Mercado. América. Austrália. Jumbo. São todos nomes de código e são apenas alguns dos exemplos de como os agentes que trabalham como infiltrados para a Polícia Judiciária se identificam em todos os relatórios que assinam e perante o tribunal. A eles cabe-lhes recolher informação privilegiada entre os suspeitos do crime e, para própria segurança, a sua verdadeira identidade é mantida em segredo. Mesmo no seio da PJ, poucos gostam de revelar pormenores de como trabalham. Algumas das suas operações acabam, no entanto, por ser reveladas em tribunal, para benefício dos próprios arguidos. É que a lei define o que estes homens e mulheres podem e não podem fazer durante a investigação, mas, por vezes, aquilo que fazem extravasa a mera recolha de informação — e resvala na participação do crime. Quando é assim, o tribunal considera que foram, afinal, agentes provocadores e o que recolheram pode valer de muito pouco.
Foi o que aconteceu com o processo da Operação Zeus, no qual foi descoberto um esquema de sobrefaturação nas messes da Força Aérea, que beneficiava empresas e militares de toda a hierarquia. 68 arguidos estão a ser julgados no Tribunal de Sintra, mas podiam ser mais. Em fase de instrução, o juiz Ivo Rosa considerou que não havia indícios quanto a outros 18 acusados e livrou-os de seguirem para julgamento. Em relação a um deles, um militar da messe de Monte Real, o argumento foi precisamente de que a sua atuação tinha sido influenciada pelo agente encoberto que ali fora colocado. Agora, em julgamento, há advogados a usarem o mesmo argumento para tentarem a absolvição dos seus clientes.
Na origem deste processo está uma carta anónima que chegou à Polícia Judiciária Militar (PJM) em finais de março de 2014. Escrita pela mão de um empresário já aposentado, dava conta de um esquema de sobrefaturação nos produtos vendidos às messes da Força Aérea, que dava dinheiro a ganhar a vendedores, oficiais e militares. O responsável pela Unidade de Investigação da PJM, o coronel Estalagem, ordenou a abertura de um inquérito, que acabou nas mãos do major Brazão (ambos envolvidos na investigação ao assalto a Tancos). O Ministério Público acabaria, depois, por entregar parte da investigação também à Polícia Judiciária (PJ) civil, uma vez que entre os suspeitos havia várias empresas civis.
Já a investigação estava no terreno, com base na tal queixa anónima — o principal suspeito, por exemplo, já estava sob escuta —, quando chegou ao processo uma informação valiosa: um militar da Força Aérea, acabado de chegar à unidade de Monte Real e, naturalmente, sem saber da investigação em curso, queixara-se à PJM de que o tinham aliciado a entrar no mesmo esquema.
“Mercado”, o oficial da Força Aérea que se queixou do esquema e acabou a trabalhar como infiltrado
A Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ não teve dúvidas de que o militar em questão, um oficial, podia ser uma chave fundamental na investigação. E, com autorização de um juiz, decidiu pedir à equipa de ações encobertas da PJ para começar a trabalhar com ele. Como infiltrado, iria continuar a trabalhar na Base Aérea de Monte Real e iria compactuar com o esquema, de forma a trazer provas para a polícia.
Nestes casos, sempre que existe uma ação encoberta, ela decorre num processo paralelo àquele em são investigados os crimes. É um processo com um número próprio, cujas provas nem sempre vão parar ao processo principal. Assim, não se põe em causa a investigação dos crimes e a identidade do encoberto — ou do infiltrado — é completamente salvaguardada.
O relatório final desta ação encoberta, que levou o nome de código “Hiper” e a que o Observador teve acesso, descreve todos os passos que o militar da Força Aérea deu ao longo da investigação policial. As conversas que teve, os encontros que manteve, assim como os dias e as horas em que lhe entregaram envelopes com dinheiro, os respetivos valores e como ele próprio os distribuiu por quem beneficiava do crime. Constam também as fotografias que tirou e as conversas que gravou sem os visados saberem. Durante o período em que trabalhou como infiltrado, o militar ouviu também confidências, como os locais secretos onde os colegas escondiam o dinheiro que recebiam ilegalmente, que foram fundamentais para o sucesso das buscas e da operação.
Aos olhos da investigação, o oficial tinha também um nome de código: “Mercado”. E as primeiras informações que forneceu chegaram logo em dezembro de 2015, assim que dois militares lhe explicaram como funcionava todo o esquema ilegal de sobrefaturação. Disseram-lhe que esse esquema “já existia há muito tempo e com a participação de várias pessoas, a diferentes níveis da hierarquia militar”. Na prática, era faturado um valor três vezes acima do preço real dos bens adquiridos pelas messes, todos os meses. “A diferença entre o valor faturado e o dos produtos entregues seria dividido entre 15 a 30%, dependendo dos fornecedores e da negociação”, lê-se no relatório da ação encoberta. Os militares que fossem mudados de sítio recebiam até final desse ano.
