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Consulado português em São Paulo. Esquema obriga a pagar centenas de euros por vagas de atendimento, num serviço que é gratuito

Empresas apoderam-se de vagas de agendamento na representação portuguesa, que "vendem" depois aos utentes. Tudo online e sem registos. Governo tem conhecimento, mas o problema persiste.

A conta excede em muitos casos os 300 euros por utente. É o preço a pagar para que um cidadão consiga acesso, em tempo útil e razoável, a um simples e gratuito agendamento no Consulado Geral de São Paulo, no Brasil, para tratar de um processo de nacionalidade, por exemplo. A “tarifa” adicional não é aplicada pelo Estado, reverte antes para os autores de um esquema que explora as fragilidades do sistema. Os “despachantes”, como lhes chamou o ex-cônsul da cidade, Paulo Jorge Nascimento, apoderam-se dessas vagas, monopolizam a capacidade de agendamento e deixam os cidadãos entre meses de espera ou a hipótese de resolver o problema em dias — desde que paguem umas dezenas ou centenas de euros.

Um ano depois de as primeiras denúncias terem chegado ao jornal Sol, o problema mantém-se. O Observador recebeu queixas de utentes que, por “receio de represálias”, querem manter-se anónimos. Relatam problemas graves no acesso a um simples atendimento nos serviços diplomáticos. “Nunca há vagas disponíveis na plataforma do consulado”, reclamam. A denúncia das dificuldades suscitou mais atenção na sequência do caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Recorde-se que o processo de nacionalidade das crianças foi tratado em sensivelmente quatro meses. Nas declarações que prestou em sede de comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso das duas irmãs , a ex-secretária de Estado das Comunidades, Berta Nunes, não deixou margem para dúvidas: “Apesar de o agendamento ser online, havia empresas que, quando as vagas eram lançadas, capturavam-nas todas e depois vendiam-nas”, chegando mesmo a admitir que “o agendamento era gerido por uma empresa externa, simplesmente”.

O esquema é conhecido pelas autoridades como confirmou, também em declarações à CPI, o ex-cônsul português em São Paulo. “O que o senhor deputado poderia fazer, eventualmente, se fosse o caso, seria vender essa vaga para esse ato consular específico a outra pessoa que se iria apresentar e beneficiar dessa vaga”. A reposta do antigo representante português na cidade brasileira indicia não só conhecimento da prática, como a aceitação de um esquema que vive da cobrança de um serviço simples e gratuito, o agendamento de um atendimento. Questionado sobre como é possível que o agendamento seja transmissível, o ex-cônsul não soube responder.“Está a colocar-me questões de índole técnica que não lhe posso responder”, disse Paulo Jorge Nascimento aos deputados.

"Pedimos seis dias para agendar a vaga, mas normalmente conseguimos antes”, anuncia a Consulado Rápido. Já a Consulado Express vai mais longe, pergunta se o atendimento é "normal ou urgente", e até oferece a hipótese de conseguir vaga nos “consulados de Brasília, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro, Londres, Manchester”

No programa “Onde Pára o Caso” desta semana, a Rádio Observador foi tentar perceber como funciona o agendamento no consulado português em São Paulo, no Brasil, assim como atuam estas empresas, que capturam e vendem vagas aos cidadãos.

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Ouça aqui o episódio sobre o consulado português em São Paulo do podcast “Onde Pára o Caso”.

Os esquemas para conseguir um agendamento no consulado de São Paulo

Agendar uma vaga no consulado de Portugal em São Paulo é aparentemente simples, basta aceder à plataforma online, fazer a autenticação através da chave móvel digital ou a credenciação por email e password. De seguida, escolhe-se o tipo de serviço pretendido — neste caso, obtenção de nacionalidade — e acede-se ao calendário de marcações. Só que há um problema: o Observador percorreu todos os dias até ao final de dezembro de 2025 e não havia nenhuma vaga disponível. É por este constrangimento que passam os utentes.

Do boca a boca, os utentes passam para um motor de busca na procura de uma solução. Quando se questiona o Google sobre “vagas rápidas no consulado” surgem várias hipóteses. Duas das empresas mais conhecidas a prestar este tipo de serviço são a Consulado Rápido e a Consulado Express. Nenhuma tem nos respetivos sites informações como morada da sede ou filiais, contactos telefónicos, número de identificação fiscal ou qualquer tipo de dado que permita identificar o negócio para além do nome virtual utilizado.

