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Quando o suposto email do fornecedor de serviços informáticos chegou não levantou dúvidas. Pedia que os três pagamentos que o Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE) tinha por regularizar fossem feitos para um IBAN diferente. A transferência foi realizada, mas no dia em que o dinheiro devia cair na conta bancária do fornecedor, isso não aconteceu. Os serviços do IGeFE verificaram então o “histórico das comunicações” e concluíram que tinham sido alvo de uma fraude: 2,5 milhões de euros acabaram transferidos para um conta desconhecida.
Dias após ter pedido a demissão, o antigo presidente José Matos Passos reconhece ao Observador ter havido uma “falha interna” e explica que já foram reforçados “os procedimentos internos” do Instituto que garante a programação, gestão financeira e planeamento estratégico e operacional do Ministério da Educação. A Polícia Judiciária, sabe o Observador, afasta para já qualquer envolvimento de pessoas ligadas ao Instituto. Mas, ainda assim, José Matos Passos decidiu deixar o cargo que desempenhava há quase uma década — e agora explica pela primeira vez porquê ao Observador: “Ser dirigente da Administração Pública não é ocultar falhas, (…) é antes ter a dignidade de assumir responsabilidades.”
O que aconteceu e como foi descoberta a fraude?
Questionado sobre como tudo se desenrolou, José Matos Passos detalhou por email que, “na sequência de três pagamentos efetuados a um dos fornecedores do IGeFE” de serviços informáticos, o Instituto foi informado “por esse mesmo fornecedor, que o dinheiro não tinha sido recebido na sua conta bancária no dia em que era suposto”.
Segundo o presidente do IGeFE desde 2015, o Instituto entrou “no imediato” em contacto com o fornecedor, sendo depois verificado “o histórico das comunicações entre ambas as entidades, em especial os relativos a alterações de dados (que é uma prática comum nas relações comerciais: alterações de contas, de responsáveis, de morada, de pessoas de contacto, etc.)”.
E foi com essa verificação que se percebeu o que tinha acontecido: o IGeFE identificou “que um dos emails (que alterava o IBAN para onde deveriam ser feitos os pagamentos) não tinha sido enviado pelo fornecedor em causa”.
O email que continha o novo IBAN “era falso, tendo sido enviado de forma maliciosa, num esquema de fraude que se tem vindo a assistir, no contexto público e privado, individual e das organizações, com uma sofisticação crescente, que deve ser um alerta para todos os cidadãos”, explicou o antigo presidente do IGeFE ao Observador.
Segundo o ministro da Educação, em declarações feitas na última sexta-feira, “estes esquemas fraudulentos são cada vez mais sofisticados, cada vez mais dissimulados”.
Quando foi dado o alerta da falha que “não devia ter acontecido”?
Depois de a falha ter sido detetada pelos serviços do Instituto de Gestão Financeira da Educação, José Matos Passos assegura que “sem quaisquer hesitações ou demoras foi feita a comunicação” ao banco do IGeFE, assim como uma “denúncia na Polícia Judiciária”, que ficou responsável pelo caso.
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Após o alerta, a recuperação do dinheiro foi relativamente fácil: as autoridades “prontamente acionaram os mecanismos existentes para rastrear e tentar a recuperação da verba. Pouco mais de um dia depois fomos informados, pela nossa instituição bancária, da recuperação da verba e da sua devolução na íntegra na conta do IGeFE de onde tinha saído.”
Um dia depois de enviar o primeiro comunicado sobre a situação de fraude, o ministério de Fernando Alexandre enviou uma segunda nota informativa, onde se lia que “o rápido reporte do IGeFE às autoridades competentes permitiu que todas as entidades envolvidas na operação, incluindo o sistema bancário, conseguissem recuperar as verbas” nessa manhã, quinta-feira.
O IGeFE conseguiu também garantir “que mais de 125 mil profissionais da Educação recebiam o seu vencimento no dia 21 de junho de 2024, sem falhas”, acrescenta o professor do ISEG ao Observador.
Apesar de se orgulhar da “rápida identificação do problema” e do “trabalho desenvolvido pelos demais intervenientes”, José Matos Passos admite que “a falha interna não deveria ter acontecido”. “Todas as instituições públicas devem também crescentemente procurar reforçar os seus procedimentos e a segurança das suas operações para tentar andar um passo à frente de quem as procura atacar”, diz, acrescentando que o IGeFE “reforçou já os seus procedimentos internos”, continuando “imaculadamente a gerir os recursos financeiros da Educação sem perdas nem mácula”.
“Ser dirigente da Administração Pública não é sacudir a água do capote”
A investigação da Polícia Judiciária está apenas no início e José Matos Passos diz ter “a certeza de que [a fraude] só pode ter origem externa”. Mas mesmo assim, o até então presidente do IGeFE tomou a decisão de apresentar a demissão ao ministro da Educação.
“Entendi, como entendo, que ser dirigente da Administração Pública não é enjeitar qualquer responsabilidade, ocultar falhas ou “sacudir a água do capote”; é antes ter a dignidade de assumir responsabilidades! Responsabilidade objetiva, que neste caso era minha como Presidente de uma instituição onde rigor e credibilidade estão na base da sua cultura”, partilha. O professor do ISEG diz ainda ter terminado as suas “funções com sentimento de dever cumprido e com o profundo reconhecimento do elevado profissionalismo e dedicação dos trabalhadores do IGeFE”.
Instituto de Gestão Financeira da Educação recupera 2,5 milhões que tinha perdido em fraude
“Quem se relaciona com o IGeFE sempre soube que é uma instituição fiável. É e continuará a ser uma das instituições que representa o que de melhor existe na Administração Pública e que eleva o serviço público a um padrão de excelência”, garante.
Em comunicado, o Ministério da Educação adiantou na última semana que Fernando Alexandre tinha aceitado o pedido de demissão de José Matos Passos e acrescentou ter afastado “outros dirigentes com responsabilidades neste processo”. Até ser nomeado um substituto, exercem funções o vice-presidente e o vogal do IGeFE, Edgar Romão e Carlos Almeida de Oliveira, respetivamente. O Ministério da Educação anunciou ainda a abertura de um inquérito interno.
Principal linha de investigação afasta envolvimento de pessoas do Instituto
Ao Observador, fonte conhecedora da investigação explica que não existe para já qualquer evidência que aponte para que a fraude tenha contado com a colaboração de pessoas ligadas ao Instituto. Pelo contrário. A Polícia Judiciária terá como principal linha de investigação a hipótese de um ataque informático externo que permitiu aos hackers saberem que pagamentos eram devidos e, com base nisso, conseguido simular conversas, com dados verídicos, levando os serviços a caírem na fraude.
Neste como em outros casos do género, explica a mesma fonte ao Observador, o mais difícil para os hackers é mesmo o primeiro passo, o de se intrometerem na rede. Depois disso, passam a ter acesso a muitas informações e a dados de pagamento, como foi o caso.
Por ter sido detetado numa fase inicial, foi mais fácil reverter o dinheiro: “Normalmente é mais fácil quando não passam dois três dias desde a operação de transferência”.
Questionada sobre esta investigação, fonte oficial da Polícia Judiciária limitou-se a responder que o caso está sob segredo de justiça, não adiantando mais detalhes.