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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Do Metro à CP. Fizemos um raio-X aos transportes públicos de Lisboa

Na Transtejo/Soflusa, 8 de 17 barcos não têm certificado para navegar. Na CP houve 1079 supressões em 5 meses. E a Carris perdeu mais de 400 trabalhadores desde 2010. Os passageiros queixam-se. Muito.

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São 8h08 e, no altifalante, a voz-CP anuncia o “comboio suburbano procedente de Mira-Sintra-Meleças e com destino a Alverca”. As carruagens param na estação da Amadora às 8h09 em ponto — estamos na plataforma desde as 7h30, já passaram sete destes comboios em direção a Lisboa e todos cumpriram o horário previsto a amarelo nos placares eletrónicos.

O que não quer dizer que não existam problemas na linha que, só no passado mês de maio, viu serem suprimidos mais de 175 comboios e cuja comissão de utentes anunciou — com palavras de ordem como “Basta de viajar como sardinha em lata”, “Comboios parados, não! A andar, sim!” e “Horários são para cumprir” — um abaixo-assinado pela melhoria do serviço.

O comboio das 8h09 vem a horas, mas são tantas as pessoas de pé lá dentro e as que se acotovelam para entrar que Ivan e Carla ainda tentam, mas desistem de embarcar. Só entram no trabalho às 9h, cada um no seu escritório de call center, podem dar-se ao luxo de esperar pelo próximo, explicam ao Observador.

"Foi o pior que me aconteceu, chegar uma hora atrasado. Não me retiraram esse valor do salário, mas tive de compensar a hora, claro. Devia era ter pedido dinheiro à CP."
Ivan, utente da linha de Sintra

“Vamos ver agora se conseguimos entrar neste”, desabafa Ivan, 35 anos, quando vê surgir nova composição, dez minutos depois. Continua com tempo: a viagem até Sete-Rios, “se tudo correr bem”, dura apenas 13 minutos. Se tudo correr mal e houver atrasos e comboios suprimidos, em princípio também não voltará a chegar com uma hora de atraso ao trabalho, como já aconteceu — mas só porque passou a sair de casa meia hora mais cedo para prevenir problemas semelhantes.

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“Foi o pior que me aconteceu, chegar uma hora atrasado. Não me retiraram esse valor do salário, mas tive de compensar a hora, claro. Devia era ter pedido dinheiro à CP”, diz. “Por vezes o comboio vem cheio e não conseguimos entrar, e depois o seguinte é suprimido, portanto acabamos por ter de esperar 20 ou 30 minutos”, acrescenta a colega de trabalho.

À segunda tentativa, conseguem seguir caminho. Já não há um único assento vago, mas cada passageiro consegue manter o seu espaço. Ou quase: os corpos não se comprimem, limitam-se a tocar-se. “À tarde é pior, sobretudo quando está calor, há supressões e o ar condicionado não está a funcionar”, explica Carla, 33 anos, que seguirá viagem até à estação de Braço de Prata e, depois de o comboio esvaziar em Sete-Rios e Entrecampos, conseguirá até sentar-se à janela. “À tarde é comum os comboios virem cheios. Não há espaço para nada, é sair e seguir direta para o duche.”

No fundo, será tudo uma questão de sorte — ou de azar, resume Ivan. “Nunca sabemos bem com o que podemos contar.” Foi por isso mesmo que, já durante o ano passado, numa altura em que começaram a circular na linha de Sintra comboios de dois andares em hora de ponta — que “levam muito menos pessoas” — decidiu com a mulher que, para não correrem o risco de chegarem constantemente atrasados ao trabalho, tinham de alterar a rotina da família. “Temos um filho de 5 anos e outro de 5 meses. Não é fácil, mas passámos a ter de acordá-los meia hora mais cedo.”

Na zona de Lisboa, os problemas nos transportes não se limitam à linha de Sintra. Nem sequer à CP. Nos últimos meses, têm sido recorrentes as notícias sobre perturbações, atrasos e supressões nos vários meios que servem a capital, com o incidente mais grave a ser registado no último dia de maio no terminal fluvial do Barreiro, quando um grupo de passageiros tentou invadir a sala de embarque, fechada em consequência de mais um dia de greve dos mestres da Soflusa.

Foi nesse mesmo dia que, através do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, o Governo decidiu pedir desculpas “às pessoas cujo dia-a-dia é afetado pelas supressões nos transportes” e garantiu estar a trabalhar para resolver o problema. “Os portugueses confiam nos transportes públicos, no dia-a-dia, para irem trabalhar, para levarem os seus filhos à escola, ou simplesmente para passear (…). Sabemos bem que é nossa obrigação servi-los com regularidade, pontualidade, qualidade e conforto. Sabemos bem que, em alguns casos, estamos em falta”, admitiu.

Cerca de dois meses depois do lançamento do passe único na zona metropolitana de Lisboa, são mais 143 mil os passageiros a usufruir da rede de transportes. É um aumento de 26%, devido ao Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), segundo dados fornecidos pelo secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade. “Se os operadores têm o dobro da procura, têm de ter o dobro da oferta”, garantiu José Mendes em entrevista recente ao Jornal de Negócios. Ainda assim, ao contrário de Pedro Nuno Santos, desvalorizou a situação: “Há sempre os Velhos do Restelo, que diziam que a oferta ia ser o fim do mundo, mas se estamos à espera das condições ótimas não faltam boas razões para não fazer. Não veio um fim do mundo. O país não ficou virado ao contrário”.

Confrontado com as notícias que dão conta da retirada de bancos nos comboios da Fertagus e nas carruagens do Metro de Lisboa, para que mais passageiros possam ser transportados, o secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade também não se alarmou, garantindo que o conforto é sobrevalorizado: “Porque não? Aumentam um pouco a oferta e os comboios aguentam perfeitamente. A viagem é curta. Já experimentou fazer uma viagem de metro em Londres? O tempo que demora e vai tudo sardinha em lata… Não se vai pôr pessoas em cima dos comboios. As pessoas não andam de pé no autocarro? São viagens curtas, com durações até meia hora. As pessoas vão apertadas nos metros em todo o mundo“.

