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O presidente da Assembleia da República em exercício, António Filipe, fala aos jornalistas antes da quarta votação para a eleição do presidente da Assembleia da República, que sucederá a Augusto Santos Silva, após ter falhado a sua eleição pelo círculo Fora da Europa nas últimas legislativas, na Assembleia da República, em Lisboa, 27 de março de 2024. FILIPE AMORIM/LUSA
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FILIPE AMORIM/LUSA

FILIPE AMORIM/LUSA

António Filipe, do PCP: "Governo não oferece grandes garantias de estabilidade"

O mais experiente deputado do PCP reconhece que a duração da legislatura é uma incógnita e avisa o PS que "viabilizar um Orçamento do Estado do PSD seria insólito", tendo em conta que são oposição.

Foi o presidente em exercício da Assembleia da República durante o longo processo de eleição de José Pedro Aguiar Branco. António Filipe reconhece que a duração da legislatura é uma incógnita e que depende da forma como o Governo vai responder aos problemas que têm levado a população às ruas.

Quanto ao arranque da legislatura, o deputado comunista insiste que a comissão parlamentar de inquérito à ANA é relevante e que os partidos que votarem contra terão que assumir a “responsabilidade” de não quererem ir mais fundo na investigação a “um negócio que lesou o erário público”.

Para António Filipe, “seria insólito um partido da oposição viabilizar o Orçamento do Estado”, entendendo a pressão do PS para que a valorização das carreiras da função pública avance rapidamente. Aliás, para o PCP, o próprio Governo em gestão já devia ter dado passos para corrigir os problemas de algumas carreiras na administração pública.

[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com António Filipe]

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António Filipe: “Dificilmente se compreende que PS viabilize OE”

O PCP já respondeu ao desafio do Governo para o debate sobre o combate à corrupção e pede a valorização imediata das carreiras da função pública. Se isso estiver no programa do Governo, para quê rejeitar?
Temos divergências profundas relativamente a esse programa, quer em aspetos de fundo, quer mesmo em aspetos concretos. E, por exemplo, no que se refere ao combate à corrupção, uma coisa é todos compartilharmos a ideia de que é preciso combater a corrupção mas coisa muito diferente são as medidas que se preconizam. O PCP acabou de entregar na Assembleia da República projetos de lei relacionados com essa matéria, relativamente aos quais o que temos tido da parte dos partidos que integram o Governo é oposição. Quando defendemos que o Estado não deve submeter os seus litígios com os grupos económicos a arbitragens sem qualquer garantia de transparência. Quando defendemos uma taxação extraordinária sobre as transferências para paraísos fiscais… Há uma série de medidas em que claramente divergimos e, portanto, o juízo global que fazemos leva-nos, perante este programa do Governo e na discussão do programa, em primeiro lugar, a provocar uma votação sobre o programa.

Para comprometer os partidos?
A apresentação de uma moção de rejeição é a única forma de fazer com que o programa seja votado. Vai ser bom para clarificar a posição de cada um. Ouvi algumas críticas à apresentação da moção de rejeição. Ora, não sendo o programa do Governo submetido a votação, o que poderia acontecer no debate é que terminava e os deputados voltavam às suas casas e não acontecia nada. A forma de haver essa votação exige a apresentação ou de um voto de confiança por parte do Governo, coisa que sabemos que não vai acontecer, ou de uma moção de rejeição. O PCP entende que é importante que haja uma votação na Assembleia da República sobre este programa para que cada partido possa assumir a sua responsabilidade relativamente a essa questão.

O facto de o PS não ir votar a favor da moção de rejeição é uma cedência à direita?
Não diria que é uma cedência à direita mas é uma posição que nós não compartilhamos. Desde a primeira hora que dissemos que iríamos ser oposição a este Governo e vamos ser. Estamos perante um Governo de direita e mesmo com forças de direita — estou a falar do Chega — que se querem apresentar como sendo oposição, para nós é muito claro que a direita não é oposição à direita. A oposição a este Governo terá de ser necessariamente pela esquerda e para isso é importante que as posições fiquem claras. Não seria o PS votar a favor da moção de rejeição que, do nosso ponto de vista, determinaria a queda do Executivo porque temos a noção clara de que a direita socorrerá este Governo. A situação que vai resultar desta votação é que vai continuar a reinar alguma confusão sobre a vida política nacional, sem se perceber muitas vezes quem é quem. Quem é que apoia o Governo, quem é que está na oposição. E isso não é bom. Há ainda questões pontuais que são relevantes. É evidente que se o Governo quiser tomar medidas para reposição do tempo de serviço roubado aos professores, ou para valorização das forças de defesa e segurança, não regatearemos o nosso apoio a essas medidas.

