concretização”. O investimento tem tido aliás uma evolução recente sempre inferior à prevista, com especial relevo para os exercícios do Banco de Portugal que em Junho apontava para um aumento de 3,3%, corrigido em Outubro para 0,8%.
As perspetivas para 2025 merecem menos alertas do CFP e mantêm genericamente o perfil de crescimento deste ano. A locomotiva do crescimento vai ser mais uma vez a procura interna, com a componente externa a ser neutra, quando este ano se espera uma quebra de 0,2%. A expectativa do Governo é de reforço das exportações de bens e serviços (3,5%) face aos 2,5% que se projeta para este ano, “dada a recuperação prevista de importantes parceiros comerciais”.
O emprego continuará robusto, mas numa dinâmica de crescimento mais lenta (0,7% em 25, face a 1,1% em 24). Nestas perspetivas o Governo leva nomeadamente em consideração as expectativas das empresas em relação à evolução do emprego, que se deterioram, enquanto a dos consumidores em relação ao desemprego melhoraram (página 9 do relatório do OE 25).
Quanto aos riscos destas previsões, Joaquim Miranda Sarmento analisa quatro cenários: a quebra da procura externa em dois pontos percentuais, a subida do preço do petróleo em 20%, o aumento dos juros em dois pontos percentuais e a descida da procura interna em um ponto percentual. É na frente externa, como seria de esperar, que se encontram os cenários de maior probabilidade.
O cenário que conduziria a piores resultados no crescimento e no saldo orçamental seria o da descida da procura interna, como seria de esperar, face ao peso e contributo que têm para a evolução da economia. Nessa situação, o crescimento seria apenas de 1,5% (em vez de 2,1%) e o excedente orçamental reduzido a zero, ainda que seja difícil antecipar que acontecimentos poderiam desencadear no curto prazo esta situação de quebra da procura.
Face ao enquadramento internacional, a que parece ser neste momento mais arriscada é a previsão da procura externa. E essa é a perspetiva que se traduz no segundo maior impacto negativo no crescimento – passaria para 1,6% —, com efeitos limitados no excedente – descia para 0,2% do PIB.
A subida do petróleo, sendo também um cenário a não desvalorizar dada a situação no Médio Oriente, teria, contudo, um impacto pouco significativo no crescimento (uma décima) e negligenciável nas contas públicas. O problema são os seus efeitos inflacionistas com repercussões que vivemos há pouco tempo. A subida dos juros parece ser o cenário mais improvável no curto prazo, se levarmos em conta as decisões e as posições do Banco Central Europeu, a apontarem para uma descida rápida do preço do dinheiro.
O problema que o Governo vai enfrentar, como aliás já está a acontecer, é a conciliação entre aquelas que eram as suas previsões no programa eleitoral e aquilo que prevê para 2025 e até 2028 como se pode ver no Plano Orçamental Estrutural de Médio Prazo entregue em Bruxelas e que, com as novas regras, substitui o Programa de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas.
Nesse plano a taxa média (aritmética) de crescimento entre 2025 e 2028 é de 1,9%, quando no programa eleitoral era de 2,9%. A diferença está já em 2025, quando prometia um crescimento de 2,5%.
A questão já foi levantada num debate parlamentar de urgência, a 25 de outubro, solicitado pelos socialistas, sobre o Plano Orçamental enviado para Bruxelas. Desprezando o facto de se estar perante metodologias diferente – este plano realiza as projeções em políticas invariantes e usando o produto potencial como explicou o ministro das Finanças —, o Governo foi acusado pelo deputado socialista António Mendonça Mendes de se comprometer com metas diferentes em Bruxelas.
Como seria de esperar, a AD, incluindo o ministro das Finanças, argumentou que se o Governo puder executar as suas políticas, o crescimento será superior ao dos últimos anos e ao do plano. E temos de nos preparar porque vamos ouvir esta justificação mais vezes, depois de o PS ter querido negociar com o Governo sem chegar a acordo, mas acabando por forçá-lo a recuar nas suas ambições em matéria de IRC e, ainda em 2024, no IRS.
Afinal aguentamos excedentes?
