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Este é o 7.º de 14 artigos sobre a história da nomenclatura automóvel ao longo de 135 anos e três continentes. As partes anteriores podem ser lidas aqui:

De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 1: Rodagem
De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 2: Alemanha
De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 3: Itália
De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 4: França
De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 5: Grã-Bretanha
De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 6: Europa de Leste

Volvo

A marca é sueca, o nome é latino e o proprietário é, desde 2010, chinês. A marca Volvo foi registada em 1915 pela SKF (Svenska Kullagerfabriken, ou seja Fábrica de Rolamentos Sueca, que é ainda hoje o líder mundial no sector) e significa , muito apropriadamente, “eu rolo”. A marca destinava-se à comercialização dos rolamentos SKF nos EUA, mas acabou por ser usada em 1927 para baptizar uma empresa subsidiária da SKF, dedicada ao ramo automóvel e dirigida por Assar Gabrielsson (responsável pela gestão) e Gustav Larson (responsável pela componente técnica). A marca estreou-se com um veículo aberto com motor de quatro cilindros, o ÖV 4.

Volvo ÖV 4 Touring de 1928

A Volvo cedo cimentou uma reputação de robustez, fiabilidade e segurança. Neste último domínio distinguiu-se por ser a primeira marca a adoptar o cinto de segurança de três pontos nos lugares dianteiros como equipamento de série, o que teve lugar em 1958 no modelo Amazon e se estendeu no ano seguinte a todos os modelos da marca.

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[Um crash test peculiar: Volvos 760 (um modelo lançado em 1982) são atirados de uma altura de 14 metros:]

Apesar da reputação laboriosamente construída ao longo de décadas, as vendas da Volvo no mercado americano começaram a ressentir-se da concorrência japonesa no segmento de luxo e de station wagons e em 1999 o grupo Volvo vendeu a sua divisão automóvel à Ford para se concentrar nos camiões. Em 2010, com a crise do subprime a estrangular o mercado automóvel, a Ford vendeu a Volvo à holding chinesa Geely, sob a qual a marca sueca tem prosperado, com o ano de 2018 a atingir o recorde de vendas de 640.000 unidades, boa parte delas obtidas no mercado chinês.

Atendendo ao clima de patrulhamento ideológico que hoje se vive, é de estranhar que o logótipo da Volvo não tenha ainda despertado a fúria das feministas radicais e que não tenha soado um apelo a que as mulheres deixem de comprar ou conduzir Volvos: o círculo com a seta é um antigo símbolo do ferro (a Suécia é, de há muito, o maior produtor de ferro da Europa) mas também o símbolo da masculinidade, o que lança sobre a marca suspeitas de prepotência patriarcal. Poderia atribuir-se esta indiferença ao pouco interesse que as mulheres costumam ter por carros, mas tal explicação constituiria um estereótipo de género tão ofensivo quanto o logótipo em si.

Saab

A Saab Automobile nasceu em 1945 como ramo automóvel do fabricante de aviões sueco Svenska Aeroplan AB, que surgira em 1937, quando o governo sueco, preocupado ao mesmo tempo com a manutenção da neutralidade e com a frenética corrida ao armamento que precedeu a II Guerra Mundial, decidiu assegurar pelos seus próprios meios a obtenção de aviões de combate de bom nível.

O Saab 17, vocacionado para reconhecimento e bombardeamento e que voou pela primeira vez em 1940, foi o primeiro modelo fabricado pela Svenska Aeroplan AB

O primeiro carro Saab, o Saab 92, começou a ser produzido em 1949 e as suas formas aerodinâmicas não escondiam – sobretudo na fase de protótipo – que tinha sido concebido por engenheiros aeronáuticos. O vínculo à aviação esteve também patente, nos primeiros anos, no facto de o logótipo da marca figurar um avião e de a publicidade aos carros Saab remeter frequentemente para os aviões Saab.

