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Comprimidos de música e injeções de dança. As novas receitas médicas têm mais do que medicamentos

A experiência mostra os benefícios — até físicos — para doentes com demências ou sobreviventes de AVC. No Reino Unido já é um programa nacional, mas Portugal ainda estará longe de o conseguir fazer.

O pé a bater suavemente no chão, o corpo a balançar ligeiramente ou um assobio que quase não se ouve e só depois se apercebe da música de fundo e da reação involuntária que provocou no seu corpo. “A música desperta emoções” ou “a música é uma linguagem universal” são frases batidas, mas serão bem mais do que isso. Se olhar à sua volta, os bebés reagem à música, mesmo quando não sabem falar, e as pessoas com demência também, mesmo aquelas que já não conseguem entender ou transmitir palavras.

A música é uma forma de comunicação, começa por dizer ao Observador Carlos Fernandes da Silva, investigador no Cintesis (Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde). “Comunicar é tornar comum, é conseguir que a outra pessoa comungue as mesmas ideias que eu”, continua o psicólogo da Universidade de Aveiro. E a linguagem verbal é apenas uma forma de o fazer. A isso podemos juntar a postura, os gestos ou a componente emocional. Para os doentes com Alzheimer, Parkinson ou outras demências, sobretudo para aqueles que já não conseguem manter uma conversa, a música pode ser uma solução para combater o isolamento, uma forma de sentir prazer e emoções e de as partilhar com aqueles que lhe são mais próximos.

E é esta também a perspetiva do governo britânico, que quer implementar a prescrição social (social prescribing). São novas receitas médicas que, em vez de medicamentos, prescrevem música e arte para doentes com demência, mas também para doentes com outros problemas de saúde — como sobreviventes de um acidente vascular cerebral (AVC) — ou pessoas que estão muito isoladas. A ideia parte do facto de este tipo de atividades poder atenuar muitos dos sintomas associados a essas doenças — mesmo a nível físico.

Em Portugal, quem trabalha na área reconhece a importância da música, mas também da dança ou das atividades ocupacionais, como os trabalhos manuais. Reconhecem-se as vantagens, mas não existe nenhum programa nacional que promova a música ou a arte para a demência ou outras doenças. Os projetos vão surgindo pontualmente, como os dois exemplos que o Observador recolheu: um lar no concelho da Figueira da Foz, que pôs doentes acamados a dançar, e a Sociedade Portuguesa de Doentes de Parkinson, que os pôs aos saltos num trampolim.

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“Comunicar é tornar comum, é conseguir que a outra pessoa comungue as mesmas ideias que eu.”
Carlos Fernandes da Silva, psicólogo na Universidade de Aveiro

Música para recuperar a alegria de viver (mesmo depois dos 80 anos)

Ana (nome fictício) vive num lar no concelho da Figueira da Foz, tem Alzheimer e já não consegue reconhecer os filhos. Mas poucos meses depois de se terem iniciado as aulas de música na instituição, parecia outra. Agora, lembra-se das letras das músicas do rancho folclórico de outros tempos na sua vida, conta Olga Brás, dona do lar. Quando se identificam com as músicas que ouvem e elas estão relacionadas com o seu passado, as pessoas conseguem recuperar memórias antigas e começam a partilhá-las com os outros. Neste lar, ganharam destaque as músicas do rancho.

Vai fazer 24 anos em agosto que Olga Brás criou o lar do qual é, neste momento, diretora técnica. A necessidade de prestar um melhor serviço aos idosos que recebia levou-a ao curso de psicologia e ao mestrado em Psicologia Clínica. E foi no âmbito do mestrado, em 2013, que percebeu a importância dos ritmos na socialização e desempenho cognitivo dos idosos. Se, para as crianças e jovens hiperativos ou com autismo, os comportamentos e atividades padronizados os ajudam a enfrentar o dia, para os idosos, quanto mais regras e horários fixos tiverem no seu dia-a-dia, mais deprimidos ficam e mais problemas têm a nível cognitivo (aprendizagem, raciocínio, memória), diz a diretora.