Os milhares de pessoas que, em 2018, apresentaram queixas à Autoridade da Mobilidade e dos Transporte (AMT), à razão de 57 por dia durante os últimos seis meses do ano, não concordarão. No total, foram 18.897 as reclamações registadas, com CP, Metropolitano de Lisboa, Transtejo/Soflusa, Rede Nacional de Expressos e Transportes Sul do Tejo (TST) a encabeçar, por esta ordem, a lista das empresas mais problemáticas.

O Observador falou com trabalhadores, sindicalistas, passageiros, empresas e Governo para perceber o que está afinal a acontecer diariamente nos transportes de Lisboa e por que motivos estão as viagens a sofrer tantas perturbações. O aumento do número de passageiros não é o único fator a culpar: há falta de investimento em pessoas, frotas e infraestruturas. Explicamos-lhe tudo, transporte a transporte.

CP. Poucos comboios, velhos e sem manutenção

Foi apresentado como o maior investimento da CP de sempre em material circulante: em 2009, a empresa anunciou a compra de 97 comboios (dos quais 36 para a linha de Cascais), no valor de quase 500 milhões de euros. O concurso foi lançado, mas o processo nunca chegou a avançar. Segundo lembra o Público, concorreram os espanhóis da CAF (com a proposta mais barata), os alemães da Siemens, os canadianos da Bombardier e a francesa Alstom. Só que o processo ficou parado. Em setembro de 2010, a CP decidia mesmo que nenhum dos concorrentes cumpria os requisitos do caderno de encargos (que privilegiava o fabrico nacional das composições).

A empresa acabou, assim, por recorrer aos comboios mais velhos, optando pela reabilitação. A par disso, avançou com o aluguer de automotoras a Espanha, uma solução mais viável “a médio prazo”, como, aliás, defendeu o primeiro-ministro António Costa no último debate quinzenal, a 6 de junho.

Dez anos depois, não há comboios novos. E os que há, envelhecidos, são propícios a mais avarias — logo, mais supressões. A par disso, a manutenção das composições ou não é feita no tempo suposto, ou demora meses. O cenário é traçado ao Observador por José Reizinho, membro da comissão de trabalhadores da CP, e José Manuel Oliveira, coordenador da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS). Ambos criticam o “desinvestimento” que, dizem, dura há anos. As principais causas apresentadas são duas: falta de trabalhadores e de manutenção do material circulante.

“Precisamos urgentemente de pôr trabalhadores na reparação e na manutenção do material”, explica José Reizinho. Segundo o último Relatório e Contas da CP, no final de 2018 a EMEF, empresa que faz a manutenção dos comboios, tinha 1031 trabalhadores, menos cinco do quem 2017 e menos 455 do que em 2010.

Certo, diz Reizinho, é que o número está longe de satisfazer as necessidades da empresa. “Para já, precisávamos de 40 ou 50 trabalhadores [na EMEF]. E, no próximo ano, de mais 100 ou 150 para fazer face às saídas para a reforma”. As contas de José Manuel Oliveira vão no mesmo sentido: entre janeiro e dezembro deste ano, a EMEF vai perder 100 trabalhadores para a aposentação.

Numa reunião plenária realizada a pedido do grupo parlamentar dos Verdes sobre os transportes, a 5 de junho, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, frisou que foram integrados 102 trabalhadores na EMEF “entre final do ano passado e início deste” ano. Mas José Manuel Oliveira coloca os números em causa. “Não é verdade. Cerca de 50 destes já estavam na empresa, com vínculos precários. Além disso, essa contratação só permitiu repor o efetivo de 2017, que já era pouco”.

“Sem trabalhadores para a manutenção, a solução é aumentar os prazos entre as manutenções. As composições estão envelhecidas. As carruagens mais novas da CP já têm 15 anos.”
José Manuel Oliveira, coordenador da FECTRANS

João Matos Fernandes garantiu ainda, no Parlamento, que a integração de outros 50 profissionais “está em curso”. Mas esta promessa também não convence os trabalhadores. “Isso já o governo anda a dizer há não sei quantos anos. Quando a rutura acontece, o governo vem sempre com essa história”, denuncia José Reizinho.

O Observador questionou a tutela (que, neste caso, é o Ministério das Infraestruturas) sobre quando vão chegar esses trabalhadores, bem como os 145 para a CP que o Governo prometeu num acordo alcançado com o Sindicato Ferroviário da Revisão e Comercial Itinerante (SFRCI), mas fonte oficial remeteu para um comunicado divulgado em maio, no qual se compromete com a “autorização imediata da contratação de trabalhadores da área comercial e de outras áreas necessárias à operação da CP até ao final do mês de junho”. A questão foi, inclusive, levantada pela coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, no último debate quinzenal: dos 145 trabalhadores prometidos até junho, “só foram abertos concursos para 14”. António Costa nada respondeu sobre esta matéria.

Nos primeiros cinco meses do ano foram suprimidos 130 comboios na Linha de Cascais (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O sindicalista José Manuel Oliveira estima ainda que cerca de 30% do material circulante da CP esteja imobilizado por falta de manutenção (a empresa dispunha, no final de 2018, de 373 unidades de material circulante em atividade, segundo o Relatório e Contas): “Numa situação dita normal, seria 10%”.

“Sem trabalhadores para a manutenção, a solução é aumentar os prazos entre as manutenções”, continua o sindicalista, explicando que a alternativa propicia mais avarias, logo, mais supressões. “As composições estão envelhecidas. As carruagens mais novas da CP já têm 15 anos.”

José Reizinho acrescenta que, além da falta de pessoas, “há falta de dinheiro para comprar peças”. E admite que seja necessário “tirar peças de comboios que não estão a ser usados” para usar nas composições em circulação. Há casos de avarias mais dramáticas do que outras. Em fevereiro, por exemplo, um comboio noturno que fazia a ligação entre o Porto e Valença ficou parado a meio do caminho, com os passageiros a serem obrigados a prosseguir viagem de táxi. Motivo: o motor da composição caiu em andamento.

