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André Maia/Observador

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"Ele significa tudo para nós. Adoramo-lo". O dia da "morte" e da ressurreição de Christian Eriksen

Christian Eriksen esteve às portas da morte num jogo do Euro 2020, num momento que não se esquece. Minutos antes de marcar, Observador falou com dinamarqueses que o levam na camisola: "É especial".

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Há momentos tão marcantes e inesperados que recordamos todos os pormenores. Para quem gosta de futebol, a paragem cardíaca de Christian Eriksen foi um desses momentos. O número 10 da Dinamarca caiu inanimado ao minuto 43′ do Dinamarca-Finlândia, na primeira jornada da fase de grupos do Euro 2020. A imagem não foi esquecida por ninguém, fosse em Portugal ou, principalmente, na Dinamarca.

Este domingo, três anos e três dias depois do momento que parou o Europeu, o Observador falou com todos os adeptos dinamarqueses que encontrou com a camisola de Eriksen vestida. E todos eles sabem onde estavam, com quem estavam, o que sentiram, o que disseram e não disseram.

Maja sentiu a necessidade de desabafar naquele dia. Recorreu aos pais.

André Maia/Observador

Maja. “Ligámos todos uns aos outros. Precisávamos de desabafar”

Maja vinha de mão dada com o filho, de apenas sete anos. Hoje, Michael já percebe ao que vai, mas no último Campeonato da Europa, com apenas quatro primaveras feitas, não percebia bem o jogo, muito menos o que aconteceu no dia 12 de junho de 2021. “Estávamos todos muito assustados. O meu filho tinha quatro anos e tivemos de lhe explicar o que tinha acontecido e porque é que o Christian estava no chão”.

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Não é uma coisa fácil de explicar, muito menos a um menino de quatro anos. Mas Maja deu o seu melhor: “Dissemos-lhe que ele tinha tido um problema, que tinha ido para o hospital, mas que já estava bem”. Uma explicação básica e adequada a uma criança. Mas a questão é: e como lidar com isto sendo adulto e já tendo tantos medos? Fala-se.

“Ligámos todos uns aos outros. Todos nos perguntávamos se ele ia ficar bem, precisávamos de desabafar uns com os outros, estávamos muito assustados. Eu? Eu liguei à minha mãe”.

Casper estava em Bagdade, no Iraque. Viu tudo com soldados espanhóis.

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Casper. “Estava no Iraque a ver o jogo com outros soldados. Ninguém falou mais”

A camisola de Casper é das poucas branca, a cor da camisola alternativa da Dinamarca. A cor é da paz, mas foi na guerra que este dinamarquês assistiu ao momento do colapso de Eriksen. Sem revelar a missão que cumpria em Bagdade, lembra o silêncio que ficou no quarto onde estava: “Toda a gente ficou calada. Ninguém falava. Estavam todos a remoer os seus pensamentos e a pedir para que ficasse tudo bem”.

Casper era o único soldado dinamarquês naquele quarto, partilhado com alguns espanhóis. Sentiu por isso mais, sozinho e à distância, toda a situação. O que não significa que não tenha partilhado as mesmas sensações: “Quando aquilo aconteceu, unimo-nos todos. Todos os dinamarqueses se juntaram. Ele é um símbolo para nós”, explica.

Já não se lembra do resto do jogo, visto em Bagdade. Mas lembra-se que isso de pouco valia. “Depois do problema dele, nada mais importava. O jogo muito menos. Só queríamos que ficasse bem”. E ficou. Agora, Casper, em Estugarda, viu-o ao vivo e a marcar um golo.

Karsten rezou e rezou e rezou. Minutos de pois, Eriksen estava salvo.

André Maia/Observador

Karsten. “Fui para o quarto rezar. Só parei quando soube que ele estava bem”

Karsten tem 19 anos. Tinha 16 aquando daquele Dinamarca-Finlândia. Na altura, achou que era inevitável: Christian Eriksen, o seu ídolo, ia morrer. “Fiquei devastado, achava mesmo que o pior tinha acontecido. Nem consegui ver, tive de sair da sala, fui para o quarto e rezei”. Ficou por lá várias dezenas de minutos. Costuma-se dizer que Deus não atende a pedidos de futebol, mas não era sobre o jogo que se rezava desta vez. E por isso Karsten só parou quando chegaram boas notícias. “Só parei de rezar quando a minha mãe me bateu à porta do quarto e me avisou que ele tinha recuperado a consciência e já estava a ir para o hospital. Foi um alívio. Na altura só pensei ‘ok, a minha reza ajudou'”.

Tenha ou não, é um ato que mostra a paixão que os dinamarques têm pelo seu número 10. E Karsten em especial, sendo o seu ídolo de infância e adolescência. Só havia então uma coisa a fazer para homenagear Eriksen. “Esta camisola é a dele do Euro 2020. É uma camisola muito importante para mim. Tinha de a comprar”.

E comprou-a, mesmo achando que os anos a ver Christian nos relvados tinham acabado. “Nunca esperei que ele voltasse a jogar, porque o mais importante mesmo era que ele ficasse bem de saúde. Jogar novamente era um sonho muito distante. É um milagre ele estar aqui, no Euro, a jogar”. E marcar? O que seria, então? “Seria muito especial”. Karsten já pode confirmar que o foi.

