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Comprar fora da UE abaixo de 22 euros perde “borla fiscal”. O que muda nas regras do IVA no comércio eletrónico

As novas regras para o comércio eletrónico na UE prometem facilitar a vida das empresas exportadoras. Mas os consumidores perdem a isenção de IVA nas compras fora do espaço comunitário.

Numa altura em que o comércio à distância e através de plataformas eletrónicas nunca foi maior — tendo sido ainda mais impulsionado durante a pandemia — as regras que enquadram os pagamentos de IVA na União Europeia vão ter mudanças, a partir de julho, que afetam clientes e empresas exportadoras. Mas não só. Plataformas eletrónicas, operadores postais e administrações fiscais deverão também sentir a diferença.

Em causa está nomeadamente o fim da isenção na compra de produtos abaixo de 22 euros fora da União Europeia. E menos burocracia para as empresas, que poderão registar-se num só país da UE para efeitos de IVA, tratando de tudo num balcão digital.

Os problemas que estas medidas visam combater não eram de hoje. Afonso Arnaldo, fiscalista da Deloitte, sinaliza ao Observador que havia “custos de contexto para as empresas no interior da UE, concorrência desleal de empresas localizadas fora da UE relativamente a empresas que aqui operam e também questões de fraude”.

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Bruxelas começou a esboçar uma solução já lá vão seis anos. E os especialistas em fiscalidade consideram que o salto que o comércio eletrónico deu nesta fase — marcada por confinamentos em todo o mundo, teletrabalho obrigatório e outras restrições — tornou as mudanças ainda mais prementes.

A pandemia acabou por atrasar a entrada em vigor destas medidas, inicialmente previstas para 1 de janeiro, mas em julho o novo modelo avança mesmo, prometendo ser uma pequena revolução na forma como se paga o IVA em operações de comércio internacional.

Novas regras evitam perdas de 3 mil milhões de euros por ano

Não havia volta a dar. As novas regras eram “uma inevitabilidade face ao crescimento exponencial do comércio eletrónico”, considera Amílcar Nunes, fiscalista da EY, em declarações ao Observador. O comércio online “tem estado sujeito a um nível elevado de complexidade e onerosidade, tanto para os Estados-membros como para as empresas, que tem vindo a criar obstáculos ao seu próprio desenvolvimento”.

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A Comissão Europeia fez um estudo sobre os obstáculos ligados ao IVA que afetam o comércio eletrónico, recorda Amílcar Nunes, em que se mostrou que “as entregas de bens noutros países da UE diferente daquele em que o fornecedor reside ou é estabelecido comportam sempre custos superiores”.

Por outro lado, lembra ainda o fiscalista, “verificou-se também que as empresas da UE estão em desvantagem concorrencial, uma vez que os fornecedores de países terceiros podem entregar bens isentos de IVA aos consumidores da UE ao abrigo da isenção na importação de pequenas remessas, até 22 euros”.

E não fica por aqui. “A complexidade do sistema comporta custos de contexto necessários para as empresas fazerem face às suas obrigações e, como tal, dificulta a garantia do seu cumprimento pelos Estados-membros, originando perdas estimadas em cerca de 3 mil milhões de euros por ano”, afirma ainda Amílcar Nunes, com base nesse trabalho da Comissão Europeia.

O fiscalista entende, por isso, que as novas regras colocam as empresas da UE “em pé de igualdade com as empresas de países terceiros”, que, até aqui, não estavam obrigadas a cobrar IVA; vão simplificar “as obrigações em matéria de IVA para as empresas que participam no comércio eletrónico intracomunitário” e contribuem “para um maior desenvolvimento do mercado único da UE”. E a cereja em cima do bolo: “Tudo isto permitirá aos Estados-membros a arrecadação de mais receita”.

O Observador tentou obter, junto do Ministério das Finanças, qual a estimativa de arrecadação adicional de receita fiscal com as novas regras, mas até ao momento ainda não obteve resposta.