As horas das refeições, são as horas das refeições — e isso é impossível mudar —, mas porque não introduzir a música em diferentes momentos do dia? Olga Brás tinha a expectativa de que os resultados fossem bons, mas aquilo a que assistiu deixou-a completamente surpreendida. Em dois ou três meses, os idosos — todos maiores de 80 anos e, na grande maioria, mulheres — estavam completamente diferentes. Antónia (nome fictício) estava sempre deprimida, era muito fechada e tinha Parkinson — ou, pelo menos, tomava medicação para isso. A música e as iniciativas de teatro tornaram-na mais desinibida e, aos poucos, foi revelando a trágica história de vida. Gradualmente, Olga Brás também conseguiu perceber que não se tratava de Parkinson, mas de qualquer outro problema do sistema nervoso e a neurologista confirmou. “Entrou acamada e dependente, mas acabou por tirar a medicação [para o Parkinson], tornou-se autónoma e voltou para casa”, conta.

“Alive Inside” é um documentário sobre experiências individuais de pessoas que “renasceram” depois de ouvirem algumas música

A diretora técnica diz que as mudanças que observa são claras, mas admite que isso não chega. Para perceber se a música realmente estava a ter o impacto que desejava, foi feito um exame do estado mental (Mini Mental State Examination) antes e depois de introduzida esta componente na vida dos idosos. “Não podia ser a mesma pessoa”, diz Olga Brás, referindo-se às diferenças tão grandes encontradas entre os testes nos dois momentos. Outro dos exemplos é o caso de Alice (nome fictício) que tinha estado em coma alguns meses depois de uma tentativa de suicídio. Não era demente, mas os químicos que tinha tomado tinham-lhe danificado várias competências cognitivas, à semelhança do que acontece aos doentes com demência. “A música ensinou-a a viver novamente”, conta a diretora. Não só isso, como ganhou auto-estima e autonomia e deixou de ter medo do marido que, durante tantos anos, a tinha maltratado.

A música é importante, mas não precisa de vir sozinha. No lar juntam-se os sons à atividade física, à teatralização, à dança e aos exercícios de cálculo. Fazem-se trabalhos manuais e pinturas e cozinham-se as receitas preferidas. “São incentivados a fazer aquilo que mais gostam”, diz a diretora. E a fazer coisas que nem sequer esperavam fazer. Ângela (nome fictício) estava há ano e meio acamada, tal como tinha chegado ao lar, mas tornou-se a rainha das marchas populares no verão passado. “Dançou a tarde inteira.”

Trampolins, boxe e dança para doentes com Parkinson

Já alguma vez se atreveu a saltar num trampolim (sim, um daqueles onde normalmente vemos as crianças brincar)? É desafiante, mesmo para quem tem uma boa condição física. Agora imagine que tinha dificuldades em mexer-se, que o corpo funcionava quase como um bloco ou que se desequilibrava com frequência. Seria um desafio ainda maior, mas não impossível. Que o digam os doentes de Parkinson que vão dar uns saltos de trampolim com Josefa Domingos, fisioterapeuta na Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson.

A iniciativa faz parte de um novo projeto da fisioterapeuta, que, há 15 anos, trabalha com esta doença. É verdade que o trampolim desequilibra ainda mais quem já tem falta de equilíbrio, mas a vantagem é que quem cai não se magoa, o que dá mais confiança para realizar os movimentos, conta ao Observador Josefa Domingos. “Também se sentem mais confiantes quando saem de lá. Dizem que sentem as pernas mais leves”, continua. “E melhoram a marcha”, que é um dos pontos de interesse para a terapeuta.

