As próximas reuniões do BCE, a começar pela que acontece esta quinta-feira, vão ser “aborrecidas”. Quem o disse foi um dos membros mais proeminentes do BCE, o francês Villeroy de Galhau. Depois de 18 meses marcados por várias subidas das taxas de juro – de longe o aperto monetário mais brusco na história da zona euro – a expectativa de todos é que o banco central mantenha tudo na mesma nos próximos meses. Mas a recente descida da inflação, dizem os analistas, colocou “no horizonte” a possibilidade de o BCE voltar às descidas em breve. Pelas pistas que Lagarde poderá dar sobre quão distante está esse “horizonte”, a reunião do Conselho do BCE e a conferência de imprensa desta quinta-feira poderão, afinal, não ser tão “aborrecidas” assim.
Os mercados financeiros estão, neste momento, a atribuir uma probabilidade superior a 50% a que o Banco Central Europeu (BCE) anuncie uma primeira descida das taxas de juro a 7 de março. A confirmar-se, essa seria uma descida de 25 pontos-base, que faria a taxa de juro baixar dos atuais 4% para 3,75%. Depois dessa possível redução dos juros em março, outras três descidas poderiam seguir-se ao longo de 2024, o que faria com que os juros terminassem o próximo ano em 3% – um valor, ainda assim, considerado restritivo da atividade económica.
Estas são, porém, previsões sempre marcadas por muita volatilidade. Mudam todos os dias conforme as pistas dadas pelos responsáveis pela política monetária. E as mensagens transmitidas pela presidente do BCE, esta quinta-feira, serão decisivas para solidificar esta expectativa ou, então, levar os mercados a ajustarem as previsões – seja no sentido de apontar para uma primeira descida dos juros mais cedo (do que março) ou mais tarde.
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Martin Wolburg, economista da Generali Investments, aposta mais no segundo cenário: mais tarde. Para este especialista, as descidas dos juros estão definitivamente “no horizonte” mas março poderá ser demasiado cedo para que aconteça a primeira redução. “Não achamos provável que as taxas de juro baixem antes de junho de 2024“, afirma o especialista, em nota de antecipação partilhada com o Observador.
Wolburg está longe de ser o único a achar que os mercados financeiros poderão estar a precipitar-se nestas previsões. Holger Schmieding, economista do Berenberg, também está convencido de que, depois de esta quinta-feira se ouvir o que Christine Lagarde tem para dizer, “os mercados poderão ter de corrigir um pouco as suas expectativas demasiado otimistas, de que o BCE está na iminência de cortar as taxas de juro”.
E a razão por que vários economistas receiam que não será em março que as taxas de juro irão descer é que, “embora a inflação esteja no caminho certo e a última subida de juros ainda esteja a produzir efeitos, ainda é cedo para o BCE declarar que a inflação foi vencida de vez”.
Por isso, Holger Schmieding, economista do Berenberg, acredita que Christine Lagarde irá “sinalizar que as taxas de juro provavelmente não precisarão de subir mais” – porém, a francesa deverá “frisar que todas as opções estão sobre a mesa” e “rebater um pouco as esperanças de que o primeiro corte dos juros virá já em março”.
Taxas Euribor antecipam descida pelo BCE em breve
Os dados mostram que a taxa de juro atual, de 4%, está a contribuir claramente para um aperto nas condições de crédito na zona euro. Esse é um aperto que, na dose certa, o BCE considera desejável, porque contribui para travar a inflação, mas alguns analistas têm avisado que a restritividade da política monetária poderá estar a agravar os riscos de uma recessão económica na zona euro.
“No último mês e meio, o arrefecimento da economia da zona euro consolidou-se e as pressões desinflacionistas ganharam força“, dizem os economistas do BPI, em alusão ao facto de o Eurostat ter calculado uma taxa de inflação de 2,4% em novembro (muito longe do pico de 10,6% de outubro de 2022). Esse indicador, a par de alguns comentários por parte de responsáveis do BCE, levou a que houvesse um “reajustamento significativo das expectativas nos mercados financeiros, colocando os primeiros cortes nas taxas no centro do debate dos investidores”.
Esse “reajustamento significativo das expectativas” já teve reflexo, por exemplo, na evolução das taxas Euribor, indexantes de crédito que são formados diariamente na negociação entre os bancos da zona euro. As taxas Euribor afastaram-se dos máximos do ano, bem acima de 4%, e baixaram para perto de 3,7% (no prazo a 12 meses), já a antecipar a orientação que pode ser dada pelo BCE esta quinta-feira. Parte desse movimento de alívio poderá ser revertido se Lagarde transmitir uma mensagem mais dura do que os investidores estão à espera.
Os economistas do BPI antecipam que “o BCE deverá optar pela prudência no combate à inflação e reiterar que ainda há trabalho a fazer para atingir o objetivo de 2% de forma sustentada”. Na opinião dos especialistas deste banco, Christine Lagarde irá aproveitar a conferência de imprensa para “enfatizar a estratégia ‘dependente dos dados’ e manter a expetativa de uma política monetária restritiva nos próximos trimestres, de forma a ganhar ‘robustez’ face à incerteza e aos riscos que rodeiam a evolução futura da inflação”.
“É provável que o BCE tente arrefecer as expectativas de uma mudança rápida da trajetória“, antecipa Holger Schmieding, do Berenberg, avisando que a inflação de 2,4% de novembro foi apenas um indicador, relativo a um mês, e é possível (ou, mesmo, provável) que a taxa de inflação homóloga volte a subir nos próximos meses.
A partir de dezembro, esgota-se o chamado “efeito-base do corte nos preços da energia na Alemanha, que aconteceu em dezembro de 2022″ e a “retirada de alguns apoios públicos aos custos da energia em vários países da zona euro deve levar a inflação novamente para perto de 3% em dezembro e janeiro, antes de depois baixar até cerca de 2% à medida que nos aproximamos do verão”, diz o economista.
Este é o cenário para o curto prazo, mas quando se olha mais para o médio prazo o economista alemão antecipa uma “reaceleração moderada da inflação a partir de finais de 2024, para a região dos 2,5%“, devido a fatores mais estruturais como os “custos da transição energética, uma economia chinesa menos dinâmica e aumentos salariais médios de 4%, consequência da escassez de mão de obra”.
A confirmar-se esta expectativa de Holger Schmieding, isto significa que ao longo de 2024 a inflação ainda será um problema a atormentar o BCE, mesmo estando longe dos picos de 2022 e início de 2023. Uma inflação perto de 2,5% no final de 2024 ainda será um valor desconfortável para o banco central, tendo em conta que o objetivo de médio prazo é de 2%.
“É por isso que acreditamos que o BCE irá hesitar em baixar as taxas de juro tão cedo e tão rapidamente quanto os mercados estão a antecipar neste momento”, avisa o economista.