A surpresa não foi completa para os socialistas que já tinham ouvido o seu líder dizer, numa entrevista recente, que António José Seguro também era um nome presidenciável. Ainda assim, a rapidez com que o antigo líder entrou logo no jogo foi notada. Seguro é o primeiro, à esquerda e à direita, a assumir claramente vontade de seguir para Belém. Fê-lo depressa, para “marcar já terreno”, dizem os seus apoiantes, quando muitos outros nomes vão pululando no PS. Mas o partido está encolhido, com medo de repetir divisões passadas e a fazer contas a quem tem melhores condições de levá-lo de volta a Belém 20 anos depois.
Por tudo isto, o avanço de António José Seguro está a ser visto com cautela entre socialistas. A começar pela direção do PS, com o próprio Pedro Nuno Santos a dizer à RTP que o partido “não está ainda” na fase de discutir as presidenciais. “Todas as personalidades, nomeadamente da área do PS, que desejam e estejam a ponderar têm tempo para fazer isso. O PS terá também o seu tempo para tomar decisões”, disse o líder socialista, assumindo que Seguro é “um grande quadro do PS que o país conhece e por quem os militantes do PS têm muito apreço“. No entanto, Pedro Nuno quis manifestamente “moderar” a sua palavra sobre presidenciais.
Não é para menos. Há tanto tempo fora de Belém, e com um histórico de divisões entre candidaturas presidenciais, a estratégia é ir com calma. “Ainda não começou o tempo de decisão dos partidos”, diz-se no topo do PS. Quando esse tempo chegar, “o partido terá uma posição formal de apoio”, tal como prometeu Pedro Nuno Santos. Mas para essa avaliação vai pesar quem entretanto se for posicionando na área política da direita e, claro, a capacidade eleitoral do nome em jogo pela esquerda — a escolha de Marta Temido nas eleições europeias (que deixou Francisco Assis no segundo lugar da lista contra o que pretendia) mostra bem como Pedro Nuno Santos prioriza este dado.
Pedro Nuno e Seguro: uma relação distante
A relação do líder socialista com António José Seguro arrefeceu muito no fatídico ano de 2014, altura em que o então líder do PS foi desafiado por António Costa e acabou por perder a liderança. Dez anos depois, e com Pedro Nuno à frente do partido, os seguristas guardam convenientemente na memória a parte boa dessa proximidade — o Observador falou com vários elementos próximos de Seguro que preferem recordar o apoio que o então líder da distrital do PS de Aveiro deu à candidatura à liderança de Seguro, na luta contra Assis, em 2011.
Mas a história da relação entre os dois não parou em 2011. Pedro Nuno Santos contribuiu e muito para o desgaste da direção de António José Seguro, chegando mesmo a romper publicamente com o então líder socialista ao renunciar ao cargo de vice da bancada parlamentar, em abril de 2012, em desacordo com o voto a favor do PS sobre o Tratado Orçamental da União Europeia — que impunha regras de disciplina financeira aos Estados-membros em termos de dívida e défice.
Um ano antes, em 2011, Pedro Nuno Santos já se tinha oposto abertamente à “abstenção violenta” de António José Seguro ao primeiro Orçamento do Estado de Pedro Passos Coelho. Era o início de uma relação que conheceu mais baixos do que altos. Quando António Costa entrou em jogo, os jovens turcos liderados por Pedro Nuno Santos estiveram contra Seguro na luta interna pelo poder socialista e festejaram efusivamente a sua capitulação.
Esta é a memória que faz com que muitos dos socialistas próximos de Pedro Nuno Santos não queiram sequer ouvir falar no regresso de António José Seguro ou de um apoio da atual direção a um nome que esteve à beira de um acordo com Passos Coelho em 2014 — com quem rompeu depois de uma pressão pública significativa dos senadores do partido, como contava na altura o Observador. Para este grupo, não há grandes dúvidas: Mário Centeno é o preferido.
O melhor ao centro: Centeno ou Seguro
Na entrevista que deu esta quinta-feira à CNN Portugal, António José Seguro falou na necessidade de “convergência” e “diálogo” sobretudo entre os partidos do centro moderado. Recusa falar de um bloco central formal, mas a ideia está-lhe colada à pele — estratégia que não podia estar mais nos antípodas do que Pedro Nuno Santos defende como desejável para o país.