“No caso da linha de Cascais, o material tem mais de 50 anos. Quando foi feito, não tinha ar condicionado. Como os motores são os mesmos de há 50 anos, o ar condicionado força o motor, que, como já está velho, não aguenta.”
José Reizinho, trabalhador da CP

“Na condução dos comboios, na fiscalização, na segurança, nas bilheteiras” — de acordo com José Reizinho, há falta de pessoas em todas estas áreas da empresa. Tanto, garante, que os funcionários que habitualmente fazem serviços de apoio ao cliente estão a ser deslocados para o acompanhamento de comboios, mais necessário. De acordo com o Relatório e Contas, a empresa terminou o ano de 2018 com 2683 trabalhadores, menos 26 do que no final do ano anterior.

Há mais: a CP já anunciou que vai reduzir o atendimento em várias bilheteiras nas linhas de Sintra e Azambuja a partir de 16 de junho e que vai cortar para metade o número de ligações em hora de ponta entre Lisboa-Rossio e Mira Sintra-Meleças, de 23 de junho a 7 de setembro, devido às férias escolares. Ou seja, vão passar a circular dois comboios por hora (em vez de quatro) entre as 7h e as 10h. Minutos antes de entrar no comboio em direção ao centro de Lisboa, Luísa Ferreira, 52 anos, garante que isso não deverá ser muito problemático: “Os problemas não estão nos comboios para o Rossio, mas nos que vão para o Oriente. Apanho o comboio todas as manhãs, sou responsável de uma loja nas Amoreiras, e consigo sempre ir sentada e a ler. Não sou propriamente um bebé e não quero com isto dizer que temos transportes maravilhosos, mas lembro-me de que há uns 10 ou 15 anos as coisas estavam bem piores; as portas não fechavam automaticamente, não havia câmaras de segurança, as pessoas andavam penduradas do lado de fora das carruagens…”

Na altura, os comboios também não estariam equipados com sistemas de ar condicionado, mas pelo menos as janelas podiam ser abertas para arejar. O que nos leva, ao mesmo tempo que Luísa Ferreira segue viagem a ler a última adaptação de Stephen King ao cinema — “Ando numa de me alienar!” –, a outra das queixas mais frequentes dos utentes da CP: as falhas no sistema de ar condicionado.

“No caso da linha de Cascais, o material tem mais de 50 anos. Quando foi feito, não tinha ar condicionado. Como os motores são os mesmos de há 50 anos, o ar condicionado força o motor, que, como já está velho, não aguenta”, explica José Reizinho.

Na estação de Oeiras, à espera do comboio que liga Cascais e Cais do Sodré, pouco antes das 8h00 da passada terça-feira, Beatriz Alves, 24 anos, comenta que já não andava de transportes desde os anos adolescência — mas garante que a memória que tinha não se aproxima em nada da realidade. “Nunca tinha apanhado o comboio nestas condições, tem sido um bocadinho… um bocadinho crowded. Faltam condições e, nos dias de mais calor, até têm suspendido alguns comboios. Também tem faltado o ar condicionado, essa parte também é interessante. Nos dias de calor, andar de comboio tem sido como andar de metro: estou a ser agarrada e suportada pelas pessoas à minha volta”, descreve a jovem, a trabalhar há dois meses em Lisboa, no departamento financeiro da Randstad. “Também tem havido atrasos, isso é quase todos os dias… Ontem, o comboio das 8h12 apareceu eram 8h16, e alteraram os planos: era suposto ser o rápido e disseram que ainda iam fazer uma paragem em Paço de Arcos e noutra estação qualquer. Parece que estão a tentar gerir as necessidades ao momento: quando veem que o comboio está muito cheio, alteram um bocado os planos e claro que isso não é agradável para a vida de ninguém”, continua.

Cerca de uma hora e meia depois, na linha de Sintra, André, 31 anos, diz que o cenário não é muito diferente e que já perdeu a conta às vezes que viajou em comboios sem ar condicionado ou com problemas de funcionamento: “Veem-se frequentemente comboios que estão com algum problema e que vão abaixo ao arrancar, especialmente quando param nas estações ou quando está mais calor”.

"Veem-se frequentemente comboios que estão com algum problema e que se vão abaixo ao arrancar ou especialmente quando param nas estações ou quando está mais calor".
André, 31 anos, utente da CP

Estudante de doutoramento, faz diariamente o percurso Amadora-Entrecampos. Descreve a experiência ao Observador: “Se apanhar o comboio por volta das 8h e tal, está sempre cheio. Mas o problema maior é quando os comboios se atrasam 5 ou 10 minutos. Aí é impossível conseguir entrar. Uma vez lá dentro, tudo vai depender da temperatura, sendo que é pior à tarde: os ares condicionados não têm potência suficiente e é um calor insuportável. Em Entrecampos, à tarde, os comboios que vêm de Alverca e do Oriente têm tendência a atrasar sempre. Há atrasos de 10 ou 20 minutos e o problema é que as pessoas começam a acumular-se. Quando chega a Sete-Rios e entra mais gente, o comboio fica absolutamente compactado. Saio de lá a correr, que é um calor que não se pode”.

Não é só para os passageiros que as viagens na CP são uma incógnita, mas também para os próprios funcionários da empresa. Quem o garante é José Reizinho: “Pode acontecer o maquinista pegar no material e o sistema não funcionar. Depois tem de fazer reset e, claro, há atrasos. Mas também há casos em que o problema é da infraestrutura, que está pela hora da morte. Por exemplo, as balizas que fazem a leitura do sistema de segurança disparam sem razão, o que faz com que o comboio tenha de reduzir velocidade. Há uma série de fatores que, em conjunto, contribuem para estes problemas.”