Combate à fraude e à concorrência desleal fazem desaparecer “borla” fiscal

Comprar uns brincos baratos a partir de uma plataforma chinesa, uma capa de telemóvel numa loja britânica ou um livro nos EUA, abaixo de 22 euros, conta, até 30 de junho, com uma isenção de IVA em espaço europeu, o que, sendo uma vantagem para os consumidores que fazem essas compras, cria, no entanto, “uma distorção de concorrência entre empresas”, sublinha Amílcar Nunes. As que enviam brincos, livros ou qualquer outro produto para clientes do espaço comunitário têm, abaixo desse valor, uma vantagem competitiva face aos que enviam esses bens a partir de um país da UE. Ou até face à empresa ao fundo da rua, tendo em conta que hoje é mais fácil, em muitas circunstâncias, comprar online do que sair para fazer compras.

Estas regras são "do tempo em que não existia comércio eletrónico. Aliás, não existia internet (...) Quarenta anos depois, faria sentido manter uma isenção que foi criada num contexto completamente distinto e que tinha por objetivo facilitar o trabalho administrativo nas ‘raras’ (quando comparado com o volume atual) importações efetuadas por particulares?”
Afonso Arnaldo, fiscalista da Deloitte

Essa situação tem gerado ainda “situações de fraude”, em que se tenta “evitar o pagamento de imposto”. O que já era evidente tornou-se ainda mais flagrante com a “explosão” do comércio online nos últimos tempos, explica o especialista.

Em que circunstância se tem dado a fraude? Afonso Arnaldo, fiscalista da Deloitte, que faz o mesmo diagnóstico, explica que há situações em que os fornecedores dão “indicação nas encomendas que vêm de fora da UE de um valor inferior a 22 euros, quando, na verdade, o valor do produto em causa é superior”. As regras que agora terminam potenciaram “comportamentos abusivos”, segundo Amílcar Nunes. E agora a “subavaliação deliberada de bens abaixo dos limiares para efeitos de isenção do IVA e ou de direitos aduaneiros” tem os dias contados.

Estes problemas deixavam a nu a falta de coordenação na União Europeia. “A própria Auditoria do Tribunal de Contas Europeu concluiu, em 2019, que a UE não estava a dar resposta aos desafios na cobrança dos impostos devidos pelo comércio eletrónico”, lembra Amílcar Nunes. E que “os próprios estados-membros não só se manifestavam incapazes de determinar as suas perdas de receita, como também não colaboravam entre si no combate à fuga no IVA e nos direitos aduaneiros”.

E de onde vem, afinal, esta isenção, se é tão prejudicial? “Esta isenção existia há muitos anos, é anterior à entrada de Portugal na CEE”, explica Afonso Arnaldo. “Portanto, é do tempo em que não existia comércio eletrónico. Aliás, não existia Internet”. Por outras palavras, esta regra foi criada numa altura em que os consumidores particulares só muito raramente faziam compras à distância. “Quarenta anos depois, faria sentido manter uma isenção que foi criada num contexto completamente distinto e que tinha por objetivo facilitar o trabalho administrativo nas ‘raras’ (quando comparado com o volume atual) importações efetuadas por particulares?”, questiona o fiscalista da Deloitte.

Um único registo, um só balcão, menos custos para as empresas

Até ao final de junho, se um cliente em Portugal compra um produto a um fornecedor francês ou espanhol, as empresas têm de se “registar para efeitos de IVA nos países onde estão os clientes”, o que, “no limite”, obriga “a um registo em cada país, com as consequentes obrigações fiscais periódicas”, nota Amílcar Nunes. Isto se ultrapassar o valor previamente definido por cada país.

Afonso Arnaldo, da Deloitte, explica que esta situação podia “representar um custo muito grande — administrativo e financeiro — para as empresas”.