"A reposição do tempo de serviço dos professores só não foi por diante porque o PSD recuou à última da hora"

E se for preciso um orçamento retificativo, o PCP está disponível para apoiar?
Está para apoiar essas medidas em concreto, se elas forem no sentido correto, o que não significa um juízo global sobre um orçamento retificativo que nem sabemos se vai haver e, havendo, nem sabemos exatamente com o quê.

Já disse que não comenta trocas de correspondência privadas, mas a resposta de Luís Montenegro a Pedro Nuno Santos parece-lhe que empurra essas decisões para o Orçamento do Estado de 2025?
Aparentemente sim. O PSD já teve várias posições. Pode ser que o debate do programa do Governo seja um pouco mais esclarecedor sobre essa matéria mas sempre defendemos que não havia necessidade de um orçamento. O PCP defendia até que o Governo de gestão poderia ter tomado essas medidas e, por maioria de razão, consideramos que não será necessário um orçamento retificativo. Até porque há o tal excedente orçamental que era muito grande, mas no discurso do PSD parece que afinal já não é tão grande assim, ou que é grande mas não deve ser utilizado para o que é preciso. Ora, o PCP entende que o excedente deve ser utilizado para o que é preciso. Quanto a essas medidas, terão a nossa concordância, como aliás no passado. A reposição do tempo de serviço dos professores só não foi por diante porque o PSD recuou à última da hora, numa altura em que António Costa chegou a ameaçar que se demitiria. Esperemos agora que o PSD está no Governo que não volte a recuar.

E o prazo dos 60 dias que Pedro Nuno Santos pediu a Luís Montenegro para tratar deste assunto da valorização das carreiras parece-lhe um tempo correto ou Pedro Nuno Santos não pode exigir prazos a ninguém?
Faz parte de uma tática do Partido Socialista. A leitura que faço disso é que o PS não se quer comprometer com o Orçamento de Estado para o próximo ano e isso compreende-se. Dificilmente se compreenderia que um partido que se afirma como sendo um partido de oposição estivesse disponível para viabilizar o Orçamento de Estado para 2025. Seria um pouco insólito que isso acontecesse e, portanto, obviamente que se compreende que queira que essas questões sejam resolvidas antes de chegar o orçamento. Agora, o PCP acha é que elas já deveriam ter sido resolvidas e que o PS poderia tê-las resolvido. Isso parece-nos evidente e não tem nada que esperar pelo próximo orçamento.

Comissão de Inquérito. “Tem existido é uma banalização de anúncios de inquéritos parlamentares”

O PCP quer promover uma comissão parlamentar de inquérito à privatização da ANA. Há outros partidos que já apresentaram também outras propostas de comissões de inquérito. Este não é um instrumento que corre o risco de ser banalizado?
Todos os instrumentos parlamentares correm o risco de ser banalizados. O PCP é muito parcimonioso na apresentação de inquéritos parlamentares. Não somos como aqueles partidos que quase todos os meses apresentam inquéritos parlamentares e que depois dizem que se não forem aprovados são potestativos, depois não são. Enfim, o que tem existido é uma banalização de anúncios de inquéritos parlamentares que depois não se realizam. A Assembleia da República já fez inquéritos parlamentares muito importantes e cujas conclusões não só prestigiaram esta Assembleia como fizeram luz, perante a opinião pública, de questões muito relevantes. A Comissão de Inquérito ao caso do Banco Português de Negócios e do BES e mais recentemente a da TAP. É um instrumento importante não apenas para a Assembleia, mas também para a opinião pública, porque permite que seja dada uma maior publicidade a determinados processos e que haja um maior esclarecimento independentemente depois da votação das conclusões, que, como sabemos, é uma coisa que releva mais de opções políticas do que propriamente de factos apurados.