Emile emocionou-se ao falar sobre o momento com o Observador

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Emile. “Ele significa tudo para nós. Adoramo-lo”

Emile estava onde tudo aconteceu, no estádio. É bom lembrar que no Euro 2020, realizado em vários países da Europa, a Dinamarca fez os três jogos da fase de grupos, no Parken de Copenhaga. Era lá que Emile estava. E nunca vai esquecer o que viu. “Eu vi-o a cair. Ao início achei que ele se tinha lesionado apenas. Só depois é que percebi que era pior do que isso”. E só percebeu com ajuda de alguns amigos, que estavam em casa. Fiquei chocado, não sabia no que pensar. No estádio não percebemos bem o que tinha acontecido, tivemos de mandar mensagem a quem estava a ver na televisão”, conta.

Os dias seguintes foram estranhos e muito comoventes. Também o depoimento de Emile foi o mais tocante, com os sentimentos à flor da pele enquanto descrevia aquela altura: “Foi como um momento de luto nacional. Estávamos todos muito tristes e só queríamos boas notícias. Felizmente elas chegaram e até ajudaram a equipa a fazer um bom Euro 2020″.

Mas o “bom Euro” pouco importava. Ao contrário deste ano. Neste, é para vingar o que aconteceu, até porque Christian está cá. Algo em que Emile não acreditaria, se lhe tivéssemos dito há três anos. “Ao princípio achávamos que estava feito, que a carreira dele tinha acabado. Até porque só queríamos era que ele estivesse bem de saúde. Para ser sincero, estou super feliz que ele esteja de volta. É o nosso jogador mais importante, nós adoramo-lo”.

No fim, perguntámos-lhe porque é que tinha aquela camisola vestida. De olhos já vermelhos, respondeu: “Ele é o meu jogador favorito, sem dúvida nenhuma. Esta camisola é muito especial para mim depois do que aconteceu. O Christian significa tudo para os dinamarqueses. Nós adoramo-lo”, reafirma.

Enquanto houve jogo, Magnus viu-o com o seu pai. Depois ficou sozinho

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Magnus. “O meu pai teve de sair de casa. Foi dar uma volta. Não conseguia ver mais aquilo”

Magnus não conseguiu bilhete para ir ao estádio, mas viu o jogo com a sua família. Lembra-se do que sentiu ao ver aquelas imagens tão angustiantes na televisão. Principalmente o momento em que a equipa da Dinamarca se juntou em redor de Eriksen, para tapar o colega das câmaras. Viu tudo. Já o seu pai não conseguiu: “Foi um grande choque para todos. O meu pai teve de sair de casa. Foi dar uma volta, porque não conseguia ver mais aquilo”.

Ainda assim, o momento e a atitude dos jogadores dinamarqueses deu o exemplo. Magnus sentiu orgulho no seu país, talvez como nunca tinha sentido, sendo ainda jovem. “Unimo-nos todos. Os dinamarqueses e a equipa. Percebemos que, por vezes, damos valor a coisas que não importam”, diz.

E não foi só o exemplo da equipa que ficou. Mérito também para o homem que “morreu” e renasceu das cinzas. Eriksen já era um ídolo para Magnus. A partir daí tornou-se algo mais. “Ele é a nossa estrela maior, é um jogador incrível, é o meu exemplo. Eu acompanho-o desde criança, sempre foi o meu ídolo. Ainda por cima eu também jogo no meio-campo, como ele”.

Carl estava no estádio e chorou quando viu Eriksen estendido

André Maia/Observador

Carl. “Estava no estádio, perto dele. Comecei a chorar”

Tal como Emile, Carl também estava no estádio, mas com algumas diferenças. Emile estava mais longe, mas viu. Carl estava mais perto e não viu. Mas não é preciso ter assistido ao momento para sentir a emoção. “Eu estava no estádio em Copenhaga. Comecei a chorar. Eu estava muito perto dele, não o vi a cair, só o vi estendido. Foi… (pausa) foi duro, mas acho que mostrou também a força que os dinamarqueses têm”.

E essa força foi o que segurou um país. Mas mesmo nos dias seguintes, e apesar de já haver a garantia de que Christian estava bem, continuava uma nuvem cinzenta a pairar sobre cada dinamarquês. “Estávamos todos em choque, mesmo sabendo que ele tinha sobrevivido. Rezámos durante vários meses para que ele ficasse bem e pudesse voltar. E voltou”.

Voltou e Carl vai vê-lo outra vez, algo que na altura achava impensável, agora até a marcar. Ao Observador diz que não é o seu maior ídolo de sempre, mas que está lá perto. Quem sabe, o golo marcado este domingo, tenha ajudado a subir um lugar: “Eu cresci a ver outro grande jogador e por isso é difícil. Mas além de Laudrup, é o melhor jogador dinamarquês da história”, admite.

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POOL/AFP via Getty Images

Foi um dos dias mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa e vai continuar na memória. Mas agora há outro para recordar. Certamente que os adeptos dinamarqueses nunca vão esquecer este domingo, o dia em que Christian Eriksen ressuscitou dos mortos e voltou a jogar num Euro… a marcar… e a receber o prémio de Homem do Jogo, apesar do empate. Vão saber com quem estavam, o que sentiram, o que disseram, o que não disseram.

O dia em que Eriksen afastou fantasmas foi o dia que Erik escolheu para ser herói (a crónica do Eslovénia-Dinamarca)

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