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Há momentos tão marcantes e inesperados que recordamos todos os pormenores. Para quem gosta de futebol, a paragem cardíaca de Christian Eriksen foi um desses momentos. O número 10 da Dinamarca caiu inanimado ao minuto 43′ do Dinamarca-Finlândia, na primeira jornada da fase de grupos do Euro 2020. A imagem não foi esquecida por ninguém, fosse em Portugal ou, principalmente, na Dinamarca.
Este domingo, três anos e três dias depois do momento que parou o Europeu, o Observador falou com todos os adeptos dinamarqueses que encontrou com a camisola de Eriksen vestida. E todos eles sabem onde estavam, com quem estavam, o que sentiram, o que disseram e não disseram.
Maja. “Ligámos todos uns aos outros. Precisávamos de desabafar”
Maja vinha de mão dada com o filho, de apenas sete anos. Hoje, Michael já percebe ao que vai, mas no último Campeonato da Europa, com apenas quatro primaveras feitas, não percebia bem o jogo, muito menos o que aconteceu no dia 12 de junho de 2021. “Estávamos todos muito assustados. O meu filho tinha quatro anos e tivemos de lhe explicar o que tinha acontecido e porque é que o Christian estava no chão”.
Não é uma coisa fácil de explicar, muito menos a um menino de quatro anos. Mas Maja deu o seu melhor: “Dissemos-lhe que ele tinha tido um problema, que tinha ido para o hospital, mas que já estava bem”. Uma explicação básica e adequada a uma criança. Mas a questão é: e como lidar com isto sendo adulto e já tendo tantos medos? Fala-se.
“Ligámos todos uns aos outros. Todos nos perguntávamos se ele ia ficar bem, precisávamos de desabafar uns com os outros, estávamos muito assustados. Eu? Eu liguei à minha mãe”.
Casper. “Estava no Iraque a ver o jogo com outros soldados. Ninguém falou mais”
A camisola de Casper é das poucas branca, a cor da camisola alternativa da Dinamarca. A cor é da paz, mas foi na guerra que este dinamarquês assistiu ao momento do colapso de Eriksen. Sem revelar a missão que cumpria em Bagdade, lembra o silêncio que ficou no quarto onde estava: “Toda a gente ficou calada. Ninguém falava. Estavam todos a remoer os seus pensamentos e a pedir para que ficasse tudo bem”.
Casper era o único soldado dinamarquês naquele quarto, partilhado com alguns espanhóis. Sentiu por isso mais, sozinho e à distância, toda a situação. O que não significa que não tenha partilhado as mesmas sensações: “Quando aquilo aconteceu, unimo-nos todos. Todos os dinamarqueses se juntaram. Ele é um símbolo para nós”, explica.
Já não se lembra do resto do jogo, visto em Bagdade. Mas lembra-se que isso de pouco valia. “Depois do problema dele, nada mais importava. O jogo muito menos. Só queríamos que ficasse bem”. E ficou. Agora, Casper, em Estugarda, viu-o ao vivo e a marcar um golo.
Karsten. “Fui para o quarto rezar. Só parei quando soube que ele estava bem”
Karsten tem 19 anos. Tinha 16 aquando daquele Dinamarca-Finlândia. Na altura, achou que era inevitável: Christian Eriksen, o seu ídolo, ia morrer. “Fiquei devastado, achava mesmo que o pior tinha acontecido. Nem consegui ver, tive de sair da sala, fui para o quarto e rezei”. Ficou por lá várias dezenas de minutos. Costuma-se dizer que Deus não atende a pedidos de futebol, mas não era sobre o jogo que se rezava desta vez. E por isso Karsten só parou quando chegaram boas notícias. “Só parei de rezar quando a minha mãe me bateu à porta do quarto e me avisou que ele tinha recuperado a consciência e já estava a ir para o hospital. Foi um alívio. Na altura só pensei ‘ok, a minha reza ajudou'”.
Tenha ou não, é um ato que mostra a paixão que os dinamarques têm pelo seu número 10. E Karsten em especial, sendo o seu ídolo de infância e adolescência. Só havia então uma coisa a fazer para homenagear Eriksen. “Esta camisola é a dele do Euro 2020. É uma camisola muito importante para mim. Tinha de a comprar”.
E comprou-a, mesmo achando que os anos a ver Christian nos relvados tinham acabado. “Nunca esperei que ele voltasse a jogar, porque o mais importante mesmo era que ele ficasse bem de saúde. Jogar novamente era um sonho muito distante. É um milagre ele estar aqui, no Euro, a jogar”. E marcar? O que seria, então? “Seria muito especial”. Karsten já pode confirmar que o foi.
