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Protest in Beijing Against China Covid Measures
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Chineses revoltam-se contra política de tolerância zero à Covid. O "grande teste" de Xi Jinping agora é a rua

Política de "tolerância zero" à Covid é resposta à menor eficácia da vacinação na China, mas desagrada cada vez mais a uma população frustrada com confinamentos. Reação de Xi Jinping será fulcral.

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“Não queremos testes à Covid, queremos liberdade!”. “Não queremos uma ditadura, queremos democracia!”. Estas foram algumas das palavras de ordem ouvidas ao longo nos protestos em Xangai, um de dezenas que ocorreram ao longo deste fim-de-semana em várias cidades por toda a China. À luz das velas, empunhando folhas A4 em branco, foram várias as formas como os cidadãos chineses assinalaram o seu descontentamento com a política de “tolerância zero” à Covid-19 no país, que tem imposto confinamentos obrigatórios há quase três anos. E o descontentamento é tal que alguns dos manifestantes pediram claramente a demissão do Presidente: “Demita-se, Xi Jinping!”

Ao longo desta segunda-feira, as autoridades chinesas reforçaram a vigilância nas ruas, temendo novos protestos. Na capital Pequim, uma das zonas mais controladas pela polícia foi a ponte Sitong, conta o Wall Street Journalist, que testemunhou o aparato no local. E a escolha não é por acaso: foi ali que, no mês passado, um homem levou a cabo um protesto durante o Congresso do Partido Comunista Chinês que deu nas vistas.

Um dos cartazes que levou consigo tinha exigências em tudo semelhantes às que se ouvem agora em várias ruas do país: “Queremos comida, não queremos testes PCR. Queremos liberdade, não queremos confinamentos. Queremos respeito, não queremos mentiras. Queremos reformas, não queremos uma Revolução Cultural. Queremos um voto, não um líder. Queremos ser cidadãos, não queremos ser escravos.”

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People Hold Vigil For Those Who Died In Xinjiang Lockdown Fire

As folhas A4 em branco tornaram-se o maior símbolo destes protestos

Getty Images

Era já um sinal do descontentamento que cozinhava em lume brando na sociedade chinesa. Na sequência do protesto do cidadão que apelidaram de “Homem da Ponte” — em paralelismo com o “Homem do Tanque” dos protestos da Praça Tiananmen —, vários tipos de protesto se propagaram. Imagens partilhadas em carruagens de metro através do sistema AirDrop da Apple e graffiti nas universidades foram apenas alguns deles. Agora, mais de um mês depois do Congresso onde Xi Jinping reforçou o compromisso com a política de “tolerância zero” à Covid, o protesto deixou de ser subversivo e silencioso e saiu para as ruas.

Tiananmen. O “Homem do Tanque” nasceu e morreu a 5 de junho — e tornou-se símbolo de um protesto maior do que ele

David Ownby, investigador especialista em assuntos chineses da Universidade de Montréal, não tem dúvidas em classificar ao Observador estes protestos como os mais relevantes dos últimos anos na China. “Há muitos motins, incidentes de pequena escala e manifestações na China, mas são quase sempre assuntos locais, que acabam por ser resolvidos a nível local”, explica. “Isto é nacional e parece ter unido quase todos os chineses, que protestam agora contra algo que odeiam: uma política contra a Covid que tornou a vida quotidiana num verdadeiro inferno.”

“São sem dúvida os maiores protestos na China continental da era Xi Jinping. E o que os destaca é que assistimos a expressões de raiva tanto nas ruas como online e simultaneamente em várias cidades.”
Jeff Wasserstrom, historiador da Universidade da Califórnia Irvine

Uma perceção sustentada pelos dados disponíveis. A ferramenta China Dissent Monitor, da Freedom House, recolhe dados sobre formas de protesto no país e, de junho a setembro, registou 668 protestos, a maioria manifestações. Contudo, a maioria era contra as autoridades locais (33%) e empresas privadas (64%) e não diretamente contra o governo de Xi Jinping.

É por isso que Jeff Wasserstrom, historiador da Universidade da Califórnia Irvine e autor do livro Vigil: Hong Kong on the Brink (sem edição em português), vai ainda mais longe na sua avaliação: “São sem dúvida os maiores protestos na China continental da era Xi Jinping”, diz ao Observador. “E o que os destaca é que assistimos a expressões de raiva tanto nas ruas como online e simultaneamente em várias cidades.”

