Os vinhos naturais são aqueles que resultam do trabalho de pequenos produtores que rejeitam em todo o seu processo de produção quaisquer produtos e métodos químicos ou industriais. Uma abordagem sem artifícios, que inclui o vinho orgânico e proveniente da agricultura biodinâmica, também em linha com os princípios da responsabilidade ambiental e social.
Um assunto controverso, que divide opiniões e que muitas vezes põe em lados opostos da barricada os defensores do convencional, face aos que preferem esta abordagem naturalista. Polémicas à parte, sejam naturais, biodinâmicos ou orgânicos, a cultura vínica que faz nascer o produto com nenhuma ou pouca intervenção, bem sedimentada noutras capitais europeias, chegou a Lisboa e veio para ficar. Graça, Santos, Estrela ou Arroios são alguns dos bairros onde é possível aventurar-se por este universo — universo esse que, goste-se ou não, veste camisas com flores, tem boné e usa calões: despe-se de formalidades, despede-se da rigidez e concede ao universo vínico um cariz mais alternativo e descontraído.
Se ainda não conhece — ou se conhece e quer continuar a explorar — reunimos 11 espaços onde poderá provar vinhos naturais.
Insaciável
Rua da Esperança 156. Tel.: 933 717 911 .Terça-feira a sábado, das 17h à meia-noite.
Os franceses Caroline Bos e Arnaud Quinty chegaram a Lisboa, em outubro de 2019, com uma década de trabalho na área da hotelaria acumulada noutras partes do mundo — de São Paulo, no Brasil, a Amesterdão, nos Países Baixos. Com a pandemia, tiveram de mudar de planos: “A Covid-19 impediu-nos de continuarmos a nossa carreira. Não queríamos esperar que a industria da hotelaria se voltasse a levantar, então decidimos abrir o nosso negócio das nossas paixões, a comida e o vinho”, contam ao Observador. É assim que na Rua da Esperança nasce o Insaciável, um bar com uma “cuidada” seleção de mais de cem referências de vinhos portugueses e franceses, “produzidos através de práticas agrícolas sustentáveis com um mínimo de intervenções químicas”. Chamam-lhe o “vinho natural, vinho artesanal, vinho vivo ou de Terroir”, mas, diz a dupla, tudo se resume a “vinho de qualidade, bem feito.”
A oferta está em “constante mudança”, não viesse de pequenas produções. “Portugal é um pais com uma diversidade de terroir incrível, os nossos clientes podem desfrutar da mineralidade dos vinhos do António Madeira no Dão, da frescura dos vinhos da Quinta da Palmerinha no vinho verde ou da salinidade dos vinhos da Adega Viúva Gomes em Colares”, destacam. No que respeita ao produto francês: “Estamos orgulhosos de oferecer vinhos do Domaine de L’Astré, Château Lestignac ou Domaine Coquelicot.”
O Insaciável — termo que remete para um desejo que é infinito, ilustrando a paixão de Caroline e Arnaud pela boa comida e bebida — tem ainda uma carta com pequenos pratos de partilha, que mudam conforme a estação e que “utilizam produtos sustentáveis portugueses de alta qualidade”.
Holy Wine Lisbon
Calçada da Estrela 15. Tel.: 912 122 038. Domingo a quinta-feira, das 14h às 22h. Sexta-feira e sábado, das 15h às 23h.
No espaço onde antes ficava uma pequena sapataria, na Calçada da Estrela, vive agora um bar abençoado pelo nome. Não vai ser difícil encontrar o Holy Wine: a porta está aberta e deixa ver o néon vermelho junto do balcão em que se lê vinho em inglês. Com uma pequena esplanada, tem mesas e cadeiras rente ao chão — e não será assim tão raro ver os clientes sentados na própria calçada. Kate Rodionova e Sasha Sutotormina, especialista em gastronomia, são as russas responsáveis por trazer à capital portuguesa mais um sítio dedicado aos vinhos naturais e orgânicos, sejam provenientes produções nacionais ou do resto da Europa. O espaço, com pouco menos de uma centena de referências, é, novamente, resultado dos atropelos provocados pela pandemia — é que o plano era lançar um projeto dedicado ao bolo do caco, vontade que surgiu depois de Rodionova ter passado pela Madeira e ter-se apaixonado pelo achatado pão de trigo insular.
