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A Europa é um tema da campanha nas legislativas, especialmente no que diz respeito à reestruturação da dívida, à vassalagem (ou não) a Berlim e até à possível saída do euro. Mas como é que a Europa olha para as eleições em Portugal? Sem o surgimento de partidos de protesto com o impacto do Podemos em Espanha, sem manifestações consistentes e diárias como a Grécia e com resultados económicos que tornaram o país no “bom aluno” de Bruxelas, o Observador perguntou a sete eurodeputados de várias nacionalidades e provenientes de diferentes ideologias as expetativas em relação ao país e aos resultados do dia 4 de outubro.
Desde logo, e com o distanciamento e diplomacia que exige um lugar no Parlamento Europeu, todos os intervenientes quiseram deixar bem claro que quem vota em Portugal são os portugueses. Mas, ao mesmo tempo, todos têm ideias sobre o país e perceções diferentes sobre os últimos quatro anos. E adjetivos, muitos adjetivos, que (claro) variam consoante o posicionamento político. Comecemos pelo quadro geral.
“Portugal excedeu as nossas expetativas e este resultado só foi possível devido aos sacrifícios dos portugueses e à governação sem falhas de Passos Coelho. Outros países deviam aprender a lição com Portugal”, diz ao Observador o eurodeputado austríaco Othmar Karas, pertencente ao partido Österreichische Volkspartei, que se senta no grupo do Partido Popular Europeu (PPE) – onde também têm assento o PSD e o CDS. Este parlamentar foi co-relator da investigação do Parlamento Europeu à troika no mandato anterior e esteve em Portugal em janeiro de 2014.
Entendimento muito diferente sobre a situação no país tem Tania González Peñas, eurodeputada do Podemos, com assento no grupo político da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE) – onde estão o Bloco de Esquerda e o PCP. “Foi tudo uma mentira. Em Portugal, tal como em Espanha e no resto do Sul da Europa, o que assistimos com as medidas de austeridade foi a mais precariedade, mais desemprego e um aumento brutal da dívida pública. […] Tudo piorou nos últimos quatro anos e gostava que não tivesse sido assim”, defende em declarações ao Observador.
Já Iratxe García, eurodeputada do PSOE e líder da delegação do seu partido no grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) – onde o PS está inserido -, defende que nos últimos anos, e independentemente dos resultados económicos mais recentes, a “crise social” se instalou em Portugal. “Houve uma clara opção pela austeridade em vez de se apostar no crescimento e no emprego no país e isso prejudicou a vida das pessoas”, sublinha a eurodeputada espanhola, falando com o Observador e comparando a situação de Portugal a Espanha em termos de opções políticas – os dois países foram governados por Executivos de direita nos últimos quatro anos.
E de que é que Portugal precisa? E o que é que o faz diferente?
Os partidos à direita com assento na bancada do PPE, que não hesitam em falar de estabilidade como o principal fator no futuro do país. “É preciso continuidade e estabilidade e para isso é preciso uma maioria clara. Os investidores só vão confiar plenamente em Portugal quando houver continuidade nas reformas e no trabalho que este Governo tem vindo a fazer”, assume Othmar Karas, posicionando-se ao lado da coligação. Para os eurodeputados desta família política, mais do que mostrar estabilidade para os restantes parceiros europeus, a prioridade deve ser assegurar aos mercado que o país vai manter reformas e disciplina orçamental nos próximos anos.
Com o atual sistema partidário português e a previsível distribuição de votos nas próximas eleições, Stelios Kouloglou, que antes de ser eurodeputado pelo Syriza era jornalista e já realizou vários documentários – alguns deles em Portugal, nomeadamente um filme com as principais caras do movimento da Geração à Rasca que organizou a manifestação do 12 de março em 2011 – diz que os portugueses são pessoas “muito boas e pacíficas” e isso num primeiro momento, “contribuiu para a estabilidade do país”, mas trata-se de “uma situação precária”. O Syriza está também no grupo GUE, onde é parceiro do Bloco de Esquerda e do PCP.
O eurodeputado considera que o que aconteceu na Grécia com a subida ao poder do Syriza seria muito difícil de suceder em Portugal. “Portugal tem um Partido Comunista forte e com uma linha dura. E isso impede que outros partidos com a mente mais aberta à esquerda se unam ou consigam arrecadar mais votos. Outra situação que faz com que o caso português seja diferente é o PS, cujo equivalente na Grécia é o PASOK. Temos uma tradição de centro-esquerda na Grécia e os eleitores mudaram do PASOK para o Syriza. O PS em Portugal conseguiu manter os eleitores e mudar a liderança”, adianta o grego.
O Podemos lembra que “mais importante que resgatar bancos, é resgatar os cidadãos” e reforçar o Estado Social. “Para os próximos anos, é essencial que Portugal reverta todas as políticas de austeridade e recupere a soberania popular. Claro que para isto é preciso recuperar o crescimento económico, o emprego, mas acima de tudo é preciso ter uma Governo que esteja ao serviço das pessoas. Não estamos condenados ao sofrimento, a pensar como vamos conseguir encher o frigorífico ou ficarmos contentes por ter conseguido chegar ao final do mês. Portugal deverá mostrar nestas eleições algo que o seu atual Governo devia ter em conta: o povo é quem mais ordena”, acredita a eurodeputada Tania González Peñas.
