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A presidente executiva da TAP foi repreendida pelo Ministério das Infraestruturas por abordar outros ministérios e foi avisada de que não devia comunicar ou contactar com outras áreas do Governo para além do gabinete comandado por Pedro Nuno Santos que tinha o pelouro operacional da empresa.
Numa nota incluída na audiência prévia de Christine Ourmières-Widener, no quadro do processo de demissão desencadeado pelo Governo na sequência da auditoria da Inspeção-Geral das Finanças à saída de Alexandra Reis na TAP, a gestora revela uma mensagem que recebeu do então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, depois de ter sabido de um contacto seu feito para o Ministério do Trabalho e da Segurança Social.
“Mas Christine, outra vez: TODAS as questões relacionadas com o Governo devem ser encaminhadas através de nós. Isto já aconteceu tantas vezes que já não sabemos o que dizer. A TAP é a única empresa que se comporta assim. O MIH (Ministério das Infraestruturas e Habitação) é a única porta de entrada no Governo. Não há ligações diretas entre a TAP e outros ministérios”. A mensagem imputada a Hugo Mendes data de junho de 2022 e é citada no documento entregue na semana passada à Direção-Geral do Tesouro e Finanças, a que o Observador teve acesso.
Nesta audiência prévia exercida por escrito, a CEO acusa o atual Governo de seguir um simulacro jurídico e uma estratégia política para lhe atribuir culpas, para além de a deixar sem instruções para liderar a empresa neste momento sensível. Revela que a TAP pagou só no último ano 35 indemnizações superiores a 200 mil euros a trabalhadores, incluindo 12 acima dos 250 mil euros euros e um de 330 mil euros. E acusa o acionista da TAP de a ter despedido em direto.
“Forçoso é concluir que o Governo degradou a audiência prévia a uma mera formalidade não essencial, desprovida de qualquer sentido útil, sendo irrelevante tudo o que a requerente possa vir aqui dizer. Um pró-forma para cumprir calendário, um mero simulacro jurídico destinado a dar aparente cobertura legal a uma decisão política – essa sim prévia e definitivamente já tomada – comunicada publicamente, através de conferência de imprensa, a 6 de março de 2023, pelos ministros das Finanças e das Infraestruturas, com a absoluta perversão do direito da requerente a participar na decisão do procedimento”, escreve a defesa da ainda CEO da TAP.
Na resposta à DGTF, Christine Ourmières-Widener envolve o ainda administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, no conhecimento de detalhes da solução de saída de Alexandra Reis. Christine é ouvida esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP, onde o CFO da TAP já foi ouvido e um dia antes de os deputados questionarem Alexandra Reis.
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A mensagem de reprimenda de Hugo Mendes é uma das “provas” invocadas para justificar porque é que a presidente executiva da TAP não estabelecia contacto com o Ministério das Finanças, quem tinha a missão de exercer a função acionista na empresa e que não terá sido informado da decisão de fevereiro de 2022 de pagar uma indemnização de meio milhão de euros para Alexandra Reis abandonar o cargo de administradora da empresa antes do fim do mandato.
Em regra, refere o contraditório, as suas comunicações com o Ministério das Finanças eram feitas com o conhecimento de Hugo Mendes e de Gonçalo Pires. Christine indica ainda o chairman, Manuel Beja como estando envolvido nestas comunicações.
A gestora reafirma o que já disse no Parlamento que a sua relação com a tutela era quase na totalidade estabelecida com o Ministério das Infraestruturas, nas pessoas de Hugo Mendes e de Pedro Nuno Santos. As trocas de mensagens remetidas em anexo à audiência prévia são reveladoras do grau de envolvimento dos dois antigos governantes na solução que resultou no pagamento de meio milhão de euros, com a atribuição ao ex-ministro (através de uma mensagem enviada por Hugo Mendes à presidente da TAP) de uma posição considerando que o valor de 560 mil euros (antes de se chegar ao valor final) mais férias por gozar era demasiado alto.
Em nome também de Pedro Nuno Santos, o então secretário de Estado, manifesta a preocupação: “Queremos tratá-la (Alexandra Reis) com justiça, mas não queremos causar demasiada disrupção quando as pessoas souberem destes números”.