Sara Riggare vive em Estocolmo (Suécia) e tem Parkinson desde os 13 anos. Veio a Portugal experimentar as aulas de trampolins de Josefa Domingos

Josefa Domingos espera poder incluir as experiências que tem feito nos trampolins do espaço Bounce, em Alfragide, na tese de doutoramento que está a terminar. Mas há outras experiências com doentes de Parkinson que vai incluir certamente, como o boxe. Esta modalidade, adaptada aos doentes, está a começar a ser implementada por cá, mas a terapeuta desenvolveu-a ao longo de ano e meio na Suécia. “Apercebi-me que a parte que os doentes mais gostavam era o aquecimento e o arrefecimento, porque era feito com música e em grupo — em oposição à parte do circuito, em que faziam os exercícios sozinhos.” E a socialização é um dos aspetos fundamentais do tratamento, porque um doente que perde capacidade de se movimentar também perde a autoestima e tem mais tendência para se isolar.

Depois, o próprio “som estimula e facilita o movimento”, explica a terapeuta. Por um lado, só o facto de ter música a tocar durante a fisioterapia já facilita, porque melhora o estado emocional. “Se alguém estiver triste, não vou conseguir fazer nada com essa pessoa”, diz Josefa Domingos. Por outro lado, um ritmo mais rápido ou mais lento vai fazer com que a pessoa também se mexa mais rapidamente ou não e que dê ritmos diferentes ao treino da marcha, por exemplo. “E a pessoa mantém-se no exercício melhor do que só contando os tempos.” A música tem um poder tão grande que, muitas vezes, as pessoas em cadeiras de rodas, que parecem não se conseguir mexer, levantam-se para dançar.

A única nota que Josefa Domingos deixa é que a dança tem de estar adaptada a estes doentes. Não vale a pena ter um professor de dança a tentar ensinar passos complexos, que os doentes não vão conseguir acompanhar, porque uma das limitações é a dificuldade de coordenação. Os doentes não têm de aprender os passos certos da dança, têm de se mexer, coordenar movimentos, socializar e, sobretudo, divertirem-se.

Porque é que a música funciona tão bem com os doentes com demência?

Hoje em dia, Josefa Domingos já não se imagina a fazer as sessões de exercícios e terapia sem música, mas nem sempre foi assim. Aliás, quando começou a trabalhar com estes doentes, estava completamente fora de questão fazer exercícios com eles, quanto mais pô-los a dançar — ou a saltar num trampolim. Agora, diz: “Só consigo boas experiências quando incluo a música”.

Quem usa a música como auxiliar no tratamento de doentes com demência — ou com outras complicações — pode fazê-lo de várias formas: como música ambiente durante a fisioterapia ou uma refeição; num momento individual de relaxamento e lazer; com sons que servem de código a movimentos específicos; associando a música a exercícios ou à dança; ou pondo o doente a tocar um instrumento. Para cada uma destas situações, os efeitos serão diferentes, mas têm um objetivo comum: proporcionar bem estar ao doente.

“Só consigo boas experiências quando incluo a música.”
Josefa Domingos, fisioterapeuta na Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson

A demência não é uma doença única, mas uma síndrome e inclui um conjunto de doenças diferentes que vão do Alzheimer ao Parkinson, da doença de Levy à demência fronto-temporal. O que têm em comum é que o doente vai perdendo as capacidades cognitivas — como perda de memória, desorientação temporal e espacial ou perda da capacidade de planear ou fazer cálculos —, vai mostrando alterações de comportamento — como agressividade, impulsividade ou apatia —, tem mais dificuldade em interagir socialmente e fica fragilizado emocionalmente.

Existem alguns medicamentos que pretendem tratar os sintomas cognitivos e outros que tratam os não-cognitivos, mas os resultados ainda ficam aquém do seria desejável. Pior, nenhum medicamento mostrou, até ao momento, ser capaz de travar a degradação do sistema nervoso (neurodegenerescência). O medicamento mais recente para a perda de memória, por exemplo, já tem 15 anos, lembra a Quartz, e, desde aí, os ensaios clínicos de fármacos para combater o Alzheimer têm falhado consecutivamente. O facto de esta doença evoluir sem sintomas e a circunstância de os sintomas só se manifestarem quando o cérebro já sofreu danos irreversíveis são dois dos fatores mais importantes para os falhanços. As terapias não farmacológicas (em conjunto com os medicamentos) aparecem, assim, como um complemento no tratamento dos sintomas destes doentes: obtém-se melhores resultados e, eventualmente, consegue-se abrandar a progressão da doença, ainda que sem conseguir tratar a doença em si.