Só durante o mês de maio foram suprimidos 175 comboios na Linha de Sintra

No Relatório e Contas de 2018, a CP admite que “diversas ocorrências” afetaram a regularidade de serviço prestado ao longo do ano. São elas: greves da IP (Infraestruturas de Portugal) e da CP, “responsáveis por cerca de 71% das supressões totais registadas no período”; a “elevada taxa de indisponibilidade de material circulante de tração diesel que originou supressões, designadamente, nas linhas do Oeste, Alentejo e Algarve” e “descarrilamentos nas linhas da Beira Alta, Norte e Douro”.

Apesar das queixas nas supressões, ao Observador a empresa garantiu que, entre janeiro e maio deste ano, foram realizadas 99,2% das viagens planeadas. Ou seja, em todo o País foram suprimidos 1464 comboios — 949 (de 52.309 previstos) na Linha de Sintra e 130 na Linha de Cascais (de um total de 26.151 previstos).

A CP aponta o dedo à falta de mão-de-obra na EMEF e admite, no Relatório e Contas, que “enfrenta atualmente fortes constrangimentos à sua operação, tanto no que se refere à obsolescência do material circulante de tração diesel e dos equipamentos e sistemas de venda e informação, como às condições da infraestrutura ou à capacidade produtiva do principal prestador de serviços de manutenção, EMEF”.  Em resposta a questões colocadas pelo Observador, a empresa reconhece mesmo que a “CP e a EMEF têm um quadro de Recursos Humanos a precisar de rejuvenescimento” e que “a CP tem apresentado à sua tutela governamental os pedidos de autorização para contratação de trabalhadores”. Garante também que tem “procurado reforçar as operações de manutenção, para reduzir os índices de imobilização, conseguindo, assim, níveis de disponibilidade de material circulante que permitam cumprir a oferta programada”.

Segundo o Governo, foram abertos concursos para a aquisição de 22 automotoras. “Mas terão como destino os serviços regionais e não as áreas metropolitanas”, critica José Reizinho.  Foi também anunciado o aluguer de quatro automotoras a Espanha, mas com destino às linhas do Oeste e Algarve. Os novos planos não incluem linhas como a de Cascais, onde o material é dos mais degradados do País.

Transtejo/Soflusa. Há quem perca o emprego por causa dos atrasos

Os colegas de Humberto Andrade, 49 anos, já sabem que não vale a pena marcarem reuniões com ele às 9h ou às 9h30: o mais certo é que o engenheiro de telecomunicações, residente na Baixa da Banheira e a trabalhar no Parque das Nações, não consiga chegar a horas ao trabalho. “É assim desde 2016: a Soflusa sistematicamente não consegue cumprir horários. Cada barco leva 600 pessoas. Sempre que um falha, a situação fica logo catastrófica. Já cheguei atrasado ao trabalho várias vezes, o que faz com que, ao final do dia, tenha de sair mais tarde e que nem sempre consiga estar no Barreiro a tempo de ir buscar os meus dois filhos, que andam em escolas diferentes”.

Ao Observador, Humberto Andrade, que todos os dias — desde os tempos de estudante no Instituto Superior Técnico — faz a ligação Barreiro-Lisboa por via fluvial, garante que o seu exemplo nem é dos piores. “Sou um dos administradores do grupo de Facebook «Contra os Abusos da Soflusa aos Utentes» e sei de várias pessoas que perderam os empregos por chegarem atrasadas ou por terem de sair mais cedo para conseguirem voltar para casa. Há pessoas que estão a ser estigmatizadas por serem do Barreiro, aconteceu com um amigo que anda à procura de trabalho, na área da informática. Foi a uma entrevista onde lhe disseram abertamente que as pessoas do Barreiro têm um problema: não conseguem chegar a horas.”

Barcos que se atrasam, pessoas que se acumulam nas salas de embarque ou invadem os cais, carreiras que são suprimidas. Situações como estas têm sido registadas nos barcos da Transtejo/Soflusa, que asseguram as ligações fluviais de Montijo, Seixal, Cacilhas, Trafaria e sobretudo Barreiro a Lisboa. Nenhum mês terá sido tão complicado como o passado maio: para além da tentativa de invasão da sala de embarque do Barreiro, foram vários os passageiros que numa noite de sexta-feira, a 10 de maio, viram-se obrigados a dormir no terminal do Terreiro do Paço, depois de a baixa de última hora do mestre de serviço ter cancelado todas as ligações entre a meia-noite e as 7h30 do dia seguinte.

“Cerca de 200 pessoas ficaram a dormir no terminal, tudo porque a administração da Soflusa não avisou as pessoas de nada. O mínimo que deviam ter feito era informar que não ia haver barcos a noite inteira e que era escusado esperar”, acusa o engenheiro de telecomunicações, que aponta o dedo à Soflusa, mas também ao Governo, na falta de investimento na ligação fluvial Barreiro-Lisboa.

“São precisos, pelo menos, 25 trabalhadores”, diz ao Observador Alexandre Delgado, presidente do Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra (SITEMAQ). Já José Manuel Oliveira, da FECTRANS, fala em 30, entre mestres e maquinistas. Segundo a Renascença, a Soflusa só tem 21 mestres no ativo (quando devia ter 24), porque três estão de baixa. Por esse motivo, a empresa decidiu reduzir o número de carreiras e alterar os horários desde 8 de junho.

Ao Observador, o Grupo Transtejo/Soflusa diz que, na Soflusa, “está a decorrer concurso interno para quatro novos Mestres, os quais entrarão ao serviço assim que o processo de recrutamento estiver concluído”. Um número claramente insuficiente, considera o Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante, já que, nos últimos cinco anos, “saíram para a reforma vários trabalhadores, principalmente Mestres e Marinheiros, sem qualquer substituição” e, até ao final de junho, deverão aposentar-se outros três funcionários (um mestre e dois marinheiros). De acordo com o mesmo sindicato, em 2018 terão sido cumpridas, pelos trabalhadores da Soflusa, 4000 horas extraordinárias, o que terá levado a “uma exaustão física e psicológica”.

