Rui Rio é passado, Jorge Moreira da Silva nunca foi presente e o PSD tem um novo líder, novos desafios e a necessidade de lidar com dois partidos emergentes e um (quase) desaparecido. À direita, no entanto, a notícia da eleição de Luís Montenegro não foi recebida da mesma forma.
O Chega está entusiasmado com a possibilidade de ter um novo aliado; a IL acredita que o novo líder do PSD vai prejudicar, sobretudo, o Chega — e vê isso com bons olhos; o CDS deseja votos de sucesso, mas está mais preocupado em voltar à primeira liga por mérito próprio e recusando qualquer tipo de cumplicidade que possa ser lida como subserviência.
“Luís Montenegro é inteligente, parece-me bem que não nos tenha fechado a porta. Percebeu que não haverá governo de direita sem o Chega”, começa por dizer ao Observador Pedro Pinto, novo líder parlamentar do partido.
André Ventura e Montenegro têm um passado comum: em 2018, quando o agora líder do Chega tentou criar um movimento para derrubar Rui Rio, contava com ajuda de Montenegro para o efeito; o novo presidente do PSD desautorizou-o e Ventura acabou por romper e criar um novo partido. Nasceu assim o Chega, que começou, precisamente, por ser um movimento dentro do próprio PSD.
O líder do Chega tentou condicionar a corrida eleitoral do PSD desde o início. Primeiro, ao manifestar sem reserva que preferia uma vitória de Montenegro. Depois, ao deixar um desafio público para que os dois se entendessem numa alternativa ao socialismo – repto recusado pelo novo presidente social-democrata.
Por fim, no sábado em que se conheceram os resultados, a 28 de maio, Ventura tentou-se colar à vitória de Montenegro. “Felicito Luís Montenegro pela vitória eleitoral no PSD. Que seja o início de um novo ciclo em que o PSD seja capaz de se juntar ao Chega na verdadeira oposição ao PS e à extrema-esquerda!”, escreveu Ventura no Twitter.
Pedro Pinto recorda, de resto, que Jorge Moreira da Silva, que optou por fazer de tema de campanha a recusa de qualquer aliança com André Ventura, teve um dos piores resultados de sempre em eleições internas dos sociais-democratas. Para o líder parlamentar do Chega, esta eleição no PSD é a prova cabal de que os sociais-democratas, como um todo, perceberam a necessidade de negociar com o Chega.
Com a passagem de testemunho, o partido de Ventura acredita que está na altura de o novo presidente social-democrata tomar uma posição forte e distante da que Rui Rio fez questão de sublinhar em diversos contextos. “Luís Montenegro é um homem de direita e esperamos que o assuma”, insiste Pedro Pinto, crente de que este poderá ser um primeiro passo para a direita.
“O Chega é a única força da oposição ao Governo, e isso viu-se no Orçamento do Estado, o que pretendemos é que Luís Montenegro se junte a essa oposição ao PS, para criar uma direita forte e que possa ser alternativa”, realçou secretário-geral do partido, que assume a possibilidade de uma solução governativa como a que foi encontrada nos Açores.
Liberais apostam em Montenegro para desgastar Chega
Na Iniciativa Liberal, a eleição de Luís Montenegro é vista com alguma desprendimento. Ao Observador, fonte do partido diz considerar “irrelevante” para os liberais a vitória do antigo líder parlamentar, tal como seria irrelevante a vitória de Jorge Moreira da Silva.
A tese assenta na sondagem da Pitagórica, para a CNN e TVI, que revelava praticamente os mesmos resultados independentemente da pessoa que os sociais-democratas escolhessem para líder. Nesse estudo de opinião, a IL surgia com 10,3% com Jorge Moreira da Silva como candidato a primeiro-ministro e com 10% no caso de Luís Montenegro conquistar a vitória.
Além disso, os liberais acreditam que o PSD, qualquer que seja o líder, não terá capacidade de travar o crescimento da IL, mesmo que os dois partidos disputem parte do eleitorado. O dirigente liberal ouvido pelo Observador sublinha que não há necessidade de um trabalho conjunto, mas sim a consciência de que os partidos têm “caminhos que serão complementares para que ambos cresçam”.
