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Combatente do Hamas a proteger um túnel na Faixa de Gaza em julho de 2023

SOPA Images/LightRocket via Gett

Combatente do Hamas a proteger um túnel na Faixa de Gaza em julho de 2023

SOPA Images/LightRocket via Gett

Da ajuda vital do Irão aos túneis secretos. Como é que o Hamas consegue ter armas e rockets?

Mesmo controlando região sob um "bloqueio terrestre, marítimo e aéreo", o Hamas conseguiu rockets e armas para operação militar. Apoio militar e financeiro do Irão foi fundamental — mas também túneis.

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“Temos fábricas de produção de armas para tudo. Temos rockets com distância de 250, 160, 80, 45 e 10 quilómetros. Temos fábricas para morteiros e munições. Temos fábricas para as espingardas de assalto Kalashnikov e para as balas.” As declarações são de Ali Baraka, um dos principais dirigentes do Hamas, numa entrevista concedida ao canal árabe da Russia Today na terça-feira, dando uma ideia de como é formado o arsenal do grupo islâmico.

Parte desse arsenal tem sido utilizado desde o passado sábado, dia em que o Hamas começou uma ofensiva  contra Israel. O grupo islâmico conseguiu com sucesso invadir localidades perto da fronteira com a Faixa de Gaza, ultrapassando o muro que separa aquele território de solo israelita, provocando milhares de vítimas e centenas de desaparecidos. Para além disso, o braço armado do Hamas tem disparado rockets para grandes cidades, como Telavive ou Haifa, e continua, alguns dias depois desde o início da guerra, a bombardear Israel.

Num território com apenas 365 quilómetros quadrados, isolado entre dois vizinhos (Egipto e Israel) que o desprezam, o Hamas preparou-se “durante dois anos”, garante Ali Baraka, para uma guerra contra Telavive. “Nos últimos anos, o Hamas adotou uma abordagem racional. Fizemos [as autoridades israelitas] pensar que estávamos ocupados a governar Gaza e que tínhamos abandonado a resistência. E, debaixo da mesa, estávamos a preparar-nos para este grande ataque”, detalhou o dirigente do grupo islâmico.

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Um ataque na cidade israelita de Ashkelon

AFP via Getty Images

Essa preparação para esse “grande ataque” envolveu a compra e o desenvolvimento de equipamentos de guerra capazes de enfrentar um dos exércitos mais poderosos e tecnologicamente avançados do mundo. Mas como é que o Hamas foi capaz de armar-se sem levantar suspeitas? A resposta divide-se, em grande medida, entre um aliado fundamental e túneis secretos.

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Irão, o aliado que ensinou a fazer rockets com “materiais de uso diário” e destroços

Sem o apoio do Irão, não havia maneira de conseguir preparar um ataque desta escala. Esta é a opinião de Ido Levy, membro do think tank Washington Institute for Near East. “O Hamas tem uma relação longa e que foi recentemente reforçada com o Irão”, afirma, em declarações ao Observador, o especialista em grupos armados islâmicos. “O Irão financiou diretamente, equipou e ensinou o Hamas a construir e a usar rockets e mísseis.”

As declarações do especialista são corroboradas pelo que o jornal norte-americano Washington Post apurou junto de membros dos serviços secretos de vários países: o Irão providenciou treino militar e ajuda logística, assim como forneceu dez milhões de dólares (cerca de 9,5 milhões de euros) para a compra de armas para esta operação militar. Ainda assim, Teerão garante que não participou diretamente na preparação do ataque a Israel. Mas terá pelo menos patrocinado e dado o seu aval ao ataque.

"O Irão financiou diretamente, equipou e ensinou o Hamas a construir e a usar rockets e mísseis."
Ido Levy, membro do think tank Washington Institute for Near East

Em entrevista à Russia Today, Ali Baraka acabou por confessar que o Hamas não está sozinho e que o Irão “deu dinheiro e armas” para que a operação militar fosse avante. Mas não foi só isso. De acordo com Ido Levy, os membros do grupo islâmico também tiveram acesso a know-how essencial para o fabrico de armamento por especialistas iranianos e também do Hezbollah, o grupo pró-Irão do Líbano, país que serviu como uma espécie de base militar para todas estas atividades.

“O Irão treinou engenheiros do Hamas para construir rockets e mísseis e [o grupo islâmico] aprendeu formas criativas de construir rockets com materiais de uso diário. Quanto às armas ligeiras, o Hamas faz contrabando de armas perto da fronteira do Egipto com Gaza, e o Irão também realiza operações de contrabando através da costa de Gaza“, explica o membro do think tank Washington Institute for Near East.