Segundo apurou o Observador, o grupo Transtejo/Soflusa tem, atualmente, uma frota de 17 embarcações. Destas, 8 estão imobilizadas e com o certificado de navegabilidade (que atesta a segurança do barco) caducado — uma delas desde 2015. No documento a que o Observador teve acesso, estas embarcações têm problemas identificados como “baterias inop’s [inoperacionais], “impulsor proa perde força” ou “entrada água chuva vidros frontais”.

“A contratação de trabalhadores para a Soflusa é um processo que já começou e que o Governo pretende que seja concluído o mais rapidamente possível, respeitando os prazos legais e as normas em vigor.”
Fonte do Ministério do Ambiente

Por seu turno, os 10 barcos operacionais não estão também isentos de problemas, aparecendo no documento com perturbações como “baterias da ponte de leme sulfatadas”, “moto bomba inoperacional”, “diversas cintas colisão danificadas” ou “wc tripulação inop [inoperacional]”.

Tal como na CP, também aqui as críticas, neste caso de Alexandre Delgado, são direcionadas ao “material obsoleto” e ao facto de “não haver dinheiro para reparações”. O sindicalista diz que não está totalmente convencido com o concurso lançado em fevereiro pelo Governo para 10 catamarãs movidos a gás natural, para a Transtejo, com capacidade para transportar entre 400 e 450 passageiros, nas ligações entre Cacilhas, Seixal, Montijo e Cais do Sodré. E aponta críticas quanto ao atraso do processo. “Estas medidas demoram sempre. Neste caso, uns três ou quatro anos.” Segundo a tutela, os navios deverão começar a entrar ao serviço de forma faseada a partir do final do próximo ano, “prevendo-se que em 2024 já esteja operacional a totalidade dos novos equipamentos”.

Contactado pelo Observador, o Ministério do Ambiente, que tutela a Soflusa e a Transtejo, lembra que foi autorizada a contratação de dez trabalhadores em 2018, cinco para a Transtejo e outros cinco para a Soflusa. “Já este ano foi autorizada a abertura de mais um procedimento concursal para mais seis lugares de marítimos na Soflusa”. Mas não se compromete com prazos específicos: “A contratação de trabalhadores para a Soflusa é um processo que já começou e que o Governo pretende que seja concluído o mais rapidamente possível, respeitando os prazos legais e as normas em vigor”, limita-se a dizer.

O Ministério de João Matos Fernandes não concorda que a Soflusa, que dispõe de uma frota com idade média a rondar os 15 anos, precise de novas embarcações. “Ainda assim, a empresa beneficiará de um aumento de lotação dos navios existentes, devido à elevada procura na ligação entre o Barreiro e o Terreiro do Paço”, refere ao Observador. Os barcos vão ganhar mais 100 lugares sentados, passando dos atuais 600 para 700 em cada um dos oito navios.

A capacidade de investimento do Estado na Soflusa tem, porém diminuído. Numa auditoria aos serviços da empresa, publicada em abril de 2018, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) concluía que o contrato de serviço público entre o Estado português e a Soflusa está caducado desde 31 de dezembro de 2014, “não estando a operação da empresa titulada por qualquer outro instrumento contratual desde então”, o que limita a atuação do Estado sobre a empresa. “Este facto [inexistência do contrato de serviço público], além de ter como consequência óbvia a inexistência […] de obrigações de serviço público associadas, implicou também que as dotações orçamentais para a Soflusa a título de compensações tenham diminuído consideravelmente, cortando, deste modo, a sua capacidade de investimento na empresa”.

A Transtejo/Soflusa admite ainda que, apesar do crescimento da procura, não tem condições para proceder ao reforço do número de ligações. Este ano, até 27 de maio registaram-se 284 supressões de carreiras na Transtejo, “motivadas, na sua grande maioria, por avarias nos navios”; e 821 supressões na Soflusa, “motivadas, essencialmente, por falta de pessoal e por plenários e greves.” Já nos primeiros seis meses do ano, o Grupo Transtejo/Soflusa registou 1129 reclamações.

Para o dia 18 de junho foi já apresentado um pré-aviso de greve do Sindicato da Marinha Mercante, Indústrias e Energia (SITEMAQ), que exige a harmonia salarial que, diz, foi colocada em causa com o recente aumento do prémio de chefia atribuído aos mestres — que passou de 49,44 euros para 109,44. Por seu turno, os mestres da Soflusa, através de uma carta enviada no passado fim de semana pelo Sindicato dos Fluviais e Costeiros ao secretário de Estado adjunto e da Mobilidade, opõem-se a que os maquinistas ao serviço da empresa também sejam aumentados: “Estamos convictos que o Governo e a empresa também vão cumprir a sua parte no acordo, mantendo a diferença de 109,44 euros em relação aos maquinistas”, pode ler-se no documento, a que a Renascença teve acesso. Mais: deixam uma ameaça velada, dizendo esperar que tanto Governo como empresa cumpram o que está acordado, “para evitar transtornos e confrontos futuros”.

Humberto Andrade garante que, como administrador do grupo de Facebook que reúne os utentes da empresa, faz por apagar todos os comentários que incitam ao ódio contra funcionários, mas teme que, a manter-se a deterioração dos serviços, um dia possa haver “algum dissabor”. “É uma situação terrível, nunca sabemos se vamos ter barco ou não. E, quando temos, se for fora da hora de ponta, ainda somos obrigados a fazer um cruzeiro no Tejo porque, para poupar combustível, os barcos demoram 25 minutos a fazer a travessia — quando antigamente demoravam apenas 15. Sentimos que estamos completamente abandonados e que se estão nas tintas para nós, os ódios estão muito à flor da pele, as pessoas estão muito revoltadas”, alerta. “Quando um barco falha, ficam centenas e centenas — às vezes milhares — de pessoas no cais. Em maio, cheguei a estar uma hora à espera de barco. E, quando ele chegou, foi o caos, as pessoas começaram a empurrar e eu tive de empurrar de volta, para não ser esmagado. Esse é outro problema, o da segurança: no meio das centenas de pessoas que se empurram para tentar entrar nos barcos, há pessoas fragilizadas, grávidas, idosos e crianças. Um dia acontece uma desgraça.”