Sim, é verdade que o excedente orçamental será mais próximo de zero este ano e no próximo. Mas os cordões do bolso do Tesouro estão mais apertados do que parecem, graças à máscara dos juros e do dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência. E uma previsão no Orçamento do consumo público a crescer apenas 1,2%, quando este ano deve ser de 2,6%, indica que a elevada generosidade de 2024 pode ter sido uma exceção, marcada pela necessidade de ter este Orçamento aprovado e ganhando assim mais de um ano e meio de governação, por existirem eleições presidenciais em janeiro de 2026.
“O país não aguenta nem precisa de excedentes tão elevados”. A afirmação é do ministro das Finanças Joaquim Miranda Sarmento, repetida várias vezes. Está de facto o Governo de Luís Montenegro a ser mais generoso que os seus antecessores?
Se excluirmos o ano de 2022, em que a inflação significou uma lotaria para as receitas fiscais, Fernando Medina já pretendia em 2024 ter um excedente mais limitado. O seu Orçamento já apontava para um saldo de 0,2% do PIB. O Governo, embora tenha iniciado o seu mandato a dizer que recebeu surpresas negativas na frente das contas públicas, espera agora um excedente superior (0,4% do PIB), apesar das medidas adotadas, como a descida do IRS e do suplemento extraordinário para as pensões mais baixas.
Olhemos agora para as contas de 2025, primeiro com as verbas do PRR. O excedente orçamentado é marginalmente inferior ao projetado para este ano, mas tudo se deve à subida dos encargos com juros. Quando calculamos o saldo sem os juros, o excedente é superior ao de 2024 em valor e igual ao de 2024 em percentagem do PIB. E a despesa corrente sem os juros da dívida pública tem um crescimento praticamente em linha com o aumento nominal da produção (4,9%).
É ainda interessante notar que as despesas com pessoal crescem 5,6% quando em 2024 aumentaram 9,4%. Afirma o Governo que aquele aumento “reflete os efeitos das políticas de valorização do emprego público, nomeadamente as atualizações remuneratórias e as respetivas progressões, bem como os acordos alcançados para a devolução do tempo de serviço dos professores e para o reforço dos suplementos das carreiras dos militares, das forças de segurança, funcionários judiciais e enfermeiros” (página 98). Assim sendo, não se vão assistir a mais medidas semelhantes às deste ano, apontando-se para um ano de 2025 menos generoso nesta matéria, como aliás seria de esperar – algumas são irrepetíveis.
Além dos juros, as contas públicas estão ainda mascaradas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Usando os números que o Governo divulga na proposta de Orçamento conclui-se que o excedente global e aquele que retira as despesas com juros será maior em 2025 do foi em 2024. A despesa corrente, que tem como peso esmagador os salários dos funcionários públicos e as prestações sociais, cresce apenas 3,9% em vez dos 5,2% com PRR, ou seja, abaixo do crescimento nominal do PIB.
Uma das formas mais simples de avaliar se um orçamento é mais ou menos expansionista do que o do ano anterior é olhar para o saldo sem os juros da dívida pública. E, desse ponto de vista, a conclusão a que se chega é que tem a mesma orientação de 2024. Os indicadores mais complexos, que se podem encontrar nos Elementos Informativos adicionais da proposta, apontam no sentido de um orçamento ligeiramente mais expansionista já que passamos de um saldo estrutural de 0,2% do PIB para zero.
Tudo somado, os dados permitem-nos dizer que o país afinal vai ter de aguentar excedentes superiores aos que o Governo diz que vai ter. O carácter ligeiramente expansionista do Orçamento vem do PRR. Sem essas verbas que correspondem basicamente a investimento, aquilo que serão as habituais funções do Estado enfrentam a mesma ou até maior restritividade. Em termos globais, o Orçamento mantém ou até aperta a política orçamental, perspetiva que é ainda reforçada pelo facto de o consumo público crescer em 2025 bastante menos do que em 2024 (1,2% contra 2,6% este ano).
Se olharmos para o Orçamento na perspetiva da gestão política de um governo minoritário, saído recentemente de eleições, estamos perante um caminho racional. Se não houver uma moção de censura, aprovada antes de setembro de 2025, Luís Montenegro ganha um ano e meio de governação, já que o novo presidente, saído das eleições de janeiro de 2026, só recupera os poderes de dissolução na segunda metade desse ano.
