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O "Areias" tem sensores que lhe permitem afastar-se dos obstáculos e adaptar a velocidade ao utente que o segue
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O "Areias" tem sensores que lhe permitem afastar-se dos obstáculos e adaptar a velocidade ao utente que o segue

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O "Areias" tem sensores que lhe permitem afastar-se dos obstáculos e adaptar a velocidade ao utente que o segue

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Eles já trabalham entre nós — os novos ‘empregos’ dos robôs no hospital, na estação de comboios e até na estufa

Na Figueira da Foz, "Areias" faz quilómetros para encaminhar utentes. Em Odemira, testa-se a apanha mecanizada de framboesas. Indústria ainda domina os robôs, mas aos poucos surgem noutros corredores.

“Olá, deem-me uma nova tarefa, por favor”
“É um prazer mostrar-lhe o caminho”
“Por favor, abram alas para mim”

O “Areias” é um robô, tem uma ‘bata’ amarela e muitos quilómetros nas rodas. Foi programado para, além de encaminhar os utentes que se perdem no hospital e transportar medicamentos, expressar empatia com quem se cruza com ele. Num curto percurso de elevador, vai repetindo: “é um prazer estar nesta viagem consigo”. Num corredor mais estreito alerta: “por favor, tenha cuidado comigo”. Pede licença para passar, avisa se vai virar à direita ou à esquerda, por vezes pisca o “olho”. Pára caso se aproxime de alguém, cede passagem, sabe chamar elevadores (por bluetooth) e até canta os parabéns.

Desde julho de 2023 que percorre os corredores do Hospital da Figueira da Foz (hoje ULS do Baixo Mondego) com mais dois colegas, o Brisa e o Maresia, nomes escolhidos por concurso pelos profissionais de saúde do hospital com vista para o mar. Para já, tem sido mais usado para encaminhar os doentes para as consultas, sobretudo as de especialidades que ficam mais longe da entrada do hospital, como fisioterapia ou nutrição.

“Tínhamos um problema, que era a dificuldade de deslocação dos doentes quando precisam de se movimentar no hospital. Pela sua configuração (não foi feito de raiz para ser um hospital e é extenso), não é fácil, em especial no caso dos utentes mais idosos, mesmo com investimento em sinalética”, explica ao Observador Ana Raquel Santos, presidente do conselho de administração, que acredita ser aquele o primeiro hospital público do país a usar robôs do género. Os utentes ficavam confusos, perdiam-se, tinham de pedir indicações ou precisavam que um profissional de saúde deixasse o seu trabalho para os acompanhar.

Hospital da Figueira da Foz tem três robôs ao serviço

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Nós não tínhamos este serviço“, começa por dizer Ana Raquel Santos, que rejeita a ideia de que estes robôs possam vir a servir para substituir trabalhadores. “Foi uma forma de conseguirmos aumentar a personalização, melhorar o tratamento e a receção dos doentes. As pessoas já não têm de estar dispersas, perdidas, num contexto que desconhecem”, defende.

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O “Areias” ainda causa desconfiança, mas também curiosidade. Há quem páre para observar os movimentos, quem lhe elogie a “simpatia” e quem se apresse a desviar-se dele, com receio, apesar dos sensores que evitam colisões (foi, aliás, testado em contexto de aeroporto).

Embora não haja dados disponíveis, os robôs direcionados para o contacto humano “são curiosidades ainda”. “Captam-nos muito a atenção, mas são protótipos ou não estão generalizados na atividade produtiva”, afirma João Amador, diretor-adjunto do departamento de estudos económicos do Banco de Portugal que, num estudo publicado este ano, se dedicou a analisar a presença dos robôs nas empresas em Portugal (a base de dados não inclui o setor público e, portanto, não capta casos como o do “Areias”).

Na robotização, Portugal está na metade inferior da distribuição dos países da UE, na 18.ª posição. Em 2020, cerca de 8% das empresas reportaram ter robôs ao serviço. A indústria continua a ser o setor onde são mais comuns, mas outros têm investido nas máquinas autónomas, para contactar com utentes, colher os sensíveis frutos vermelhos ou lavar o chão de extensas estações de comboios ou hipermercados.

