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Este é o 14.º artigo de uma série sobre a história da nomenclatura automóvel ao longo de 137 anos e três continentes. As partes anteriores podem ser lidas aqui:

Packard

Nas primeiras décadas do século XX a Packard ocupou no mercado americano um lugar similar ao da Rolls-Royce no mercado europeu. A marca nasceu quando James Ward Packard, que, com o irmão, William Doud Packard, fabricava lâmpadas na Packard Electric Company, decidiu comprar uma das “carruagens sem cavalos” construídas por Alexander Winton e ficou desiludido com o seu desempenho e fiabilidade. Sendo diplomado em engenharia mecânica, identificou os aspectos que poderiam ser melhorados e deu disso conta a Winton que, agastado, retorquiu que se era capaz de fazer melhor, construísse ele um carro. Foi precisamente o que Packard começou a fazer em 1899, em parceria com o irmão, na Ohio Automobile Company, sediada em Warren, Ohio, e os seus carros rapidamente demonstraram as suas superiores qualidades. Um dos primeiros compradores, Henry Joy ficou tão bem-impressionado que recrutou outros investidores, adquiriu a empresa e transferiu o fabrico para a sua cidade, Detroit. Após a relocalização e a mudança de nome para Packard Motor Car Company (em 1902), os irmãos Packard desligaram-se da empresa e focaram-se novamente na Packard Electric Company, passando a fabricar componentes eléctricos para a indústria automóvel.

James Ward Packard (1863-1928) ao volante de um dos seus carros

A marca iniciou actividade logo pelo topo: o seu modelo mais barato custava o equivalente a quatro Oldsmobiles (uma marca de gama média-alta). A Grande Depressão não intimidou a Packard: uma vez que não produzia para as massas mas para uma clientela ultra-selecta, lançou modelos ainda mais luxuosos do que os anteriores, como o Twin Six de 1932, com motor de 12 cilindros de 7.300 cm3 e 160 HP (rebaptizado no ano seguinte como Packard Twelve). Foi uma aposta ganha, pois se a crise económica lançou milhões de cidadãos comuns na miséria, sobraram milionários suficientes para sustentar o negócio da marca. Só em 1935 a Packard deu sinais de reconhecer que se viviam tempos difíceis, ao apresentar, pela primeira vez na sua história, um modelo de gama média.

Clark Gable com o seu Packard Twin Six Coupe Roadster de 1932

Durante a II Guerra Mundial a Packard, como os restantes fabricantes automóveis, reorientou a sua produção para material bélico e só em 1945 voltou a produzir automóveis de passageiros. Porém, devido a vários erros de gestão, só em 1951 conseguiu apresentar um modelo novo – mas cujo design era relativamente conservador e desinspirado. A marca perdera a aura de requinte e audácia dos primeiros tempos e era pouco apelativa para os clientes mais jovens e só com o modelo Caribbean, desenhado por Richard Teague e lançado em 1953, conseguiu recuperar algum do seu fulgor – o nome “Caribbean” tentava talvez tirar partido, algo tardiamente, da voga da música latino-americana nos EUA, que tinha estado ao rubro nos anos 40. Em 1954, a Packard tentou amparar-se a outra marca em declínio, a Studebaker, criando a Studebaker Packard Corporation, mas a quebra de vendas dos Packard não foi sustida e a marca foi extinta em 1958 – e a Studebaker não duraria muito mais.

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Packard Caribbean de 1954

Studebaker

O negócio da família Studebaker em South Bend, Indiana, começou pelas carroças – nomeadamente as carroças cobertas (“wagons”) que ficaram associadas à expansão dos EUA para Oeste – e diversificou-se para as carruagens dos mais variados tipos, com tanto sucesso que, em 1875 a empresa se gabava de possuir “a maior fábrica de carruagens do mundo”. Em 1902, com as “carruagens sem cavalo” a despertar o interesse do público, a Studebaker lançou o seu primeiro veículo, o Studebaker Electric, mas a tecnologia não estava ainda suficientemente madura para que o carro eléctrico vingasse e a Studebaker acabou, como as restantes marcas, por apostar no carro com motor de combustão interna.