Ursaab ou 92001, o protótipo do Saab 92

Em 1969 a Saab juntou o seu destino ao do fabricante de camiões e autocarros Scania-Vabis, controlada desde a década de 1930 pela poderosa família Wallenberg (omnipresente na economia e finanças da Suécia). A Scania-Vabis começara vida em 1911 como resultado da junção das forças de um fabricante de bicicletas (Scania) e de um fabricante de carruagens (Vabis) que tinham andado, separadamente, a ensaiar a mão no ramo automóvel. Após a I Guerra Mundial, a Scania-Vabis decidiu deixar os automóveis e concentrar-se nos camiões e autocarros, onde não só conquistou o mercado interno como logrou expandir-se pelo mundo, abrindo fábricas do Brasil ao Botswana e dos EUA à Tanzânia.

Logótipo da Scania-Vabis

Scania é a forma latinizada de Skåne, o nome da província mais meridional da Suécia (que por vezes é aportuguesado como “Escânia”), que deu também origem ao termo “Escandinávia”. A partir de 1987, a marca Saab adoptou o logótipo da Scania, com uma cabeça de grifo coroada, que remete para o brasão da província de Skåne.

Brasão da província de Skåne

Tal como a Volvo, a Saab conquistou reputação pela qualidade, segurança, conforto e inovação tecnológica dos seus carros, mas o prestígio nem sempre se traduziu em vendas (devido aos preços elevados) e em 1989, a General Motors adquiriu 50% da empresa, que foi desagregada do ramo aeronáutico (Saab AB). Em 1995 a Scania “divorciou-se” da Saab e em 2000 a GM acabou por assumir a posse integral desta, mas a situação da Saab não melhorou e a marca que, ao longo das suas primeiras décadas, defendera convictamente a sua original identidade (pequenos motores a dois tempos, carroçarias de inspiração aeronáutica) passou a ser usada apenas para comercializar modelos do grupo GM.

O Saab 900 foi dos últimos sucessos da marca e foi produzido entre 1978 e 1998. Quando o modelo da “primeira geração” (na foto) surgiu, foi saudado como um dos automóveis mais seguros de sempre

A crise do subprime de 2008 deu um golpe fatal na Saab e os restos desta foram vendidos, em 2010, à holandesa Spyker, que também não conseguiu salvar a marca sueca. Empresas chinesas manifestaram interesse pelos “destroços”, mas a GM bloqueou o negócio, alegando que não queria que as suas patentes caíssem em mãos chinesas. Em 2012, surgiu uma derradeira esperança, com a aquisição da Saab pela National Electric Vehicle Sweden (NEVS), que se propunha reorientar a Saab para a “mobilidade eléctrica”. Porém, sob a identidade aparentemente sueca da NEVS estavam capitais chineses e a Scania fez saber que não permitira que o logótipo com o grifo, comum à Saab e à Scania, fosse usado pela NEVS, enquanto a Saab AB (o ramo aeronáutico, que se mantém activo apesar de ter perdido a pujança dos anos da Guerra Fria) anunciou que não permitiria o uso do nome Saab pela NEVS, pelo que esta acabou por resignar-se a vender os seus veículos sob a marca NEVS e a marca Saab foi declarada extinta em 2012.

Hispano-Suiza

O nome é intrigante mas é fácil de explicar: a empresa teve origem na contratação do engenheiro suíço Marc Birkigt pelo espanhol Emilio de la Cuadra, um capitão de artilharia que possuía uma fábrica de automóveis eléctricos em Barcelona. Em 1904, a firma foi refundada por Birkigt e pelos empresários catalães Damià Mateu e Francisco Seix Zaya, com Birkigt na direcção técnica e Mateu e Zaya na presidência e vice-presidência, e foi rebaptizada como La Hispano-Suiza Fábrica de Automóviles.

Marc Birkigt (1878-1953)

A marca recebeu um impulso decisivo quando, em 1911, presenteou Afonso XIII de Espanha, um aficionado dos automóveis, com o mais recente modelo Hispano-Suiza. O entusiasmo do rei com o modelo foi tal que este foi rebaptizado com o seu nome, um chamariz nada despiciendo num automóvel cujas características (a versão mais evoluída tinha um motor de 3.619 cm3 que debitava 60 HP, potência excepcional para a época) e preço faziam dele um carro para aristocratas e milionários.

