Uma semana depois do início da escalada de violência em Israel e na Faixa de Gaza, as bombas lançadas pelo Exército israelita continuam a cair intensamente no enclave palestiniano, de onde continuam também a ser disparados rockets pelos militantes do Hamas em direção a Israel. Os apelos para um cessar-fogo aumentam de dia para dia, numa altura em que tanto Israel como o Hamas querem poder declarar vitória internamente antes de porem travão nas ofensivas de larga escala.
A violência e retórica inflamada que chega tanto de Tel Aviv como do enclave palestiniano dão a entender que as hostilidades não devem cessar em breve e que os apelos da comunidade internacional não estão a surtir efeito. Os analistas ouvidos pelo Observador, no entanto, acreditam que ambos os lados estão interessados em pôr fim ao conflito e que tal pode acontecer em breve, antevendo uma trégua nos próximos dois a quatro dias. Antes, contudo, tanto Israel como o Hamas querem passar a mensagem interna de que conseguiram impor uma derrota ao outro lado.
“Ambos os lados estão preparados para acabar com o conflito, porque sabem que não vão conseguir conquistas dramáticas, mas ambos querem ter a última palavra, lançar o último rocket ou a última bomba. E, por causa disso, estamos nesta equação”, sintetiza Michael Milshtein, diretor do Fórum de Estudos Palestinianos do Centro Moshe Dayan para o Médio Oriente e Estudos Africanos da Universidade de Tel Aviv. “Ambos percebem o quão importante é a imagem, e querem ser retratados como vencedores”, acrescenta.
Depois de um fim de semana em que uma reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas terminou sem consenso e em que se registou, no domingo, um máximo no número de vítimas diárias (42 mortes), esta segunda-feira ficou marcada por nova subida na intensidade dos bombardeamentos na Faixa de Gaza.
As Forças de Segurança Israelita anunciaram a morte de Hussam Abu Harbeed, comandante da Jihad Islâmica — um grupo islamista que atua ao lado do Hamas em Gaza — e a destruição de uma rede de túneis com 15 quilómetros usada pelos militantes palestinianos para ações militares contra Tel Aviv, para contrabando de materiais, muitos deles usados para fabricar explosivos, e para contornar o bloqueio imposto por Israel.
De acordo com as autoridades israelitas, que já reivindicaram também a morte de vários comandantes do Hamas e ataques contra as habitações de figuras importantes do movimento islamista, Hussam Abu Harbeed foi responsável por ataques contra civis israelitas. Em retaliação, a Jihad Islâmica lançou rockets contra a cidade costeira de Ashdod, causando pelo menos sete feridos, atingidos por estilhaços de um edifício atingido pelo fogo proveniente de Gaza.
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Quanto aos bombardeamentos israelitas desta segunda-feira, causaram cortes na energia eléctrica na Faixa de Gaza, destruindo ainda várias habitações, algumas, segundo as autoridades israelitas, pertencentes a militantes e comandantes do Hamas, outras de civis. Na última semana, segundo as Nações Unidas, mais de 40 mil civis fugiram das suas casas, temendo-se um agravar da crise humanitária.
“Nenhum dos lados está interessado nesta luta”
Na origem da escalada de violência entre Israel e o Hamas e a Jihad Islâmica, entretanto estendida à Cisjordânia, que tem sido palco de protestos em solidariedade com Gaza e contra a ocupação, mas também a cidades israelitas, onde continuam os confrontos entre árabes israelitas e judeus, está o acumular de vários acontecimentos que acabaram por levar a tensão para um nível sem precedentes desde 2014, data da última guerra entre Israel e o Hamas.
Desde logo, um dos acontecimentos iniciais deu-se com os protestos contra a expulsão de famílias palestinianas do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Ocidental, a que se seguiu uma intervenção das autoridades israelitas no Pátio das Mesquitas, onde fica situada a mesquita Al-Aqsa, terceiro lugar sagrado do Islão a seguir a Meca e Medina. O Hamas respondeu à repressão dos protestos dos palestinianos com ataques com rockets e Israel retaliou com o início de bombardeamentos contra o enclave palestiniano, seguindo-se uma espiral de violência ininterrupta.
“Nenhum dos lados está interessado nesta luta. Foram levados gradualmente para ela e depois gerou-se um efeito de bola de neve, sem controlo. É fácil começar uma guerra, mas é difícil acabar com ela”, lamenta, a partir de Gaza, Omar Shaban, fundador e diretor do PalThink for Strategic Studies, um think tank palestiniano, descrevendo um cenário de grande destruição e incerteza no enclave palestiniano.
Numa altura em que o último balanço dá conta da morte de pelo menos 204 palestinianos (incluindo 58 crianças) e dez israelitas (incluindo duas crianças) desde o início dos bombardeamentos há uma semana, sucedem-se os apelos da comunidade internacional para que seja alcançado um cessar-fogo, com a espiral de violência, que tem causado a morte sobretudo civis, a ser impossível de justificar.
“Parece que ambos os lados estão a caminhar para um cessar-fogo, e cada um vai reivindicar a sua própria narrativa de vitória”, antevê a analista Mairav Zonszein, do think tank International Crisis Group, especializado na prevenção de guerras. “Israel tem tentado destruir o máximo de infraestruturas e de comandantes do Hamas antes que a pressão internacional force um cessar-fogo, que acredito que possa surgir nos próximos dias”, acrescenta a analista.