Não foi só o ok. Pedro Nuno Santos terá recusado proposta de indemnização a Alexandra Reis
As Finanças não terão, assim, sido informadas nem pelo Ministério então liderado por Pedro Nuno Santos, que se demitiu, tal como o seu secretário de Estado, Hugo Mendes, no final do ano passado, na sequência deste caso; nem pela TAP. Sendo que o afastamento de Alexandra Reis sem o conhecimento das Finanças e sem uma assembleia geral são algumas das irregularidades apontadas pela Inspeção-Geral de Finanças numa auditoria cujas conclusões foram usadas como argumento para demitir, em direto e por conferência de imprensa, a presidente executiva da TAP e o chairman, os administradores da empresa que assinaram o contrato de rescisão.
Na defesa conduzida pela sociedade de advogados Vasconcelos, Arruda & Associados, Christine Ourmières-Widener alega não ter tomado qualquer decisão material relevante, tendo-se limitado a receber a informação do advogado da TAP (César Sá Esteves da SRS Legal) e submeter todas as decisões para aprovação da tutela. E para o confirmar anexa uma longa lista de mensagens trocadas, sobretudo com Hugo Mendes, sobre o valor e detalhes da negociação. Exemplo desses pormenores é a troca de mensagens a propósito do número de férias por gozar (e que teriam de ser remuneradas no acordo) e o facto de Alexandra Reis ter dispensado uma compensação para não ir trabalhar para a concorrência.
Mensagens mostram que Gonçalo Pires foi informado de parte da negociação
Sobre as férias por gozar de Alexandra Reis, Christine confessa em mensagens que não quer colocar a pergunta ao departamento de recursos humanos da TAP para não levantar suspeitas. E esta foi precisamente uma das matérias com as quais trocou mensagens com o administrador financeiro que, nas declarações prestadas aos deputados na semana passada, insistiu na desvalorização do seu papel em todo o processo: “Não tive qualquer envolvimento na preparação, elaboração, negociação, decisão ou fecho de qualquer valor”.
O CFO foi poupado na auditoria da IGF, e ainda se encontra em funções, o que suscita incompreensão da parte da ainda presidente executiva.
“A IGF achou pertinente ouvir, conforme resulta do Projeto de Relatório, o CFO, Gonçalo Pires. Existe apenas uma referência a este depoimento e consta de uma nota de rodapé do Projeto de Relatório. (…) No Relatório final, desaparece a referência ao depoimento do CFO. Ou seja, a IGF achou pertinente ouvir o CFO, mas bastou-se com a mera indicação de que CFO não esteve envolvido no processo de cessação de funções ou no Acordo celebrado e, por esse motivo, não informou o Ministério das Finanças”. Sobre o CFO a defesa de Christine, numa nota de rodapé da audiência prévia, ainda atira: “Parece pouco credível que a IGF não o tenha questionado sobre se a requerente [Christine] lhe tinha dado conhecimento de todo o processo? Parece pouco credível que o mesmo tenha respondido negativamente, pois, como se demonstrará, existem inúmeras provas que a requerente manteve sempre o CFO informado de tudo”.
Segundo a troca de mensagens anexas entre os dois, Gonçalo Pires saberia desde 22 de janeiro de 2022 da intenção de Christine de mudar a composição da comissão executiva com uma alteração dos pelouros atribuídos a Alexandra Reis, mas também da sua provável saída da administração, tendo defendido que o tema não devia ser discutido em comissão executiva porque não seria bom para a dinâmica da equipa.
O CFO também foi questionado sobre o número de férias por gozar da sua então colega de administração e cujo valor (mais de 100 mil euros) fez parte do pacote final do acordo. Não há, no entanto, nas mensagens que Christine coloca na sua defesa uma referência expressa sobre o montante da indemnização que o administrador financeiro alegou desconhecer (disse mesmo que só conheceu os valores pelas notícias saídas no final do ano passado). O CFO no Parlamento explicou que apesar de ter a tutela do departamento de tesouraria que efetuou o pagamento, o valor da indemnização tinha cabimento orçamental e não precisava da sua autorização,
Nas mais de cinco horas em que foi questionado, Gonçalo Pires reconheceu ter sabido antes do acordo (mas não do valor) final de 4 de fevereiro da saída de Alexandra Reis da empresa que foi comunicado formalmente a todo o conselho de administração, mas não se recordou do quando (nas mensagens incluídas na audiência prévia Christine revela um email de Manuel Beja para os administradores executivos e não executivos a anunciar a saída de Alexandra Reis e esse email tem data de 4 de fevereiro de 2022 às 22h55).
