Índice
Índice
A Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) está a cumprir o período de 20 dias de “reflexão” antes de avançar para a greve. Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, teve um encontro com a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, antes de seguir para a Rússia, onde decorre esta sexta-feira o sorteio do Campeonato do Mundo (já depois de ter estado na Assembleia da República). Os programas televisivos de desporto falam cada vez menos de futebol. É neste contexto que chegamos ao clássico FC Porto-Benfica.
A rivalidade entre os clubes ganhou proporções inimagináveis e provoca episódios rocambolescos, como aquelas duas horas na noite de segunda-feira onde se discutiram de forma exaustiva frames de imagens de um lance do Desp. Aves-FC Porto. Os dragões denunciam desde junho o alegado esquema instalado no futebol português para beneficiar o Benfica; as águias, que prometem ir até às últimas consequências nos tribunais, falam num clima de coação aos árbitros advindo daquilo que denominam de “novo Apito Dourado”. Percebe-se como tudo começou, ninguém consegue prever como vai acabar. No futebol e fora dele, porque a Polícia Judiciária já entrou em campo para investigar todas as denúncias que têm vindo a ser feitas ao longo dos últimos meses.
Das famosas cartilhas aos emails, passando por episódios de bruxaria e guerras verbais via Twitter, houve um pouco de tudo nos últimos sete meses. Rebobinando o filme, o tiro de partida foi dado três dias depois do último clássico entre Benfica e FC Porto, na Luz, que acabou com um empate a uma bola. Agora, a três dias de um novo FC Porto-Benfica (desta vez no Dragão), a discussão não era quem estava melhor ou pior, mas sim se os encarnados tinham ou não manipulado imagens. O último de dez grandes choques sem precedentes.
A cartilha, a cartilha da cartilha e um email que passou ao lado
Esta guerra FC Porto-Benfica começou no programa “Universo Porto de Bancada”, do Porto Canal, a 4 de abril. Nesse dia, e no rescaldo do clássico na Luz (1-1), Francisco J. Marques mostrou parte de uma cartilha que os encarnados enviavam semanalmente para os seus comentadores na TV e na rádio. “Um documento tem 22 páginas, outro tem nove páginas, por isso é que falam com a mesma cartilha. Nos almoços é difícil acertar agulhas”, comentou o diretor de comunicação dos azuis e brancos, que mostrou então parte desse documento e leu um parágrafo de outro subordinado ao tema “Sobre as queixas absurdas do Sporting Clube do Porto”.
“Isto são sugestões de como se devem referir a Bruno de Carvalho. Por mim não falava mais desse senhor; não gostava nada de comentar mais nada desse senhor; comenta-se e esse senhor ainda vai atacar a dizer que estamos a falar mal dele; que fique claro que não quero dar mais para esse peditório; que fique claro que não tenho vontade de comentar nada sobre o presidente do Sporting; é mesmo necessário comentar mais uma vez o que disse esse senhor?; acham que vale a pena comentar e dar tempo de antena a esse senhor?; já toda a gente conhece esse senhor, para quê comentar?”, leu Francisco J. Marques nessa noite.
O Benfica relativizou por completo a acusação, Carlos Janela não confirmou nem desmentiu que fosse o autor do documento, o FC Porto voltou à carga: além de apresentar os nomes de todas as 23 pessoas que recebiam a dita cartilha (entre as quais o presidente encarnado, Luís Filipe Vieira) e desde quando, publicou as referidas 31 páginas na íntegra na sua newsletter. Mas foi na semana seguinte, quando Luís Bernardo já tinha falado da “cartilha da fruta, do Apito Dourado e do Canelas”, que apareceu o primeiro email “comprometedor” para o rival, relacionado com as claques não legalizadas do clube. E que ninguém ligou muito.