“O que os estudos observacionais têm demonstrado é que a música e outras atividades diminuem os níveis de ansiedade e aumentam a qualidade de vida”, diz ao Observador Rui Araújo, neurologista no Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto). A experiência de Josefa Domingos na associação, confirma-o. Os doentes melhoram as relações sociais, porque fazem as atividades em grupo e partilham com os outros a sua experiência e alegria, e melhoram os movimentos mais finos — como pegar num objeto pequeno —, porque têm de tocar um instrumento ou, de forma geral, porque têm de se mexer.

“Dançar com Parkinson” oferece aulas de dança adaptadas a estes doentes, numa parceria entre a Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa — Facebook Dançar com Pk

E cantam. O canto permite não só que as pessoas desenvolvam a noção de ritmo, como melhorem o controlo da respiração, sem falar no facto de que cantar as aproxima e as ajuda a partilhar outras memórias. É nestas sessões de canto, em que os doentes recordam tempos tão antigos como as próprias músicas, que partilham experiências. Nem todas boas. E é assim que Olga Brás vai, muitas vezes, conhecendo as histórias de vida das pessoas que tem no lar e percebendo porque são mais fechadas ou porque têm determinado comportamento.

Também acontece que os doentes já não tenham capacidade para entender uma conversa ou expressar-se por palavras, mas a música continua a ser um bom veículo de comunicação. A área do cérebro responsável pela linguagem verbal é uma das primeiras a ficar comprometida com o avançar da doença, mas, pelo contrário, a recetividade à música parece manter-se nos estados mais avançados da doença, mesmo quando a pessoa já deixou de responder a outros estímulos.

O que diz ciência a sobre a utilização desta forma de terapia?

Há alguns trabalhos de investigação que apontam para os efeitos benéficos da música, mas é difícil tirar conclusões tão robustas como quando se fazem ensaios clínicos para medicamentos, admite Rui Araújo. Uma revisão de vários estudos nesta área, publicada pela Cochrane em 2018, refere isso mesmo: que os resultados que encontraram eram todos de confiança baixa a moderada, quer isto dizer que a forma como foram planeadas e executadas as experiências podiam ter dado azo a enviesamento dos dados recolhidos. Ainda assim, os investigadores identificaram uma melhoria nos sintomas ligados à depressão e problemas de comportamento — de forma geral, mas não no que diz respeito à agitação e agressividade —, e também na ansiedade e bem-estar emocional. O que os autores não conseguiram confirmar com segurança é que as terapias baseadas em música tenham efeitos cognitivos (na memória, por exemplo) e na interação social.

Não conseguir confirmar não quer dizer que não tenha efeitos, apenas que a investigação ainda não permitiu tirar conclusões sobre isso. Tal como aconteceu com uma revisão de estudos sobre as aulas de tango para doentes de Parkinson, em que não foi possível demonstrar um efeito nas relações pessoas e na qualidade psico-emocional. Mas uma das coisas que o artigo publicado na BMC Neurology, em 2015, refere é que o número de participantes nas experiências era pequeno e que ainda havia vertentes por explorar. Por enquanto, só é possível concluir que os doentes que dançam tango diminuem os sintomas de Parkinson, reduzem o desequilíbrio e têm ligeiras melhorias nos sintomas motores e não motores.

À procura de solução para os problemas de sono dos doentes de Parkinson

Claro que não se espera que doentes com mobilidade reduzida e dificuldades de coordenação sejam capazes de aprender e reproduzir os passos mais complexos do tango, mas este estilo foi escolhido por ter ritmos variados — um estímulo importante para os doentes. Outra das competências que se pretende melhorar é a perceção de espaço, que uma dança como o tango permite. Não interessa se pisam os calos ao parceiro ou se distribuem joelhadas dolorosas, o que importa é que se divirtam — e, se puderem fazê-lo em família, tanto melhor.