Um acidente de autocarro, protestos numa fábrica, a morte de uma bebé. Os incidentes que têm indignado os chineses

As manifestações ocorreram em pelo menos 16 cidades, segundo a contagem da CNN. Em Xangai, onde se registaram alguns dos protestos mais acesos — e onde há maior presença de correspondentes internacionais para os testemunhar —, muitos dos manifestantes reuniram-se na Estrada Ürümqi , em homenagem à cidade da região de Xinjiang com o mesmo nome.

Protest in Beijing against Covid restrictions triggered by a fire in Urumqi

Vigília em memória das vítimas do incêndio em Urumqi

Anadolu Agency via Getty Images

O local escolhido foi esse por ter sido nessa cidade onde morreram recentemente dez pessoas num incêndio. A maioria dos manifestantes crê que as mortes poderiam ter sido evitadas se o socorro não tivesse sido atrasado pelo confinamento que vigorava na altura. “A capacidade dos residentes se salvarem a si próprios foi demasiado fraca”, reagiu o comandante dos bombeiros do local, para explicar as mortes. A justificação alimentou ainda mais a revolta.

O descontentamento, porém, já lá estava. Este foi apenas o mais recente de uma série de incidentes que têm provocado indignação junto de muitos chineses, que creem ter o seu sustento e a sua vida em risco por causa da política. Em setembro, um autocarro que transportava dezenas de pessoas para um local em Guizhou para fazerem a quarentena teve um acidente e 27 pessoas morreram. Em outubro, trabalhadores de uma fábrica de iPhones em Zhengzhou entraram em confronto com a polícia, revoltados com as restrições impostas pelo combate à pandemia. Há uma semana, num dos bairros de Guangzhou que estava isolado, manifestantes deitaram abaixo as grades que rodeavam o bairro e gritaram “Não nos testem mais!”

Os rumores sobre suicídios provocados pelo desespero da situação circulam. E nas redes sociais a indignação fervilha com histórias como a da morte de uma bebé de quatro meses que não foi levada de imediato pelos serviços de emergência para o hospital devido aos protocolos impostos pela Covid.

Nucleic Acid Testing In Hohhot City

A política chinesa de "tolerância zero" à Covid tem levado a confinamentos apertados em várias cidades

Future Publishing via Getty Imag

Tudo isto combinado com uma situação económica que se agrava de dia para dia. Os confinamentos em várias cidades têm sido marcados por notícias de falta acesso a alimentos em alguns casos. E em quase todas as cidades o confinamento implica para muitos cidadãos uma interrupção ou mesmo perda de emprego. O desemprego jovem, por exemplo, está atualmente perto dos 19%.

E as consequências também se fazem sentir ao nível macro: este ano, o crescimento económico da China é de apenas 2,8%, segundo as previsões do Banco Mundial, abaixo da média mundial. É “a primeira vez que o crescimento do PIB da China é inferior ao dos vizinhos desde 1990”, nota a investigadora Devi Sridhar numa coluna de opinião no The Guardian.

“Tolerância zero” à Covid tem motivações de saúde pública — mas também políticas

Perante uma situação social e economicamente dramática, as autoridades chinesas decidem manter o rumo. Recentemente foi anunciado o alívio de algumas restrições para a Covid, mas o seu efeito é ainda residual. E o rumo mantém-se exatamente o mesmo, como explicou Xi Jinping no seu discurso no Congresso do PCC: “Tolerância zero” à Covid, ao contrário do resto do mundo.

The Third Plenary Session Of The National People's Congress

Xi Jinping reforçou a política contra a Covid no Congresso do Partido Comunista Chinês

Getty Images

Uma estratégia que o professor David Ownby admite ter uma base de saúde pública. “As vacinas chinesas não são tão boas como as ocidentais e as instalações de saúde fora das grandes cidades são rudimentares, por isso a política de ‘tolerância zero’ faz sentido desse ponto de vista”, afirma. “Mas é também político: a China orgulhou-se muito da sua política na fase inicial da pandemia por ter conseguido melhores resultados do que os outros países. Ainda agora o número de mortes na China é melhor do que o dos Estados Unidos.”

Martin Jacques, jornalista e autor de Quando a China Mandar no Mundo (ed. Temas e Debates), concorda. “A estratégia de confinamento foi muito bem sucedida em 2020. Os confinamentos foram respeitados e o número de mortes foi muito baixo. Mas quando a variante Ómicron apareceu, espalhou-se muito rapidamente por várias províncias e o governo chinês manteve a mesma estratégia”, explica.

Além de uma vacina menos eficaz que as ocidentais, a campanha de vacinação na China também não está a ser tão bem sucedida como a de outros países. Só 40% dos cidadãos com mais de 80 anos receberam as doses de reforço necessárias, por exemplo. Jacques considera que, perante este cenário, a estratégia de “tolerância zero” não é assim tão irracional, já que há que conter uma subida exponencial das infeções que poderia levar a mais mortes entre os mais velhos, “bem como prevenir os efeitos da Covid longa, que ainda não conhecemos bem”.