Explicando que recebera uma informação que o remetia para o blogue Benfica Leaks, onde estariam imagens de uma correspondência trocada entre Domingos Soares Oliveira, administrador da SAD encarnada, e Rui Pereira, chefe de segurança das águias, Francisco J. Marques revelou a conversa entre os responsáveis sobre um incidente na área de serviço de Aveiras com elementos dos No Name Boys: “A senhora da área de serviço disse aos polícias que seriam carrinhas do Benfica. Questionando a senhora porque dizia tal coisa, disse que pediram fatura com o NIF do Benfica. A PSP há muito que nos diz que o SLB paga o aluguer destas carrinhas aos No Name e que considera tal prática como um apoio ilegal. Ficaram no domingo a saber que, além do aluguer, o SLB ainda lhes paga o combustível. A PSP diz que vai fazer um auto de notícia da ocorrência e que pode sobrar para o SLB”, leu.
Do condicionamento ao líder da APAF aos primeiros processos
Subsistia ainda a dúvida de onde teria chegado a informação ao FC Porto. Aliás, até se pensava, inicialmente, que o documento teria chegado através de uma “fuga” de uma das pessoas que recebia esses emails. Duas semanas depois, o caso mudou de figura com a revelação de Francisco J. Marques daquilo que considerou ser um condicionamento ao presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), Luciano Gonçalves.
Em resumo, a história era a seguinte: Luciano Gonçalves perguntava a Ana Paula Godinho, na condição de presidente da Mesa da Assembleia Geral do Centro Recreativo de Alcanadas, uma aldeia na Batalha, se haveria hipóteses de comprar 50 bilhetes mais baratos por forma a oferecer e levar avós e netos da localidade que nunca tinham ido a um jogo de futebol ao Benfica-Marítimo, num feriado. O email foi depois reencaminhado pela relações públicas do clube para Domingos Soares de Oliveira, que responde com conhecimento de Paulo Gonçalves, assessor jurídico da SAD, que por sua vez comenta também o facto e a relação do clube com o líder da APAF.
Pela primeira vez, o Benfica admitiu que poderia estar em causa um crime de pirataria informática e reagiu, anunciando que iria avançar com queixas-crime contra várias pessoas e entidades: Porto Canal, pela divulgação da troca de emails internos; Francisco J. Marques, pelos comentários feitos após a divulgação da peça; FC Porto e SAD dos azuis e brancos. E que as mesmas queixas iriam avançar para o Ministério Público, para a Polícia Judiciária, para a ERC e para a CMVM. Fonte oficial dos encarnados garantia também que havia manipulação e deturpação da informação, mas queria sobretudo tentar travar aquilo que se adivinhava: muitas mais revelações.
A primeira acusação de corrupção que trouxe outra realidade à Guerra
A temporada já tinha terminado, o Benfica tinha ganho o tetracampeonato, a questão dos emails andava adormecida. Até que, a 6 de junho, Francisco J. Marques usa pela primeira vez a palavra “corrupção”. A partir daqui, tudo mudou e a guerra aberta entre os dois rivais ganhou uma dimensão inimaginável.
Através de uma troca de emails na temporada 2013/14 entre Adão Mendes, antigo árbitro de Braga que foi depois observador e passou pelo Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Braga, e Pedro Guerra, na altura comentador televisivo e colaborador do Benfica (só em 2015 passaria para a direção de conteúdos da BTV), o dirigente azul e branco falou num “esquema de corrupção para favorecer o Benfica”. “Hoje o Benfica manda e os outros não mexem nada. Hoje sabem que quem nos prejudicar será punido”, terá escrito Adão Mendes, entre outras considerações onde destacava o trabalho do “primeiro-ministro” (Luís Filipe Vieira) e recomendava uma série de árbitros além dos internacionais como Jorge Ferreira, Nuno Almeida, Bruno Esteves, Manuel Mota, Vasco Santos, Rui Silva, Hugo Pacheco e Paulo Batista.
“O primeiro-ministro é um grande homem e um grande líder, tem um grande amor ao glorioso. Dizem os sábios dos painéis que o FC Porto já não manda. Isto foi conquistado pelo primeiro-ministro. Quanto às missas, temos bons padres para todos. Agora, apague tudo”, terá dito Adão Mendes a Pedro Guerra.