Ainda que pouco sofisticado, com o know-how certo, o Hamas fabricou rockets até com o uso de material vindo de Israel. Em primeiro lugar, como nota a CNN internacional, as tropas israelitas atacaram, ao longo destes anos, a Faixa de Gaza — e os membros do grupo islâmico aproveitaram os destroços dos rockets israelitas. Em segundo lugar, a ajuda humanitária que foi sendo enviada para Gaza também pode ter sido utilizada, segundo Ido Levy, com o objetivo de “produzir armas”.

Um levantamento feito pelo Washington Post refere que o Irão ajudou o Hamas a fabricar mais de quatro mil rockets e drones (com envio de matérias-primas e know-how), ao mesmo tempo que treinava combatentes do grupo islâmico. Esta é, segundo declarações ao jornal norte-americano de Michael Eisenstadt, diretor do Instituto Militar e dos Estudos de Segurança de Washington, o “padrão” de Teerão no apoio dos seus aliados: “São rockets e depois mísseis. Vê-se em todo o lado — no Iraque, com o Hamas, com o Hezbollah e com o Houtis [do Iémen]. Tudo isto é inspirado nos exemplos e nos conselhos dos iranianos”. 

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Um sinal de solidariedade aos ataques palestinianos a Gaza em Teerão, capital do Irão

NurPhoto via Getty Images

A incógnita sobre o arsenal do Hamas, escondido em túneis

Não se sabe exatamente quanto armamento, nem de que tipo, o Hamas atualmente possui. Em declarações ao Observador, Khaled Al Hroub, professor universitário em estudos do Médio Oriente na Universidade de Northwestern no Qatar, assinala apenas que as armas do grupo islâmico têm duas origens. “Estão divididas entre o contrabando do exterior, que chega através dos túneis, e o fabrico local”, neste caso os rockets.

Existe, no entanto, “pouco conhecimento sólido” sobre a composição do arsenal do Hamas, sublinha o especialista, que considera “impressionante” que o grupo islâmico tenha mantido o secretismo em volta das armas que possui, assim como tenha recebido armas, apesar do “bloqueio terrestre, marítimo e aéreo imposto à Faixa de Gaza” por Israel.

Segundo a Sky News, especula-se que o grupo islâmico possua desde os poderosos mísseis balísticos inspirados nos iranianos Fateh-110, assim como drones kamizake Ababil-2, também de fabrico iraniano. Além disso, um estudo de 2021, publicado no portal Statista, apurou a existência de vários rockets — alguns feitos na Síria e no Irão, enquanto outros são de produção própria. Na altura, o maior alcance que um rocket atingia era de 160 quilómetros; hoje em dia, a história é diferente, com o dirigente do Hamas, Ali Baraka, a admitir que podem chegar até 250 quilómetros.

Fora dos rockets, o Hamas terá na sua posse mísseis antitanques, semelhantes aos norte-americanos Stinger, bem como tem à sua disposição morteiros e espingardas oriundas de vários países — desde a Rússia ao Irão. A Sky News indica, não obstante, que o grupo islâmico quase não possui carros de combate, uma vez que a sua dimensão denunciava qualquer tentativa de ataque, preferindo utilizar jipes, que são mais discretos, possibilitando também uma maior mobilidade.

Estando numa região constantemente vigiada por Israel, o Hamas teve êxito em esconder todo este arsenal. Recebendo armamento através do Mar Mediterrâneo e também desde redes de contrabando organizadas na fronteira com o Egipto, o grupo islâmico conta com um trunfo: os túneis secretos que permitiram esconder armas, que passaram assim despercebidas às redes de espionagem israelitas.

À Bloomberg, uma fonte dos serviços de informações norte-americanos considera que o Hamas tem sido eficaz em esconder munições e armas em túneis. Sabendo disso, o Egipto e Israel têm tentado, nos últimos tempos, destruir o complexo que o grupo islâmico mantém debaixo da terra, mas até agora sem sucesso. E este falhanço daqueles dois países contribuiu para o sucesso do ataque que se iniciou no sábado.

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Os túneis na Faixa de Gaza são usados para passar bens alimentares, mas também armamento

AFP via Getty Images

O Hamas consegue enfrentar uma operação terrestre de Israel?