“Complementar, não substituir”

No hospital da Figueira da Foz, a administração acredita que os robôs servirão para melhorar a produtividade dos trabalhadores e reduzir o desgaste em tarefas cansativas e de baixo valor acrescentado — além do encaminhamento de utentes (que pode ser ativado pelos seguranças que o entendam), o transporte de medicamentos que muitas vezes obriga a percorrer longas distâncias. Esta segunda funcionalidade só ficou “afinada” há duas semanas, mas ainda não está generalizada. A possibilidade de os médicos em consulta chamarem um robô para encaminhar um doente para um exame, por exemplo, também não. A comunicação aos profissionais de saúde sobre as possibilidades à disposição começa agora a ser feita.

“Ups, não existe nenhum robô disponível”, lê-se no ecrã de uma médica-cirurgiã que não sabia que já podia chamar um robô, mas que tenta fazê-lo pela primeira vez. “O que é que eles andam a fazer?”, graceja. O “Areias”, que tem uma bata amarela desenhada que se assemelha à de outros médicos, acabaria por aparecer poucos minutos depois, ainda o ecrã dava erro. O sistema foi reiniciado e à segunda tentativa, a solicitação foi bem-sucedida. “Pedido confirmado com sucesso!”, lê-se, ao lado de um boneco que lembra a personagem “Eve” do filme de animação distópico “Wall-E”. E o Areias estava no exterior do gabinete à espera.

No Hospital da Figueira da Foz, os médicos já podem chamar robôs pelo computador

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A médica-cirurgiã admite a utilidade do robô “se for para levar algum doente, por exemplo, diretamente da consulta ao raio-X”. “Já testámos na ortopedia com esse fim. Mas a ideia é usarmos para outras funções, nomeadamente o transporte de objetos, de colheitas ou de amostras para o laboratório, tal como já faz para os medicamentos”, acrescenta Mário Antunes, diretor do serviço de sistemas de informação. O robô adapta-se à velocidade de quem o segue — tem câmaras à frente e atrás que detetam a altura e a velocidade do utente.

A comunicação aos profissionais de saúde ainda está a ser feita, pelo que nem tudo corre a 100%. Mas há dificuldades que já foram antecipadas. Quando o robô é chamado para fazer uma entrega, espera à porta do serviço e liga para o respetivo telefone fixo para que um enfermeiro vá recolhê-la. Só que nem sempre está um enfermeiro naquele posto para atender. “E quando estamos, geralmente estamos ocupados e demoramos a chegar. Não sei se o toque vai ser suficiente. A pessoa não está habituada que o toque possa ser o robô”, comenta um enfermeiro. Os robôs foram instruídos para continuar a tentar o contacto durante cerca de meia-hora.

Na farmácia, já foi dada formação para que os robôs possam operar. Depois de um compasso de espera para recuperar a password (esquecida) do técnico responsável, a aplicação é ativada para que o robô possa ser chamado e mobilizado para o transporte. Como se trata do transporte de medicamentos, que tem regras apertadas impostas pelo Infarmed, o processo foi mais complicado de pôr em prática: tem de ser enviado um código pessoal ao profissional de saúde que faz a recolha e ao que recebe. Cada um tem de inserir a informação no sistema para que os robôs possam fazer o seu trabalho. Fica tudo registado.

“Tudo isto é mais difícil do que parece. Implica interoperabilidade de sistemas, orquestração dos processos. Só quisemos passar a essa fase quando tivéssemos a certeza que o encaminhamento estava completamente funcional”, diz Mário Antunes, que, com a restante equipa informática, tem-se dedicado nos últimos meses à programação das aplicações que metem os robôs a funcionar, em parceria com a Universidade de Coimbra e a Beltrão Coelho, a quem os robôs foram comprados com a ajuda de fundos europeus (através do Compete 2020).

Robôs chegaram com cofinanciamento europeu

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Os robôs fazem parte de um projeto mais amplo que inclui também um sistema de rastreabilidade de fardas e toda a roupa do hospital. “Era um problema. Havia falta de rastreio e as coisas andavam de um lado para o outro e às tantas não sabíamos em que serviço estava o quê”, explica Ana Raquel Santos. O material técnico também passou a ficar rastreável, com identificadores, o que permite gerir melhor os recursos e poupar tempo.