Caso das gémeas. "Sendo uma matéria sobre a qual há factos que devem ser apurados e que têm vindo a ser por várias entidades, avançar com um inquérito no plano parlamentar parece mais uma manobra de diversão"

E para o PCP a questão da ANA precisa desse esclarecimento mais apurado?
O caso da privatização dos aeroportos é de tal modo escandaloso, à luz daquilo que foi recentemente revelado pela auditoria do Tribunal de Contas, que há responsabilidades políticas que são necessárias apurar e que devem ser publicamente assumidas sobre essa matéria. Nesse sentido, achamos que é uma pesada responsabilidade para os partidos que rejeitem este inquérito porque significa que querem fugir a responsabilidades de lesões muito graves do erário público e limitações muito graves às próprias decisões soberanas do Estado português relativamente a uma questão tão importante como a localização do aeroporto internacional.

Quanto a outros anúncios que foram feitos, sobre outras comissões de inquérito pré-anunciadas, alguma fará sentido, por exemplo, a do caso das gémeas brasileiras?
Estamos a aguardar que seja formalizado o objeto do inquérito, não sabemos aliás se vai ser sujeito a votação, porque já foi anunciado que será potestativo e, portanto, é uma opção do partido que toma essa decisão. Sendo uma matéria sobre a qual há factos que devem ser apurados e que têm vindo a ser por várias entidades, avançar com um inquérito no plano parlamentar parece mais uma manobra de diversão. Ainda assim, qualquer decisão definitiva teria que ser tomada com base no objeto do inquérito e caso venha a ser submetida, o que parece que neste momento não é claro.

Relação entre PS e PSD. “Existiu uma dupla cedência entre os dois maiores partidos”

Foi um dos protagonistas, ainda que não tenha pedido, do processo de eleição do Presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco. É um presidente diminuído pela forma como decorreu o processo?
Não creio, porque já não é a primeira vez que um presidente da Assembleia não é eleito à primeira vez que se submete a votação. Aliás, até já houve um caso, que não foi assim há tantos anos como isso, em que o candidato apresentado pelo maior partido não foi aprovado.

Está a falar de Fernando Nobre…
Em que o próprio partido maioritário teve que encontrar uma outra solução, que foi Assunção Esteves. Claro que o acordo que fez o PSD fez com o Partido Socialista, de repartir o mandato, pressupondo que a Assembleia dura os quatro anos da legislatura, representa à partida uma dupla cedência. Uma da parte do PSD de aceitar partilhar a presidência da Assembleia com outro partido e, ao mesmo tempo, também uma da parte do PS, que aceitou votar numa segunda votação num candidato que não tinha votado a troco de uma promessa futura de assumir a presidência. Não creio que isso afete o mandato do presidente da Assembleia da República, que se prestigiará pela forma como for exercido e não tanto pela forma como decorreu a eleição.

"A própria duração da legislatura vai depender disso, da forma como socialmente as pessoas encararem aquilo que vai ser a ação governativa nos próximos tempos"

Marcelo Rebelo de Sousa diz que é possível chegar ao fim da legislatura, embora isso seja muito exigente. Para o PCP também interessa que a legislatura dure os quatro anos para permitir a renovação do partido e permitir a Paulo Raimundo mostrar trabalho?
Não associamos uma coisa à outra. Naturalmente que é nosso objetivo que em próximas eleições, decorram elas quando decorrerem, que possamos reforçar as nossas posições. A duração da legislatura é algo de imprevisível. Temos tido muitos casos, e até os mais recentes, de legislaturas que não chegaram ao fim, devido a situações diversas. Este Governo não oferece grandes garantias de estabilidade, mas o que mais nos preocupa, independentemente da duração concreta, é a questão de saber se os problemas que as pessoas sentem e que são motivo de insatisfação para muitos dos nossos concidadãos sejam ou não resolvidos. A própria duração da legislatura vai depender disso, da forma como socialmente as pessoas encararem aquilo que vai ser a ação governativa nos próximos tempos. O PCP gostaria que os problemas fossem de facto resolvidos mas não temos grandes expectativas de que isso aconteça com este Governo e o facto de não termos expectativas é que avançamos desde logo com uma moção de rejeição do programa.

Mesmo sabendo que não terá efeito prático 
Enquanto a legislatura durar, o PCP cá estará para fazer oposição, para apresentar as  propostas alternativas e é essa a prestação de contas que temos que fazer aos eleitores em próximas eleições, independentemente de sabermos quando é que elas vão ocorrer. Sabemos que, para já, dia 9 de junho temos eleições para o Parlamento Europeu, que também é um momento importante para que os cidadãos se manifestem relativamente não apenas à situação política do país, mas também aos caminhos que pretendem para a Europa onde estamos inseridos.

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