Anúncio de 1905 a carros Studebaker eléctricos e a gasolina

Em 1911 a produção de carros eléctricos foi extinta e a empresa foi restruturada com o nome Studebaker Corporation e o negócio correu tão bem que em 1918 as sete fábricas Studebaker produziram 100.000 carros. Produziram também 75.000 carruagens, mas por esta altura tornara-se óbvio qual seria o meio de transporte a prevalecer e o fabrico de carruagens seria extinto dois anos depois.

Studebaker Big Six de 1923

Os nomes dos modelos começaram por fazer referência ao número de cilindros – Light Four, Big Six, Special Six, Light Six – mas a partir de 1927 surgiu uma nova tendência, anunciada pelos Studebaker Commander, President e Dictator. O último nome pode parecer, retrospectivamente, uma escolha infelicíssima, mas em 1927 a opinião pública encarava a autocracia com alguma bonomia – e Benito Mussolini, o único ditador europeu que então tinha notoriedade nos EUA, era visto como dinâmico, decidido e audacioso e vinculado a ideias de modernidade e progresso.

Foi preciso que as ditaduras começassem a multiplicar-se pela Europa e a revelar a sua verdadeira face para que a Studebaker suprimisse em 1937 a designação Dictator (que já tinha sido alterada para Director nos modelos comercializados no Império Britânico). Hoje em dia, muitos povos têm dado provas de estar dispostos a abdicar da liberdade em troca de segurança, estabilidade e bem-estar material e de aspirar a ser governados por um “homem forte”, mas a hipocrisia e a manipulação linguística decorrentes da “correcção política” ditam que tiranos e aspirantes a tiranos se apresentem como “democratas” ou, pelo menos, como “democratas musculados” ou “democratas iliberais” (um belo oxímoro), pelo que seria impensável que um fabricante automóvel apresentasse um Dictator num salão automóvel (mesmo em Budapeste ou Istambul).

O último “ditador”: o Studebaker Dictator de 1937

A Studebaker acabou por superar a Grande Depressão e em 1939 lançou o Champion, co-desenhado pelo célebre designer industrial Raymond Loewy, que ficaria associado a alguns dos mais emblemáticos modelos da marca.

O Champion tornou-se num êxito de vendas, reafirmando a posição da Studebaker como 4.º maior fabricante dos EUA, a seguir aos Big Three. O ímpeto manteve-se no retomar do “business as usual” após o término da II Guerra Mundial, com a Studebaker a apresentar uma sucessão de carros à frente do seu tempo em termos estilísticos – com destaque para a versão de 1950 do Champion, a que foi adicionado o nome “Starlight” e cujo design apontava decididamente às estrelas.

Studebaker Champion Starlight Coupe de 1951

Paradoxalmente, em 1954-55 a Studebaker operou um regresso ao passado com o Conestoga: o carro tinha as linhas vanguardistas que caracterizaram a marca nos anos 40-60, mas o nome remetia para um tipo de carroça coberta (wagon) muito usado pelos pioneiros que demandavam o Oeste Selvagem e que a Studebaker construíra aos milhares na segunda metade do século XIX. O nome provém do Rio Conestoga, na Pennsylvania, onde o fabrico desta carroça, possivelmente de origem alemã, terá começado no início do século XVIII, e o rio, por sua vez, deriva o nome de uma tribo índia da região.

Studebaker Conestoga de 1955

O wagon Conestoga original, numa pintura de Newbold Hough Trotter, 1883

Apesar das qualidades dos seus carros, a Studebaker, tal como os outros fabricantes independentes, não tinha meios para enfrentar a guerra de preços aberta pela Ford e pela GM a partir de 1953, que fez as margens de lucro dos automóveis de gama média reduzir-se acentuadamente. A fusão com a Packard, que estava em ainda pior situação financeira, revelou-se infortunada e terminou com a extinção da marca Packard. A Studebaker ainda se arrastou até 1966 e acabou por soçobrar, deixando como derradeiro legado o Avanti, de 1962-63, concebido pelo atelier de Raymond Loewy, com motor de 240 HP, carroçaria em fibra de vidro e linhas futuristas, a condizer com o nome.