Ao todo, o projeto teve um custo de 585 mil euros, dos quais 85% foi cofinanciado pelo Compete2020

“Como há poucos recursos humanos”, a introdução dos robôs na farmácia para o transporte de medicamentos servirá para libertar os auxiliares para tarefas mais diferenciadas, como o embalamento de medicamentos, receção de encomendas, a higienização de equipamentos”, exemplifica, por sua vez, Rui Romão, diretor de farmácia.

Mário Antunes acrescenta: “Se um auxiliar recebe uma solicitação de emergência, tem de parar o seu trabalho para vir buscar uma encomenda urgente. Isso gera stress e os robôs não se queixam de ter stress… desde que tenham bateria. Os robôs também nos ajudam a nós a ser mais humanos porque focamo-nos no que estamos a fazer, não temos tantos elementos de stress”. E podem ajudar a evitar atrasos, numa tarefa (a toma de medicação pelos utentes) que tem horas e prazos para cumprir.

Ana Raquel Santos e Mário Antunes fazem um balanço positivo do uso dos robôs em contexto hospitalar

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ana Raquel Santos garante que os três robôs do hospital serão usados de forma “complementar, não substituível” ao trabalho dos profissionais de saúde. Noutros setores, também dependentes de trabalho humano, a redução dos custos com pessoal é assumidamente um objetivo.

Estufa em Odemira testa robô perante “dificuldades de gestão de um quadro alargado de pessoas”

A robotização na agricultura não é um passo novo e já há máquinas que são usadas na apanha de frutos. Mas nos frágeis frutos vermelhos, a robotização sempre foi uma dificuldade — o fruto facilmente se amolga e tem de ser colhido com particular cuidado.

Numa estufa em Odemira, porém, a colheita já começa a ser feita com “mão” robótica. Ou melhor, por um braço mecânico com uma espécie de “côco” que, muito cuidadosamente, puxa o fruto e o coloca diretamente no cesto. É a primeira estufa no mundo a testar o robô da britânica Fieldwork Robotics.

Para já, é apenas um teste (desde 2022), mas o objetivo da The Summer Berry Company, em Odemira, é que no futuro o robô possa, pelo menos, colher a mesma quantidade do que uma pessoa (ainda não está nesse ponto), que colhe cinco quilos por hora na média anual, podendo chegar aos 15 quilos no pico da campanha, quando as condições do campo, do clima e do ciclo o permitem.

Máquina da Fieldwork Robotics está em fase de testes na estufa da The Summer Berry Company. Ambas são empresas britânicas

Um passo importante para a empresa já foi dado: hoje, “não é distinguível a qualidade da fruta colhida pelo robô da qualidade da fruta colhida por uma pessoa”. Essa melhoria demorou meses a ser conseguida. “É preciso fazer uma calibração dos sensores óticos, que detetam a cor [da fruta], da pressão que se faz para a colher”, explica Daniel Portelo, diretor de operações em Portugal da Summer Berry Company, também ela britânica, em conversa à distância com o Observador. Por outras palavras, é preciso que a “visão” da máquina se assemelhe mais à do humano, que ela saiba quando é que a fruta está pronta a ser colhida e como colhê-la sem a danificar, com “força suficiente para a puxar, mas o mínimo para que não a estrague“. O robô, que está sempre acompanhado por um técnico, foi aprendendo com os erros.

Mas ainda “falta aperfeiçoar” e há três dimensões que têm de ficar asseguradas. “Temos de garantir que a fruta colhida tem qualidade; que o robô colhe suficientemente rápido para justificar o investimento; e tem de deixar o mínimo de fruta no campo”, elenca. Esta última parte tem sido um desafio maior. Enquanto que a perícia humana permite manusear a planta e detetar frutos escondidos por colher, o robô ainda não está nesse ponto. Por isso, Daniel Portelo não acredita que num futuro próximo a máquina “substitua as pessoas a 100%”. “Vai reduzir a necessidade de pessoas, mas vamos ter de ter uma base grande de pessoas a dar suporte e a fazer o que a máquina não consegue fazer”, considera. Numa fase mais avançada, porém, admite que a investigação também lhes permita “alterar a disposição da planta para que a fruta esteja toda exposta” à visão do robô.