Hispano-Suiza Alfonso XIII, versão T45, com 45 HP de potência

O patrocínio real e os sucessos em competições desportivas dilataram o prestígio da marca, mas a sua expansão foi ameaçada pelos conflitos laborais surgidos em 1911 – para tornear este problema, em 1911, a Hispano-Suiza abriu uma segunda fábrica perto de Paris, que em pouco tempo superou a de Barcelona em produção.

A I Guerra Mundial levou a Hispano-Suiza a descobrir uma nova vocação: os motores para avião. Tal como fizera com os carros, Marc Birkigt desenvolveu soluções inovadoras que permitiram produzir motores mais potentes, leves e fiáveis, que passaram a representar a maior fatia nos negócios da empresa e equiparam alguns dos mais ágeis e velozes aviões produzidos durante o conflito. Quando, em 1917, o ás francês Georges Guynemer, líder da Esquadrilha das Cegonhas, assim conhecida por ostentar o desenho de uma cegonha nos flancos, foi abatido aos comandos do seu SPAD XIII, um caça movido por um Hispano-Suiza de 220 HP, a cegonha ganhou lugar no logótipo da marca e sobre os radiadores dos seus automóveis.

O SPAD XIII de Georges Guynemer

Mal a guerra terminou, em 1919, a Hispano-Suiza lançou o H6, com um motor de 6597 cm3, inspirado nos motores desenvolvidos para a aviação, e impressionantes inovações tecnológicas (a Rolls-Royce viria a adquirir a patente de algumas delas). Se o H6 era uma máquina que deixava a concorrência a grande distância, o H6B, surgido em 1922 era ainda mais formidável e teve entre os seus clientes uma celebridade como Pablo Picasso. O H6B serviu de base quer a versões de ultra-luxo (uma delas encomendada pelo marajá de Mysore) quer a versões de competição com desempenhos fulgurantes (como o de fazer uma média de 148 Km/h num percurso de 480 Km). Dois anos depois, a Hispano-Suiza voltava a ultrapassar-se a si mesma, com o H6C, com motor de 7893 cm3. Deste modelo foi construída uma versão encomendada por André Dubonnet, que fora camarada de armas de Guynemer na Esquadrilha das Cegonhas e se convertera em piloto de automóveis (além de ser herdeiro da fortuna da família Dubonnet, dos célebres aperitivos); aversão de Dubonnet tinha 195 HP de potência e carroçaria de mogno e foi criada para participar na corrida Targa Florio de 1924.

O Hispano-Suiza H6C Nieuport Tulipwood de André Dubonnet, de 1924

Dubonnet voltaria a recorrer ao H6C, “vestindo-lhe” uma carroceria ultra-aerodinâmica desenhada por Jacques Saoutchik e dando-lhe o nome da sua falecida esposa, Xenia Howard-Johnson. Esta obra de arte nascida em 1938 não destoaria entre os concept cars mais vanguardistas de um salão automóvel em 2020.

O Hispano-Suiza H6C Xenia Dubonnet, de 1938

O H6 deu lugar em 1931 a um modelo ainda mais extravagante, o J12, equipado com um motor V12 de 9.424 cm3 e 220 HP (11.310 cm3 e 250 HP a partir de 1935), que teve entre os seus clientes Coco Chanel. Mas o J12 foi o canto do cisne dos automóveis Hispano-Suiza.

A morte, em 1935, do histórico presidente da empresa, Damià Mateu, a Guerra Civil de Espanha e a II Guerra Mundial puseram termo a esta sucessão de audaciosas máquinas que desafiavam a Rolls-Royce e a Bugatti. A partir de 1938, a empresa focou-se de vez nos motores para aviação e o único sinal de vida no domínio das quatro rodas desde então foi um protótipo mirabolante – mas sem continuidade – apresentado no Salão Automóvel de Genebra de 2010.