“Na China valoriza-se muito a ideia da vida”, diz este britânico, razão pela qual considera que a maioria da população aceitou esta política durante quase três anos. Agora, afirma, são os constrangimentos económicos que estão a motivar o descontentamento, sobretudo por parecerem “intermináveis”, e não ameaçam de facto o regime. “As pessoas não se estão a manifestar contra Xi Jinping, isso é uma hipérbole dos media ocidentais. No geral, os níveis de satisfação com o governo na China são superiores aos do Ocidente”, afirma. “Estes protestos são sim o resultado de uma frustração profunda com a situação económica de cada um, provocada pelos confinamentos.”

“As pessoas comuns gostam de Xi por causa da sua campanha contra a corrupção. Mas agora, com a Covid, a China está a tornar-se numa ‘autocracia quotidiana’, como diz um intelectual chinês. E não era assim antes. Há uma liberdade económica e social que está a desaparecer e isso está claramente ligado a Xi Jinping.”
David Ownby, especialista na China da Universidade de Montréal

David Ownby, por outro lado, considera que as motivações do regime não são puramente guiadas por princípios de saúde pública e preservação da vida acima de tudo. “Isto reavivou a ‘memória muscular’ do período maoísta. O regime chinês gosta de controlar as pessoas e gosta de manter os estrangeiros afastados, muito embora tenha sido a abertura que levou ao enriquecimento da China”, sentencia.

No meio de tudo isto, Ownby aponta ao dedo às autoridades chinesas por não terem procurado alternativas, como a compra das vacinas ocidentais. Em vez disso, Xi Jinping apertou mais o garrote, diz, “com medo que um surto pudesse estragar o Congresso”. Agora, está a lidar com a reação popular. “As pessoas comuns gostam de Xi por causa da sua campanha contra a corrupção. Mas agora, com a Covid, a China está a tornar-se numa ‘autocracia quotidiana’, como diz um intelectual chinês. E não era assim antes. Há uma liberdade económica e social que está a desaparecer e isso está claramente ligado a Xi Jinping.”

Reprimir ou conceder? Resposta aos protestos é “um grande teste” a Xi Jinping

A reação das autoridades chinesas à onda de protestos foi, além de detenções, a de culpar “forças estrangeiras com segundas intenções” que estariam a tentar ligar o incêndio em Xinjiang à política de Covid, nas palavras de um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Nos jornais chineses, não houve nem uma referência às manifestações que levaram milhares às ruas. Das redes sociais, todas as referências aos protestos foram sendo metodicamente apagadas.

O governo, contudo, não pode ignorar um movimento desta dimensão, consideram os especialistas consultados pelo Observador. “É um grande teste a Xi Jinping”, admite Martin Jacques. “Não antevejo que ele demonstre fraqueza, porque não gosta de projetar essa imagem. Mas seria louco se não fizesse concessões perante este cenário.”

China's Standing Committee Members Of The 20th CPC Central Committee Meet With Press

Xi Jinping ainda não se pronunciou sobre os protestos do último fim-de-semana

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“É muito difícil prever como é que a liderança do PCC vai responder a isto, porque hoje em dia quase não sabemos nada sobre Xi e o seu círculo mais próximo”, admite Jeff Wasserstrom. “O mais provável, contudo, é que haja uma mistura de respostas. Por um lado, intimidar os manifestantes com detenções e tentando retratá-los como influenciados por potências estrangeiras. Por outro, pode haver alguns esforços cautelosos de tentar mostrar que a liderança está a ouvir o povo, aliviando ligeiramente a política Covid.”

O professor da Universidade de Montréal, David Ownby, arrisca fazer uma previsão: “A chave está nos responsáveis locais”, diz. “Eles também odeiam a política Covid, porque têm de viver com ela, mas as pessoas odeiam-nos por aplicá-la. Uma espécie de ‘greve de zelo’ destes responsáveis parece-me muito provável.”

Até lá, se não houver mudanças, os protestos podem subir de tom, dizem os três investigadores. E a primeira resposta dos manifestantes à única reação oficial do Partido ouviu-se nas ruas: “A força estrangeira de que vocês falam é quem, Marx e Engels?”, questionou um dos manifestantes na noite de domingo. “Foi uma força estrangeira que ateou o fogo em Xinjiang? Foi uma força estrangeira que derrubou o autocarro de Guizhou?” Não se ouviu ainda qualquer resposta do governo chinês a essas e outras perguntas.

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