Bar Boca
R. do Vigário 44. Tel.: 962 928 144. 19h à meia-noite.
Fica numa rua calma de Alfama, fora do roteiro dos Tuk Tuk, daquelas que se alcançam por engano ou por um qualquer ímpeto exploratório. E, outra vez, é o néon à porta que alerta para a chegada ao Bar Boca. De Elliot Jones, canadiano de 32 anos que se mudou para Lisboa faz já quatro, reflete na oferta os princípios do natural e do sustentável, valores que foi desenvolvendo enquanto chef de cozinha. Aqui servem-se vinhos naturais, biológicos e biodinâmicos que se fazem acompanhar por uma carta de base vegetal, que se inspira sobretudo na cultura mediterrânica e que vai mudando conforme a estação. “O background da minha família é grega e, portanto, gosto muito do estilo de comida mediterrânea — da simplicidade, das ervas, das especiarias.” O espaço, que já foi uma farmácia e pastelaria, ganha também expressão através dos sons do jazz e da bossa-nova. Não quer ser bar-discoteca. Quer ser casa: “Queremos que as pessoas se sintam em casa, com luz quente, boa comida e bom vinho.” Inclui referências de vinhos portuguesas, mas não só — há de França, Espanha, Itália ou da Georgia.
Ippolito Maciste Bar
Rua da Esperança 72. Tel.: 21 397 0271. Terça-feira a sábado, das 18h à meia-noite.
Ippolito é um cão de raça Boston Terrier, Maciste é um Teckle e o Ippolito Maciste é o nome do novo wine bar de Santos. Os donos (de ambos, dos animais e do restaurante) são Marco von Ritter e Thomas Cecchetti, dupla de origem italiana que trouxe a Lisboa aquele que poderá ser o primeiro bar de vinhos objetiva e assumidamente pet friendly. Os vinhos respondem à tendência do momento e são, na maioria, naturais. “Também temos biodinâmicos e biológicos”, explica Thomas, que, de origem francesa, viveu muitos anos neste país, que o apresentou à cultura do vinho minimamente intervencionado. Com mais de 130 referências que vêm de vários pontos da Europa, desde Portugal, França e Itália, Austrália — a ideia é ter uma oferta “diversificada” —, a carta está em constante mudança. “Estamos sempre à procura de novos produtores”, explica. O bar ainda com um menu de comida, construido pelo chef brasileiro, que une aos pratos de partilha italianos permanentes, algumas sugestões que se inspiram em várias parte do mundo — desde hambúrguer de polvo a hummus.
A Viagem das Horas
R. José Ricardo 1. Tel.: 937 012 163. Terça-feira a sábado, das 17h à meia-noite.
Vinhos, petiscos e, claro, música, não fosse esta a praia de Ricardo Maneira, outrora DJ Rycardo. Era, precisamente, essa a sua profissão antes de a pandemia ter explodido. Com a crise de saúde pública, ficou sem trabalho e com a indemnização de um emprego de outros tempos lançou-se ao projeto que desejava construir há muito tempo: ter um espaço em Arroios, ali bem junto ao Mercado, onde pudesse reunir estas três componentes. Tudo escolhido a dedo, sem nunca descurar da qualidade do produto que se bebe, que se come e que se ouve, a partir de um gira discos de vinil, que tem preferência pelo jazz. N’A Viagem das Horas os vinhos são naturais, mas não só. “Temos vinhos naturais, cada vez mais. Mas também temos os convencionais, para ter oferta que agrade a um leque mais alargado de pessoas”, explica. “Trabalho com muitos vinhos portugueses e estrangeiros.” Qualquer uma das opções pode ser pedida a copo, com um valor que não excede os cinco euros. A ideia, explica Ricardo, é criar um espaço que permita às pessoas provar e conhecer. A Viagem das Horas é ainda epicentro de sinergias criadas com os espaços vizinhos: Ricardo vai ao Mercado 31 de Janeiro comprar peixe, vai ao de Arroios comprar queijo. Serve pão da padaria Terrapão, húmus e babaganoush do restaurante Mezze. “Tento fazer a minha vida aqui no bairro”.