Mas a gestão do orçamento como ferramenta eleitoral está a conseguir conciliar os objetivos políticos e o rigor orçamental, mesmo que com um discurso, que parece mais do que é, de grande abertura dos cofres públicos. Porque esse é um dos riscos de um governo minoritário que quer, naturalmente, alargar a sua base de apoio. O PRR está a permitir construir essa mensagem. E um presente de emprego recorde e um passado de inflação.
De repente ficámos ricos?
Contas certas e generosidade orçamental é uma das perplexidades gerada com o Governo de Luís Montenegro. Uma espécie de nova versão do que ouvimos, a partir de finais de 2015, quando António Costa prometeu “virar a página da austeridade” e manter o rigor orçamental. Viemos a descobrir mais tarde que o que parecia ser a quadratura do círculo tinha escondido o sacrifício do investimento público e um orçamento recheado de cativações não descativadas.
Com Luís Montenegro podemos igualmente ter surpresas. Mas a multiplicação dos pães a que estamos a assistir chama-se dinheiro caído do céu com a inflação e emprego em níveis recorde. E as sucessivas crises – primeiro a pandemia, a guerra, a inflação e a subida rápida dos juros – podem ter levado o Governo do PS a ser demasiado prudente. Os socialistas têm razão quando afirmam que a AD herdou uma margem orçamental que lhe permite agora aumentar funcionários públicos sem ameaçar o equilíbrio orçamental. E é isso que hoje, olhando para as contas, se vê.
Em 2022, o ano do pico da inflação (valor médio de 7,8%), a receita fiscal do Estado cresceu ao ritmo de 15%, com o ano seguinte também a beneficiar de um ritmo superior ao da inflação. Esta evolução não foi seguida do lado da despesa. É esta margem, dada por uma dinâmica da receita muito superior ao da despesa e ainda com o emprego em níveis históricos que ofereceram a Fernando Medina um excedente orçamental histórico, em 2023. O Governo de António Costa começou a distribuir essa margem, nomeadamente com a redução do IRS de 2024. E esse caminho mantém-se, permitindo agora a Joaquim Miranda Sarmento ser um generoso ministro das Finanças.
Ou, noutra perspetiva, entre 2021 e 2024 a receita corrente manteve-se relativamente estável nos 43% do PIB enquanto a despesa corrente sem juros caiu de 41% para 38%, tendo registado o mínimo de 36% em 2023 – usando dados das propostas de Orçamento. São ganhos caídos do céu da ordem do oito mil milhões de euros que são explicados pela inflação mas também pelo bom desempenho do emprego, o que significa mais receita de contribuições sociais e menos despesa com subsídios, designadamente de desemprego.
A inflação não baixou apenas a dívida pública em percentagem do PIB. Permitiu também, por via daqueles fatores e da não atualização dos salários e dos impostos sobre o rendimento em linha com a inflação oferecer ao Orçamento do Estado uma lotaria que pode agora ser parcialmente gasta. Porque nem tudo está a ser devolvido. E ainda bem, porque provavelmente era preciso ir mais longe no aperto orçamental, mas no Estado, já que a inflação ofereceu a lotaria, mas o emprego em níveis recorde, é o que nos ensina a história, não ficará assim para sempre.
Estamos a gastar o dinheiro das pensões?
Um dos alertas do governador do Banco de Portugal recomenda que olhemos para o Orçamento do Estado nos seus três subsectores: Administração Central (o Estado, se quisermos), a Administração Local e Regional e os Fundos da Segurança Social. Mário Centeno tem afirmado que o saldo orçamental devia aproximar-se do excedente da Segurança Social, caso contrário estamos a usar o dinheiro das futuras pensões.
“Em vez de zero, devemos ter um excedente entre 1% e 1,5%. Devemos hoje precaver-nos para termos meios para pagar pensões no futuro”, afirmou o governador do Banco de Portugal logo em maio. E repetiu a mesma mensagem em outubro, quando foi mais longe ao dizer que tudo o que sejam saldos orçamentais abaixo do excedente da Segurança Social significa que estamos a usar esse dinheiro. Na mesma altura em que disse que a despesa está a registar o maior aumento desde 1992.