Tem sido uma ameaça que tem pairado no ar. Israel tem-se estado a preparar para uma operação militar terrestre na Faixa de Gaza. A pergunta não parece ser sobre se vai acontecer, mas sim quando. Num momento em que a guerra é principalmente aérea, será que o Hamas está preparado para uma próxima fase, em que entram em jogo os meios marítimos e terrestres de um Exército e Marinha, à partida, mais avançados?

Na opinião de Khaled Al Hroub, o grupo islâmico demonstrou, desde sábado, um “elevado estado de prontidão” para responder a uma invasão “terrestre” — e acredita que a manterá nos próximos dias. E isso parece explicar, segundo o docente universitário, a estratégia de Israel de cerco à Faixa de Gaza.

Do ponto de vista militar, o cerco serve para “maximizar” os danos na Faixa da Gaza. Sem acesso a água, eletricidade e mantimentos, as forças israelitas acreditam, relata o docente universitário do Qatar, que isso levará à “asfixia da população”, que “colocará pressão interna” sobre o Hamas para ceder e render-se. Não só isso poupa vidas às Forças de Defesa de Israel, como também coloca o grupo islâmico numa posição complicada perante os palestinianos que vivem na região.

epa10911573 A Palestinian man inspects a destroyed house in the Al-Ramal neighborhood following an Israeli air strike in Gaza City, 10 October 2023. More than 800 people have been killed and over 4,000 have been injured according to the Palestinian Ministry of Health, after Israel started bombing the Palestinian enclave in response to an attack carried out by the Islamist movement Hamas on 07 October. More than 3,000 people, including 1,500 militants from Hamas, have been killed and thousands injured in Gaza and Israel since 07 October, according to Israeli military sources and Palestinian officials.  EPA/MOHAMMED SABER

Destroços na cidade de Gaza, na sequência de um ataque aéreo israelita

MOHAMMED SABER/EPA

Se esta estratégia falhar, e se avançar uma ofensiva terrestre, as tropas israelitas poderão enfrentar várias dificuldades impostas pelo Hamas. Pelo menos é o que antevê Ido Levy, que diz que é seguro assumir que o grupo islâmico “melhorou significativamente as suas capacidades de combate face a 2014”, último ano em que houve uma incursão terrestre das tropas israelitas na região.

Recuando a julho de 2014, o Hamas raptou e matou três adolescentes israelitas na Cisjordânia, o que motivou o início de ataques aéreos por parte de Israel na Faixa de Gaza (e depois levou a outra resposta do grupo islâmico). Uma semana e meia depois de milhares de rockets terem sido disparados, Israel, na altura também governada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, decidiu invadir a Gaza. Um cessar-fogo apenas foi alcançado no final de agosto, com o líder israelita a considerar que a operação militar tinha sido um êxito e o “maior golpe” ao Hamas desde sempre.

Nove anos depois, uma repetição do sucesso militar de Israel não é líquido. Ido Levy lembra que o Hamas “evidencia que se conseguiu coordenar para lançar um grande ataque a Israel que poucos julgariam possível antes de ocorrer”. “O Hamas revela ter um arsenal aprimorado de drones e mísseis, que também podem ser usados para operações defensivas”, acrescenta.

"O Hamas revela ter um arsenal aprimorado de drones e mísseis, que também podem ser usados para operações defensivas."
Ido Levy, membro do think tank Washington Institute for Near East

E não é só a questão do arsenal estar mais composto. Neste ataque de sábado, o grupo islâmico sequestrou cerca de uma centena de pessoas. “O Hamas sempre usou civis como escudos humanos, mas agora tem reféns israelitas, incluindo crianças e idosos, que vai provavelmente utilizar para deter os avanços israelitas”, sinaliza o membro membro do think tank Washington Institute for Near East.

A guerra na Ucrânia, em que um exército poderoso como o russo sofreu algumas derrotas face ao ucraniano, também pode fazer com que o grupo islâmico retire lições para apostar em métodos “eficazes”, nota Ido Levy. A acontecer uma ofensiva terrestre, ela assumirá, segundo o mesmo especialista, contornos de guerrilha urbana — e o Hamas poderá retirar vantagens de alguns métodos “que não dependem necessariamente da tecnologia”.

Para Ido Levy, “o uso de escombros como esconderijo, a utilização eficaz da rede de túneis, os ataques com bombistas suicidas, as armadilhas, os campos minados e snipers estrategicamente posicionados” são “táticas” que podem levar a baixas entre os soldados israelitas. Por agora, a guerra ainda não saiu da fase aérea — mas, se passar essa etapa, o Hamas pode estar mais capaz de resistir do que estava em 2014.

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