A dança a pares pode ajudar a desenvolver algumas competências, mas pode, ao mesmo tempo, ser uma limitação e impor uma dificuldade acrescida aos doentes. Josefa Domingos prefere danças de grupo sem parceiros definidos, como as danças irlandesas ou mesmo o zumba (uma modalidade aeróbica que mistura vários estilos de dança).

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O Tai Chi Chuan é arte marcial que associa movimentos suaves, fluidos e relaxados a um estado mental concentrado e calmo.

É certo que a evidência científica sobre o uso da música e dança, mas também de Tai Chi Chuan e outras técnicas, no tratamento de doentes com demência ainda não é muito robusta, mas, desde que acautelados os perigos de queda, é aconselhável, dizem os médicos e terapeutas. Mais não seja, pelo prazer que podem despertar no doente. E, de qualquer forma, são tratamentos sem efeitos secundários. Talvez um pouco viciantes, a julgar pelo que conta Josefa Domingos: “Tenho doentes que sigo já há 10 anos e tenho de os empurrar para irem de férias”.

Carlos Fernandes da Silva defende o uso da dança nos casos de demência, como defende qualquer outro tipo de atividade física, mesmo uma caminhada. De cada vez que nos movimentamos, os músculos transmitem mensagens ao cérebro e, quanto mais nos mexermos, mais informações são enviadas para o nosso computador central, diz. Se temos mais informação a chegar — seja vinda dos músculos, seja vinda dos órgãos dos sentidos, despertos para o que se passa em redor —, os neurónios são quase que obrigados a estabelecer mais ligações (sinapses) com outros neurónios. Com mais ligações, melhoram-se as redes neuronais, o que pode ter impacto na tomada de decisão e na memória. Não se curam os doentes, mas atrasa-se a progressão da doença, diz o psicólogo. Josefa Domingos confirma: “O doente de Parkinson tem um grande potencial de recuperação”.

E se os médicos começassem a prescrever sessões de dança e visitas a museus?

“A investigação sugere que a música pode ajudar as pessoas com demência a reduzir os medicamentos e as restrições, tratar agitação e ajudar as pessoas e as famílias a lidar melhor com os sintomas”, diz Matt Hancock, secretário de Estado da Saúde do Reino Unido, citado pelo The Guardian. “Este é um exemplo de prescrição social, fácil de usar, que apoio totalmente. E apoio totalmente o trabalho que nos leve na direção de cuidados mais centrados nas pessoas — um elemento-chave do plano de longo prazo do Serviço Nacional de Saúde.”

A prescrição social de música ou arte pretende reduzir a medicação de doentes com demência e até de outros doentes. Ao mesmo tempo, esta prescrição médica pode ser uma forma de combater a solidão e o isolamento que podem, por si, levar à depressão e ao desenvolvimento de demências, como o Alzheimer. Se a música e a arte fizerem com que a pessoa se sinta melhor, vai aumentar a sua qualidade de vida e diminuir o risco de depressão.

A ideia do Departamento de Saúde e Cuidados Sociais é que um médico, como o médico de família, olhe para os doentes de uma forma mais alargada e não apenas para os sintomas que apresenta, que se preocupe não só em tratá-lo para os sinais que identifica, mas que lhe proporcione condições para se sentir mais feliz e mais saudável, escreve a Quartz. Para isso, além dos medicamentos, deve recomendar a ida a um clube de arte, juntar-se a um grupo de caminhadas ou fazer uma aula de dança.

Como os britânicos querem acabar com a solidão: um ministro e um programa com médicos, empresas e até carteiros

Encorajar a prescrição de música aos doentes com demência e ajudá-los a encontrar os melhores locais onde ter este tipo de serviços faz parte não só dos planos do governo britânico, como da campanha “Music for Dementia 2020”. Esta prescrição pode incluir ouvir ou tocar música, fazer musicoterapia, criar a sua própria lista de músicas preferidas e ouvi-la sozinho ou com companhia. Esta lista de música vai variar de doente para doente, consoante aquilo que lhe der mais prazer, mas também consoante as necessidades: músicas mais calmas se o doente estiver muito agitado, como acontece com alguns casos de Alzheimer, ou com mais ritmo, para incentivar os doentes de Parkinson a mexerem-se.