Os números da última década mostram que a Administração Central – que é na prática o subsector que o Estado controla mais – tem estado sistematicamente em défice. Os resultados do que chamamos Estado, mas que devíamos designar como Administrações Públicas, têm sido melhores graças aos excedentes da Segurança Social, generosamente alimentados, nos últimos anos, pelos níveis historicamente elevados do emprego.
O alerta de Mário Centeno aplica-se igualmente a si próprio, uma vez que o primeiro excedente da democracia portuguesa, que protagonizou como ministro das Finanças em 2019, foi conseguido também graças à Segurança Social (1,4%) e às autarquias e regiões (0,3%). O Estado teve um défice de 1,6%. Mesmo no ano de 2023, do excedente histórico de 1,2% do PIB, de Fernando Medina, a Administração Central registou um défice de 0,8% do PIB.
O saldo de 0,3% previsto para 2025 é garantido quase na sua totalidade pelo excedente de 2% da Segurança Social, já que o Estado central vai ter um défice de 1,8% do PIB (a Administração Local e Regional deverá igualmente ter um superávite de 0,1%). Embora esta situação se tenha agravado quando se compara com os 1,5% que se projeta para 2024, o certo é que o défice da Administração Central vai ser este ano melhor do que o inscrito no Orçamento de Fernando Medina.
A perspetiva que Mário Centeno colocou no espaço público levanta uma nova preocupação, que torna a gestão das contas públicas mais exigente. O objetivo já não pode ser apenas reduzir a dívida pública, tem de ser também atingir excedentes que sejam mais próximos do que regista a Segurança Social. Até porque, se o emprego começar a diminuir, o que acontecerá um dia, essa almofada que nos tem permitido ter excedentes sem grande esforço pode reduzir-se significativamente.
Como a médio e longo prazo são as pensões futuras que estão ameaçadas, vai ser preciso olhar para este problema e começar a dar mais atenção às contas da Administração Central.
Vamos pagar menos impostos?
Quase todos vão pagar menos impostos, mas uns são mais beneficiados do que outros. Os jovens são os grandes vencedores e as empresas poderão sê-lo também – existissem dados para colocar aqui números. Mas aqueles que andam muito de carro vão com elevada probabilidade pagar mais, como aliás já estão.
Em termos globais, a receita fiscal do Estado aumenta 4%, reduzindo ligeiramente o seu peso num PIB cujo crescimento nominal deverá ser de 4,8%. Mas esta evolução é justifica por uma quebra de 1% na tributação direta e um aumento de 6% na indireta, reforçando assim o peso destes impostos e interrompendo uma tendência de descida desde 2021.
Nos impostos diretos, é a receita de IRS que diminui cerca de mil milhões de euros (6%), após uma quebra projetada de 2% este ano. O alívio fiscal nos salários já começou a ser sentido e é esse que, em princípio, se vai manter para todos no próximo ano. Os que vão ter um ganho adicional serão os jovens até aos 35 anos, o designado novo IRS Jovem da AD que vai conviver com o do Governo PS. A medida da AD para os jovens representa uma redução da receita fiscal de 525 milhões de euros que se soma à do PS que corresponde a 250 milhões de euros. No seu conjunto, os jovens vão pagar menos IRS equivalente a 0,3% do PIB.
O IRS Jovem, como se sabe, foi uma das linhas vermelhas colocadas pelo PS. O Governo acabou por alterar completamente o seu modelo inicial, com o primeiro-ministro a reconhecer que se chegou a uma solução melhor. No modelo proposto para 2025 o benefício dura dez anos, até aos 35 anos. No primeiro ano a isenção é a 100%, do segundo ao quarto ano, é de 75%, do quinto ao sétimo é de 50% e do oitavo ao décimo é de 25%.
Este novo modelo resolve alguns problemas gerados pelo que a AD propunha inicialmente – como uma pessoa de 35 anos ter uma tributação muito mais baixa que um colega de 36 anos, ou ver o seu salário diminuir significativamente quando fizesse 36 anos. Mas mantêm-se críticas, como as que foram feitas pelo FMI, que duvida da eficácia de uma medida que continua ser cara. Acrescente-se a dificuldade política que se vai ter se for preciso, um dia nestes dez anos, recuar e a desigualdade que gera entre novos e mais velhos.