Esta foi a primeira vez que o Benfica chocou realmente com uma acusação que teria muitos mais capítulos nas semanas seguintes, o que levou mesmo o clube a emitir um comunicado oficial onde destacava também o que iria fazer para reagir. “O Benfica repudia e desmente de forma veemente as falsas e absurdas insinuações do diretor de comunicação do FCP e avançará com o correspondente processo-crime por difamação e outros processos que se justifiquem, considerando que mais não visam do que desviar as atenções da crise e graves problemas por que passam outras instituições“, salientaram. Três dias depois, após a notícia das sanções da UEFA ao FC Porto por causa do fair-play financeiro, o Benfica voltou a destacar aquilo que apelidou de “manobras de diversão”. Já Pedro Guerra admitiu que não se lembrava se tinha trocado aqueles emails.
O emails de Luís Filipe Vieira e a reabertura do Apito Dourado
Uma semana depois, Francisco J. Marques teve o principal “ataque” ao alegado esquema para favorecer o Benfica, revelando uma série de emails com nomes que ainda não tinham sido referidos: Luís Filipe Vieira, presidente dos encarnados; Paulo Gonçalves, assessor jurídico da SAD; e Nuno Cabral, delegado da Liga.
Entre os apelos para a revisão de uma nota de Manuel Mota (apelidado de “afilhado” de Adão Mendes) e do filho, Renato, o responsável portista falou de “vigarices e cambalachos” a propósito de uma mensagem enviada para Paulo Gonçalves. “O email diz ‘Junto envio lista dos melhores candidatos assistentes. Força nisso e cuidado, teste escrito’. E o que tem? ‘Candidatos a árbitros assistentes na Liga, exames a 11 e 12 de julho, em Rio Maior. 1.º) Bruno Miguel Alves de Jesus, Lisboa. 2.º) Renato Manuel Fernandes Mendes, Braga. 3.º) José Pedro Morgado Laranjeira, Coimbra. 4.º) João Viegas Jacob, Setúbal. 5.º) Carlos Alberto Fernandes Dias, Porto. Por esta ordem, estes são os melhores e nada pode falhar’. Mas o que é isto?”, questionou Francisco J. Marques.
Já sobre Nuno Cabral, o diretor de comunicação azul e branco fez referência a mais do que um email para Luís Filipe Vieira e, sobretudo, Paulo Gonçalves. “A 23 de junho de 2014 enviou para Paulo Gonçalves a seguinte mensagem: ‘Destes 15, vão 12 a estágio para o próximo ano’. O que são estes 15? Os árbitros de segunda categoria que poderiam passar à primeira categoria. Mas como? Reencaminha de uma outra mensagem, que era o árbitro João Pinheiro. Na altura era um árbitro de nível III ainda. Nuno Cabral, aproveitando-se do facto de ser um ex-árbitro, convenceu alguém para lhe enviar aquilo”, acusou o responsável portista, antes de revelar também trocas de mensagens entre Mário Figueiredo, presidente da Liga, Vieira e Gonçalves.
“Isto é o polvo, Nuno Cabral é outro Adão Mendes. E os árbitros acabam por ser umas marionetas nas mãos das pessoas que trabalham para o Benfica”, apontou Francisco J. Marques.
Logo nesse dia, o Benfica comentou através de uma fonte oficial que tudo o que tinha sido era “totalmente irrelevante”. “Voltaram a ser cometidos vários crimes no Porto Canal. O FC Porto vai ter de responder na Justiça. E são os mais variados crimes. Crime informático, falsificação, etc…”. Poucos dias depois, o contra-ataque ganhou outra “ramificação”: em entrevista à BTV, Luís Bernardo, diretor de comunicação dos encarnados, referiu que o clube iria pedir a reabertura do processo Apito Dourado para que fosse reavaliada a legalidade das seis mil escutas nele contidas. “Existe uma linha de continuidade, muitas das pessoas ligadas àquele processo estão ligadas aos casos que se passaram no último ano no futebol português”, justificou, antes de alegar também que Francisco J. Marques teria ligações ao FC Porto quando trabalhava na Lusa. O portista avançou com um processo.