A intenção de reduzir pelo menos uma parte da mão de obra é assumida por Daniel Portelo, embora não esteja no horizonte nos próximos dois anos. Talvez depois, diz o responsável, que reconhece um “trade-off” entre o uso de máquinas e a diminuição do número de funcionários. “[A decisão de investimento] não tem diretamente a ver com uma dificuldade de contratação, mas com as dificuldades de gestão de um quadro alargado de pessoas“, justifica, admitindo que a intenção de reduzir custos também pesou na decisão. A empresa emprega entre 600 e 800 pessoas, dependendo da altura do ano, na sua maioria imigrantes do Nepal, da Índia ou do Bangladesh. Quando os trabalhadores não conseguem encontrar casa no concelho, disponibiliza “alojamento temporário” dentro dos campos, contentores (assim ficaram conhecidos na pandemia durante a crise sanitária no concelho de Odemira) que a empresa garante estarem devidamente licenciados.

A decisão de testar um robô é anterior à pandemia, mas a empresa admite que quando a solução estiver mais desenvolvida, pode ser uma forma de contornar eventuais novas mudanças na política de imigração em Portugal.

A máquina está a ser testada para garantir que deteta frutos escondidos, explica Daniel Portelo

Apesar de reconhecer o “trade-off”, Daniel Portelo não concorda com a visão de que as máquinas vieram para roubar os trabalhos, mas para dispensar os trabalhadores de tarefas mais rotineiras e pesadas. “Os robôs não vão trabalhar só por si, vão precisar de suporte e de trabalhar em conjunto connosco. Acho que vão substituir uma parte da mão de obra humana mais física, no meu setor, mas isso pode eventualmente libertar as pessoas para fazer outro tipo de trabalho e acrescentar outro tipo de valor que nós neste momento não temos. Acho que não podemos pensar que daqui a 20 anos vamos continuar a fazer as mesmas coisas.”

No Oriente ou em Santa Apolónia, robôs fazem limpezas à noite

Quando Luís, 57 anos, foi informado de que iria passar a trabalhar lado a lado com um robô numa grande estação de comboios ficou de pé atrás. “Tinha receio que ele caísse escada abaixo ou que partisse os vidros e a responsabilidade era minha“, conta o encarregado de limpeza, há 21 anos na Iberlim, uma empresa que oferece serviços de limpeza e que há quatro anos passou a adotar os robôs que, autonomamente, limpam grandes superfícies. Como a Gare do Oriente ou Santa Apolónia. Num dia, aprendeu a trabalhar com ele — “é como programar uma máquina de lavar roupa”.

Na Gare do Oriente, o robô, que anda a uma velocidade máxima de seis quilómetros por hora, convive com algumas dezenas de sem-abrigo que naquela manhã de setembro ali encontravam um tecto, já indiferentes ao rodopio da máquina. Contorna os elevadores, segue viagem sob o olhar curioso de quem por ele passa. É que, na verdade, não é comum estar a funcionar àquela hora do dia. Trabalha sobretudo à noite para evitar as horas de maior movimento na estação. “Embora esteja preparado para parar quando deteta pessoas ou obstáculos não seria produtivo estar sempre a parar”, explica David Oliveira, presidente da Iberlim.

O robô, que conhece o mapa da área da estação que tem de percorrer, está programado para palmilhar a superfície completa, sem deixar uma tira por limpar. Naquela área extensa, substitui movimentos repetitivos que os trabalhadores antes faziam manualmente. David Oliveira, porém, sublinha que há coisas que muito dificilmente conseguirá fazer e para as quais vai continuar a ser preciso mão humana: a limpeza de escadas, de corrimões, dos vidros das montras, tirar o lixo dos caixotes, limpá-los.

Para já, o presidente da Iberlim garante que não houve uma redução direta do número de trabalhadores pela introdução dos robôs (um robô não é capaz de fazer ainda o trabalho de um funcionário na sua totalidade). Mas os efeitos foram mais visíveis na redução do trabalho noturno. “Não diria postos de trabalho, mas na limpeza [a introdução de robôs] é natural que vá reduzindo carga horária, com grande impacto nos períodos noturnos. Outra vantagem é que é complementar à atividade humana”, diz David Oliveira.