SEAT

A SEAT (Sociedad Española de Automóviles de Turismo) nasceu em 1950 como fabricante, sob licença, de veículos Fiat. Da sua fábrica na Zona Franca de Barcelona saiu em 1953 o primeiro SEAT 1400, uma réplica do Fiat 1400 de 1950.

SEAT 1400 A

O SEAT 1400 e os modelos que se seguiram eram relativamente caros para o nível de rendimentos médio em Espanha, pelo que só com o minúsculo SEAT 600, baseado no Fiat 600 e lançado em 1957, a marca se tornou verdadeiramente popular – até ao término da produção, em 1973, foram fabricadas quase 800.000 unidades de SEAT 600.

SEAT 600

No final dos anos 70, a SEAT (que, em 1975 apresentara o seu primeiro modelo concebido em Espanha, o SEAT 1200 Sport) não estava com grande saúde financeira e a Fiat estava ainda pior e tinha fracas perspectivas para o mercado automóvel espanhol, pelo que o vínculo entre as duas empresas foi dissolvido em 1982 e a SEAT apresentou, nesse mesmo ano, o primeiro modelo da sua vida pós-Fiat, o SEAT Ronda, no qual a Fiat viu excessivas semelhanças com o Fiat Ritmo, o que levou a que processasse a sua antiga subsidiária por plágio (sem sucesso).

Quem tirou partido da saída da Fiat foi a Volkswagen, que propôs colaboração estreita à SEAT, embora dando-lhe margem de manobra para desenvolver os seus modelos. O primeiro modelo da parceria SEAT/VW foi o Ibiza, equipado com motor desenhado pela Porsche e apresentado em 1984.

O SEAT Ibiza de 1.ª geração (1984)

O sucesso do Ibiza (que continua a ser produzido – vai na 5.ª geração – e já vendeu mais de 4 milhões de unidades) e dos modelos que se seguiram levou a VW a aumentar progressivamente a participação na SEAT, que atingiu 99.99% em 1990, sem, todavia, comprometer a autonomia da marca espanhola, bem patente na designação dos seus modelos. Pode mesmo dizer-se que não há outra marca automóvel com tão forte afirmação da identidade nacional na nomenclatura quanto a SEAT: assim, além de Córdoba, Ibiza, León, Malaga, Marbella e Toledo, que são topónimos suficientemente conhecidos para dispensar elucidação, temos Alhambra (o complexo de palácios do reino nazari de Granada; foi o primeiro modelo da SEAT a ser fabricado fora de Espanha, mais precisamente na fábrica portuguesa do Grupo VW em Palmela), Altea (região costeira perto de Alicante), Arona (cidade na ilha de Tenerife, nas Canárias), Arosa (ria da Galiza), Ateca (cidade na província de Zaragoza) e Ronda (cidade na província de Málaga).

SEAT Alhambra de 1997

O vínculo à toponímia espanhola é menos evidente no SEAT Tarraco, um SUV crossover que começou a ser comercializado em 2019: a sua designação provém de Tarraco, o nome latino de Tarragona, capital da província romana da Hispania Tarraconensis.

O SEAT Malaga foi comercializado na Grécia como SEAT Gredos, numa alusão à Serra de Gredos, situada no centro geométrico da Península Ibérica e que se reparte pelas províncias de Salamanca, Cáceres, Ávila, Madrid e Toledo. A razão para esta alteração decorre de “Malaga” soar muito parecido a “malakas”, que é a palavra mais usada do calão grego, já que, embora designe, no sentido literal, quem se entrega ao vício de Onan, é usado também no sentido genérico de “asno”, “idiota” ou “pessoa desagradável” (fiquemos pelos eufemismos) e, paradoxalmente, também com valor “afectuoso” (no mesmo contexto em que alguns portugueses poderão referir-se a um amigo como “este cabrão”).