Metro de Lisboa. Passes mais baratos, carruagens ainda mais cheias

Com a implementação dos novos passes sociais, a procura pelo metro de Lisboa aumentou. Segundo dados cedidos pela empresa ao Observador, em abril (mês em que entraram em vigor os novos passes), o número de passageiros subiu 4,4% face ao mesmo mês de 2018 (passando de 13.346.382 para 13.928.273).

Para além de garantir que a frota está “100% operacional desde março de 2019” (em 2017 chegaram a estar 30 unidades triplas imobilizadas por falta de manutenção), a Metro de Lisboa explica ainda que, com o aumento da procura, aumentou a oferta. Nomeadamente, “através da implementação dos novos horários de comboios, que ocorreu em meados de abril nas linhas Amarela, Vermelha e Azul, às horas de ponta da manhã e da tarde, o que possibilitou o aumento da velocidade para 60 km/h, o consequente aumento da frequência dos comboios e a inerente redução dos tempos de espera”. A empresa já tinha informado também que esta oferta recente será reduzida no período de verão, nas linhas Azul e Amarela, mantendo-se nas linhas Verde e Vermelha, que dão acesso ao Aeroporto.

Esse reforço, porém, é pouco visível para os passageiros, sobretudo em hora de ponta. Antónia, 34 anos, não conseguiu entrar no primeiro metro que passou, depois de, na terça-feira passada, ter chegado ao Cais do Sodré, vinda do Montijo, via barco. Eram 8h34 e a plataforma estava cheia de gente — mas não tão cheia como Beatriz Alves, 24 anos, tinha descrito algumas paragens antes, ainda na linha de Cascais: “No metro, muitas vezes não há espaço no cais, ficamos nas escadas e temos de esperar pelo próximo”.

Ao Observador, Antónia explicou que só não entrou porque não quis fazer a viagem, até ao Intendente, “apertada”. “Não é fácil, há cada vez mais pessoas, os transportes não estão a melhorar e isto piorou com os novos passes. Os barcos têm muita gente e muita gente vai em pé, mas aqui no metro é mais complicado. Há muita gente e as pessoas não têm civismo nem respeito, às vezes estão a ver que o metro está completamente cheio e mesmo assim empurram. No outro dia, vi uma senhora de muletas que chegou aqui, viu que o metro estava completamente cheio, mas insistiu e empurrou as outras pessoas para conseguir entrar”, relata.

https://twitter.com/NewYorkerJames/status/1111542934825025536?ref_src=twsrc%5Etfw

A Metro de Lisboa explica ao Observador que, em setembro de 2018, foi lançado um concurso para a aquisição de 14 novos conjuntos de 3 carruagens. Problema: de acordo com o Governo, a assinatura do contrato para os novos equipamentos de material circulante só deverá ocorrer no início do próximo ano, pelo que a “entrega das novas composições deverá começar no início de 2022, com a conclusão do processo prevista para 2024”.

A empresa promete ainda a renovação do sistema de controlo e sinalização de tráfego, “para substituir o existente há quatro décadas”, que admite ser “obsoleto”. A assinatura do contrato para os novos equipamentos deverá acontecer no início do próximo ano. Mas também não se compromete com datas para a entrada em vigor. Serão adaptadas ainda 70 unidades triplas existentes a esse novo sistema de sinalização. “Presentemente, encontra-se a decorrer o prazo para apresentação de propostas, prevendo-se que a adjudicação ocorra até final de 2019. Só após conhecida a proposta vencedora, será possível avançar com datas concretas. No entanto, todos os equipamentos deverão estar instalados no prazo máximo de 77 meses, a contar da data da adjudicação que se efetiva com a assinatura do respetivo contrato”. Ora, 77 meses correspondem a mais de seis anos.

Os passageiros queixam-se de que o metro de Lisboa está sempre cheio (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Segundo os relatórios e contas e os planos de atividades disponíveis no site, a empresa perdeu cerca de 110 profissionais entre 2012 e setembro de 2018. Nessa data, o Metropolitano de Lisboa tinha 1415 trabalhadores e o Plano de Atividades e Orçamento para o final desse ano definia uma meta de 1509. “A variação justifica-se pelo facto de a empresa aguardar autorização para a admissão dos 30 Agentes de Tráfego, 27 Oficiais de manutenção e 9 Técnicos, previstos no Plano para 2018, tendo o primeiro pedido sido submetido à Tutela em 23 de maio e reenviado no início de setembro”, segundo relata o relatório trimestral de Execução Orçamental de setembro de 2018.

Em resposta ao Observador, porém, a empresa avança que obteve autorização da tutela para admitir 17 oficiais para a manutenção em 2018 (que já se concretizou), “de 20 Agentes de Tráfego e de 10 Oficiais para a Manutenção a concretizar em 2019”. Ou seja, menos do que o que tinha sido pedido.

A Metro de Lisboa ainda não divulgou o relatório e contas relativo a 2018, mas no último relatório trimestral de Execução Orçamental pode ler-se que, no toca à oferta, “apesar de ainda não terem sido atingidos os valores previstos no Plano de Atividades [por exemplo, no que toca ao número de lugares e carruagens disponíveis por km], estima-se que se consiga cumprir o plano de oferta no último trimestre de 2018”.

“O número de comboios oferecidos não cumpre com a oferta contratualizada em sede de contrato de concessão de serviços público.”
Auditoria da AMT ao Metro de Lisboa

A Metro revela que, ainda assim, houve uma recuperação da oferta, que resulta do “esforço da empresa em recuperar a frota de material circulante que se encontrava imobilizada, com o reforço da sua equipa de manutenção a partir do 1.º trimestre, e com a garantia da existência, em armazém, de um stock de peças que permita fazer face às necessidades”.