Emile. “Ele significa tudo para nós. Adoramo-lo”
Emile estava onde tudo aconteceu, no estádio. É bom lembrar que no Euro 2020, realizado em vários países da Europa, a Dinamarca fez os três jogos da fase de grupos, no Parken de Copenhaga. Era lá que Emile estava. E nunca vai esquecer o que viu. “Eu vi-o a cair. Ao início achei que ele se tinha lesionado apenas. Só depois é que percebi que era pior do que isso”. E só percebeu com ajuda de alguns amigos, que estavam em casa. Fiquei chocado, não sabia no que pensar. No estádio não percebemos bem o que tinha acontecido, tivemos de mandar mensagem a quem estava a ver na televisão”, conta.
Os dias seguintes foram estranhos e muito comoventes. Também o depoimento de Emile foi o mais tocante, com os sentimentos à flor da pele enquanto descrevia aquela altura: “Foi como um momento de luto nacional. Estávamos todos muito tristes e só queríamos boas notícias. Felizmente elas chegaram e até ajudaram a equipa a fazer um bom Euro 2020″.
Mas o “bom Euro” pouco importava. Ao contrário deste ano. Neste, é para vingar o que aconteceu, até porque Christian está cá. Algo em que Emile não acreditaria, se lhe tivéssemos dito há três anos. “Ao princípio achávamos que estava feito, que a carreira dele tinha acabado. Até porque só queríamos era que ele estivesse bem de saúde. Para ser sincero, estou super feliz que ele esteja de volta. É o nosso jogador mais importante, nós adoramo-lo”.
No fim, perguntámos-lhe porque é que tinha aquela camisola vestida. De olhos já vermelhos, respondeu: “Ele é o meu jogador favorito, sem dúvida nenhuma. Esta camisola é muito especial para mim depois do que aconteceu. O Christian significa tudo para os dinamarqueses. Nós adoramo-lo”, reafirma.
Magnus. “O meu pai teve de sair de casa. Foi dar uma volta. Não conseguia ver mais aquilo”
Magnus não conseguiu bilhete para ir ao estádio, mas viu o jogo com a sua família. Lembra-se do que sentiu ao ver aquelas imagens tão angustiantes na televisão. Principalmente o momento em que a equipa da Dinamarca se juntou em redor de Eriksen, para tapar o colega das câmaras. Viu tudo. Já o seu pai não conseguiu: “Foi um grande choque para todos. O meu pai teve de sair de casa. Foi dar uma volta, porque não conseguia ver mais aquilo”.
Ainda assim, o momento e a atitude dos jogadores dinamarqueses deu o exemplo. Magnus sentiu orgulho no seu país, talvez como nunca tinha sentido, sendo ainda jovem. “Unimo-nos todos. Os dinamarqueses e a equipa. Percebemos que, por vezes, damos valor a coisas que não importam”, diz.
E não foi só o exemplo da equipa que ficou. Mérito também para o homem que “morreu” e renasceu das cinzas. Eriksen já era um ídolo para Magnus. A partir daí tornou-se algo mais. “Ele é a nossa estrela maior, é um jogador incrível, é o meu exemplo. Eu acompanho-o desde criança, sempre foi o meu ídolo. Ainda por cima eu também jogo no meio-campo, como ele”.
Carl. “Estava no estádio, perto dele. Comecei a chorar”
Tal como Emile, Carl também estava no estádio, mas com algumas diferenças. Emile estava mais longe, mas viu. Carl estava mais perto e não viu. Mas não é preciso ter assistido ao momento para sentir a emoção. “Eu estava no estádio em Copenhaga. Comecei a chorar. Eu estava muito perto dele, não o vi a cair, só o vi estendido. Foi… (pausa) foi duro, mas acho que mostrou também a força que os dinamarqueses têm”.
E essa força foi o que segurou um país. Mas mesmo nos dias seguintes, e apesar de já haver a garantia de que Christian estava bem, continuava uma nuvem cinzenta a pairar sobre cada dinamarquês. “Estávamos todos em choque, mesmo sabendo que ele tinha sobrevivido. Rezámos durante vários meses para que ele ficasse bem e pudesse voltar. E voltou”.
Voltou e Carl vai vê-lo outra vez, algo que na altura achava impensável, agora até a marcar. Ao Observador diz que não é o seu maior ídolo de sempre, mas que está lá perto. Quem sabe, o golo marcado este domingo, tenha ajudado a subir um lugar: “Eu cresci a ver outro grande jogador e por isso é difícil. Mas além de Laudrup, é o melhor jogador dinamarquês da história”, admite.
Foi um dos dias mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa e vai continuar na memória. Mas agora há outro para recordar. Certamente que os adeptos dinamarqueses nunca vão esquecer este domingo, o dia em que Christian Eriksen ressuscitou dos mortos e voltou a jogar num Euro… a marcar… e a receber o prémio de Homem do Jogo, apesar do empate. Vão saber com quem estavam, o que sentiram, o que disseram, o que não disseram.