Na home page do Consulado Rápido, por exemplo, pode ler-se: “Somos facilitadores e poupamos o seu tempo. Diga adeus à burocracia. Não perca tempo”. A mensagem é semelhante no Consulado Express: “Agendamento rápido no consulado português”. Em ambos os casos, os interessados têm de preencher um formulário com nome e número de um telemóvel, que tenha WhatsApp  — o único canal de contacto entre a empresa e o utente. Depois de submetidos os dados, rapidamente uma equipa envia uma mensagem escrita para que o cliente escolha o serviço desejado. Se selecionar a opção de nacionalidade, é explicado de imediato que “para esse serviço os nossos honorários são R$545 [90 euros] por pessoa. As taxas consulares não estão incluídas”, mas apurámos que, por exemplo, nos processos de nacionalidade os preços vão dos 10 aos 230 euros, dependendo se são crianças ou adultos. Significa isto que, se um adulto pagar por esta vaga — que deveria ser gratuita —, arrisca-se a ter de pagar mais de 300 euros pelo serviço, depois de somadas as taxas cobradas pelo Estado. O pagamento é feito depois de o atendimento estar marcado e através do sistema PIX, o equivalente brasileiro ao MB Way. Ou seja, é tudo tratado através de telemóvel, sem moradas ou números de contas bancárias.

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Vivem mais de 100 mil portugueses em São Paulo, segundo dados oficiais do consulado português

Getty Images

Com as vagas esgotadas no site do consulado, a proposta destas duas empresas é muito tentadora, sobretudo para quem procura resolver problemas. “Pedimos seis dias para agendar a vaga, mas normalmente conseguimos antes”, anuncia a Consulado Rápido. Já a Consulado Express vai mais longe, pergunta se o atendimento é “normal ou urgente” e até oferece a hipótese de conseguir vaga nos “consulados de Brasília, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro, Londres, Manchester”, etc. O custo da assessoria é de 56 euros se o prazo for normal, ou 80 euros se for um caso urgente. Em momento algum é revelado o segredo do negócio. Como conseguem estas empresas capturar todas as vagas?

O que dizem as autoridades nacionais perante o esquema?

O Observador questionou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas várias perguntas ficaram por responder. O Governo esclarece que o consulado tem conhecimento da existência desse tipo de empresas e acrescenta que, “na maioria das vezes, utilizam os próprios dados do utente para contornar as tentativas de bloqueio desse tipo de serviço, sendo difícil detetar a interferência dessas empresas no sistema de agendamento”. Fica por explicar como é que conseguem.

No entanto, o ministério tutelado por Paulo Rangel adianta ao Observador que “o sistema tem implementadas várias ferramentas com o objetivo de prevenir a utilização abusiva, designadamente, a limitação de agendamentos, o aumento do nível resolução do reCaptcha, a sinalização de domínios fake e a criação de um bloqueio de domínios de e-mail pela API (software). Encontra-se também em estudo a possibilidade de utilização de estratégias de maior resiliência a ‘bots’, por forma a dificultar o seu acesso ao portal de agendamentos”.

O advogado Bruno Medeiros Gurgel, com experiência em direitos dos imigrantes e lei da nacionalidade, confirma que o problema não é de agora. “Na minha prática profissional já presenciei e já me foram reportadas queixas sobre agendamentos que envolvem os consulados portugueses no Brasil”, diz ao Observador. Relativamente ao serviço de pedidos de visto, foi parcialmente resolvido com uma empresa externa que faz o papel de intermediário entre o consulado e os utentes, a VFS Global, parceira oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros para a tramitação desses processos. O problema são os outros atos consulares que, no entendimento do advogado “deveriam ser pessoais e intransmissíveis”.

Bruno Medeiros Gurgel considera ainda ser indispensável “averiguar a que título operam essas empresas” assim como se há algum tipo de fiscalização desta atividade. Muitos utentes suspeitam de conivência entre os serviços consulares e estas empresas, mas Bruno Medeiros Grugel não apoia essa tese. “Há muito tempo que este problema existe e ainda não foi resolvido”, diz o advogado para quem é mais “urgente que o Governo intervenha no sistema [informático] para que os utentes não tenham de passar por este tipo de situações”.

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