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Está em causa, desde logo, segundo Amílcar Nunes, da EY, a contratação de profissionais especializados para ajudar a fazer esse registo, mas também “o recurso a especialistas locais” para poder submeter as declarações de IVA “de acordo com as regras locais”. É preciso ainda adaptar sistemas de faturação. No caso de Portugal, “passará a exigir aos meros registos de IVA de empresas não residentes a emissão de faturas através de sistemas previamente certificados pela Autoridade Tributária”.

“Estas obrigações multiplicadas por cada país de destino dos bens (ainda que as mesmas apenas se verificassem quando atingidos determinados limiares de faturação entre 35 mil e 100 mil euros) encarecem indiretamente o negócio, motivam o seu incumprimento ou a alteração dos modelos de negócio com intuitos fraudulentos em matéria fiscal”, considera o especialista da EY.

Mas se o registo é feito num só país, como é que o imposto será cobrado? Afonso Arnaldo indica que, “com o novo sistema, as empresas terão a opção de não se registar nos estados-membros de destino dos bens, cobrando à mesma o IVA do país onde está o cliente, mas entregando-o à autoridade tributária do país onde estão as empresas”.

As regras até agora em vigor "encarecem indiretamente o negócio, motivam o seu incumprimento ou a alteração dos modelos de negócio com intuitos fraudulentos em matéria fiscal”
Amílcar Nunes, fiscalista da EY

E é assim que na União Europeia se cria um balcão único para a entrega destas declarações fiscais — o One Stop Shop (OSS) —, cortando os custos de contexto. Este mecanismo permite simplificar a burocracia das empresas quando fazem vendas de bens à distância a consumidores finais dentro do espaço comunitário.

É nestes balcões que as empresas podem fazer o tal registo para efeitos de pagamento de IVA num só estado-membro, permitindo-lhes vender para todos os outros sem mais burocracia associada. E é aqui também que será feito um único pagamento do IVA, independentemente dos países comunitários envolvidos.

Este mecanismo também abrange as vendas que sejam feitas por intermédio de plataformas digitais sempre que “facilitem a venda de bens na UE por um sujeito passivo fornecedor não estabelecido na UE”, explica Amílcar Nunes. E ainda “as vendas à distância de bens importados de territórios terceiros ou de países terceiros de valor intrínseco não superior a 150 euros”, através do Import One Stop Shop (IOSS).

Plataformas digitais com “custos acrescidos”

A partir de 1 de julho, as plataformas digitais vão ganhar responsabilidades acrescidas, ficando responsáveis não só por declarar como também entregar ao Estado o IVA nos casos em que a venda dos produtos seja feita dentro da UE por uma empresa que não esteja estabelecida num país comunitário; ou, por outro lado, quando estão em causa bens importados “em remessas de valor intrínseco não superior a 150 euros”, explica Amílcar Nunes.

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Uma nova obrigação que tem como objetivo “assegurar uma cobrança eficaz e eficiente do IVA, reduzindo ao mesmo tempo os encargos administrativos para os fornecedores, para as administrações fiscais e para os consumidores”, refere o fiscalista da EY.

Para as plataformas, será um novo quebra-cabeças. Amílcar Nunes entende que “uma das principais dificuldades com que estes operadores se confrontarão irá consistir na obtenção de informações necessárias para determinar o lugar da entrega dos bens, o lugar onde os bens se encontram no momento da transação ou a natureza dos bens entregues, assim como o seu valor (no caso de vendas à distância de bens importados) para estarem em condições de cumprir com as suas obrigações em IVA”.

Mas os problemas não ficam por aqui. Afonso Arnaldo, da Deloitte, nota que “para as empresas detentoras destes mercados e plataformas digitais esta solução implicará custos acrescidos na sua atividade”.

Nas mercadorias que chegam de fora da União Europeia, até 150 euros, também os operadores postais terão um papel a desempenhar na liquidação do IVA e na entrega desse imposto à autoridade tributária. Isto nos casos em que a compra seja feita diretamente em sites de vendedores (e não através das plataformas) e se esses vendedores não desalfandegarem os bens.

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