Ou seja: existe a consciência clara de que para derrotar o PS é preciso que os dois partidos cresçam e tenham estabilidade, atingindo segmentos eleitorais diferentes. “Possivelmente, o PSD será mais eficaz do que a IL a conquistar o eleitorado que tem votado no PS, tal como a IL será muito mais eficaz a conquistar outros eleitores”, refere a mesma fonte da Iniciativa Liberal.
A proximidade programática e de pensamentos entre PSD e IL mantém todas as portas abertas para futuras alianças. “Os que estão na oposição e se afirmam contrários ao PS, não podem deixar de olhar para os outros como futuros parceiros”, admite o dirigente da IL.
A curto prazo, no entanto, o mais importante para IL é que o PSD encontre o seu próprio caminho e que escolha bem as suas batalhas. Nos últimos meses, a relação entre os dois partidos deteriorou-se, principalmente depois do chumbo de João Cotrim Figueiredo — motivado pelo contributo de vários deputados sociais-democratas.
Os liberais têm esperança que o novo líder do PSD consiga focar-se no “adversário certo” — o PS — e pare de “olhar em demasiado para a IL”. “Acho que Luís Montenegro terá vontade e pensamento estratégico, tem é de ter a força de pôr todo o PSD a pensar da mesma forma, a olhar muito mais para o PS como o adversário e não para a IL”, admite o mesmo dirigente liberal.
No entanto, nas contas da IL, a eleição de Montenegro pode resultar numa mudança mais importante do que o mero ajuste de humores na relação entre os dois partidos. Os liberais acreditam que se Luís Montenegro conseguir fazer uma oposição aguerrida ao PS, poderá ser “mais problemático” para o Chega, que tenderá a perder o quase monopólio do combate mais vocal — campeonato que o partido de João Cotrim Figueiredo não tem interesse em disputar.
CDS satisfeito, mas em pista própria: não será “subserviente” ao PSD
Os democratas-cristãos assistem a esta reconfiguração no PSD numa posição menos feliz do que os dois partidos emergentes. Fora da Assembleia da República, o CDS procura crescer a expensas próprias e recuperar um lugar na primeira liga da política. A eleição de Montenegro ajudará se contribuir para o crescimento do espaço da direita e do centro-direita, mas em nada belisca o CDS.
“O que é importante é que o PSD cresça e o CDS cresça para que, juntos, no espaço político à direita, possam funcionar como uma alternativa verdadeira a um domínio de esquerda que vai sendo muito prolongado”, disse Nuno Melo ao Observador, a partir da cimeira do Partido Popular Europeu (PPE), em Roterdão.
Telmo Correia, vice-presidente do partido, concorda. Mesmo reconhecendo que “o CDS tende a ter melhores resultados com o PSD a crescer”, o democrata-cristão entende que o partido tem de ter como objetivo criar o seu próprio caminho e uma identidade sólida. “Quando CDS se mostra subserviente em relação ao PSD normalmente está a caminho de um desastre.”
Existe, de resto, algo que une Melo e Montenegro: estão ambos fora do Parlamento. Telmo Correia acredita que pode não ser uma desvantagem para ambos os partidos, que poderão tornar a luta política “muito personalizada” em torno da figura dos dois líderes, com características que podem vir a ser “muito importantes” na afirmação dos dois projetos políticos.
“Não acho que Luís Montenegro faça de uma prioridade o combate político ao CDS, muito menos agora que o CDS precisa de ressurgir e recuperar depois de um resultado desastroso”, vaticina o ex-líder parlamentar dos democratas-cristãos.
As cartas estão na mesa, Luís Montenegro acabou de chegar ao topo do PSD que há muito ambicionava, mas os desafios multiplicam-se também na relação que terá de construir com parceiros que podem, ou não, ser o futuro de um governo social-democrata.
O caminho é longo — até porque o líder do PSD ainda terá de ir a votos internamente antes de qualquer possibilidade de chegar a primeiro-ministro —, mas há quem esteja disposto a cobrar-lhe se mantiver o nível de oposição de que Rui Rio era acusado. Enquanto não há provas dadas, é oferecido o benefício da dúvida ao novo líder do PSD, não se sabe por quanto tempo.