Studebaker Avanti

Kaiser

Henry John Kaiser (1882-1967) tinha um apelido que denunciava as suas origens alemãs e não era muito popular na atmosfera germanófoba que imperava nos EUA por alturas da I Guerra Mundial e nos anos que se seguiram, mas o seu talento para o negócio permitiu-lhe superar este handicap, vingando primeiro como construtor civil e depois, durante a II Guerra Mundial, como fabricante em massa de Liberty ships e outros navios que deram precioso contributo para a vitória dos Aliados.

Terminada a guerra, o apetite dos americanos por automóveis novos estava espicaçado por quatro anos de privações, pelo que Henry Kaiser decidiu lançar-se neste ramo, tirando partido do know-how na optimização de processos industriais ganho pela sua empresa durante a guerra (em 1942, um estaleiro Kaiser construíra um Liberty ship em 71 horas e 40 minutos, quando o tempo médio dos outros estaleiros era de 45 dias), e foi assim que, a 25 de Julho de 1945 (três semanas antes de o Japão ter anunciado que iria render-se), surgiu a Kaiser-Frazer, em parceria com a Graham Paige Motor Corporation, de Joseph W. Frazer.

A Kaiser-Frazer instalou-se numa fábrica que produzira bombardeiros B-24 Liberator durante a guerra, situada em Willow Run, no condado de Ypsilanti, no Michigan. Ypsilanti poderá soar como um dos nomes de origem índia que dão colorido à toponímia norte-americana, mas na verdade foi cunhado em 1829, em homenagem a Demetrios Ypsilantis (1793-1832), um comandante militar grego que, nesse ano, venceu os turcos na batalha que selou a Guerra da Independência Grega.

Na Kaiser-Frazer, a marca Frazer foi atribuída aos modelos de gama média-alta, a Kaiser aos de gama média e média-baixa. O primeiro modelo foi lançado em 1946 e tinha a vantagem de ser um carro conceptualmente novo, enquanto os Big Three se limitaram, nesse ano de rentrée, a reapresentar os modelos pré-guerra com alterações cosméticas. A vantagem de novidade da Kaiser-Frazer foi esboroando-se ao longo dos anos seguintes, à medida que a concorrência foi fazendo entrar em cena os seus novos modelos. Quando o escoamento dos Kaisers e Frazers começou a emperrar, os dois sócios desentenderam-se quanto à estratégia a seguir e Joseph Frazer demitiu-se do cargo de presidente, o que levou à extinção da marca Frazer em 1951.

Kaiser Custom 6, de 1953

Entretanto, em 1950, as inclinações megalómanas de Henry J. Kaiser tinham-se materializado no baptismo de um modelo com o seu nome, o Henry J, um carro de duas portas, reduzido aos elementos essenciais (nem sequer tinha tampa da bagageira, sendo esta acedida pelo rebatimento do banco traseiro) e muito barato (recuperando, de certa forma, a ideia de Henry Ford com o Model T: providenciar um carro a quem, em princípio, não teria dinheiro para comprar um). O modelo acabou por ter fracas vendas, pois, ainda que fosse barato, era mais caro que os modelos de base de gama dos Big Three. A Kaiser tentou salvar a situação através de uma parceria com a Sears Roebuck, o gigante das lojas de departamentos e da venda por correspondência, propondo a esta o exclusivo da comercialização do Henry J (rebaptizado como Allstate), mas tal não impediu que o modelo fosse extinto em 1954.

Kaiser Henry J, de 1951

A própria marca Kaiser não duraria muito mais, mas ainda teve tempo para, em 1953, comprar a Willys-Overland (a fabricante do Jeep), que atravessava uma das suas periódicas crises, e, em 1954, para lançar o ousado desportivo Kaiser Darrin, concebido por Howard Darrin (ver abaixo) como resposta aos roadsters importados da Europa e que, entre outros aspectos pioneiros, foi o primeiro modelo americano de produção em massa com carroçaria em fibra de vidro.