Nesse sentido, a destruição da rede de túneis e a morte de vários militantes de grupos islamistas (as autoridades israelitas falam em pelo menos 130 combatentes palestinianos mortos) devem ser apresentadas por Israel como a prova de que conseguiu neutralizar parte dos ataques provenientes de Gaza, além de ter destruído infraestruturas do grupo islamista, que deverá levar bastante tempo até se recompor. Conforme escreve o jornalista Judah Ari Gross, especialista em questões militares, no Times of Israel, “as Forças de Defesa de Israel acreditam que atingiram significativamente o Hamas e que isso é o melhor que podem fazer por agora”.
Quanto ao Hamas, que viu as primeiras eleições legislativas em 15 anos na Palestina, onde esperava ter bons resultados, serem adiadas, procura sobrepor-se à Fatah (que governa a Cisjordânia) e demonstrar força a Israel , tendo disparado mais de três mil rockets na última semana — embora cerca de 90% tenham sido intercetados pelo sistema de defesa Iron Dome, ou “Cúpula de Ferro”. A persistência destes ataques e a retórica em torno da defesa de Jerusalém podem, por isso, ser usados como ganhos políticos internos.
“O Hamas já clamou vitória após disparar rockets contra Jerusalém no Dia de Jerusalém [10 de maio, feriado nacional em Israel em que os israelitas celebram a reunificação da cidade santa] e, ao fazê-lo, transmitiu a mensagem que, caso Israel continue com as suas políticas em Jerusalém Oriental, pode esperar rockets”, sublinha Mairav Zonszein, acrescentando que o Hamas “começou a disparar rockets há semana numa tentativa de se apresentar como o defensor dos palestinianos”.
Negociações para cessar-fogo nos bastidores
Desde que a escalada de violência ganhou enormes proporções, sobretudo quando a possibilidade de uma invasão terrestre da Faixa de Gaza pareceu uma realidade, o Hamas, entre a retórica e os ataques contra Israel, já demonstrou disponibilidade para um chegar a um acordo de cessar-fogo com as autoridades israelitas, o que tem vindo a ser negado.
Nesse sentido, para o analista Michael Milshtein, o movimento islamista que governa Gaza está “numa situação muito complexa” e é por isso que continua a lançar rockets contra Israel, para “conseguir uma vitória” aos olhos dos palestinianos.
“O conflito está a ser muito mais longo e intenso do que o Hamas previu. Por isso, está a tentar demonstrar que é forte o suficiente para continuar o conflito. Só está preocupado com a imagem”, sublinha o analista israelita, que considera que a pressão do Qatar sobre o movimento islamista pode ser fundamental para que um acordo seja alcançado em breve.
Além do Qatar, também o Egito, que historicamente tem desempenhado um papel decisivo na mediação de conflitos entre israelitas e palestinianos, tem estado a tentar negociar com as duas partes. O Presidente egípcio, Abdul Fattah al-Sisi, juntou-se esta segunda-feira ao seu homólogo francês, Emmanuel Macron, e, lado a lado, em Paris, pediram o “fim das hostilidades” na região.
Quanto aos Estados Unidos, país decisivo no desfecho da crise, voltaram esta segunda-feira a defender “o direito de Israel se defender”. No entanto, o secretário de Estado, Antony Blinken, apelou aos dois lados para defenderem a vida de civis e de crianças e disse, em conferência de imprensa, que pediu explicações a Israel sobre o ataque contra a sede de Al Jazeera e da Associated Press no último fim de semana.
Contudo, apesar de insistir na necessidade do fim da violência entre israelitas e palestinianos, Blinken não insistiu muito na imposição de uma trégua, reiterando que “em última análise, cabe às partes deixarem claro que desejam um cessar-fogo”.
Acresce que esta segunda-feira, pela terceira vez desde o início da violência, os Estados Unidos bloquearam uma resolução do Conselho de Segurança da ONU a pedir o “fim da violência e o respeito pelo direito internacional humanitário, incluindo a proteção de civis, especialmente crianças”, segundo a BBC. Uma posição que tem isolado os Estados Unidos externamente, e aumentado as críticas internas, inclusive da ala esquerda do Partido Democrata, ao Presidente Joe Biden.
Médio Oriente. Ministros da União Europeia reúnem-se de emergência na terça-feira
O enviado especial dos Estados Unidos para a região, Hady Amr, Antony Blinken e o próprio Joe Biden têm-se desdobrado em reuniões e telefonemas (inclusive do Presidente norte-americano com Benjamin Netanyahu e com o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas), e, segundo diplomatas ouvidos pelo Guardian, a posição dos EUA nas Nações Unidas pode ser uma forma de não interferir com negociações que estão a decorrer nos bastidores. Na terça-feira, também os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia reúnem de emergência.
Quanto ao governo israelita e ao Hamas, mantêm o tom de ameaça. Se Netanyahu continua a dizer que os ataques vão continuar “com força total” e que a ofensiva do Estado hebraico ainda vai continuar, o Hamas, através do seu porta-voz Abu Ubaidah, prometeu ataques contra Tel Aviv. Enquanto isso, as bombas e os rockets continuam a cair em Gaza e em Israel, respetivamente, apesar de um cessar-fogo surgir no horizonte.