Uma das saídas que o Governo tinha para aumentar a sua margem de recuo no IRS Jovem seria ligar o benefício à sua eficácia, definindo objetivos para a medida. Mas é pouco provável que tal venha a acontecer, se admitirmos que a medida tem mais objetivos políticos do que de políticas públicas.
Em matéria de IRS há ainda a destacar que os escalões são atualizados em 4,6% respeitando o que foi aprovado no Parlamento em junho. De acordo com esse diploma, os escalões de IRS têm de ser aumentados, todos os anos, usando uma fórmula que leva em conta o deflator do PIB e a variação da produção por trabalhador registada pelo INE no terceiro trimestre do ano anterior ao do Orçamento. Também a dedução específica que se mantinha há anos nos 4104, vai passar a ser igual a 8,54 vezes o Indexante de Apoios Sociais (IAS) do ano orçamental. (O IAS é neste momento de 509,96).
Com estas alterações é difícil perceber se há alguém que paga mais impostos. Em risco podem estar os trabalhadores que tiveram um aumento salarial de 4,7%, aquele que permite à empresa aceder ao benefício fiscal da valorização salarial.
O IRC foi o que impediu o acordo entre o PS e o Governo para a viabilização do Orçamento. A descida da taxa nominal de tributação dos lucros em dois pontos percentuais em 2025 para chegar a 15% em 2027 foi uma das bandeiras da AD que acabou por cair. Para o próximo ano, e na linha do que propôs ao PS, o Orçamento prevê uma descida de 21% para 20%. Esta redução, diz o Governo, só se vai refletir nas contas públicas de 2026, prevendo-se que no próximo ano a receita cresça 6%, explicada ainda pela subida dos lucros.
Há novos benefícios fiscais, designadamente a contabilização a 120% dos gastos com seguros de saúde, para determinação do lucro tributável, e a isenção de IRS e contribuições de prémios de produtividade até ao limite de 6% do salário anual.
Alem disso, alguns dos benefícios que já existiam são reforçados. É o caso do que foi criado pelo Governo PS para incentivar a subida dos salários: a partir de 2025 os aumentos salariais no mínimo de 4,7% são contabilizados como custo a 200% (era 150%) até ao montante máximo, por trabalhador, de cinco vezes o salário mínimo que em 2025 será de 870 euros. Há ainda alterações nos incentivos à capitalização, reduções nas tributações autónomas dos veículos e deduções em IRS dos lucros ou mais valias obtidas do correspondente a 20% da participação no capital da empresa.
A redução do IRC condicionada a objetivos de políticas pública, em vez da diminuição para todos, é o modelo defendido por Pedro Nuno Santos. De acordo com o Governo, a adoção ou reforço de alguns daqueles benefícios, acordados em Concertação Social, fazem parte da tentativa de aproximação para que o PS viabilizasse o Orçamento através de um acordo. O acordo não aconteceu, mas as empresas, se o Orçamento for aprovado como está, acabaram por beneficiar dos dois modelos, do PS e da AD.
Na tributação indireta, o maior aumento da receita está no imposto sobre combustíveis (ISP) esperando o Estado arrecadar mais 22% ou 753 milhões de euros. Boa parte desta subida (650 milhões de euros) deve-se à atualização da taxa de carbono, de onde vem o maior montante, e ao fim da isenção aos biocombustíveis avançados e do mecanismo extraordinário do gasóleo profissional.
Por qualquer motivo, a descrição sobre evolução da receita de ISP está omissa no relatório do Orçamento do Estado, quando lá estão, como habitualmente, todos os outros impostos (ver página 113). Mas o ministro das Finanças fez questão de salientar, na conferência de imprensa de apresentação, que não se aumenta nenhum imposto indireto, sendo o caso do ISP uma reposição do que se passava antes da guerra na Ucrânia que gerou a crise energética.