Aliás, isso mesmo foi recordado esta sexta-feira por Adalberto Campos Fernandes numa entrevista ao Observador. O socialista é apoiante de outro nome presidenciável nesta área política, Mário Centeno (que ainda não se pronunciou, embora vá alimentando o tabu) e lembra que Seguro tem um “alinhamento — e bem — com uma visão ao centro do país, que será muito diferente daquela que o próprio PS tem em relação à construção política do próprio partido”.
Adalberto Campos Fernandes coloca, de resto, Centeno em “melhores condições” do que Seguro para ganhar as eleições presidenciais. O antigo ministro da Saúde tem estado em conversas para promover a candidatura do atual governador do Banco de Portugal à Presidência da República — e no grupo há até elementos da direita, como noticiou o Observador em setembro.
Esta frente mostra como Mário Centeno também quer mostrar que pode somar eleitorado do centro-direita ao apoio natural do universo socialista. Mas estes argumentos não convencem os apoiantes de António José Seguro, que sabem que não haverá, naturalmente, espaço para os dois na corrida presidencial. Para quem prefere Seguro, Centeno é apontado como “uma das caras da “geringonça“, o que pode provocar alguns calafrios ao centro moderado.
Em contrapartida, quem defende o atual governador do Banco de Portugal diz que Centeno era o ministro de quem “a geringonça não gostava“, numa referência à forma como Centeno pressionava para que o Governo não se desviasse do rumo das “contas certas” — para grande desencanto de alguns ministros setoriais e contestação dos partidos mais à esquerda. “A geringonça funcionou apesar de Centeno”, graceja-se no partido a este respeito.
No Observador, João Costa, antigo ministro da Educação, foi confrontado com a ponderação presidencial de Seguro e não se mostrou particularmente efusivo. Quando questionado muito diretamente sobre se o antigo secretário-geral do é um bom candidato, João Costa (que é muito próximo da atual líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão) preferiu sublinhar a importância de existir na futura corrida presidencial um candidato de esquerda. “O que é fundamental é que a esquerda e o PS em particular consiga ter uma posição mais forte nas presidenciais do que as que teve nas últimas vezes”, limitou-se a dizer o socialista.
O ex-ministro da Educação não foi sequer capaz de esconder que ainda aguarda que apareça gente com outro perfil para decidir o seu apoio. “Estar a aparecer um candidato como António José Seguro, com grande experiência política, é positivo. Mas é tempo de vermos outros nomes que às esquerda poderão vir a aparecer”, afirmou João Costa.
Entre os seguristas ouvidos pelo Observador, este argumento conta pouco — a tal ideia de que é preciso aparecer uma figura capaz de agregar o universo da esquerda e do centro-esquerda para disputar com seriedade as eleições é redutora e está desfasada da realidade. “Só se ganham presidenciais ao centro e não à esquerda”, comenta um dos apoiantes de António José Seguro.
Quanto vale a relação com o partido
“É um bom candidato, mas não é melhor do que Centeno”, acrescenta ao Observador um dirigente do partido, que aponta ainda o que considera ser uma fragilidade o antigo líder: “Dez anos é muito tempo do ponto de vista da exposição pública. Muitos eleitores mais jovens não o conhecem“. Por outro lado, acrescenta-se, “a memória de Centeno é fresca e positiva”.
Em declarações ao Observador, Adalberto Campos Fernandes tocou a mesma tecla, dizendo ter “pena” por António José Seguro ter “estado tanto tempo ausente“. “Pode deixar ideia de que se desinteressou por aspetos cívicos. Dez anos é muito tempo. Há muitos portugueses que não conhecem o seu pensamento político”, provocou o antigo ministro da Saúde.
Já entre os apoiantes de Seguro, apontam-se fragilidades a Centeno — prova de que a marcação será cerrada durante largas semanas. “É um bom candidato, mas não é militante e não foi líder do PS”, regista-se. O raciocínio é simples: o apoio do PS será “determinante para um candidato ter hipóteses”. Seguro, pelo lastro que deixou no partido, rapidamente terá a máquina, os militantes e os barões do seu lado — ao contrário do não-militante Centeno.
Logo na manhã desta sexta-feira, em declarações ao Observador e numa primeira reação à entrevista, Francisco Assis fez questão de declarar o seu apoio a António José Seguro, dizendo ter sentido um grande “contentamento” no partido “com a sua manifestação de disponibilidade presidencial” e pressionando Pedro Nuno Santos a abençoar a candidatura. “[Espero que] a direção do PS o apoie”, afirmou Assis.