Numa auditoria ao serviços prestados pelo metro, em fevereiro de 2017, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) dava conta de que “nas horas de ponta verificaram-se situações em que a plataforma continuou ocupada por passageiros a aguardar o próximo comboio, devido aos anteriores terem partido com elevada lotação”.

Concluiu ainda que, em vários períodos do dia, “o número de comboios oferecidos não cumpre com a oferta contratualizada em sede de contrato de concessão de serviços público”. Ou seja, o número de comboios era inferior ao que devia ser.

Na altura, o estudo concluía que a linha Azul (que atualmente faz ligação entre a Reboleira e Santa Apolónia) registou “o pior desempenho”.

Além disso, foi recentemente tornado público que o metro procedeu à retirada de bancos de algumas carruagens para fazer face ao aumento de passageiros, decorrente dos novos passes sociais. Segundo a empresa, esse “é um projeto que data de 2017 e que tem em vista ganhar mais espaço para transporte de grande volumes e de bagagens em toda a sua rede”.

A mesma explicação foi dada pelo ministro do Ambiente, no Parlamento: a medida tem como objetivo criar “mais espaço para malas” de viajantes e “carrinhos de bebé”, depois de terem sido recebidas “inúmeras queixas”, referiu João Matos Fernandes. O ministro está otimista quanto ao serviço e acredita que “não há caos coisíssima nenhuma”.

Carris. Atrasos frequentes e menos 400 trabalhadores em 9 anos

Autocarros e elétricos cheios, frequentemente atrasados e sistemas de informação de horários que raramente espelham a circulação real — de acordo com os utentes, estes são os principais problemas da Carris. Seja no Portal da Queixa, onde foram registadas 189 reclamações nos últimos 12 meses, ou diretamente nos próprios canais da empresa, o que não falta é quem se queixe do serviço, como Manuel, 27 anos, que depois de uma educada, mas inconclusiva troca de e-mails com a empresa sobre o elevado tempo de espera, no período noturno, pelo elétrico 15, resolveu passar a fazer o percurso entre o Cais do Sodré e Pedrouços de carro.

“Terminei a conversa assim que disseram que, no período noturno, o intervalo entre carreiras era de 12 minutos — não era e não é. Além disso, quando passam no Cais do Sodré, vão cheios e muitas vezes não me deixam entrar. Achei de um desplante enorme dizerem que não tinham indicação de que os elétricos fossem cheios. Desisti, passei a tratar melhor do meu carro”, diz o ex-utente da Carris.

"Já aconteceu enviar mensagem para saber a que horas vem o autocarro. Recebo os horários a dizer que vai passar na paragem X. Depois, às vezes, ou nem aparece, ou aparece muito mais cedo ou mais tarde."
Mariana Martins, utente da Carris

Mariana Martins, 24 anos, prefere queixar-se diretamente ao Observador: a morar em Telheiras e a trabalhar em Carnaxide, entre Metro, Carris e Vimeca, perde duas horas por dia nos transportes públicos. A funcionalidade “SMS ao minuto”, que permite receber uma mensagem com o tempo que falta para cada um dos autocarros chegar à paragem, nem sempre lhe facilita a vida: “Já aconteceu enviar mensagem para saber a que horas vem o autocarro. Recebo os horários a dizer que vai passar na paragem X. Depois, às vezes, ou nem aparece, ou aparece muito mais cedo ou mais tarde”.

Mesmo assim, a Carris garante ao Observador que, entre janeiro e abril de 2019, recebeu 4,5 queixas e reclamações por cada 100 mil passageiros (quando, em 2018, o número se fixava nas 3,9 queixas) e que, em média, são suprimidos apenas 6 serviços por mês — num total de mais de 26 mil serviços. As avarias “intempestivas” de autocarros e/ou elétricos são as principais razões para a supressão de serviços.

https://twitter.com/hashtag/aindasolteira?src=hash&ref_src=twsrc%5Etfw

A empresa admite um “envelhecimento” da frota, o que obrigou, em 2018, a “um maior esforço” no que toca à “manutenção dos veículos existentes, acabando por se refletir nos custos de manutenção”. “Em 2018 registou-se um reforço na manutenção quer no modo autocarro, quer no modo elétrico. Foram concluídas 23 Grandes Reparações de Carroçarias de autocarros, tendo sido revisto o plano plurianual de grandes reparações de autocarros, com reflexo nos próximos anos em que se prevê a retoma na renovação de frota de autocarros”, revela a empresa no Relatório e Contas de 2018.

Ainda assim, há uma discrepância entre o investimento previsto para 2018 (57,515 milhões de euros) e o que efetivamente ocorreu (32,388 milhões), segundo o relatório de Governo Societário, de 2018. “É de salientar que os processos aquisitivos a que a Carris se propôs, em 2017, são procedimentos morosos pela sua complexidade – aquisição de autocarros, construção de postos de abastecimento/ carregamento, entre outros, e que não foram possíveis concretizar na sua totalidade no ano de 2018.” Já o Relatório e Contas aponta que, “relativamente ao fluxo de atividades de investimento, este permaneceu reduzido, dado que as aquisições realizadas, que ocorreram essencialmente no final do ano, têm prazos de pagamento dilatados”.

A Carris vai contratar, em 2019, 200 tripulantes (motoristas e guarda-freios), 20 trabalhadores oficinais e 10 quadros técnicos, depois de já ter ganho 209 trabalhadores neste mesmo ano, revelou a empresa ao Observador: o efetivo global passou de 2.112 trabalhadores em 2017 para 2.321 trabalhadores no final de 2018. Não obstante, e segundo uma análise aos relatórios e contas da Carris, a empresa perdeu, entre 2010 e 2018, mais de 400 trabalhadores.

https://twitter.com/biae__/status/1135800717569118213?ref_src=twsrc%5Etfw

A empresa iniciou, em 2018, um processo de aquisição de 250 autocarros, dos quais ainda só recebeu mais de 100. “A Carris irá receber em 2019 os autocarros encomendados em 2018 e pretende iniciar brevemente um processo de aquisição de mais 100 autocarros”. Mas só “serão rececionados em 2020 e 2021”, refere a empresa.