Ainda neste domínio dos impostos vale a pena olhar para a receita que o Estado deixa de arrecadar por causa dos benefícios fiscais. No Orçamento para 2025 está prevista uma despesa fiscal de 16,6 mil milhões de euros, o equivalente a cerca de 6% do PIB, em linha com os anos anteriores. Esta é uma área em que, de acordo com o chefe de missão do Fundo Monetário Internacional para Portugal, se poderia ir buscar receita, já que o país é bastante generoso nestas matérias quando comparado com os 4% que é a média da zona euro. O relatório do Orçamento fornece ainda informação limitada sobre o impacto dos novos benefícios ou reforço de anteriores em matéria de IRS e IRC.
Em termos gerais podemos dizer que todos vão pagar menos IRS, por efeito da decisão deste ano, e os Jovens pagarão muito menos, agravando-se a desigualdade entre quem tem menos e mais de 35 anos. Nas empresas a evolução da receita é justificada pela subida dos lucros, não se percebendo, quer nesta abordagem, quer na que olha para o custo das medidas acordadas em concertação social, qual o efeito que terá na receita do Estado.
Esquerda ou direita?
É um dos debates que marca o primeiro Orçamento de Luís Montenegro. À direita acusa-se o Governo da AD de fazer igual ao PS, à esquerda, incluindo os socialistas, diz-se que o plano das contas públicas para 2025 é de direita. Quando se tenta olhar para os números é preciso fazer um esforço bastante ativo para encontrar diferenças, quer porque o PS se aproximou do que seria, teoricamente, uma governação de direita, por exemplo nos impostos, quer porque a AD teve de moderar as suas ambições em matéria de política fiscal para conseguir um acordo com os socialistas, que não obteve, quer ainda porque as contas públicas têm uma rigidez tal que as escolhas acabam por ser bastante limitadas.
“Esta é uma proposta de Orçamento que poderia ter sido apresentada pelo PS”, afirma Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal quando anunciou o seu voto contra. Sem apontar nada de concreto, refere que o Orçamento não tem uma visão reformista, nem liberal nem alinhada com o programa eleitoral da AD.
Na mesma linha argumentou o Chega para votar contra. “Segue a mesma lógica dos orçamentos do PS”, afirmou logo a 15 de outubro André Ventura. “Paga a descida sobre impostos do rendimento com impostos sobre o consumo” e “aumenta a carga fiscal”, disse, considerando que “é uma traição profunda à direita e ao seu eleitorado”.
Do outro lado do espectro político e começando pelo PS, a opinião é exatamente a oposta. Numa das entrevistas que deu, depois de apresentado o Orçamento, Pedro Nuno Santos discordou com quem afirma que se está perante uma orientação “centrista”. Na sua perspetiva “suporta a política esperada por parte de qualquer Governo de direita” e deu como exemplos o SNS e a RTP.
O BE argumenta que “não viabiliza o orçamento de um Governo de direita porque não apoia um governo de direita” e o PCP recusou-se mesmo a participar nas reuniões prévias de negociação. E os dois partidos criticam o PS por viabilizar, com a sua abstenção, a proposta do Governo.
Avaliar se um Orçamento como o de 2025 é de direita ou de esquerda não é fácil porque, na realidade, as diferenças que poderiam ter existido esbateram-se na negociação com o PS, sobrevivendo apenas a discordância em relação ao IRC. Na realidade, PS e PSD são mais iguais do que desiguais e fazem um grande esforço retórico de sublinharem as diferenças.
A grande diferença relativamente aos últimos anos de governação socialista pode estar na capacidade de execução, mas mesmo essa está por provar. De qualquer forma há sempre detalhes, e podem ser neles, onde está o diabo, que podemos encontrar diferença.
A descida do IRC é a discordância objetiva entre PS e AD. Embora Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro defendam que a política fiscal deve ser usada como ferramenta de política económica, a forma como isso deve ser feito pode ser de facto considerada como separando a esquerda, mais intervencionista, da direita, mais liberal. Mas o primeiro-ministro acabou por juntar as duas visões no Orçamento.
