“Este é um dia histórico para a democracia grega. O povo grego está determinado a colocar um ponto final à austeridade”. O “dia histórico” assinalado por Alexis Tsipras, líder do partido da Coligação de Esquerda Radical, mais conhecido como Syriza, foi 29 de dezembro de 2014. O primeiro-ministro Antonis Samaras acabava de falhar, à terceira tentativa, a eleição do seu candidato Stavros Dimas para Presidente da República. Precisava, para isso, não só dos deputados da coligação que lidera mas de 180 votos favoráveis (do total de 300 com assento parlamentar). O governo caiu – assim determina a Constituição – e foram marcadas eleições para 25 de janeiro.
Terá chegado, assim, a grande oportunidade por que esperavam Alexis Tsipras e o partido Syriza, que lidera todas as sondagens feitas na Grécia desde maio de 2014, aproveitando o facto de serem, neste momento, ainda pouco robustos os sinais de recuperação na economia grega. Depois de seis anos de recessão, a economia grega cresceu no terceiro trimestre ao ritmo mais rápido de toda a zona euro. Mais do que Portugal, mais do que Espanha e mais do que a Alemanha. Ainda assim, e apesar de a Comissão Europeia dizer que “2014 foi o ponto de viragem na Grécia” e prever um crescimento de 2,9% do produto interno bruto (PIB) em 2015, continuam no desemprego mais de um quarto dos gregos. E essa será uma das razões que estão na base da popularidade do Syriza, um partido que tem “radical” no nome e que defende um perdão de dívida (mais um) e o fim da política de consolidação das contas públicas, vulgo “austeridade”.
A ascensão de Alexis Tsipras e do Syriza foi rápida, mas não se pode dizer que tenha sido da noite para o dia. Já nas eleições de 2012, as que (à segunda) colocaram a coligação liderada por Antonis Samaras no poder, o partido esteve em destaque. Tsipras, de 40 anos, continua, contudo, a ser uma figura relativamente enigmática, pelo menos visto a partir do exterior. E, em particular, visto a partir da Alemanha. Na mesma edição em que escrevia, citando “fontes próximas de Angela Merkel”, que a Alemanha não se oporia à saída da zona euro por parte de uma Grécia liderada por Alexis Tsipras, a revista alemã Der Spiegel traçava um perfil do “misterioso” líder do Syriza. Ou, pelo menos, tentava, apontando para o “chorrilho de contradições” no discurso do político de 40 anos.
Os leitores do Der Spiegel ficaram a conhecer um homem que garante que “o nosso partido, como um todo, quer ver o país dentro do euro” mas, por outro lado, “só na condição de a coesão social não ser ameaçada“. Tsipras afirmou, também, recorda a Der Spiegel, que a moeda única “não é um fetiche” mas alertou que a Grécia “não é refém de ninguém“. “Seja lá o que for que isso significa”, escrevia a revista alemã.
Alexis Tsipras é o líder aparentemente incontestado do Syriza, um bloco que resultou da união de várias forças de esquerda, com alguns membros mais moderados e outros, como Panagiotis Lafazanis, que não deixam margem para “mistérios”: “Queremos sair do euro e uma cisão completa com uma União Europeia totalitária“, afirmou o grego, líder da “Plataforma de Esquerda”, um dos movimentos que estão na base do Syriza, além dos comunistas, maoístas, trotskistas, verdes e socialistas. Alexis Tsipras nunca foi tão longe quanto Panagiotis Lafazanis, muito menos nos últimos meses.
O líder do Syriza, que nasceu em Atenas três meses depois do 25 de abril português, quer promover uma Conferência Europeia da Dívida, semelhante à que foi realizada em Londres em 1953 e onde foi celebrado o Acordo para as Dívidas Externas Alemãs, no rescaldo da Segunda Grande Guerra. É um crítico dos “poderes da oligarquia” e do que considera ser um capitalismo anti-democrático que se apoderou da Grécia. Já defendeu a saída da Grécia da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e quer nacionalizar a banca e outros serviços que acredita deverem ser levados a cabo para o bem público e não virados para a obtenção de lucro.
Alexis Tsipras quer também subir os impostos para os mais ricos para 75%, ainda que não seja certo se isso constaria do eventual programa de um governo por si liderado, já em 2015. A medida, em concreto, não consta do chamado Programa de Salónica, o plano que o Syriza apresentou em meados de setembro e que está nesta altura a ser escrutinado por todos os analistas políticos e de mercados financeiros, que querem saber a resposta a três grandes questões. Em primeiro, conseguirá o Syriza levar a vantagem das sondagens até às urnas? Depois, conseguirá formar governo? E, finalmente, o que irá fazer?
O Programa de Salónica quer resolver a “crise humanitária” que o Syriza diz existir na Grécia, fazer renascer a economia e promover reformas profundas. Em termos concretos, Tsipras não quer que se cobrem impostos sobre o rendimento a quem ganha menos de 12 mil euros por ano. Quer acabar com o controverso imposto ENFIA sobre as propriedades imobiliárias, que para os seus críticos ultrapassou os limites do confisco da propriedade privada, e substituí-lo por um imposto pago apenas por quem tem propriedades avaliadas em mais de meio milhão de euros. O programa prevê, também, a recuperação dos subsídios de Natal para reformados com pensões inferiores a 700 euros por mês, elevar o salário mínimo para 751 euros e melhorar os subsídios de desemprego e outras prestações sociais. Quer, ainda, dar eletricidade gratuita e outros apoios a famílias carenciadas e medicamentos grátis para desempregados.