O Relatório e Contas de 2018  dá conta do desinvestimentos nos últimos anos. “Pela primeira vez, em quase uma década, a Carris recebeu novos veículos.” Segundo a empresa, a falta de investimento “contribuiu para uma frota envelhecida e desatualizada face às novas tecnologias existentes”.

No decorrer de 2018, a Carris “prosseguiu os processos de aquisição de veículos para a sua frota”, apesar de a receção dos novos autocarros apenas se ter iniciado no final do ano, o que teve como consequência o aumento da idade média da frota de autocarros, subindo dos 6,3 anos no final de 2009 para os 13,4 anos no final de 2018.

Fertagus. Menos bancos para caberem mais passageiros

A Fertagus foi a empresa que mais viu o número de passageiros aumentar com a entrada em vigor dos novos passes sociais. A empresa que opera os comboios na Ponte 25 de Abril viu a procura, medida através de uma contagem a um dia útil de maio, aumentar 19,2% face a 2018. Os períodos de ponta cresceram 16% e fora de ponta 26%. “A taxa de ocupação global do comboio cresceu de 22% para 26% e, no período de ponta da manhã, a taxa de ocupação subiu de 56% para 63%”, informou, em resposta a questões levantadas pelo Observador.

Para fazer face a esse crescimento da procura, a Fertagus optou por retirar bancos para transportar mais passageiros de pé. Desde 29 de maio, a empresa introduziu composições remodeladas, “cujo principal objetivo é o de melhorar a circulação e a distribuição no interior dos comboios, de forma a facilitar as entradas e as saídas dos passageiros e melhorar o conforto na sua utilização, especialmente pelos passageiros que viajam de pé”. Este “protótipo” vai circular em regime experimental. “Caso responda positivamente, a solução será estendida” a mais composições “ainda este ano”.

Com esta solução encontrada, o peso dos lugares sentados passa de 38% para 29%, pelo que são disponibilizados menos 112 lugares sentados e, em alternativa, mais 160 lugares em pé, o que se traduzirá num ganho de 48 lugares no comboio.  A empresa está ainda a preparar um novo horário, “em função da distribuição da procura verificada em maio”.

Apesar de ser das empresas de transportes menos castigadas da zona da Grande Lisboa — no Portal da Queixa, por exemplo, tem 96 reclamações no último ano, contra 643 da CP –, os passageiros da Fertagus começam também a acusar o aumento do número de passageiros.

"Comboios cheios, a abarrotar, poucas unidades, algumas delas com poucas carruagens, tudo isto a refletir-se no conforto e bem-estar dos passageiros e na qualidade do serviço. Pergunta: como é que com um serviço destes que claramente se começa a assemelhar muito ao da co-linha de Sintra e outros, mantém indicadores de qualidade como os que vejo publicitados no comboio?"
Paula Mendes, utente da Fertagus

“Se o preço do passe baixa drasticamente, obviamente que a afluência de passageiros vai aumentar, não é preciso ser um génio para o prever, arranjem uma solução para a guerra que é todas as manhãs para vir trabalhar ou então por favor pratiquem os preços que estavam antes estipulados, estou cansado de assistir/inevitavelmente participar em uma guerra dos tronos do mundo real todas as manhãs por um espacinho no comboio. Vergonhoso, já temos uma CP, não precisamos de outra!!”, escreveu um passageiro naquela plataforma online, no passado dia 30 de maio.

Paula Mendes, outra passageira, utilizadora do “comboio da ponte” desde o início, em 1999, apelou à empresa para que volte a apostar na qualidade do transporte: “Comboios cheios, a abarrotar, poucas unidades, algumas delas com poucas carruagens, tudo isto a refletir-se no conforto e bem-estar dos passageiros e na qualidade do serviço. Pergunta: como é que com um serviço destes que claramente se começa a assemelhar muito ao da co-linha de Sintra e outros, mantém indicadores de qualidade como os que vejo publicitados no comboio? Andam a manipular dados? Por favor encontrem soluções que não passem por retirar bancos para que mais pessoas possam viajar em pé! Ou estão a converter-se no metro de Lisboa?”.

Ao Observador, a Fertagus confirmou a receção de 632 reclamações entre janeiro e maio deste ano. Também explicou que já solicitou ao fabricante do material circulante que avalie a “possibilidade do fabrico de uma quinta carruagem”, que poderá vir a aumentar a capacidade do transporte que já existe. “Trata-se no entanto de uma medida que implicará alterações no tamanho das plataformas de algumas estações e que nunca poderá ser operacionalizada em menos de 2 anos.”  Das 18 unidades da empresa, 17 estão em funcionamento.

Durante 2018, continuaram a decorrer os trabalhos relativos “às intervenções de reabilitação da frota de material circulante tipo R1”, encontrando-se, no final do ano, com um índice de realização de 90%, segundo o Relatório e Contas. “Foram terminadas as substituições dos equipamentos de ar condicionado, a revisão de equipamentos de freio, a reparação de bogies [estrutura onde assenta a carruagem] e a introdução de novas soluções nos sistemas de apoio à condução e à informação aos passageiros.”

Entre janeiro a maio deste ano, foram suprimidos 31 comboios da Fertagus, num total de 18944 programados (5 foram suprimidos por responsabilidade da Fertagus, por avaria do material circulante). Daquelas 31 supressões, 11 resultaram da ocorrência da queda de uma catenária entre o Fogueteiro e Coina, a 27 de maio. A supressão destes 31 comboios corresponde a uma taxa de regularidade do serviço, nos primeiros 5 meses do ano, de 99,8%.

Relativamente ao número de trabalhadores, a empresa tem atualmente 169 funcionários — mais 12 efetivos do que em 2018, mas menos 24 face a 2010.

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