Kaiser Darrin Convertible de 1954

Frazer

O Frazer em Kaiser-Frazer provém de Joseph Washington Frazer (1892-1971), homem de negócios que já passara pela Chrysler e pela Willys-Overland (onde fora crucial no desenvolvimento e produção em massa do Jeep) e em 1944 adquirira a Graham Paige Motor Corporation, marca fundada em 1927.

Os carros comercializados sob o nome Frazer tinham uma plataforma comum com os Kaiser, mas tinham motores mais potentes e as suas carroçarias eram desenhadas por Howard Darrin, um americano que, após o encerramento da sua fábrica de carroçarias em Paris, em resultado da Grande Depressão, se instalara em Hollywood como desenhador de carroçarias custom, apresentando-se à sua clientela milionária como sendo francês. Prosápia à parte, “Darrin of Paris” era um estilista talentoso e os seus carros conquistaram o favor do público. As vendas dos Frazer em 1950 correram bem, mas os problemas internos na Kaiser-Frazer ditaram o fim da marca.

Frazer Manhattan de 1949

Hudson

A Hudson deve o seu nome a Joseph Lowthian Hudson (1846-1912), que fizera fortuna com a cadeia de lojas de departamentos Hudson’s, fundada em 1881 e cuja loja-almirante, em Detroit, um edifício de 25 andares que ocupava todo um quarteirão, deteve até 1961 o título de mais alta loja de departamentos do mundo.

Joseph Lowthian Hudson

A Hudson Motor Car Company iniciou actividade em 1909 e conseguiu, com o acessível Hudson Twenty, conquistar um lugar num mercado em que se digladiavam centenas de marcas. O lançamento, em 1919, da sub-marca Essex, também de preços modestos, permitiu à Hudson ascender, em 1925, à 3.ª posição do ranking de construtores americanos. No seu melhor ano, 1929, as vendas da Hudson (que entretanto abrira fábricas na Europa) atingiram as 300.000 unidades

Hudson Roadster de 1929

Os modelos do pós-II Guerra Mundial tinham bons desempenhos e o Hudson Hornet, produzido entre 1951 e 1954 e com potências entre 145 e 170 HP, logrou vários triunfos em competições desportivas, mas, no início dos anos 50, a Hudson começava, como os outros fabricantes independentes, a ter sérias dificuldades em enfrentar a agressiva política de preços dos Big Three. Em 1954, viu-se forçada a fundir-se com outro fabricante independente, a Nash, dando origem à American Motors Corporation.

Hudson Hornet de 1951

Nash

A Nash-Kelvinator que se fundiu com a Hudson era, ela mesma, o resultado da fusão, em 1937, do fabricante automóvel Nash Motors com o fabricante de electrodomésticos Kelvinator.

A Nash Motors tinha sido fundada em 1916, em Kenosha, Wisconsin, por Charles Williams Nash (1864-1948), que deixara o cargo de presidente da General Motors e se lançara no ramo automóvel por conta própria com a aquisição da Thomas B. Jeffery Company. A Nash ganhou, com o passar dos anos, uma reputação de fiabilidade e de boa relação preço-qualidade, sintetizada no slogan “Dar ao cliente mais do que aquilo por que pagou”, e foi crescendo, através da criação, em 1925, da sub-marca Ajax e da aquisição, em 1924, do fabricante de carros de luxo LaFayette, de forma que em 1929 a Nash subiu ao lugar de 4.º maior fabricante dos EUA, atrás dos Big Three.

Nash 400, de 1929

A Kelvinator fora fundada em 1914 por Nathaniel Wales, com o nome Electro-Automatic Refrigerating Company, que foi a primeira empresa a conceber e produzir em massa um frigorífico doméstico funcional e integrado (o “frigorífico” proposto em 1913 por Fred Wolf era ainda uma geleira com uma unidade de refrigeração acoplada).

Anúncio à Kelvinator, 1920

A comercialização iniciou-se em 1916, após o nome da companhia ter sido alterado para Kelvinator, em homenagem a William Thomson (1824-1907), o primeiro Lord Kelvin, que desenvolvera trabalho de investigação pioneiro na área da termodinâmica – a ele devemos o conceito de zero absoluto (– 273.15 graus centígrados) e de temperatura absoluta, que é expressa em graus Kelvin.