Quanto iria custar tudo isto? Segundo as contas do Syriza, o plano custaria ao Estado cerca de 13.500 milhões de euros. Dois mil milhões iriam para o primeiro objetivo, de resolver a “crise humanitária”, 6.500 seriam usados em medidas para impulsionar a economia (que a prazo gerariam 3.000 milhões) e cinco mil milhões iriam para medidas relacionadas com o emprego. O governo de Samaras rebateu, de imediato, este valor e garantiu que um tal plano, com estas características, custaria vários milhares de milhões de euros do que o Syriza calcula, um montante superior a 17 mil milhões de euros. Para o atual governo, o programa, se executado, aumentaria o défice das contas públicas da Grécia em nove pontos percentuais.
Além destas medidas, o líder da oposição ao governo demissionário adianta que o seu governo vai pedir uma reestruturação da dívida significativa, que a torne definitivamente sustentável. Dívida que, após os vários resgates e a operação de troca de dívida (basicamente, uma reestruturação voluntária) de março de 2012, é detida em cerca de 80% pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e parceiros europeus. Esta é a principal razão que leva muitos analistas a temer que, se o Syriza vencer as eleições e conseguir formar um governo forte, sob o qual tenha pleno comando, esse será o início do fim para a Grécia enquanto membro da zona euro. Seria dar razão a todos os economistas, incluindo o norte-americano Kenneth Rogoff que, desde a altura do primeiro resgate ao país, em 2010, dizia que a Grécia iria, mais tarde ou mais cedo, com mais ou menos resgates, acabar por abandonar a união monetária.
Sobre a probabilidade de isso acontecer, e sobre o impacto de uma saída do euro, muitos se têm pronunciado, agora que faltam menos de três semanas para as eleições legislativas na Grécia. Ainda esta terça-feira, o antigo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, disse: “espero e desejo que tal não aconteça“. Mas garantiu que, mesmo que a Grécia decida sair do euro, a “integração europeia teria condições para continuar a avançar”. Nos mercados, o pânico que se seguiu à queda do governo acalmou um pouco, ainda que a bolsa e os títulos de dívida pública grega continuem em níveis que demonstram que, na cabeça dos investidores, a tranquilidade não é total. Na segunda-feira, a bolsa de Atenas caiu quase 6% e os juros a três anos permanecem acima de 14%.
Numa referência ao artigo do Der Spiegel, que marcou o fim de semana, Durão Barroso atirou, no entanto, no seu discurso no Museu do Oriente, em Lisboa: “não gostei nada do que li na imprensa alemã sobre a Grécia, e vice-versa”. Num comunicado enviado na noite de segunda-feira às redações dos jornais gregos, Alexis Tsipras tentou colocar água na fervura. O líder do Syriza afirmou que a intenção do partido não é desencadear uma saída da zona euro ou levar à desintegração da união monetária. Pelo contrário, garante, o partido quererá, através das medidas que propõe, contribuir para salvaguardar a estabilidade da zona euro a prazo. Sugeriu, também, que é Antonis Samaras quem está por trás das notícias de que a Alemanha estaria disposta a deixar sair a Grécia da zona euro. A campanha eleitoral está em curso.
Na Grécia, a mensagem transmitida pelo artigo da revista Der Spiegel não caiu bem. Tal como não tinham caído as declarações do novo Comissário Europeu Pierre Moscovici, que afirmou em dezembro que a Grécia não pagar a dívida seria “um suícidio“. Yanis Varoufakis, um professor de Economia da Universidade de Atenas e conhecido militante esquerdista, lançou várias questões no seu blogue. “Foi nisto que se transformou a Europa dos nossos sonhos? Chegou a Europa a um ponto em que as eleições são vistas como um problema e não como uma fonte de soluções?”, pergunta Varoufakis. “Terão as autoridades de Bruxelas, nomeadas pelos governos, se tornado tão estupendamente arrogantes que acreditam que podem dizer aos eleitores como devem votar? Chegámos a um ponto em que é dito às pessoas que se votarem num governo que quer renegociar um empréstimo internacional asfixiante irão defrontar-se, logo nos dias seguintes, com máquinas de Multibanco fora de serviço?”.
As últimas sondagens apontam para um Syriza menos líder, mas ainda líder. O “joker”, aqui, poderá ser o antigo primeiro-ministro, Georges Papandreou, que estará prestes a lançar um novo partido, em cisão com os socialistas do PASOK de onde foi sacudido. Esta é, para já, uma das principais ameaças à vitória do Syriza ou, pelo menos, à sua capacidade para formar governo. O partido mais votado terá três dias para formar governo. Caso não consiga, é dada a oportunidade ao segundo partido mais votado para tentar formar governo. Se não resultar, é o terceiro partido mais votado a convidar os outros deputados a quebrar o impasse. Se também nesta situação não for possível formar governo, o presidente convoca novas eleições.
As eleições legislativas estão marcadas para 25 de janeiro e todos os olhos voltam a concentrar-se em Atenas, como alguns terão achado que não voltaria a acontecer. Eleições que Alexis Tsipras pede há muito, sobretudo desde o final do verão passado. Em setembro, Alexis Tsipras lançou o apelo: “Pedimos eleições não porque temos pressa para governar. Pedimos eleições porque o país não pode esperar mais e porque as pessoas não aguentam mais“.
Para um retrato atualizado sobre o estado da economia grega, o Observador recomenda, além da análise da Comissão Europeia citada acima, o relatório da Organização Internacional do Trabalho, de 24 de novembro, disponível em inglês, alemão, grego, castelhano, francês e italiano. A organização independente alerta para a necessidade de criar “empregos produtivos na Grécia”, apontando para o “momento crítico” que o país enfrenta atualmente.