A escolha é entre… 1X2
Sem tradição na história recente de coligações ao centro e com os dois principais partidos quase empatados na maioria das sondagens, a dúvida sobre os cenários pós-eleitorais aumenta. Arturs Krišjānis Kariņš, eurodeputado da Letónia que está integrado no grupo do PPE, não adianta quaisquer possibilidades para uma solução de Governo, mas tem preferências. “Uma continuação seria vista com bons olhos pela Europa. Se o custo de uma coligação for travar algumas das reformas, a comunidade internacional ficaria céptica e isso será mau para o futuro do país pois quer se goste, quer não, as nossas economias estão interligadas e só há investimento quando o ambiente é seguro e previsível”, assegura o letão, cujo país sofreu uma diminuição de um quinta do PIB entre 2008 e 2009.
Para outros representantes europeus, a mudança é a única resposta. “António Costa é a alternativa de confiança, não só para o país, mas para a própria Europa. Ele já mostrou que é possível fazer entendimento entre Portugal e Espanha para ter uma alternativa de governação ao assinar documentos conjuntos com Pedro Sanchéz [líder do PSOE] sobre formas de aprofundar a integração e cooperação ibérica também num plano europeu”, disse a eurodeputada Iratxe García, reforçando que com a possível vitória dos dois socialistas em Espanha e Portugal haveria uma esperança renovada para o crescimento europeu.
Já o Podemos considera que se deve romper com todas a instituições que impuseram a austeridade. “As pessoas precisam de um Governo que governe para elas. É preciso pôr de lado as instituições que aplicaram a austeridade e quem governou em benefício próprio e dos amigos. É preciso escolher entre pessoas normais que façam frente à política ditada por Merkel e Juncker. A cidadania não está condenada nestas eleições entre o que é mau e o mal menor. Precisamos de romper com o bipartidarismo e com quem governou a Europa nas últimas duas décadas”, afirmou a eurodeputada Tania González Peñas.
Com as eleições prestes a acontecer em Espanha – terão lugar em dezembro -, um sondagem do El Diario de agosto, mostra que o PP de Rajoy ganharia com 31,4% dos votos, o PSOE ficaria com 27,6%, enquanto o Podemos arrecadaria 11,9% e o Ciudadanos 9,9%, criando um problema na formação do Governo, já que com a falta de uma maioria absoluta, caberia aos partidos tradicionais procurarem junto das novas forças uma coligação que assegurasse um Governo estável.
E o Ciudadanos está empenhado nesta solução, não só para Espanha, mas também para Portugal, lembrando que experiências de bloco central como na Alemanha têm “resultados positivos”, mas com um sistema político sectário, consideram-nas impossíveis na Península. “É preciso uma cultura política de pactos, o que não existe em Espanha e Portugal, e é preciso ainda que os partidos que venham a compor uma maioria estejam dentro da centralização europeia”, declara Juan Carlos Girauta, eurodeputado do partido espanhol Ciudadanos – integrado na Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) – na esperança que o seu partido venha a ser esse elo de ligação em dezembro, tanto à esquerda como à direita.
E, afinal, Portugal está melhor ou pior?
Afastado geograficamente do centro da Europa, Portugal tem sido um tema constante de discussão nas instituições comunitárias desde a entrada da troika no país. Ora agrupado com a Irlanda, sempre que se falou no sucesso da disciplina orçamental, ora ligado à Grécia, sempre que surgiram dúvidas sobre o cumprimento dos compromissos assumidos com os parceiros europeus, Lisboa foi saltando de boca em boca em Bruxelas. Juan Carlos Girauta, dos Ciudadanos, diz que o caso de Portugal é injusto. “O caso português para mim é doloroso porque é um país que vive de acordo com uma democracia moderna, tem boas universidades, uma classe média estruturada e a crise financeira prejudicou-o muito. Olho para o que se passou e concluo que o setor financeiro é o mais responsável”, afirmou ao Observador.
Com uma crise mais ou menos justificada, Brian Hayes, eurodeputado irlandês e que integrou o Governo da Irlanda entre 2011 e 2014 – pertencente ao PPE -, diz o país “deu a volta”. “Não há dúvida que Portugal está em forma, especialmente se considerarmos que há poucos anos o país estava no meio de um programa de ajustamento sem quaisquer garantias de saída desse mesmo programa. Eu visitei Lisboa nessa altura, quando era membro do Governo irlandês. Penso que a saída limpa, foi uma decisão corajosa por parte do Governo português e que está a ser comprovada pelos números que podemos ver agora. Se continuar com as reformas estruturais, se continuar a modernizar a sua economia, não há razão para que nos próximos 4 ou 5 anos não vejamos crescimento significativo no país”, considerou o irlandês.
Embora Stelios Kouloglou, eurodeputado do Syriza, admita do ponto de vista da consolidação fiscal, “Portugal conseguiu controlar o seu orçamento”, feito para o qual contribuiu “alguma sorte”, houve outros custos difíceis de apagar. “Eu penso nos custos sociais deste programa. Sabemos que na Grécia isso é muito doloroso e aconteceu o mesmo em Portugal. Falo do desemprego, mas também da emigração forçada nestes países. As coisas podem parecer melhores, mas eu acho que isso não vai acontecer na realidade. O sistema da zona euro precisa ser reconstruído”, indica o grego. Tal como o Podemos, o Syriza está integrado no grupo político GUE no Parlamento Europeu.