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Feature China/Barcroft Media via Getty Images

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Covid-19. Afinal, o vírus é natural ou veio de uma fuga de laboratório?

Diretor do FBI admitiu hipótese de fuga laboratorial, mas cientistas não estão convencidos. Ao Observador, especialista em saúde garante que "tem a ver com política". O que está, afinal, em causa?

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A afirmação do diretor do FBI, Christopher Wray, no início da semana, surpreendeu tudo e todos: “As origens da pandemia estão, provavelmente, num incidente num laboratório em Wuhan.” A tese, que durante anos foi desvalorizada e considerada uma teoria da conspiração sem fundamento, parecia tornar-se, de súbito, uma possibilidade apoiada pela própria agência de segurança dos Estados Unidos.

Mas será verdade? A hipótese, avançada esta semana pelo Departamento de Energia norte-americano, e corroborada depois pelo diretor do FBI, de que a pandemia de Covid-19 terá tido origem num acidente de laboratório no Instituto de Virologia de Wuhan, gerou mais dúvidas que certezas e adensou o mistério quanto à origem do novo coronavírus. A comunidade científica reagiu num misto de cautela e desconfiança; um especialista contactado pelo Observador foi ainda mais longe ao desvalorizar a nova posição dos EUA: “Tem a ver com política.”

FBI acredita que vírus que causa a Covid-19 “provavelmente” veio de laboratório chinês

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Afinal, o que está em causa quando se fala em fuga de laboratório? Haverá indícios credíveis que justifiquem essa tese? E a Organização Mundial da Saúde, que durante anos desvalorizou a teoria, tem responsabilidades? A ser verdade que o vírus teve origem num laboratório, estaremos perante um acidente, ou algo mais deliberado?

O que disseram, em concreto, os EUA?

A posição manifestada pelo FBI teve por base um relatório do Departamento de Energia dos EUA, revelado no domingo por um artigo do Wall Street Journal. No relatório, o Departamento de Energia admite como provável que a pandemia tenha sido causada por um vírus que escapou acidentalmente do Instituto de Virologia de Wuhan.

O relatório, que foi partilhado com a Casa Branca e com os mais altos representantes do Congresso, é cauteloso: a agência manifesta um nível de confiança “fraco” na avaliação — ou seja, ressalva que a conclusão tem por base informação “escassa, questionável e fragmentada”, e que dela não se podem retirar conclusões analíticas sólidas.

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Apesar de avançar com a tese da fuga de laboratório, relatório norte-americano sublinha que vírus não se trata de uma arma biológica

AFP via Getty Images

Seja como for, o estudo deu um novo fôlego à ideia de que o regime chinês ocultou a origem do vírus, tese que foi apoiada pelo diretor do FBI. Na primeira vez que um responsável do órgão de investigação norte-americano admitiu publicamente a possibilidade de acidente de laboratório, Christopher Wray confirmou que a agência “já há bastante tempo acredita” na tese, e instou Pequim a “ser mais honesto” sobre as origens do vírus.

O relatório do Departamento de Energia não diz, no entanto, que o vírus tenha sido propositadamente disseminado pela China; pelo contrário, reafirma o consenso já existente de que, a ter tido origem no laboratório de Wuhan, terá sido um acidente, e que o SARS-CoV-2 não faz parte de nenhum programa de armas biológicas de Pequim.

Qual a posição oficial da China?

As declarações de Wray foram duramente criticadas por Pequim. Numa conferência de imprensa na quarta-feira, Mao Ning, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, afirmou que a posição norte-americana era politicamente motivada. Acusando Washington de adotar uma “mentalidade de Guerra Fria”, a diplomacia chinesa instou os EUA a “parar de marcar pontos políticos à custa das relações bilaterais entre EUA e China”.

Em maio de 2021, uma carta aberta assinada por vários cientistas e publicada na revista Science instou a comunidade internacional a investigar as origens do vírus e a colocar todas as hipóteses em cima da mesa -- incluindo a de um acidente no Instituto de Virologia de Wuhan.

