A campanha socialista começa com um toque de ironia e outro de (pouco) humor. O líder do partido decidiu arrancar nos Açores, Ponta Delgada, numa investida de ida e volta no próprio dia, chegando a bordo de um voo da Ryanair, a companhia low cost que mais tem contestado o plano de reestruturação da TAP. Quanto ao humor, não convenceu António Costa que tivesse sido uma “brincadeira” o que Rui Rio escreveu no Twitter sobre o seu voto antecipado no Porto. Foi na terra que perdeu para a direita, apoiada pelo Chega no parlamento regional, que Costa confessou esperar que todos tenham ficado vacinados.
Mas comecemos pelo início do dia, quando o staff de Costa entrou no voo no fim dos restantes passageiros, ocupando os lugares das duas primeiras filas. Ao lado do engravatado líder socialista seguiam Mariana Vieira da Silva e Duarte Cordeiro, na fila ao lado estava também Tiago Antunes. Dois deles candidatos nestas legislativas, todos com funções na organização da caravana socialista e todos membros do Governo que tem ouvido a contestação da companhia aérea que ainda no final de dezembro, voltou a atacar o plano de reestruturação da TAP, que conseguiu luz verde de Bruxelas mesmo antes de começar a campanha — menos uma incerteza de peso para levar às costas. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que não os veja ali sentados sob o logótipo amarelo da empresa presidida por Michael O’Leary que o comparou ao pinóquio.
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Entre os passageiros havia quem estranhasse ver ali o primeiro-ministro. O líder da JS, Miguel Costa Matos, mais atrás no mesmo voo, chegou a explicar a um deles que Costa “viaja sempre nestes aviões e em classe económica“. A explicação da candidatura ia além disso, afinal nessa manhã não havia nenhum voo além daquele para chegar a Ponta Delgada a tempo da primeira iniciativa marcada. Não é o primeiro nem o último que Costa fez em companhias low cost e no regresso vai via Sata e, à Madeira, pela TAP.
O tweet que chegou do continente
O dia começou só após o almoço, com uma visita às empresas do Grupo Marques, um dos maiores empregadores da Região Autónoma dos Açores e também uma das maiores exportadoras. Costa visitou as serrações de madeira e de pedra do grupo que também produz óleos essenciais, mas quando lá chegou já a sua comitiva vinha animada com um tweet que chegava do norte do continente, de Rui Rio.
O líder do PSD escrevera que Costa ia exercer o voto antecipado, no dia 23, no Porto para não ter de votar em si mesmo, já que concorre pelo círculo de Lisboa. Mas o sistema não funciona assim e Costa não poupou o adversário que, considerou, “tinha obrigação de saber o que era o voto antecipado. Se resolveu disfarçar o seu desconhecimento como tendo sido uma graçola, pronto era uma graçola. Não creio que um político afirme a sua credibilidade com graçolas, mas procurando responder com seriedade.”
O que Rio revelava, argumentou ainda Costa, era “desconhecimento sobre o funcionamento básico da democracia”. E depois explicou que “em qualquer sitio em que se esteja a exercer o voto no dia 23, o voto é contabilizado no sitio onde se está recenseado”.
Tudo terminou no comício no Açor Arena, em Vila Franca do Campo. O fecho ficou a cargo de António Costa, mas antes dele ainda falaram o antigo deputado Ricardo Rodrigues, autarca da terra, o líder do PS-Açores, Vasco Cordeiro, e o número um da lista pelo círculo da região, Francisco César. Carlos César, o seu pai, também lá esteve, mas fora dos holofotes, numa retirada que tem vindo a ser gradual (atualmente é presidente do PS e exerce a sua posição de um dos principais conselheiros de Costa totalmente na sombra) e que, com tudo isto, pretende evitar que se volte a tocar num gate sensível para o PS, o das famílias. Francisco tocou ao de leve no assunto na sua intervenção, ao referir o pai dizendo que “como todos sabem” conhece bem e que “com ele” muito aprendeu.
Tiro ao PSD e à sua radicalização
Ali a frente que se quer armar é contra Rio e no comício de Vila Franca, antes de embarcar para Lisboa, Costa ouviu o vitorioso mas derrotado nas últimas eleições regionais, Vasco Cordeiro, atirar à ausência de Rio da Região neste tempo de campanha oficial. Nesta primeira semana, Costa passou pelos Açores e, terça-feira, irá à Madeira, mas a caravana social-democrata não passa por nenhuma das duas regiões. “Não surpreende a ausência do PSD”, disse o socialista. “É compreensível, mas censurável”, atirou. E “compreensível” porque Rui Rio apouca os votos em disputa na região, acusou Cordeiro.
António Costa também acabou a atirar nesse mesmo sentido, atirando do palco que “os Açores também são Portugal”. E Francisco César também entrou nessa frente de ataque ao PSD, aproveitando ainda o exemplo regional de um Executivo com o PSD “de braço dado com André Ventura” para apostar na radicalização do PSD também ao nível nacional: “Esse é o risco que não podemos correr”. Não ficou sozinho, com o líder do partido a subir ao palco logo de seguida para fazer esse mesmo alerta, esperando “que tenha sido uma vacina para todo o país” ver o que aconteceu nos Açores, onde o PS ganhou mas não teve maioria: “No dia seguinte, acordam com o Governo de toda a direita unida que nem sequer a extrema-direita do Chega ficou fora do acordo parlamentar que viabilizou o Governo do PSD”.
Para Costa ficaram ainda os dados macreconómicos disparados em catadupa, para concluir que “já há meio milhão de portugueses a trabalhar e menos 400 mil em situação de pobreza ou exclusão”. E a repetição da urgência de ter um Orçamento aprovado em 2022: “Não podemos perder este ano em regime de duodécimos, precisamos com urgência do Orçamento aprovado”. E, nesse capítulo, tem afirmado ser o único que tem uma proposta pronta — quando pede a maioria absoluta para o poder aprovar de imediato.
Isto para contrapor às “aventuras” que diz ver no PSD de Rui Rio. Exemplificou com o sistema misto de pensões, ou com a reforma da Justiça de Rio que “o que pretende é assegurar o controlo político sobre a autonomia do Ministério Público“, ou ainda a falta de vontade que garante haver no PSD quando ao aumento geral dos salários. “Não é tempo para aventuras, mas também não é tempo para adiar subida de salário mínimo nacional ou congelar a descida do IRS. Quem não quer subir o salário mínimo, muito menos vai querer subir salários médios”, afirmou ainda sobre Rio.
“Sim precisamos de um primeiro-ministro responsável e cooperante com os Açores e esse primeiro-ministro é António Costa”, tinha já dito naquele mesmo púlpito Francisco César. Só que isso não chega, admitiu de seguida, não é isso que dá ao “PS a vitória garantida”, acrescentou ainda num apelo ao voto que já vai dramático logo no primeiro dia de campanha oficial. Afinal as eleições são a 30 de janeiro, mas há voto antecipado daqui a apenas sete dias.