Os SMS de Fernando Gomes e a chamada da PGR e da PJ
Na semana seguinte, o FC Porto continuou o ataque, desta vez denunciando que o Benfica teria tido acesso a SMS de Fernando Gomes, atual presidente da Federação, quando estava na liderança da Liga e que as mesmas teriam sido facultadas por Carlos Deus Pereira, então presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga. “São mensagens pessoais que tinha trocado, centenas de SMS. E agora o que têm a dizer sobre violação de correspondência privada? O que têm a dizer estas virgens ofendidas? Estão enterrados até ao pescoço. Alguém acredita que o Benfica é um competidor sério? E depois andam todos ofendidos”, alegou o responsável azul e branco.
Foi também nesse dia que, pela primeira vez, Francisco J. Marques deixou no ar que havia mensagens muito mais comprometedoras “com questões de índole muito pessoal” trocadas entre Pedro Guerra e Nuno Cabral. “Uma jornalista ligou-me por causa de uma insolvência. Quando estive na Lusa, tive um outro negócio que correu muito mal e confirmei a informação, até esclareci algumas coisas. Porquê? Porque sou pela verdade. Agora, por mais que vasculhem, de mim nunca vão encontrar mensagens a dizer ‘200 euros o tempo que quiseres, se for a três são 400 euros’. A vida familiar das pessoas não, isso não interessa nada”, salientou.
Estávamos em período de Taça das Confederações, mas nem por isso Fernando Gomes deixou de agir: o presidente da Federação contactou o diretor da Polícia Judiciária e a Procuradoria-Geral da República para disponibilizar todas as classificações, nomeações e relatórios de árbitros desde dezembro de 2011, altura em que trocou a Liga de Clubes pela Federação Portuguesa de Futebol. “Sempre que tem conhecimento de qualquer informação ou facto que possa indiciar irregularidades ou práticas criminais, o presidente da FPF encaminha esses dados para as entidades policiais, de investigação ou para os órgãos de justiça desportiva. Este combate, que tem sido feito de forma discreta, mas com pulso firme, não é feito na praça pública, mas nas instâncias adequadas, com competência para apurar a verdade dos factos“, explicou fonte da Federação à Lusa.
Antes das férias, um fait-divers sobre bruxaria e o spin do Benfica
Francisco J. Marques entregou toda a correspondência e comunicação que tinha sobre o alegado esquema de condicionamento montado pelo Benfica à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, tendo também sido ouvido nessa altura. Foi aí que começaram a surgir as notícias que, a partir daquele momento, o FC Porto estava proibido de ler mais emails internos dos encarnados, algo que o diretor de comunicação azul e branco desmentiu. E para comprovar isso, acusou o rival de recorrer a bruxaria como conclusão de uma troca de emails entre Luís Filipe Vieira e Armando Nhaga, Comissário Nacional da Polícia da Guiné-Bissau.
“Na temporada de 2015/16, assinámos um acordo de prestação de serviços, no qual o dr. Rui Gomes da Silva foi intermediário e que resultou na conquista do tri. Segundo informação, o senhor presidente congratulou-se com a nossa prestação de serviço, o que levou a aceitar renovação de acordo para esta temporada. Acontece que Rui Gomes da Silva não conseguiu integrar a nova direção do Benfica e nem sequer informou que o acordo não tinha sido assinado. Continuámos a trabalhar e só não fizemos dois jogos, com o Moreirense na Taça da Liga e com o V. Setúbal, que resultaram em duas derrotas. Assim, solicitamos que indique um novo intermediário com o maior sigilo que permita que o acordo seja assinado e o Benfica consiga ser tetracampeão, ganhe a Taça e siga na Liga dos Campeões”, terá escrito Nhaga para o presidente dos encarnados, com os valores pedidos: 10.000 euros por cada vitória na fase de grupos da Champions; 30.000 por cada vitória na fase a eliminar da Champions; 1.000 euros por cada vitória em jogos das Taças; e 5.000 euros pela vitória na final das Taças.