Lord Kelvin, por Hubert von Herkomer

Quando, em 1932, Charles W. Nash decidiu reformar-se do cargo de presidente da Nash Motors, entendeu que o seu sucessor ideal seria George W. Mason, que era vice-presidente da Kelvinator – e a melhor forma que encontrou de assegurar esta sucessão foi adquirir a Kelvinator, que era à data um dos mais reputados fabricantes de frigoríficos. A fusão das duas empresas foi concretizada em 1937, continuando os carros a ser comercializados sob a marca Nash e os frigoríficos como Kelvinator.

Entre os Nash de maior sucesso estiveram o Eight, que conheceu 102 variantes entre 1930 e 1939, e o Rambler, o primeiro “carro compacto” a obter sucesso no mercado americano e que foi produzido entre 1950 e 1954. O nome recuperava o do modelo de sucesso produzido entre 1900 e 1914 pela Thomas B. Jeffery Company, a precursora da Nash, e é uma palavra para a qual não há equivalente em português: designa aquele que vagueia sem destino ou propósito definido.

Nash Rambler Country Club de 1951

American Motors Corporation

Após a fusão, em 1954, da Nash e da Hudson na AMC, num primeiro tempo foram atribuídas às duas marcas missões distintas: a primeira ocupar-se-ia dos “carros compactos” e a Hudson do escalão superior. Porém, em 1957 as duas marcas foram eliminadas e os carros da American Motors Corporation passaram a ser comercializados sob a marca AMC.

George W. Romney, presidente da AMC entre 1958 e 1962 (e pai do político republicano Mitt Romney), apostou sobretudo em carros compactos e económicos (referia-se aos típicos modelos dos Big Three como “dinossauros devoradores de gasolina”), mas na segunda metade dos anos 60 a AMC reorientou-se para os muscle cars, com os modelos Javelin, Marlin e AMX. Em 1970, com os EUA a serem invadidos por VW Beetle e pequenos carros japoneses, a AMC, sem deixar de produzir muscle cars cada vez mais potentes e ávidos por gasolina, apresentou o Gremlin, um pequeno carro de duas portas que parece ter sido criado num momento de desvario, pois combinava uma estética calamitosa com um nome pouco inspirador de confiança.

AMC Gremlin

O termo “gremlin” foi cunhado pelos pilotos e mecânicos da RAF na década de 1920 para designar uma criatura imaginária que sabotava o funcionamento dos aviões. A palavra, que talvez seja uma corruptela de “goblin” (duende), acabaria por designar qualquer avaria ou comportamento inexplicável ou imprevisto de um equipamento mecânico ou electrónico e a criatura fantástica acabaria por materializar-se num episódio da série Twilight Zone (Nightmare at 20.000 feet, de 1963) e no filme Gremlins, de 1984, realizado por Joe Dante e produzido por Steven Spielberg. Apesar da fealdade e do nome, o AMC Gremlin foi um sucesso de vendas, tendo sido produzidas 670.000 unidades entre 1970 e 1978.

Cartaz do War Production Board que usa os “gremlins” para advertir contra práticas desleixadas no manuseamento de óleos, c.1942-45

Entretanto, a AMC passou por várias mudanças a nível empresarial: em 1970 adquiriu a Jeep à Kaiser e em 1979 foi, por sua vez, parcialmente comprada pela Renault. Em 1985, a Renault vendeu a sua participação de 47% à Chrysler, que acabou por comprar a AMC na íntegra dois anos depois e extinguir a marca – dos despojos da AMC emergiu a Jeep/Eagle, que duraria até 1997 como divisão da Chrysler.