E não são só os doentes com demência que podem beneficiar de tratamentos pela arte, como refere a Smithsonian Magazine. Um grupo de doentes britânicos que tinha tido um AVC (acidente vascular cerebral) foi incentivado a tocar instrumentos musicais: 90% relatou melhorias na saúde física e mental. Noutro grupo de doentes com sinais de psicose, as aulas de dança ajudaram na concentração e comunicação. E as aulas de canto são já recomendadas para doentes com problemas pulmonares.

Além da música, a prescrição social pode ser alargada a outras formas de arte e às visitas em museus, uma medida que também já é aplicada no Canadá. “A cultura vai ser para o século XXI aquilo que a atividade física foi para a saúde no século XX”, prevê Nathalie Bondil, diretora geral do Museu de Belas Artes de Montreal (Canadá), citada pelo Fórum Económico Mundial. O museu, em colaboração com a associação Médicos Francófonos do Canadá, quer fazer com que os médicos prescrevam arte, argumentando que as hormonas produzidas durante uma visita contribuem para o bem-estar, assim como o faz a atividade física, mas com uma vantagem: é mais acessível para quem limitações físicas.

“As práticas ainda não estão desenvolvidas ao ponto de poderem ser prescritas.”
Rui Araújo, neurologista do Centro Hospitalar Universitário de São João

Em Portugal, como já vimos pelo exemplo do lar de Olga Brás ou pelas iniciativas de Josefa Domingos, a música é usada no tratamento das demências, mas não está assim tão generalizada. “As práticas ainda não estão desenvolvidas ao ponto de poderem ser prescritas”, diz o neurologista Rui Araújo. “O aconselhamento é uma prática”, acrescenta o psicólogo Carlos Fernandes da Silva. Mas garantir que aconteça é mais difícil. “Faltam recursos humanos. Temos cada vez mais idosos, cada vez mais pessoas com demência.”

À medida que o número de casos de demência aumentar, a prescrição social vai tornar-se cada vez mais útil, concorda Rui Araújo. Não só pelos efeitos no controlo da progressão da doença, como também como forma de luta contra a solidão, à semelhança da proposta britânica. “A solidão não é uma coisa nova, mas gradualmente reconhecêmo-la como uma das questões que mais pressão impõe sobre a saúde pública”, lê-se no documento do governo britânico intitulado “Uma sociedade conectada – Uma estratégia para combater a solidão” (em inglês). Os autores também associam a solidão a mortes prematuras e ao aumento do risco de desenvolver Alzheimer.

Olga Brás acrescenta que a música estabelece vínculos entre as pessoas. Não só entre as pessoas que vivem no lar, como no caso que conhece, mas também com os familiares. “Isto não é um armazém de idosos”, diz. “Somos uma extensão da família, não a substituímos. A família é envolvida nas tarefas diárias e nas decisões.” E foi enquanto grupo que os residentes do lar deram espetáculos de música na Figueira da Foz. A diretora convidou outras instituições do concelho para que se sentissem motivados a replicar a iniciativa. Mas, ao Observador, admite que não basta ter a ideia e um professor de música a dinamizar a atividade, é preciso ter um psicólogo e um neurologista a avaliarem as reações dos idosos, a adaptar as atividades às suas necessidades, a modificar a medicação sempre que necessário.

Os recursos humanos são só uma das potenciais limitações deste tipo de programas. Na análise da iniciativa britânica questiona-se se haverá verbas suficientes para suportar este tipo de iniciativas e se as mesmas estarão acessíveis às pessoas que mais precisam delas, que são também as franjas mais pobres da comunidade. “Se queremos fazer uma grande diferença na prevenção e recuperação, o governo tem de mostrar como é que vai chegar àqueles que estão em maior risco, diz Mark Rowland, diretor executivo da Fundação para a Saúde Mental (Mental Health Foundation, no Reino Unido), citado pela Smithsonian Magazine.

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