À medida que o agente encoberto trazia informações, a PJ ia pedindo autorização ao juiz para escutas e vigilâncias aos suspeitos que “Mercado” indicava como estando envolvidos — e assim avançava a investigação que acabou por chegar a outras messes do país.
Juiz Ivo Rosa foi o primeiro a considerar que “Mercado” foi um agente provocador
“Os actos praticados pelo colaborador Mercado expostos no presente relatório mostram-se enquadrados no plano de ação doutamente aprovado. Bem como as sua ações foram reportadas em tempo útil aos elementos dessa SAE e validados pela autoridade judiciária competente dentro dos prazos legais”, assina o funcionário de Investigação Criminal, também sob nome de código “Jumbo”, a 13 de outubro de 2016, a data do relatório da ação encoberta que conta com mais de 100 páginas e que se encontra num apenso do processo das messes da Força Aérea. Estas conclusões, no entanto, não colheram a mesma interpretação do juiz de instrução Ivo Rosa, que foi quem recebeu o processo para decidir quem seguia para julgamento.
Jorge G. foi um dos militares que “Mercado” referiu várias vezes ao longo da sua investigação. Foi também ele que acabou por ser despronunciado — vendo cair essas acusações — pelos crimes de corrupção agravada, falsificação de documento, falsidade informática e associação criminosa, por decisão de Ivo Rosa, depois de ter alegado ter sido instigado a cometer o crime. Segundo ele, quando chegou aquela Base Aérea, em abril de 2016, já o esquema estava montado. Mais: no dia anterior à sua detenção, recebeu a maior quantia alguma vez recebida naquele esquema: 7 mil euros, dando a entender que isso possa ter sido propositado. No requerimento de abertura de instrução, que entregou ao tribunal depois de ser formalmente acusado, o militar diz que foi o seu oficial superior — neste caso, “Mercado” — quem o ensinou a entrar no esquema e a quem devia lealdade por ser o seu superior. Por outro lado, sublinhava, esse oficial não estava detido — e ele estava.
“Eu estava ali há muito pouco tempo, eu nem sabia o que havia de fazer, quando comecei a ter noção da realidade foi quando me entregaram dinheiro a segunda vez, em setembro. Não fazia a mínima noção, a primeira vez deram-me 840 euros”, explicou o militar ao Ministério Público num interrogatório a seu pedido, que consta no processo, já depois de ter sido detido e de ter ficado em prisão preventiva.
Esta informação não passou ao lado de Ivo Rosa na decisão que teve de tomar. “Estamos perante um meio enganoso de obtenção prova se o arguido foi convencido pelo agente infiltrado a cometer atos que lhe são imputados?”, questiona, a certa altura, no despacho de pronúncia.
Provas que desrespeitam direitos, liberdades e garantias são nulas
Segundo a lei, são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação ou qualquer meio que ofenda a integridade física ou moral das pessoas. A lei também define o que são ações encobertas: aquelas “que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro atuando sob o controlo da PJ”, com ocultação da sua qualidade e identidade. Uma ação encoberta depende sempre da autorização do MP e deve ser obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução.
No crime em questão, concluiu o juiz, era possível recorrer a uma ação encoberta para encontrar meios de provas, mas Ivo Rosa considera que o agente encoberto foi afinal um “agente provocador”, o que torna a prova nula. “Não podem ser as próprias autoridades a criar ou a alimentar a própria vontade de realização do ilícito, cuja prova visam recolher, para posteriormente assegurarem a respetiva punição”, lembra o magistrado, que sublinha também que a figura de um “agente provocador” vai contra a lei.
“A utilização do agente provocador representa sempre um ato de deslealdade que afeta a cultura jurídica democrática e a legitimação do processo, o mesmo já não se verificando quanto ao agente infiltrado em que tais valores não se revelam afetados”, explica o magistrado, que considera que o recurso a agentes provocadores é sempre inadmissível.
Os advogados que representam uma das empresas levadas a julgamento no processo, a Chavibom, também estão a agarrar-se ao argumento desta prova ilegal. Depois de terem ouvido o próprio “Mercado” a prestar esclarecimentos, à porta fechada, ao coletivo de juízes, os advogados apresentaram um requerimento no qual lembram como nasceu a lei sobre as ações encobertas, em vigor desde 2001.
Socorrendo-se da proposta da lei, lembram que todas as atuações do agente encoberto devem ser supervisionadas por um juiz. Nesse documento está previsto, de facto, que o infiltrado possa recolher imagens, sons ou outros registos sem o consentimento do visado, e é dito também que esses registos dependem da autorização do juiz — antes e depois de serem feitos. No entanto, quando a lei foi votada na especialidade, estas “formalidades” acabaram por cair, obrigando apenas a uma validação posterior.