Explicando que o mestre encarregue de fazer o trabalho se chamaria Tito Sagna, Francisco J. Marques revelou que tinha na mão o contrato referente à época de 2015/16, onde o Campeonato teria custado 75 mil euros. Mas o que o diretor portista queria mesmo era alcançar outros dois objetivos antes das férias no programa: provar que não tinha sido proibido de revelar emails e mostrar ao Benfica que poderia pegar nos temas que quisesse porque a informação que tinha não se resumia apenas a tudo o que denunciara antes. Já os encarnados tentaram fazer aí o spin da história, aproveitando a faceta mais “caricata” da história apresentada pelos dragões.
“Calma, não há bruxos. O principal bruxo do Benfica é Rui Vitória. Nas últimas semanas, tentou-se criar um manto de suspeitas e condicionamento sobre todos os agentes desportivos, isto quando se aproxima o início de uma nova época. O Benfica foi brindado com uma sucessão de acusações, todas elas falsas e infundadas. Cabe-nos manter a serenidade e conservar a distância em relação a comportamentos que não são próprios da atividade desportiva e muito menos das relações que devem existir entre parceiros do mesmo setor de atividade. Não contribuímos para nada neste conflito suicida, que, no final, acabará por vitimar quem o desencadeou e alimentou de forma irresponsável. No nosso clube não existem atos praticados à margem da lei, nem condutas que possam ser objeto de censura. A seu tempo este facto ficará claro para todos”, disse Vieira na primeira reação à acusação.
As buscas na Luz e as investigações por corrupção ativa e passiva
No seguimento de uma denúncia anónima entregue no Departamento Central de Investigação e Ação Penal a 8 de junho, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária partiu para a investigação mas, no final de setembro, soube-se que as buscas e apreensão de documentos pensadas na operação foram recusadas pelo juiz Jorge Marques Antunes no último dia na Instrução Criminal da Comarca de Lisboa, alegando que o processo tinha correspondência obtida de forma ilícita que não podia ser usada como meio de prova.
Já tinham existido outros episódios, como o pedido de indemnização de um milhão de euros por email do Benfica ou a recusa da providência cautelar apresentada pelos encarnados ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto para evitar que o FC Porto continuasse a divulgar correspondência privada, mas pensava-se que o assunto estava “esquecido” quando, a 19 de outubro, 28 elementos da Polícia Judiciária fizeram buscas no estádio da Luz e em algumas residências, casos de Luís Filipe Vieira (que abordou esse episódio de forma aberta na grande entrevista que deu à BTV no 14.º aniversário na presidência do clube), Paulo Gonçalves, Pedro Guerra, Adão Mendes ou Nuno Cabral. “No âmbito de um inquérito da 9.ª secção do DIAP de Lisboa foram emitidos mandados de busca domiciliária e não domiciliária, relativos a investigação em curso pelos crimes de corrupção passiva e ativa. No inquérito investiga-se a prática, por parte de um suspeito, dos referidos crimes, relacionados com os denominados emails do Benfica”, explicou em comunicado a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.
“Estas operações, que pecam por tardias, são encaradas com a maior normalidade pela Sport Lisboa e Benfica SAD, que desde o primeiro momento requereu e disponibilizou-se a fornecer toda a informação necessária a um cabal esclarecimento de toda esta situação, reiterando a sua total colaboração ativa nos trabalhos que estão em curso para o apuramento da verdade”, referiu o Benfica em comunicado. Alguns dias depois, soube-se que as buscas tinham sido justificadas pela existência de “novos elementos probatórios” no processo.
O Twitter como arma de arremesso de queixas em tempo real
Sempre houve uma grande diferença nas estratégias comunicacionais de FC Porto e Benfica: enquanto os dragões tinham uma conduta mais “centralizada”, com alguém assumido a abordar todas estas questões (Francisco J. Marques, com algumas intervenções de Pinto da Costa), o Benfica foi reagindo sem essa figura, com intervenções esporádicas de Luís Filipe Vieira e, mais tarde, do diretor de comunicação, Luís Bernardo. Por isso, os encarnados reavaliaram o seu modus operandi e, por forma a não prejudicar o investimento feito a nível de redes sociais para consolidação e expansão da marca, criou uma conta no Twitter apenas para órgãos de comunicação.