Os concept cars da SEAT têm sido baptizados com nomes de danças com vínculo hispânico, como Bolero, Salsa e Tango.

Cupra

A partir de 1996, a SEAT começou a usar a designação Cupra nas versões desportivas de alguns dos seus modelos. Cupra era o nome de uma deusa da fertilidade de alguns povos da Península Itálica na época pré-romana, mas nada poderia estar mais longe do pensamento dos clientes potenciais deste tipo de veículos, que é dominado pela testosterona, pela bazófia masculina e pelo odor a borracha queimada – a designação “Cupra” provém, na verdade da contracção de “cup” + “racing”.

O êxito das versões Cupra levou a que estas tivessem construindo uma identidade própria cada vez mais afastada dos modelos de origem, até que em 2018 a Cupra se autonomizou como marca dentro do grupo SEAT, com a apresenntação do Cupra Ateca, seguido em 202o pelo Cupra León. Mas enquanto o Ateca e o León ainda têm ascendentes na SEAT, o Cupra Formentor,  um SUV de 315 HP apresentado em 2020, nada deve a modelos pré-existentes – é o primeiro Cupra a ser concebido de raiz.

Cupra Formentor 2.0 TSI

A Cupra segue a tradição da SEAT no que respeita à nomenclatura enraizada na toponímia espanhola: Formentor vem do Cap de Formentor, a extremidade nordeste da Ilha de Maiorca, um nome que tal como o da vizinha ilha de Formentera, é de origem enigmática (há quem sugira que vem do latim “frumentaria”, relativo a “trigo”, mas nem o cabo nema ilha são terrenos propícios a este cultivo); o Cap de Formentor é muito batido pelo vento, pelo que os maiorquinos o conhecem como “o ponto de encontro dos ventos” (o que é uma imagem adequada para vender carros desportivos). Já os concept cars el-Born e Tavascan foram baptizados, respectivamente, a partir de um bairro de Barcelona e de uma cidade na província de Lérida.

DAF

A DAF, hoje conhecida exclusivamente pelos camiões e veículos militares, já fabricou automóveis de passageiros, ainda que o seu nome remeta para outros veículos com rodas: Doorne Aanhangwagen Fabriek (DAF) significa “Fábrica de Atrelados Doorne”. A firma, que ganhou este nome em 1932, tinha sido fundada quatro anos antes por Hubert van Doorne e só se lançou a sério na produção automóvel em 1958, com o DAF 600, um pequeno carro familiar (por essa altura, no nome da empresa o “Aanhangwagen” já dera lugar a “Automobiel”).

DAF 600

Em 1972 a Volvo adquiriu parte do capital da DAF e três anos depois aumentou a participação para 75%. O último modelo de automóvel concebido e produzido pela DAF foi o DAF 46, de 1974 e depois de 1976 a DAF limitou-se a fabricar Volvos na sua fábrica em Born, na Holanda. A fábrica foi comprada pela Mitsubishi e, após a saída desta, em 2012, dedica-se a produzir Mini Coopers para a BMW.

DAF 46

Steyr

A Steyr tem origem remota numa fábrica de espingardas fundada em 1864, na cidade de Steyr, na Áustria, por Josef e Franz Werndl e que, cinco anos depois, passou a chamar-se Österreichische Waffenfabriks-Gesellschaft (ÖWG), ou seja, Sociedade Austríaca de Fabrico de Armas. A desmedida procura por espingardas durante a I Guerra Mundial fez a empresa prosperar e arriscar-se no ramo automóvel (desde 1894 que também produzia bicicletas), com o Steyr 12/40PS, de 1920. Os carros foram baptizados com o nome da cidade onde eram fabricados, que, por sua vez provém do rio que por ela passa e que é um afluente do Danúbio. O nome da cidade e do rio são afins do “Steier” que dá nome à região austríaca que os portugueses designam por Estíria (Steiermark em alemão) e, embora, administrativamente, a cidade de Steyr não faça hoje parte do estado da Estíria mas da Öberöstreich, foi em tempos a residência oficial dos margraves das Marcas da Estíria.