Usar o IRC como cenoura para orientar as empresas para os objetivos de políticas públicas ou baixar a tributação sobre as empresas, deixando que elas decidam o que fazer com o seu dinheiro, foi de facto a única diferença explicita entre o PS e o Governo que se pode identificar como mais intervencionista ou mais liberal, mas que não sobreviveu à negociação. Todas as outras identificadas nomeadamente por Pedro Nuno Santos como a Saúde ou mesmo a RTP são difíceis de concretizar usando factos. No caso do Serviço Nacional de Saúde (SNS), face às medidas que têm vindo a ser adotadas, é difícil perceber, sem concretização adicional, a que se está a referir o líder do PS.
No caso da tributação das empresas pode dizer-se que o Governo moderou a sua perspetiva mais liberal quando, na tentativa de chegar a acordo, reduziu para metade o seu plano de descida da taxa nominal de IRC – não se sabendo, nesta altura, se mesmo isso vai passar na especialidade. Além disso manteve e nalguns casos ampliou a descida, com condições, que vinha do Governo de António Costa, como as medidas de valorização salarial e de incentivo à capitalização, indo ao encontro do que queria Pedro Nuno Santos. Juntou ainda a majoração em 20% para as despesas com seguros de saúde — medida que, não agradando à esquerda, pode ser considerada de direita – e a isenção de uma espécie de 15.º mês em matéria de impostos e contribuições, até ao limite de 6% do salário bruto.
Em suma, em matéria de IRC o Governo queria ser mais liberal – baixar mais o IRC e sem condições -, mas foi obrigado a ser mais intervencionista para se aproximar do PS. Ainda que nunca tinha dito que pretendia eliminar as reduções de impostos condicionadas que herdou.
A estrutura da receita fiscal é outra avaliação que se pode fazer para classificar a orientação política do Governo. A teoria diz-nos que a direita prefere a tributação indireta e a esquerda a direta. A base do raciocínio é que a direita prefere dar prioridade à eficiência e a esquerda à igualdade, não porque uns são mais indiferentes à desigualdade do que os outros, mas porque os mais liberais pensam que primeiro é preciso crescer, distribuindo ao longo desse progresso. E ainda que é preferível usar a despesa e não a receita para fazer a redistribuição do rendimento.
Os dados recentes classificam de facto o Governo como sendo de direita. A tributação indireta aumenta o seu peso no PIB, interrompendo uma descida que se desenhava desde 2022. Convém considerar que o confinamento terminou na primavera de 2021, a guerra na Ucrânia começou em fevereiro de 2022 e o ano de 2024 foi marcado pela primeira descida significativa do IRS. O que dificulta a conclusão de que a descida dos impostos indiretos por parte do PS foi uma escolha.
O que estes dados nos parecem mostrar é que a política do pragmatismo se sobrepõe à ideologia, fazendo com que a direita, aqui representada pela AD, se aproxime da esquerda, o PS. Simplesmente porque aumentar impostos indiretos tem menos custos políticos, porque se sentem menos, do que os diretos, que vemos na nossa folha de salário.
Uma última análise pode ser feita com as grandes funções do Estado. Mais uma vez, a direita, teoricamente, dá prioridade às funções de soberania, enquanto a esquerda, mais intervencionista, dá maior peso às funções sociais e económicas.
A ausência de estatísticas atualizadas e os problemas de comparabilidade que se levantam com o Mapa 2 da proposta de Orçamento do Estado criam aqui alguns constrangimentos na análise. (Por exemplo, em 2025 há um aumento significativo da rubrica dos Serviços Gerais das Administrações Públicas que leva a colocar a hipótese de aí estarem mais verbas das outras funções do que em anos anteriores.)
De qualquer forma, admitindo que não altera a hierarquia orçamental das funções do Estado, as diferenças entre os dois governos, PS e AD, são mínimas. Assim, o “top 2” dos maiores aumentos da despesa são exatamente os mesmos em 2024 e 2025: a Proteção Social e a Saúde. A “Segurança e Ordem Pública” marca uma das diferenças que nos pode levará a dizer que estamos perante um Governo mais à direita, com um aumento do Orçamento da ordem dos 11% quando em 24 foi de 8%. Mesmo assim o aumento em valor é inferior ao registado pela Educação.