A 2 de fevereiro, há uma troca de mensagens entre Christine e o seu CFO reveladora de um grau de confiança entre os dois, nas quais Gonçalo Pires é informado da existência de um acordo (sem referência a valor), ao qual responde com emojis e a indicação “pensava que ia demorar mais tempo. Parabéns”.
Esta cumplicidade é espelhada em outras mensagens trocadas já a 4 de fevereiro de 2022 a propósito da exigência de Manuel Beja de assinar o acordo de saída de Alexandra Reis presencialmente e não através de uma assinatura digital. “O que é que ele quer agora?”, questionou Gonçalo Pires para receber respostas (algumas com emojis) sobre essa exigência. Christine, aliás, dá conta que se recusou a adiar o acordo, insistindo para que ficasse fechado a uma sexta-feira, 4 de fevereiro (não deixando o caso arrastar-se para a segunda seguinte).
Comunicação intensa e um ponto de interrogação sobre as eleições legislativas
O anexo ao contraditório revela que entre WhatsApps, SMS, e emails terão sido trocadas mais de 100 mensagens entre os principais protagonistas do lado da TAP em pouco menos de um mês com especial foco para a última semana de janeiro e a primeira de fevereiro de 2022 e o facto do processo negocial ter atravessado o período das eleições não foi ignorado. Quando se aguardava uma resposta de Alexandra Reis à última proposta da TAP a 30 de janeiro, o advogado da TAP pergunta “hoje temos um grande ponto de interrogação”. Do outro lado, Christine responde com outra pergunta: “Eleições?” Ao que o advogado responde sim e a gestora diz que está a ver os resultados na televisão. Nas legislativas desse domingo, o PS ganhou com a maioria absoluta e a negociação prosseguiu até ao acordo obtido a 4 de fevereiro.
Sobre a violação das regras do estatuto do gestor público de uma solução negociada para um acordo de saída (não prevista neste normativo e das normas estatutárias da TAP de que é acusada, e que consiste no fundamento para a sua demissão), a defesa de Christine lembra que o desconhecimento sobre a violação dessas regras legais foi partilhado com muitas pessoas, algumas das quais se mantêm em funções: como o administrador financeiro da TAP, mas também a então chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos (que está com o atual secretário de Estado das Infraestruturas); o administrador não executivo da TAP (Patrício Castro), e o departamento jurídico da TAP que “recebeu o acordo, conhecia os valores envolvidos e agilizou a formalização da renúncia”.
Neste exercício de audiência prévia, a defesa de Christine Ourmières-Widener mostra ainda surpresa pelo facto de a reunião em que estiveram presentes (segundo a IGF foi por Teams) o ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, a antiga chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, Maria Araújo, e o assessor jurídico da TAP (César Sá Esteves) onde foram apreciados os termos finais do acordo estar a ser “sucessivamente desvalorizada ao longo de todo o processo”. Apesar de “ter sido a reunião determinante para o então ministro, Pedro Nuno Santos, ter tomado a decisão final de aprovar os termos e condições do acordo de saída da Engª Alexandra Reis que os advogados haviam alcançado”.
Uma palavra ainda para o papel do consultor jurídico da TAP neste processo, e com quem a empresa entretanto terá rescindido a avença para a área laboral que existia desde 2020. A gestora diz que o ex-ministro Pedro Nuno Santos “recorreu novamente à assessoria jurídica da SRS Legal” quando convidou para presidente executiva da NAV Alexandra Reis, quatro meses depois de ter validado a sua saída paga da TAP. A resposta vai ao ponto de indicar que a contratação para a NAV “foi operada pelo ministro Pedro Nuno Santos, coadjuvada pelo Dr. César Sá Esteves”.
De quem é a culpa no caso TAP? Os advogados são os novos mordomos?
Este advogado da SRS Legal também tinha um contrato com a NAV para a área laboral, mas não há indicação na auditoria da IGF de que terá assessorado o ministro. Uma das ilegalidades apontadas pela IGF foi a não devolução por parte de Alexandra Reis de uma parte da indemnização recebida da TAP aquando da sua ida para a NAV, como determina o estatuto do gestor público. A gestora argumenta que ninguém a avisou que o teria de fazer e mostrou-se publicamente disponível para devolver tudo o que foi declarado ilegal na auditora da IGF.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quarto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]