Rambler

Em 1958, a designação Rambler, que entre 1950 e 1954 identificara um modelo de carro compacto produzido pela Nash, passou a ser a sub-marca de automóveis compactos da American Motors Corporation e assim se manteve até 1969. Um dos seus modelos mais populares foi o Rambler American (derivado do Nash Rambler de 1954-55), que venceu os concursos de economia de combustível Mobil Economy Run de 1959 e 1960 e que conheceu três gerações (que cobrem toda a existência da Rambler como marca). O American deu uma boa ajuda a que a Rambler se tornasse, em 1960, na 3.ª marca mais vendida dos EUA. Até à sua extinção, em 1969, a Rambler fabricou 4.2 milhões de carros.

Rambler American de 1.ª geração (1958-60)

Tucker

A notoriedade da Tucker não é proporcional ao número de carros produzidos: o Tucker 48, o único modelo da marca nunca foi comercializado e dele apenas se fabricaram 50 exemplares. Mas o Tucker 48 era um carro revolucionário e inflamou a imaginação de muita gente, nomeadamente Francis Ford Coppola, cujo pai tinha sido um dos que investira na Tucker, e que, 40 anos depois, realizou um filme, “Tucker: The man and his dream” (1988), sobre o carro e o visionário que o concebeu, Preston Tucker (interpretado no grande écran por Jeff Bridges).

Preston Tucker (1903-1956) tinha desde criança uma obsessão por automóveis e por mecânica e no início dos anos 30 canalizou-a para a preparação de carros de competição. Nas vésperas da II Guerra Mundial, após ter-se mudado para Ypsilanti, um dos polos da indústria automóvel no estado de Michigan, concebeu para o governo holandês um protótipo de carro de combate dotado de uma original torre de metralhadora – esta despertou o interesse de instâncias das Forças Armadas dos EUA, que se apropriaram da patente sem que Tucker conseguisse fazer valer os seus direitos. No pós-guerra, Tucker apostou num carro recheado de inovações (mecânicas, estruturais e na área da segurança dos ocupantes) e com linhas arrojadas, concebido por Alex Tremulis, o designer da marca de luxo Auburn-Cord-Duesenberg. A ousadia do Tucker 48 era tanto mais óbvia por os Big Three, que tinham passado o período de conflito a produzir material bélico, não terem mais para apresentar ao consumidor americano (em pulgas por comprar carro novo) do que versões requentadas dos modelos pré-guerra, pelo que as apresentações – habilmente orquestradas – do Tucker 48 tiveram recepção entusiástica nos media e na opinião pública.

A inovação da Tucker Corporation não se circunscreveu ao carro em si: a campanha publicitária que precedeu o lançamento e os métodos empregues para aliciar clientes e angariar financiamento (indispensável para o dispendioso desenvolvimento de um carro que rompia com as convenções) também foram heterodoxos. Na verdade, foram mesmo longe de mais, no entender da Stocks and Exchange Commission (SEC, o equivalente à nossa CMVM, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários), que começou a levantar obstáculos a Preston Tucker e acabou por o acusar de fraude e infracção dos regulamentos da SEC, nomeadamente no que respeita à oferta pública inicial (IPO, nas iniciais inglesas). No decurso do processo de averiguações, a SEC retirou a Preston Tucker o controlo da sua empresa.

Uma primeira versão do Tucker (na altura com a designação “Torpedo”), numa brochura promocional c.1947: Alguns elementos mais futuristas seriam suprimidos ou atenuados no modelo que chegou à fase de produção

As investigações e audições, que só se concluíram em Janeiro de 1950, absolveram Tucker, mas o tempo perdido com o processo movido pela SEC, somado ao que já fora despendido numa disputa legal em torno da gigantesca instalação fabril que a Tucker adquirira em Chicago, bem como os problemas de suspensão e transmissão dos primeiros protótipos e a atabalhoada apresentação à imprensa do Tucker 48, em Junho de 1947, acabaram por ser fatais à Tucker Corporation. Enredada em dívidas a credores e fornecedores e incapaz de entregar atempadamente os carros aos clientes que os tinham pré-encomendado, a empresa soçobrou. Há quem tenha visto neste fracasso a mão dos Big Three de Detroit, receosos da superior qualidade dos carros Tucker e a verdade é que algumas das suas inovações em termos de segurança acabariam por ser adoptadas, pouco a pouco, por outras marcas.