Robô usado pela Iberlim trabalha sobretudo à noite na Gare do Oriente e tem uma velocidade máxima de seis quilómetros por hora, segundo David Oliveira

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Se o robô diminui a necessidade de carga horária de um funcionário num local, este é, uma vez aí cumprido o trabalho, alocado a outro espaço. Além de que, diz o gestor, sendo um setor com grande rotatividade (para alguns é um ponto de passagem para outros empregos) permite fazer ajustes frequentes às necessidades de mão de obra.

“Este trabalho, a ser feito manualmente, poderia não abranger toda a planta com o máximo de rigor. Sendo automática, não corre o risco de ficar uma tira da limpeza por fazer”, acrescenta. Numa noite de setembro, o robô trabalhou quatro horas e 20 minutos e pode chegar a fazer mais de 10 quilómetros.

A Iberlim, que no caso da Gare do Oriente e de Santa Apolónia foi contratada pela Infraestruturas de Portugal (IP), tem atualmente 60 robôs em setores distintos, desde hotéis, centros comerciais, sedes de bancos, um hospital ou um aeroporto. Podem ser usados manualmente (com um operador a conduzi-lo) ou automaticamente.

David Oliveira admite que, para as empresas que adotam os robôs, pode haver vantagens a nível de custos — com as máquinas, os custos “estancam” dado que “não pedem aumentos salariais”. Mas rejeita a tese de que haja uma destruição de empregos. “A indústria pode reduzir um bocadinho a mão de obra, mas por outro lado também qualifica muito mais mão de obra. Hoje tenho gente a programar robôs que não tinha antes. O facto de termos tarefas a serem automatizadas não significa nenhuma crise porque nós não temos, no mercado global, uma mão de obra tão abundante assim”, defende.

Quando, durante a noite, o robô vai trabalhando autonomamente naquela superfície mais extensa, Luís ou outros colegas de limpeza estão a fazer outros tipos de trabalho, espalhados pela estação. Já aconteceu o robô ter sido parado por alguém externo ao serviço e a equipa de limpeza não receber imediatamente o alerta (por estar num piso com pouca rede, por exemplo), o que pode atrasar o trabalho. No entanto, o balanço é positivo. “Cansaço existe sempre, mas o robô acompanha-nos: aqui [no piso superior da estação de metro, mais extensa] faz o meu lugar e eu faço o meu trabalho”, diz Luís.

Máquina de limpeza automática tem uma câmara para não colidir com obstáculos e segue um mapa previamente definido

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Noutras grandes superfícies os robôs de limpeza também já convivem com os consumidores. O Continente, por exemplo, já os usa nos seus super e hipermercados. Ao Observador, indica que tem 30 robôs em “pleno funcionamento”, de norte a sul do país. A iniciativa começou em 2023, com a implementação de 24 robôs. Os restantes seis entraram em ação no primeiro trimestre deste ano.

Questionada sobre se a adoção dos robôs estará associada a uma redução de pessoal, a empresa respondeu que são “essencialmente complementares aos colaboradores, traduzindo-se num reforço da eficiência e eficácia, a par com um reforço da sustentabilidade ambiental, de acordo com os objetivos que temos vindo a perseguir”. Os robôs têm “níveis de segurança e eficiência muito elevados e uma interação com clientes muito positiva”.

Indústria ainda domina robôs

A robotização das tarefas de limpeza está em expansão e “a generalizar-se”. É essa a perceção de João Amador, diretor-adjunto do departamento de estudos económicos do Banco de Portugal, no estudo sobre a presença de robôs nas empresas portuguesas.

Já os robôs de contacto mais humano — como o “Areias”, do hospital na Figueira da Foz — não foram captados pela base de dados usada (“não estão ao serviço das empresas” e são usados no setor público, que ficou excluído). Mesmo assim, não é difícil percecionar que são hoje mais a exceção do que a regra. “São curiosidades ainda. Captam-nos muito a atenção, mas são protótipos ou não estão generalizados na atividade produtiva”, afirma João Amador. No estudo, aliás, concluiu que a “percentagem das [empresas] que utilizam robôs de serviços em Portugal é cerca de metade da das que utilizam robôs industriais, mesmo que algumas empresas possam ter ambos”.