Em suma, é preciso um esforço ativo para identificar prioridades orçamentais diferentes nos dois governos. Se alguma diferença existe está em menos medidas, com um peso maior nas que têm como alvo as empresas, mas que são difíceis de contabilizar por ausência de informação
Vencedores e vencidos do Orçamento
Os funcionários públicos e os jovens são os que se vão sentar no melhor lugar na mesa de um Orçamento de 2025 que, por omissão de algumas medidas, impede que se avalie o seu impacto financeiro, nomeadamente quando se compara com o ano de 2024, ainda da autoria do Governo de António Costa.
No Orçamento de 2024 as medidas com impacto orçamental que agravam o saldo corresponderam a quase 2% do PIB (1,9%). Luís Montenegro restringe essa atuação a cerca de metade, pouco menos de 1% (0,9%). Vale, contudo, a pena alertar que há um conjunto de medidas que vão seguramente ocorrer – como a atualização do Indexante de Apoios Sociais – que aparecem no habitual quadro das Principais Medidas de Política Orçamental e que não existem em 2025. E na tributação das empresas há medidas novas e outras já existentes, que foram alargadas, que não são igualmente identificadas neste quadro.
Em 2024 conhecíamos os impactos das alterações do Incentivo à Capitalização das Empresas (ICE), das tributações autónomas e do incentivo fiscal à valorização salarial (ver página 116 do OE 24, proposta). Em 2025 Joaquim Miranda Sarmento limitou a linha das medidas de política em matéria de IRC a “SIFIDE, RFAI, ICE e outros”, identificando-a como relacionadas com o Orçamento de 2024 (ver página 100, OE 25).
A pergunta que fica sem resposta é: onde estão os impactos financeiros das medidas acordadas em concertação social referida no relatório, como as que vêm de 2024 e foram alteradas e as e outras que são novas? O tema merece aliás a atenção da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) na análise preliminar à proposta do Orçamento do Estado para 2025 à luz do Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo 2024–28.
A UTAO refere nomeadamente a falta dos impactos financeiros da descida do IRC de 21% para 20%, assim como de outras medidas referidas pelo Governo no relatório, designadamente a “majoração de 20% dos gastos com seguros de saúde”, a “redução das taxas de tributação autónoma” e a “isenção de IRS e TSU nos prémios de produtividade de trabalhadores”. Assim, afirmam os técnicos que apoiam os deputados na análise do Orçamento, “apesar da diminuição da taxa e da diminuição da base de incidência, o cenário orçamental indica que a receita de IRC em 2025” vai aumentar 6,1% por via “do aumento da atividade económica e dos lucros de 2024” mas não faz “referências à perda direta de receita por via das alterações a introduzir no código do IRC”.
A esta crítica, que também já foi feita pelo PS, o Governo tem respondido com o argumento de que esses efeitos só são contabilizados em 2026. Mesmo admitindo que isso é assim, interrompendo uma prática de anos anteriores, fica por se perceber a razão pela qual também não estão incluídas medidas que já existem e que apenas foram alargadas como o incentivo fiscal à valorização salarial.
As prioridades para o Orçamento escolhidas pelo Governo e explicitadas no quadro das “Principais Medidas de Política Orçamental em 2025” podem assim estar em parte escondidas nos seus impactos financeiros, designadamente nas que dizem respeito às empresas. Uma das razões para esta falta de informação pode ser de estratégia política, evitando assim a acusação de beneficiar as empresas no confronto parlamentar. O que é óbvio que não evita, como se tem assistido, designadamente nas críticas que chegam da esquerda.
A mensagem que resulta do quadro que o Governo escolheu apresentar no Orçamento é a de orientar o dinheiro a mais, que vai gastar em 2025, para os salários dos funcionários públicos e para os jovens, com a perda de receita de IRS e medidas para a habitação. Esta é a conclusão a que se chega quando se agregam as medidas de acordo do critério do grupo que vai beneficiar delas. Mas, estando nós perante um documento que não explicita o impacto financeiro de boa parte das medidas dirigidas às empresas, estas podem mesmo ultrapassar a prioridade dada aos jovens.
O primeiro Orçamento de Luís Montenegro tem a marca da falta de informação e na necessidade da negociação que acabou por não beneficiar tanto os jovens como o Governo queria e por dar às empresas o melhor dos dois mundos, do PS e da AD. Mas escondendo o impacto financeiro dado às empresas, quem sabe tentando facilitar o voto dos socialistas.