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Cento e vinte e seis milhões em ajuda militar. Este é o principal apoio com que Volodymyr Zelensky sairá da sua visita-relâmpago a Portugal, a que se juntam uma série de compromissos do Governo português totalmente alinhados com outros países europeus, como o apoio à adesão do país à União Europeia (UE) e à NATO e a responsabilização futura da Federação Russa pelos danos infligidos durante a guerra.
Na maioria, porém, são mais desejos de intenções gerais, que não destoam da maioria de acordos bilaterais que Kiev tem assinado ao longo das últimas semanas com países como França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos e — apenas um dia antes — Espanha.
Alguns milhões, treino e ajuda com os desejados F-16
A grande diferença deste “Acordo sobre Cooperação de Segurança entre Portugal e a Ucrânia” está nos números, apropriados à dimensão de cada país: os 126 milhões prometidos por Lisboa ficam aquém dos mil milhões de Madrid, dos três mil milhões de Paris e dos impressionantes sete mil milhões de Berlim. E essa é a dimensão que Zelensky mais necessitava, numa altura em que a Ucrânia enfrenta uma dura ofensiva em Kharkiv.
Mas quem não tem milhares de milhões para distribuir, promete outro tipo de apoio. Foi isso que o Executivo de Luís Montenegro tentou fazer, assegurando cooperação em várias áreas militares, entre as quais se destacam três: o apoio a treino de militares ucranianos, a cooperação na investigação e desenvolvimento tecnológico militares e, o compromisso com o fortalecimento da capacidade aérea ucraniana.
Esta é uma área essencial para Kiev, que há muito aguarda pelos caças F-16 prometidos por vários países europeus, cuja demora tem assentado em parte na escassez do material fornecido e na demora em treinar os pilotos. Neste acordo, Portugal compromete-se com o apoio a “esforços visando assegurar uma capacidade holística de F-16”, através da Coligação de Capacidade de Força Aérea internacional, concretizando com “treino, manutenção e doação de equipamento”. Tudo “na medida dos meios, capacidades e possibilidades do país”, contudo.
Um compromisso claro com apoio à adesão à UE e à NATO (até com “orientações práticas”)
Mas se em termos militares a ajuda nacional é condicionada pelas capacidades limitadas do país, em termos políticos o acordo é mais ambicioso, com Portugal a assumir posições claras e próximas da agenda defendida por Kiev praticamente desde o início da invasão de larga escala de 2022.
Em primeiro lugar, o apoio claro à adesão da Ucrânia à UE e à NATO. “Portugal apoia firmemente o processo de adesão da Ucrânia [à UE] e os seus esforços de implementação das reformas necessárias à sua futura adesão à União Europeia”, garante o Governo português, que promete até “orientações práticas” ao executivo de Kiev.
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O mesmo se aplica à Aliança Atlântica, com o Acordo a afirmar que “o futuro da Ucrânia está na NATO”, mas sem qualquer compromisso em termos de data ou metas. “Os Participantes reconhecem que a Ucrânia realizou progressos substanciais no seu caminho de reformas e aderirá à NATO no futuro, quando os Aliados o acordarem e estiverem reunidas as condições”, pode ler-se no documento.
Portugal defende fim da guerra só com saída de russos de território ucraniano. E quer responsabilização judicial
Outros pontos de políticos de particular relevância prendem-se com a garantia de Portugal de que alinha totalmente com a Kiev na forma como encara o atual conflito com a Rússia.
“Nem a Ucrânia nem a Europa no seu conjunto estarão seguras enquanto a integridade territorial da Ucrânia não for plenamente restabelecida dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas e não for estabelecida uma paz abrangente, justa e duradoura”, dizem os dois signatários.
Na prática, isto significa que Portugal concorda com as pretensões ucranianas de não abdicar de qualquer fatia do seu território ocupado para conseguir um acordo de paz com a Rússia. Qualquer acordo de paz com o aval de Lisboa, portanto, terá de incluir a retirada de tropas russas de território como o Donbass — a não ser, é claro, que Kiev também recue neste propósito.
Para além disso, ao assinar o acordo, Portugal empenha-se no esforço envidado por Kiev de tentar responsabilizar judicialmente no futuro a Federação Russa, quer em termos de reparações pelas “pernas e danos causados a indivíduos e entidades”, quer na responsabilização judicial de “autores de crimes de guerra e de outros crimes internacionais, cometidos na Ucrânia ou contra a Ucrânia no contexto da guerra de agressão ilegal da Federação Russa”.
As “garantias de segurança” desejadas de Kiev — que nem colocaram por escrito a influência junto da CPLP
Apesar da extensão do acordo, muitos dos detalhes ainda continuam por apurar. Se na conferência de imprensa conjunta, o primeiro-ministro Luís Montenegro confirmou que Portugal tem feito trabalho diplomático junto dos países que falam português para “mobilizar para a ajuda à Ucrânia” — um tema particularmente sensível depois da recente assinatura de um acordo militar entre S. Tomé e Príncipe e Rússia —, a verdade é que o texto do acordo é menos explícito.
Em concreto, o acordo compromete as duas partes a “combater a interferência externa e a manipulação da informação, principalmente a propaganda e as campanhas de desinformação russas” — que se sabe terem ganho raízes em alguns países de África, sem, no entanto, o continente ser nomeado. Portugal e Ucrânia também prometem reforçar a sua cooperação ao nível dos serviços de informações, especificando os “domínios da contraespionagem e do contraterrorismo”.
No fundo, é um acordo cujo real valor assenta mais nos compromissos políticos do que concretos, mas que conta com a vantagem para os ucranianos de ser a longo-prazo, com uma duração de dez anos. Kiev tem insistido em chamar aos vários acordos bilaterais assinados nas últimas semanas de “garantias de segurança”, mas é pouco claro qual o efeito real desta proteção através de um acordo que não tem planos de vir a ser ratificado pela Assembleia da República — e cujas garantias são, na prática, mais princípios gerais do que compromissos concretos.