Os dados revelam que o número de robôs por cada mil trabalhadores aumentou em Portugal de praticamente zero em 1995 para 1,3 em 2021, abaixo dos EUA (2,1), da China (1,7) ou da recordista Alemanha (5,5). E também da média da UE (2,8).

João Amador explica ao Observador que ainda é na indústria transformadora que os robôs são mais comuns e, dentro desta, no setor automóvel, dos moldes e dos metais. Daí que se tratem, sobretudo, daqueles “robôs que nos habituámos a ver nas linhas de montagem: os braços articulados ou robôs que fazem soldagem”. Também há outros “mais avançados” — “no caso dos transportes ou armazenagem, já estamos a falar de robôs que fazem gestão de armazém, que vão buscar o produto e o trazem para o balcão”, exemplifica.

O economista detetou uma relação positiva entre a existência de robôs e a produtividade, intensidade exportadora e a rentabilidade das empresas que os usam. Já no caso dos salários, os dados não permitiram estabelecer uma relação: ou seja, as empresas com robôs não pagam nem salários tendencialmente mais baixos nem mais altos do que as outras. Sendo mais produtivas, exportadoras e rentáveis, não seria de esperar que oferecessem salários mais altos?

João Amador admite que, por um lado, a conclusão o surpreendeu. Mas também diz que “há um contexto onde a introdução de robôs faz com que alguns tipos de trabalhadores deixem de ser necessários e o que a empresa oferece em termos salariais passa a ser mais baixo”. Ou seja, as dinâmicas de criação e destruição de emprego são incertas — uma empresa pode destruir um tipo de emprego mas depois criar outro para tarefas ainda não robotizadas; ou destruir emprego menos qualificado e apostar no mais qualificado.

Muita literatura tem desmontado a ideia de que os robôs vieram para roubar trabalhos e concluído que se é certo que podem ter “um efeito de alguma destruição de emprego“, por outro lado “as empresas estão mais produtivas, acabam por pagar salários mais altos aos trabalhadores qualificados e também passam a investir mais. E, assim, alargam a sua escala e contratam todo o tipo de trabalhadores“, explica o economista.

E o que dizem os números? Sendo a base de dados usada por João Amador curta no tempo, não é ainda possível perceber se os robôs tiveram um efeito de destruição de emprego. Seria preciso olhar para os dados antes da introdução de robôs, durante e após.

Nuno Flores, CEO da Introsys, conhece bem o mundo da robótica: a empresa que gere ajuda outras a conceptualizar e integrar soluções tecnológicas. Na génese, a Introsys, que nasceu em 2002, surgiu da ideia de dois irmãos construírem um robô de vigilância de perímetros — uma espécie de mini carro com uma câmara, que não teve a adesão junto das entidades que poderiam delas necessitar (como a Proteção Civil). “Chegámos a fazer apresentações e elogiaram muito. Mas não avançaram para investimento. Prefiram outras soluções”, conta. A empresa viria depois a mudar de foco e tem hoje na Autoeuropa um dos principais clientes.

Nuno Flores conhece, portanto, a indústria automóvel por dentro. Ao Observador, explica que os robôs industriais são, hoje, mais sofisticados, fáceis de programar e intuitivos do que no passado.  Mas no essencial “continuam a ser um braço com x motores“. Aliás, a tecnologia por detrás do primeiro robô de soldadura que programou na fábrica da Ford em 1999 “continua a ser utilizada”, está é mais desenvolvida.

Robôs industriais e colaborativos na sede da Introsys

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“A principal inovação da robótica foi mais ao nível da internet das coisas. Antes, uma fábrica de automóveis existia enquanto entidade elétrica com sistemas de comunicação baseados em fios. Hoje, toda a comunicação entre os equipamentos é assegurada por redes de internet que fazem com que, em determinado ponto, consigamos aceder praticamente à totalidade dos equipamentos”, afirma Nuno Flores, cuja empresa já pôs quatro mil robôs a trabalhar pelo mundo.