Qual é, então, a posição chinesa sobre a origem do vírus? Desde o início da pandemia, Pequim tem mantido a versão de que o SARS-CoV-2 é um “vírus natural” — isto é, que se propagou e sofreu mutações na natureza, passando dos animais para os seres humanos. Os defensores desta ideia teorizam que a mutação no vírus terá tido origem num morcego que infetou um animal intermediário, que por sua vez introduziu o vírus nos seres humanos.

Pandemia foi causada por fuga de laboratório, diz estudo do departamento de energia dos Estados Unidos

A mesma hipótese avança o mercado de animais vivos de Wuhan como o mais provável epicentro dos primeiros casos de infeção, com estudos que apontam para a existência de bolhas de contágio ao redor do mercado em novembro/dezembro de 2019, altura em que se registaram os primeiros casos.

A China não é a única a defender esta tese. A ideia tem apoio de grande parte da comunidade científica, que entende que as características evolutivas do novo coronavírus apontam para que este não tenha sofrido mutações genéticas “artificiais” em laboratório, mas que tenha antes resultado de um contexto evolutivo natural.

Fuga de laboratório: teoria da conspiração ou algo mais?

Certo é que as dúvidas quanto à verdadeira origem do vírus que dá origem à Covid-19 vão persistindo. A teoria de fuga foi desde cedo sendo avançada como uma possível explicação, mas de início foi desvalorizada como produto de teorias da conspiração sem fundamento.

No entanto, a hipótese nunca foi completamente descartada e, com o passar do tempo, foi sendo encarada com cada vez mais seriedade. Em maio de 2021, uma carta aberta assinada por vários cientistas e publicada na revista Science instou a comunidade internacional a investigar as origens do vírus e a colocar todas as hipóteses em cima da mesa — incluindo a de um acidente no Instituto de Virologia de Wuhan.

Cientistas pedem que se volte a investigar a origem da Covid-19

Mais recentemente, no final do ano passado, o imunologista Anthony Fauci disse estar “de mente aberta para qualquer possibilidade, e criticou a postura evasiva do governo chinês. “Mesmo quando não há nada a esconder, eles agem de uma forma suspeita e não transparente”, disse o ex-diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas, instituto que liderou a estratégia de combate contra a pandemia nos Estados Unidos.

Tiago Correia (especialista em saúde): "Isto não tem a ver com epidemiologia, saúde pública ou vigilância. Tem a ver com política".

Fuga de laboratório ou “vírus natural”. Quem está a dizer verdade?

É difícil dizer. As informações a que o Departamento de Energia teve acesso são classificadas, e o nível de cautela manifestado nas conclusões do relatório também gera prudência junto do meio científico. “Apesar de acreditar que a teoria de fuga de laboratório é uma possibilidade real, devo sublinhar que a avaliação mostrou ‘confiança fraca’ nas conclusões, e que essas conclusões não convenceram as outras agências”, afirmou ao The Guardian Filippa Lentzos, especialista do King’s College de Londres.

Vários membros da comunidade científica lembraram também que, ao contrário de estudos independentes que têm de ser avaliados pelos pares, as conclusões das agências de informação dos EUA não estão sujeitas ao mesmo dever de transparência.

Contactado pelo Observador, Tiago Correia, especialista em saúde, professor e investigador, é categórico a desvalorizar o relatório norte-americano. “Isto não tem a ver com epidemiologia, saúde pública ou vigilância. Tem a ver com política.” O docente do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa diz ter recebido “com grande surpresa” as notícias da entrevista do diretor do FBI, que criticou por serem pouco transparentes e carecerem de fontes credíveis, ao contrário dos referidos estudos independentes.

Os avanços, recuos e indecisões da OMS foram criticados na comunidade científica, e houve mesmo a quem acusasse de subserviência à China.