O argumento da militância ou não militância é desconsiderado entre aqueles que preferem ter o antigo ministro das Finanças nesta corrida. “Centeno nunca foi do partido mas é um dos nossos“, nota um socialista. “Maria de Belém candidatou-se contra Sampaio da Nóvoa quando tinha sido presidente do PS e não foi por aí que Nóvoa não teve muitos apoios do partido”, recorda outro elemento do PS, para quem “Centeno tem grande apreço por parte dos militantes”.
Mas António José Seguro é um antigo líder partidário e “não há nenhum Presidente que não tenha sido líder de um partido”, argumenta-se do lado do socialista que o prefere para Belém. Um dirigente distrital do PS aponta ao Observador que no terreno Seguro ainda é mais reconhecido. “É mais popular do que Centeno. Centeno não tem sequer experiência política de Seguro”, defende a mesma fonte ao Observador.
Um dos antigos apoiantes de António José Seguro aposta mesmo que, se o ex-líder socialista avançar de facto, terá o apoio imediato de grande parte do PS”. Este mesmo socialista considera que o próprio Pedro Nuno Santos tem tudo a ganhar tendo um candidato presidencial como Seguro. “Tem o rótulo de radical e para sobreviver à vida política tem de dar sinais de moderação, como já deu com Francisco Assis”, argumenta.
Já o antigo ministro de Saúde de António Guterres e José Sócrates, Correia de Campos, entre os dois, traçou “uma diferença enormíssima de desempenho político, de desempenho profissional, de capacidade e de preparação”. “Centeno é um homem doutorado por Harvard. Este simples facto faz calar uma roda de ministros das Finanças”, disse o socialista ao Observador, no programa Vichyssoise — António Correia de Campos esteve desde o início com António Costa na luta interna contra Seguro.
O trauma da “divisão” no PS
Uma coisa é certa: mesmo que tenha uma ligação mais natural ao partido, Seguro tem um trabalho a fazer e isso mesmo é admitido entre quem o apoia. “O que tem de fazer agora é ver se tem uma vaga de fundo, se une o partido. Tem de resgatar quem estava contra ele e permitir ao Pedro Nuno Santos apoiá-lo sem problemas”, comenta-se.
António José Seguro tem também um trunfo para explorar que o pode aproximar da atual direção do PS e de Pedro Nuno Santos: a guerra entre o atual líder socialista e António Costa. Depois de um artigo de opinião que co-assinou no Público a atacar o autarca socialista Ricardo Leão, Costa deixou criou um mal-estar evidente na direção.
Entre quem apoia Seguro — que jura não ter guardado “rancor” de Costa, ao mesmo tempo que disse “não ter apagado a memória” —, isso pode jogar a seu favor: “O maior inimigo de Pedro Nuno é Costa; não é Seguro”. Não deixaria de ser poético ver o PS apoiar um candidato presidencial de quem António Costa nunca gostou — sentimento recíproco, aliás.
A esta distância, existe uma coisa que vai sendo unânime entre socialistas: a preocupação em fazer tudo para evitar a uma nova divisão presidencial que leve a um resultado desastroso, como aconteceu quando Mário Soares e Manuel Alegre dividiram os apoios do partidos, permitindo uma vitória expressiva de Aníbal Cavaco Silva em 2006. O trauma está lá e há potencial para que se repita.
“O PS não vai cometer o erro de outras presidenciais de fragmentar o seu apoio e vai concentrar apoio político no candidato melhor colocado”, diz esperar Adalberto Campos Fernandes. “Não acredito que a história se repita até porque há aqui a oportunidade de alguém da área socialista ganhar as presidenciais”, ouve-se no partido.
O avanço de Seguro é considerado “prematuro” por alguns socialistas, numa altura em que o partido quer estar mais focado nas autárquicas. Mas este tempo é considerado precioso para que o antigo líder possa refrescar memórias e apresentar-se a algum eleitorado mais jovem. Depois desta entrevista, terá um espaço de comentário televisivo semanal, na CNN Portugal. Quanto à pressa de Seguro em avançar, justifica-se com a necessidade de marcar terreno, sobretudo quando existe o risco de aparecer ainda um “candidato fora do baralho” como Gouveia e Melo, por exemplo. “É natural que o PS procure já uma estratégia”. A pressão vai aumentar.
Assis diz que apoiará Seguro e espera que Pedro Nuno Santos se junte