Com essa nova ferramenta, começaram a surgir as queixas em relação ao que se passava em campo. “Felipe ‘Vale Tudo’ volta a atacar. Sucedem-se as agressões e a impunidade”, escreveu a direção de comunicação das águias após o Boavista-FC Porto, a propósito de um lance do central brasileiro com Yusupha. “Mais dois lances claros de penálti. A impunidade de Felipe ‘Vale Tudo’ não pode continuar”, disseram quando ainda decorria o FC Porto-Belenenses. Mas o tom das críticas e a amplitude das acusações começou a ganhar uma dimensão mais alargada.
“Luís Gonçalves volta atacar. Investigado pelo Ministério Público por ameaças ao árbitro Tiago Antunes soube-se agora de novas ameaças à equipa de arbitragem no túnel do Bessa no intervalo do último Boavista-FC Porto. Já com o Leixões, na foto, foram várias as ameaças… ao quarto árbitro. O clima de coação tem de acabar”, referiu o Benfica a 13 de novembro, abordando algo que não estava no relatório de Hugo Miguel, árbitro do jogo no Bessa (poucos dias depois, o Correio da Manhã avançou que Luís Gonçalves estava a ser investigado por corrupção ativa na sequência do Sp. Braga-FC Porto da última temporada que teve Tiago Antunes como quarto árbitro). “É oficial o regresso das arbitragens do Apito Dourado às Antas: expulsões perdoadas ao FC Porto, expulsão inventada contra o Portimonense, sete minutos de descontos sem explicação. A total impunidade perante as ameaças e coação compensa”, escreveram após o FC Porto-Portimonense para a Taça, dirigido por Artur Soares Dias.
O primeiro grande contra-ataque do Benfica com o “novo Apito Dourado”
O Benfica preparou ao longo de muitas semanas várias respostas ao FC Porto: por um lado, a “jurídica”, com gabinetes de advogados especialistas em diversas áreas a prepararem ações e queixas-crime; por outro, a “mediática”, que chegou com uma mudança editorial do programa “Chama Imensa” da BTV, às segundas-feiras.
Com José Marinho, elemento da comunicação dos encarnados, no papel principal da argumentação, o clube veio falar de um “novo Apito Dourado” com elementos que já estavam na posse do Ministério Público. “Pinto da Costa é o líder de tudo. Depois há Luís Gonçalves, diretor-geral do futebol do FC Porto que tem dado nas vistas pelas ameaças que faz e que se concretizam, pressionando, condicionando e coagindo elementos das equipas de arbitragem e que tem agora a decorrer uma investigação por corrupção ativa no caso de Tiago Antunes; e Joaquim Pinheiro, delegado aos jogos da equipa B que é irmão de Reinaldo Teles e familiar de Rui Pinheiro, delegado da Liga de Clubes. São as mesmas pessoas do Apito Dourado”, referiu, antes de nomear um “braço armado” (a claque Super Dragões) e um “braço civil”, constituídos por elementos dos Conselhos de Arbitragem da AF Porto e da AF Braga.
“Temos um email de um alto cargo da Federação Portuguesa de Futebol para um diretor-geral da SAD do FC Porto que, se fosse divulgado, imagino o que não se diria sobre tráfico de influências… No entanto, não podemos divulgá-lo agora porque é informação que ainda não está a ser analisada”, salientou José Marinho.
“É ou não verdade que Pinto da Costa telefonou recentemente a um árbitro internacional que era um dos principais promotores da greve da Taça da Liga porque era do interesse do FC Porto, e do Sporting, que a mesma não se realizasse? É ou não verdade que António Perdigão telefonou e encontrou-se com árbitros com o argumento de ‘Vocês têm de estar bem com o FC Porto e com o presidente, olhem o que aconteceu com o Cosme Machado e o Tiago Antunes’? É ou não verdade que Luís Gonçalves falou com Monteiro da Silva para tentar convencer os árbitros da sua associação a furarem a greve com a promessa de que não desceriam de categoria? É ou não verdade que Pinto da Costa e Luís Gonçalves ligaram a Bertino Miranda e Ricardo Duarte, membros do Conselho de Arbitragem da Federação, para tentarem desmobilizar a greve? É ou não verdade que Luís Gonçalves se dirigiu no final do FC Porto-Tondela ao árbitro Luís Ferreira dizendo de forma audível e dentro do balneário do árbitro ‘Não vais descer de divisão, és um dos nossos?’”, questionou o elemento da comunicação encarnada.