Por outro lado, a China tem sido criticada desde o início da pandemia pela forma como demorou a alertar o mundo para o perigo real da Covid-19. Várias notícias (sempre negadas por Pequim) foram dando conta dos entraves colocados pelo regime chinês para disponibilizar informações relevantes à comunidade internacional (nalguns casos, partilhando documentos minutos antes de estes serem divulgados na televisão estatal chinesa) — uma demora que gerou atrasos na resposta mundial à propagação do vírus, e aumentou a desconfiança quanto às posições oficiais de Pequim.

A este respeito, Tiago Correia considera que “as duas coisas são possíveis” — se, por um lado, o especialista critica a ocultação chinesa, que dificultou a tarefa de entidades como a OMS, ao mesmo tempo frisa que “as peças do puzzle até agora conhecidas” são consistentes em corroborar a tese de transmissão no mercado de Wuhan.

Qual tem sido a posição da OMS?

A posição oficial mais recente da Organização Mundial da Saúde é a de que o vírus teve origem natural. A realidade é, no entanto, mais complexa, e contribui para adensar o clima de incerteza quanto à origem do novo coronavírus.

Ao longo dos primeiros meses de pandemia, o organismo reiterou várias vezes não ter quaisquer provas de que o vírus tivesse tido origem em laboratório (entrando em vários momentos em conflito com as afirmações do então-Presidente dos EUA, Donald Trump).

Esta convicção foi reforçada após uma missão da OMS a Wuhan no início de 2021, que concluiu que a teoria da fuga do laboratório era “extremamente improvável”.

No entanto, até que a missão pudesse ser concretizada, os obstáculos foram numerosos. Inicialmente, os apelos a uma investigação mais aprofundada foram recebidos com resistência por parte de Pequim. Na Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2020, o Presidente chinês Xi Jinping disse estar disponível para colaborar, mas apenas quando a pandemia tivesse terminado.

Perante a pressão crescente da comunidade internacional, o governo chinês acabou, no entanto, por receber uma equipa internacional, após meses de negociações com a organização. Mesmo assim, à chegada a Wuhan, nos primeiros dias de 2021, dois membros da missão foram impedidos de entrar no país por, alegadamente, não terem passaportes válidos. Em todo o caso, o tema pareceu ter ficado encerrado quando, após a visita, o médico da OMS Peter Embarek disse que as conclusões da missão sugeriam”que a hipótese de um incidente de laboratório [era] extremamente improvável como explicação para a introdução do vírus na população humana”. Mais: Embarek admitia não haver “necessidade de mais estudos”.

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Organização Mundial da Saúde tem recebido críticas pelo que alguns descrevem como subserviência à China

Getty Images

Meses depois, o líder da OMS veio, afinal, dizer que era prematuro excluir a teoria de fuga, e que era necessário aprofundar a questão. “Precisamos de informações, informações diretas sobre qual era a situação naquele laboratório antes e depois do início da pandemia”, considerou Tedros Adhanom Ghebreyesus. Já em 2022, a organização recomendou que mais investigações fossem realizadas para averiguar a possibilidade de um acidente.

Os avanços, recuos e indecisões da OMS foram criticados na comunidade científica, e houve mesmo quem acusasse o organismo de subserviência à China. O Boletim dos Cientistas Atómicos, por exemplo, acusou a OMS de “ecoar a narrativa de Pequim”, e de ter “estabelecido um acordo político” com o governo chinês para conseguir acesso ao laboratório de Wuhan. Questões relacionadas com o aumento exponencial, em anos recentes, de financiamento chinês à organização também foram levantadas.

A China manda mesmo na Organização Mundial de Saúde?

Questionado sobre a atuação da OMS, e sobre se esta fez tudo o que podia para apurar a verdadeira origem do vírus, Tiago Correia responde afirmativamente, mas admite que o “possível” nem sempre é suficiente. “O problema é que o ‘tudo’ não dá as respostas de que precisamos quando existem necessidades de articulação entre países, sobretudo países que estão em conflito ou em competição. (…) Para que isso acontecesse, os países tinham de aceitar abdicar de parte da sua soberania e transferi-la para a OMS. Até agora nenhum mostrou essa vontade.”

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