O gestor também rejeita a tese de destruição do emprego e diz que há uma realocação normal dos trabalhadores. “Nunca houve tantos robôs instalados no mundo e nunca houve tanto pleno emprego”, argumenta. Os robôs poupam os trabalhadores a tarefas mais pesadas que “as pessoas nunca deviam ter feito”, como carregar pesos, usar objetos cortantes ou a ferver. “No outro dia tivemos um cliente com um trabalhador que por dia transportava 1.200 pneus de carros. Metemos um robô a fazer esse serviço e o operador ficou a garantir que a máquina trabalha”, exemplifica.

Na robotização, Portugal foi ultrapassado por países como a República Checa, a Eslovénia ou a Eslováquia, que estavam mais atrasados em 1995, segundo o estudo do Banco de Portugal. “Se Portugal se especializou num outro setor onde tipicamente temos menos utilização de robôs, por arrasto o resultado será diferente”, indica João Amador.

Nuno Flores, da Introsys, também aponta essa evidência e tem uma explicação complementar para a baixa adesão das empresas à robótica: o custo-benefício e o dilema sobre se o elevado investimento com robótica compensa face aos custos com pessoal. “As empresas deixam de investir em robótica porque ter um trabalhador lhes fica mais barato. Em países como Portugal, onde as pessoas continuam a ganhar misérias, é muito mais difícil justificar o investimento em robótica e automação”, argumenta. Por outro lado,  há casos de indústrias que se veem “obrigadas a investir em máquinas porque não têm pessoas”.

Nuno Flores, da Introsys, argumenta que os robôs poupam os trabalhadores a tarefas mais pesadas que "as pessoas nunca deviam ter feito"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Um estudo da OCDE conhecido no ano passado (no âmbito do “Employment Outlook”) conclui que 30% dos empregos em Portugal estão em risco de automação, incluindo inteligência artificial, enquanto que na média da OCDE essa percentagem desce para 27%.

Os “robôs sociais” tornam-nos mais produtivos?

Sara Lopes, professora auxiliar de Psicologia no Ispa (Instituto Universitário), passou o doutoramento a estudar como é que os chamados “robôs sociais” (que podem interagir com os seres humanos) podem ser usados para melhorar a saúde dos trabalhadores e ajudar a que as perdas de produtividade provocadas por doenças possam ser menores.

Para responder à questão, recorreu ao robô alemão Emys, usado em contexto académico, com cara humanóide. Acompanhou, durante três meses, 56 trabalhadores que, no início da experiência, identificaram aspetos da sua saúde que quisessem melhorar e procurou medir os efeitos que a intervenção do robô teve no chamado “presentismo” (estar presente no local de trabalho, por vezes mais horas do que o necessário, sem produtividade correspondente).

Cada trabalhador teve várias sessões com o “Emys”, que foi dando dicas sobre como melhorar a saúde. Os trabalhadores cobaias não sabiam que o robô estava, afinal, a ser controlado por Sara Lopes — só no final da experiência lhes foi explicado que o guião das perguntas e respostas dadas pelo robô foi elaborado pela investigadora, e que era esta quem o manipulava, à distância, durante as sessões. Embora possa ser usado com inteligência artificial, pelos recursos limitados da investigação, isso não foi possível.

“Percebemos que o grupo que foi acompanhado pelo robô indicou que teve menores perdas de produtividade do que o grupo que foi acompanhado pelo agente humano. Eles continuaram a aplicar todas as dicas e sugestões que o robô transmitiu durante os três meses e, passados mais alguns meses, revelou-se ter ajudado a controlar o fenómeno do presentismo”, observa Sara Lopes.

A investigadora — que admite que o sucesso do robô possa estar ligado ao efeito novidade e com o facto de haver uma perceção de que “o robô não julga, não critica” — não lhe quer chamar um psicólogo, mas um “agente que promove a saúde nos locais de trabalho”. “Não substitui o papel do psicólogo, mas pode ser uma ferramenta que, em conjunto com outras, pode ser usado para aumentar a saúde nos locais de trabalho, para que sejam mais saudáveis e produtivos”. Resta saber quão facilmente vão as empresas adotá-los, e se robôs como o “Emys” ou o “Areias” vão, num futuro próximo, conviver de perto com mais trabalhadores, noutros corredores do país.

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