A cidade de Steyr, no local onde o Rio Steyr desagua no Rio Enns

Graças ao génio do engenheiro e designer Hans Ledwinka a Steyr ganhou prestígio como fabricante de carros potentes, sólidos e luxuosos, como o Steyr VI, de 1922, com motor de 3.325 cm3 e 60 HP, de que seria construída uma versão desportiva, com motor de 4.900 cm3 e 155 HP.


Porém, a partir de certa altura o interesse de Ledwinka começou a ir em direcção oposta: pretendia construir um carro para as massas, pequeno e económico, e como a direcção da Steyr não lhe deu ouvidos, mudou-se para a Tatra, onde concebeu o Tatra 97 (ver De onde vêm os nomes das marcas de automóveis 6: Europa de Leste), precursor do VW Carocha.

O prestígio dos carros Steyr levou a que a ÖWG fosse rebaptizada em 1926 como Steyr-Werke AG; em 1934, esta foi fundida com a Austro-Daimler e a Puch, a primeira uma subsidiária da Daimler alemã (ver De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 2: Alemanha), que ganhara autonomia da casa-mãe em 1929, a segunda fundada em Graz pelo esloveno Johann Puch em 1899 e devotada ao fabrico de bicicletas, ciclomotores e automóveis.

Johann Puch (1862-1914), ou Janez Puh, em esloveno

Os automóveis da Steyr-Daimler-Puch AG foram comercializados com a marca Steyr, que era a que tinha mais prestígio das três no ramo automóvel, e incluíam um largo espectro que ia do Steyr 50 de 1936, com motor de 1000 cm3 e 22 HP, conhecido como “Steyr-Baby” devido às suas minúsculas dimensões e formas arredondadas, ao Steyr 220 de 1937, um potente carro desportivo com motor de 2260 cm3 e design Art Deco.

Steyr 50

Mas o Steyr 220 marcou o auge das criações automóveis da Steyr-Daimler-Puch, pois em 1938 a Áustria foi anexada pela Alemanha nazi e a II Guerra Mundial reorientou a empresa para o fabrico de material bélico.

O Steyr 220 na versão Gläser Roadster de 1939, com carroceria da responsabilidade da Gläser-Karrosserie, de Dresden, e de que só foram construídos seis exemplares

No pós-II Guerra Mundial, a empresa fabricou algumas versões de modelos de gama baixa e média da Fiat, mas centrou-se nos ciclomotores, camiões, autocarros e veículos militares e todo-o-terreno. Neste último domínio, o seu produto mais marcante foi o Haflinger, concebido por Erich Ledwinka, filho de Hans Ledwinka, e destinado a substituir os jipes do exército austríaco, mas que teve também grande sucesso no uso “civil”, já que, apesar de pesar apenas 600 Kg e ter um motor de 643 cm3, tinha uma capacidade de carga de 500 Kg. Foi produzido entre 1959 e 1974 e foi o último veículo civil de quatro rodas digno de nota criado pela Steyr-Puch.

Steyr-Puch Haflinger

O nome deste veículo foi pedido emprestado a uma raça de cavalos originária do Tirol, abarcando o Sul da Áustria e o Norte de Itália, provindo o seu nome de Hafling, hoje em território italiano e com o nome de Avelengo, se bem que a sua população seja 98% germanófona (a raça de cavalos é conhecida em Itália por Avelignese). O baptismo do veículo foi apropriado, já que os Haflinger são cavalos de trabalho relativamente pequenos mas robustos e desenvencilham-se bem em terreno acidentado.

Égua e potro Haflinger (ou Avelignese)

Alguns portugueses terão retido algures na memória o nome Pandur II, uns blindados fabricados pela divisão militar da Steyr-Puch (entretanto adquirida pela americana General Dynamics em 2003), de que o Governo português decidira adquirir, em 2005, 260 exemplares, num negócio de 364 milhões de euros que redundou num imbróglio interminável.

Pandur II