Pode começar com uma mão trémula, um braço que perde mobilidade, um pé que arrasta no chão ao andar. Depois os trabalhos manuais tornam-se cada vez mais difíceis, é cada vez mais custoso ficar de pé à conversa, os pés tropeçam nas caminhadas mais simples. Os sintomas relacionados com os movimentos, como tremores, rigidez e lentidão são os mais conhecidos na doença de Parkinson. Mas 99% dos doentes também sofre de outros problemas não-motores, como perturbações de sono, deficiências cognitivas, perda de olfato e obstipação. Alguns destes sinais podem surgir 10 anos antes da doença propriamente dita.

A equipa de Jorge Valadas, investigador português a trabalhar no VIB-KU Leuven Center for Brain and Disease Research (Bélgica), focou-se numa destas queixas: as perturbações de sono. Os investigadores descobriram que neurónios estão envolvidos neste tipo de sintomas e porquê, mostrando que tipo de mecanismo pode ser alvo de um futuro fármaco para controlar o problema. Os resultados foram publicados esta quinta-feira na revista científica Neuron.

Seja por fatores genéticos, seja por exposição a pesticidas e outras toxinas, seja pelo envelhecimento natural do cérebro, alguns neurónios, nomeadamente os que produzem dopamina (neurónios dopaminérgicos), começam a morrer. Quando cerca de 70 a 80% destas células morreu, a quantidade de dopamina produzida — um importante mensageiro cerebral que controla os movimentos — é tão baixa que se começam a manifestar os sintomas motores característicos da doença.

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O tratamento destes sintomas pode passar pela estimulação dos neurónios dopaminérgicos, para libertarem mais dopamina, ou pelo uso de medicamentos. Alguns medicamentos, como a levodopa, transformam-se em dopamina no cérebro, outros imitam a ação da dopamina e outros impedem a sua degradação. “A terapia de substituição dopaminérgica na doença de Parkinson recupera significativamente as funções motoras, mas é insuficiente para salvar dos sintomas não-motores da doença, incluindo os distúrbios dos padrões de sono”, escreveram os autores no artigo.

Se os sintomas não-motores não reagem aos tratamentos convencionais para a doença de Parkinson é porque o problema está noutro circuito ou mecanismo que não os neurónios dopaminérgicos. De facto, no caso estudado, o problema estava nos neurónios neuropeptidérgicos, que controlam a atividade de outros neurónios. Além de regularem os ritmos de sono, os neuropeptídeos (molécula composta por aminoácidos) produzidos por estes neurónios regulam a memória e a indução do stress. Quando a libertação dos neuropeptídeos é reduzida, o controlo destas funções fica comprometido.

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Pesticidas, drogas e envelhecimento são fatores de risco apontados para o aparecimento da doença de Parkinson, mas as causas do aparecimento esporádico da doença são ainda pouco conhecidas. Melhor conhecidas são as causas genéticas — ainda que os investigadores continuem à procura de mais mutações e genes que causem a doença. Porém, as causas genéticas, representam apenas 10% das situações de Parkinson.

Os investigadores, para poderem replicar os sintomas de Parkinson em modelos animais, têm de usar causas conhecidas — neste caso, as genéticas. A equipa de Jorge Valadas estudou animais com mutações em dois genes — parkin e pink1. Estes genes, causadores da doença em humanos, são modificados nos modelos animais a usar, ratinhos ou moscas-da-fruta (o modelo animal usado neste caso). Os animais apresentam manifestações que se assemelham aos sintomas dos doentes humanos.

Porquê usar moscas-da-fruta (Drosophila melanogaster) para estudar esta doença? “A mosca-da-fruta tem vindo a ser usada ao longo dos anos para estudar doenças neurodegenerativas”, responde ao Observador Jorge Valadas. “Os modelos de mosca-da-fruta foram muito importantes para estabelecer algumas mecanismos moleculares na doença de Parkinson.” Sendo um dos exemplos, a ligação entre as mitocôndrias e a doença de Parkinson. Também no caso das perturbações de sono, as mitocôndrias (cuja função mais conhecida é a produção de energia nas células) mostraram ter um papel importante.

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As células, incluindo os neurónios, são como um grande complexo fabril em que o produto de cada uma das fábricas é transportado para servir de matéria-prima na fábrica vizinha. O núcleo, que têm todas as ordens da fábrica, está ligado ao retículo endoplasmático, um conjunto de túbulos e vesículas responsável pela produção de proteínas e lípidos. Quando existe muito contacto entre o retículo endoplasmático e as mitocôndrias — que acontece quando os genes parkin e pink1 estão ausentes ou mutados —, há um maior transporte de lípidos para fora do retículo, incluindo o fosfolípido fosfatidilserina essencial para a formação das vesículas. Sem conseguir formar estas vesículas, os neuropeptídeos produzidos no retículo não podem ser transportados até ao exterior do neurónio, logo não há libertação da molécula e verifica-se as perturbações nas funções que deviam controlar. Experiências com células estaminais humanas de doentes com Parkinson permitiram confirmar que este problema na libertação de neuropeptídeos também acontece em neurónios humanos.

“Ainda estamos longe de uma descoberta que possa ter influência no dia a dia dos pacientes, mas podemos propor novos alvos terapêuticos tendo como base o aumento da síntese de vesículas que contêm os neuropéptidos de interesse para a regulação do sono”, diz o investigador português.

Existindo um suplemento alimentar de fosfatidilserina, essa seria uma hipótese a considerar, mas ainda carece de mais estudos antes de se poder afirmar que é eficaz. “Os dados que temos atualmente apontam que, em modelos animais, é possível reverter parcialmente os defeitos no sono”, diz Jorge Valadas. Mas faz uma ressalva: “Estes animais possuem cérebros que são facilmente acedidos pelos nutrientes na comida (possuem uma fraca barreira hematoencefálica), o que torna qualquer tratamento bastante fácil. Pelo contrário, nos humanos, essa barreira é bastante menos permeável.” Apesar de o suplemento alimentar estar disponível, o investigador acautela: “Este não é um tratamento validado e por isso não aconselhamos o suplemento da dieta com fosfatidilserina”.

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Neste trabalho foram usadas mutações em dois genes. Agora, os investigadores esperam validar os resultados com outras mutações — como mutações no gene LRRK2, que são muito frequentes nos doentes — e com outros modelos animais, como ratos de laboratório. “Bastante mais desafiante será reproduzir os resultados com os modelos animais para as formas esporádicas [da doença]”, admite Jorge Valadas.

O investigador conta que os doentes com Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica e doença de Huntington também têm distúrbios de sono. E, nestes casos, também existe um aumento do contacto entre o retículo endoplasmático e a mitocôndria. “Isto leva-nos a colocar a hipótese de que a alteração neste mecanismo celular poderá estar na origem dos sintomas de sono [nestas doenças].” No entanto, para comprovar a associação entre estes dois fatores são precisos mais estudos. Assim como é preciso estudar as perturbações de sono em pessoas que não têm nenhuma destas doenças.

A equipa reconhece que apesar dos resultados apresentados serem inovadores em termos da investigação da doença, ainda estão muito longe da aplicação clínica e do impacto real na vida dos doentes. Por saberem que trabalhos deste tipo podem levantar muitas dúvidas entre doentes, cuidadores e médicos, criaram um endereço de email para onde podem ser dirigidas as perguntas: patienteninfo@vib.be. As perguntas, no entanto, terão de ser feitas em inglês, francês ou holandês.