O Pif
R. Maria 43A. Terça-feira a quinta-feira, das 17h Às 23h30. Sexta-feira e sábado, das 17h às 23h.
Na língua francesa, o termo “pif” tem vários significados: pode ser utilizado para fazer referência a um nariz; quando lhe juntamos um “au” — “au pif” — remete para aleatoriedade; e no calão é utilizado para aludir ao “vinho”. Este último está mais próximo do nosso português. É quase numa esquina da Rua Maria, nos Anjos, que encontramos o O Pif: um wine bar de bairro, com uma seleção de não mais de 20 vinhos portugueses de pouca intervenção. Vendidos a copo ou a garrafa, seja branco, tinto ou rosé, é Adélaïde Biret, francesa que há uma mão de anos se mudou para Lisboa, quem os escolhe. A juntar à bebida, há também comida para picar neste wine bar que, na esplanada, se eleva num pequeno deck em madeira instalado naquele que é conhecido como o bairro das ex-colónias.
Pop the Wine
Rua do Vale de Santo António 180. Tel.: 918 959 979. Segunda-feira a sábado, das 16h às 23h.
Luís Catela trabalhava na indústria da música e cansou-se. De visita a Paris há seis anos, descobriu os vinhos de produção minimamente interventiva e ficou “fascinado”. Aproveitou a boleia emocional, tirou o curso de WSet e começou a trabalhar com vinhos — primeiro com os convencionais, crescendo então o interesse pelos naturais. Passou pelo Prado Mercearia, pelo Atla e, durante a pandemia, teve uma ideia. Numa altura em que a compra de vinho — companheiro de tantos confinamentos — disparou, lançou um negócio de caixas de vinho natural. “Através do Instagram, as pessoas faziam a encomenda. Eu fazia a seleção de vinhos e distribuía. Correu muito bem.”
Com isto, uma ideia já semeada cresceu e foi começando a ganhar contornos reais. Inicialmente, Luís idealizava apenas uma loja, “uma coisinha muito pequena”, mas depois de encontrar o sítio certo no Vale de Santo António, na Graça, percebeu que podia receber clientes que se quisessem sentar. Era um futuro win bar: “Encontrei uma loja que gostei muito, que tinha o tamanho ideal e que também servia para criar uma zona de bar.” O Pop The Wine tem capacidade para 12 pessoas no interior e quatro na pequena esplanada no exterior. Aqui, os clientes podem escolher entre as 50 referências de vinho que constituem uma carta que é dinâmica. “Tenho poucas [referências] e rodo muito”, diz. É assim que prefere, até porque trabalha com produções mais pequenas. São maioritariamente portugueses: “Dos 50, 40 são portugueses e dez são estrangeiros. A copo são quase sempre portugueses — até porque é esta a preferência do público.”
Destaca o vinho verde Quinta de Penhó de um produtor “pequeníssimo”. “E tudo artesanal, feito quase manualmente”, conta. A cidra, diz, é outra grande tendência. No Wine the Pop pode agora provar a Fada dos Dentes, de outro produtor pequeno, um “rapaz do Minho que faz tudo, desde o teste à distribuição”, conta. Para acompanhar, conte com snacks, como azeitonas, tostas ou frutos secos. E se também é apreciador de arte, saiba que a cada terceiro sábado do mês, o Pop the Wine recebe um leilão com artistas locais e independentes. “Todos os meses há cerca de 7 ou 8 que vêm leiloar peças originais deles.”
Senhor Manuel
Rua Santo Amaro, 66A, Lisboa. Tel.: 213960917. Todos os dias, das 18h à 1h.
Irmão mais novo do Senhor Uva — restaurante de menu vegetariano e vinhos de baixa intervenção que chegou à Estrela em 2019 —, o Senhor Manuel fica exatamente do outro lado da rua. É um bar de vinhos, que dedica o nome à figura que durante mais de cinco décadas foi proprietária do espaço, com quem Marc Davidson e Stephanie Audet, canadianos responsáveis pelos dois projetos, tomavam o pequeno-almoço diariamente. “Um ambiente focado no vinho dedicado a eventos e degustações de vinhos”, pode ler-se na descrição do site. É bar de vinhos e também espaço complementar do irmão mais velho, sentando pessoas para as refeições. Há ainda hipótese para eventos particulares: “Oferecemos jantares privados em nossa adega adaptada para até 8 pessoas.”