As novas imagens, um erro por SMS e a questão do frame rate
O lance de Danilo com Amilton na área do Desp. Aves no primeiro minuto de descontos do empate a uma bola dos dragões no sábado surge como exemplo paradigmático da versão 2.0 a que chegou o futebol português. E porquê? Porque, em condições normais, aquilo que víamos era o habitual espetáculo de declarações públicas (só mudava o tom das acusações) do “é penálti”, “não é penálti”, “fomos prejudicados” e “só arranjam desculpas”. Agora, tudo toma outras (desmedidas) proporções. Que, a certa altura, quase se transforma numa comédia sem piada.
“São factos, são factos… E o VAR?”, escreveu após o jogo Francisco J. Marques no Twitter. No domingo, começou a história: um blogue conotado com o Sporting teria colocado as imagens de um “novo ângulo” do lance nas redes sociais, o departamento de comunicação do Benfica aproveitara a deixa para provocar os dragões na sua conta oficial do Twitter (“A farsa do penálti que na verdade nunca existiu. E as imagens do VAR devem ser muito mais concludentes”, escreveu), o diretor de comunicação azul e branco falou em imagens manipuladas. E ficámos por aqui, até que, em duas horas, assistiu-se a um dos episódios mais nonsense de que há memória.
No programa “Pé em Riste”, a CMTV comparou as repetições apresentadas pela SportTV e o vídeo divulgado pelo Benfica e concluiu que as imagens tinham sido manipuladas, explicando que tinha sido retirado um frame suficiente para adulterar todo o lance. André Ventura, o comentador afeto aos encarnados no estúdio, tentou ziguezaguear uma explicação e anunciou que uma fonte lhe garantira que o vídeo tinha surgido num blogue chamado Sporting Independente. Algo que, pouco depois, seria repetido por Pedro Guerra no programa “Prolongamento” da TVI24, desta vez sem nome. Questão? O Sporting Independente existe, mas é uma página do Facebook que visa (quase em exclusivo) a gestão de Bruno de Carvalho em Alvalade. E nunca colocou nada do Desp. Aves-FC Porto, algo que teria surgido sim no domingo numa conta das redes sociais chamada Sporting Dependente.
Agora que foram desmascarados tentam sacudir a água do capote. Não foi o Twitter do Benfica que difundiu as imagens manipuladas? Foi. Então de quem é a responsabilidade? Do Benfica. Nem homenzinhos são para assumirem o erro porque manipular para eles é mais um dia no escritório”, acusou Francisco J. Marques.
“O SL Benfica reafirma que não efetuou nenhuma manipulação da gravação difundida. Feita uma perícia interna a única ocorrência que pode explicar alguma discrepância tem a ver com a fonte de onde foi obtida a gravação. Ninguém do SL Benfica manipulou ou adulterou a montagem das imagens. Realçamos que aquele ângulo permitiu ter a mesma avaliação que o vasto conjunto de imagens do VAR. Mais informa que quem de forma taxativa acusa o SL Benfica de ter manipulado as imagens terá oportunidade de responder a essa acusação em processo crime”, esclareceu e ameaçou a comunicação dos encarnados num tweet durante os programas desportivos desta segunda-feira à noite.
E ao final da noite, ainda havia uma explicação do Benfica, em off, dizendo que as imagens “estão num formato de compressão vídeo de fraca resolução”. “Estão num frame rate diferente e não podem ser comparadas com vídeos de 25 frames“, acrescentou. E no meio de tudo isto, todos viram mais um filme da guerra FC Porto-Benfica.