Black Sheep
Praça das Flores, 62. Tel.: 938 946 752. Quarta-feira e quinta-feira, das 18h às 23h30. Sexta-feira, das 18h à 1h. Sábado, das 20h à meia-noite.
A ovelha negra da Praça das Flores quer receber aqueles que, como ela, “traçam o seu próprio rumo” e que não são suscetíveis ao ruído das massas. Aqui há vinhos portugueses produzidos por pequenos produtores artesanais, a que se juntam referências internacionais. São naturais, orgânicos ou biodinâmicos, mas em comum têm o facto de serem “um reflexo do terroir e das pessoas/famílias que os fizeram”. Valorizando o trabalho das “pessoas dispostas a fazer as coisas à sua maneira”, com a crença de que as estão a fazer “da forma certa”, no Black Sheep a carta de vinhos está em constante mudança, sendo os proprietários Bruna Ventura e Lucas Ferreira, dois “wine geek brasileiros”, os responsáveis pela sua curadoria. Uma loja e um bar, que promete ainda “boa música, ambiente acolhedor”, bem como um especialista em vinhos por detrás do balcão a responder às dúvidas dos clientes.
Rebel Rebel
Travessa de S. Plácido 48A. De segunda-feira a quinta-feira, das 16h às 20h. Sábado, das 12h às 16h.
Foi um dos primeiros a apresentar Lisboa aos vinhos naturais. Tudo porque Jenifer Duke, americana que vivia em Berlim, se cansou da vida no universo corporativo — era COO numa empresa ligada a startups tecnológicas. Conheceu Lisboa, gostou da cidade e foi aqui que decidiu dar uma volta à sua vida: já bastante familiarizada com a cultura do vinho que rejeita o produto químico, decide criar um negócio de importação e exportação deste produto, tendo começado por abastecer espaços como o Senhor Uva ou o Prado. “Estava a encomendar de um site espanhol e as paletas vinham para minha casa. Eu brincava no início: se ninguém comprasse eu morria bêbada e feliz.” Pouco depois, abre o Rebel Rebel, em Santos, a sua própria loja de vinhos, que vem a transformar-se também num bar onde só entra o natural, biodinâmico, orgânico e nunca biológico. Explica-nos que o bio é, no que respeita à responsabilidade social, um termo oco: também tem químicos e que o que diferencia um produto convencional de um que tem este carimbo é, muitas vezes, irrisório. A exigência sobre o produto tem que ver com dois aspetos. “As duas coisas mais importantes quando se trata de comprar e vender vinho é a filosofia do produtor sobre a agricultura, porque é mesmo verdade que estamos a matar o nossos planeta”, diz. “A segunda está relacionada com a pessoa. Vou conhecer todos os meus produtores: como com eles, vejo as suas vinhas, quero ouvir as suas historias, quero conhecer as suas famílias”, conta. Aos vinhos da Rebel Rebel — que têm sempre uma história associada — vai juntar-se brevemente uma carta de snacks criada pelo chef João Santos (vindo diretamente do Trinca), que poderá ser desfrutada no piso térreo, na mezzanine ou no andar de inferior. Até lá, encontra a poucos metros o Tricky’s, restaurante que Jenifer abriu, onde também só entra o vinho não intervencionado.
Vino Vero
Tv. do Monte 30. Tel.: 21 886 3115. Domingo a quinta-feira, das 18h à meia-noite. Sexta-feira e sábado, das 13h à meia-noite.
Foi um dos pioneiros em Lisboa, de portas abertas antes de o vinho natural ter sido proclamado tendência. É numa pequena rua do centro da Graça que encontramos esta casa italiana que trouxe para Lisboa o conceito estreado em Veneza, em 2014: com o interior aberto para a esplanada, Vino Vero é de Giulia, proprietária sempre à caça de vinhos que dispensam processos químicos e industriais. “A experiência que acumulámos ao longo dos anos permitiu-nos ter rápido sucesso a exportar a melhor produção de vinho da Europa, dando-a a acontecer a uma maior e mais diversa audiência, levando-a numa viagem pelas nossas garrafeiras, pelo terroir do velho continente.”