Crimes evoluem, investigação também
Ainda assim, dizem os advogados no requerimento a que o Observador teve acesso, as provas recolhidas por “Mercado” foram levadas ao Ministério Público mais de 72 horas depois de recolhidas, o que, para a defesa da Chavibom, viola a lei. Ao Observador, um dos advogados, Alexandre Vieira, reforçou a ideia: “O agente encoberto apenas com a proteção da PJ, sem haver um cheque do juiz da instrução, anula toda a ação encoberta”. E, para ele, “toda a recolha de imagens, a própria recolha de documentos, são todas nulas, porque não houve nenhuma validade por parte do juiz“. O coletivo de juízes que está a julgar o caso remeteu, porém, a decisão para o acórdão final. “Estamos a falar de uma derrogação de direitos liberdades e garantias, em que não há uma sindicância do juiz, é um prova dúbia”, diz o advogado.
Arménio Pontes, inspetor da PJ, considera que a evolução da criminalidade obriga ao recurso a provas cada vez mais intrusivas. Numa dissertação sobre “Ações Encobertas – As declarações do agente encoberto em audiência de julgamento”, o inspetor lembra, no entanto, que esta forma de recolher provas tem gerado alguma controvérsia. O inspetor fala em meios de obtenção de prova “especiais/excecionais”, por “constringirem direitos liberdades e garantias de forma mais acentuada que outros”, que têm “despertado ao longo dos tempos, tanto ao nível da jurisprudência como da doutrina, problemas e questões controvertidas”.
Também o subdiretor da PJ, Carlos Farinha, partilha da mesma opinião. Ao Observador, sem revelar muitos pormenores de como funciona a unidade especial de agentes encobertos na PJ, lembra que, quando a lei foi criada, o crime de maior complexidade, “com cunho internacional”, era o tráfico de droga. “Portanto estas ações eram todas em torno disto. Aos poucos, percebeu-se a importância que os meios especiais de investigação e os contributos de outros domínios tinham noutros crimes, como na criminalidade económico financeira. Aqui também começou a dar-se importância ao DNA, por exemplo — se alguém folhear um papel, podemos saber quem foi. Houve um alargamento dos meios de prova nestes crimes”, considera.
Para Carlos Farinha, o ideal é que os infiltrados sejam elementos da PJ — que têm formação própria para integrar esta unidade. Mas em casos pontuais recorre-se a pessoas de fora.
“América”, “Austrália” e as ações encobertas que ficam em segredo
Se a atuação de “Mercado”, que será mais uma vez escrutinada pelo Tribunal de Sintra, aparece referida num relatório intercalar da PJ que consta no processo, no qual estão todos os elementos de investigação ao esquema de corrupção nas messes da Força Aérea, outras ações encobertas passam, por vezes, ao lado dos arguidos e dos seus advogados, como se não tivessem acontecido. Aliás, há advogados que assumem uma postura verdadeiramente crítica em relação ao secretismos destas ações, porque, não sabendo da sua existência, consideram que os arguidos não podem defender-se totalmente.
Em 2017, num processo de tráfico de droga, a defesa de alguns dos arguidos conseguiu que fossem condenados por tentativa de tráfico de droga e não por tráfico consumado graças uma ação encoberta. O argumento da defesa venceu na primeira instância. Neste caso concreto, os advogados perceberam que estavam perante uma ação encoberta no âmbito de uma operação de tráfico de droga internacional e tentaram provar em tribunal que parte da atuação dos cinco agentes encobertos, entre eles “América” e “Austrália” de nome de código, tinha sido ativa no crime.
Tudo aconteceu a 20 de agosto de 2015, quando um grupo de pescadores aceitou trazer cocaína do alto mar para terra. O plano estava delineado há mais de 20 dias e os arguidos tinham acordado usar um telefone satélite para saberem o local exato da recolha, que seria a cerca de 27 milhas da costa. Quando um dos cinco arguidos fez o contacto, já foi um agente encoberto, de nome “América”, que lhe respondeu. Pouco depois, o encontro: os agentes encobertos da PJ, também eles cinco (entre eles, “América” e “Austrália”), vinham num veleiro branco de 12 metros. E foi dali que foram retirados, através de um bote, 63 fardos de cocaína para o barco dos futuros arguidos, que viriam a ser acusados de tráfico de droga. Segundo o acórdão do caso, os infiltrados estavam sozinhos no veleiro e foram eles que entregaram a droga.
Naquele momento, já elementos da Marinha e da Força Aérea estavam na zona, alertados para possíveis operações de tráfico de droga. E foram os militares da Força Aérea que acabaram por detetar as embarcações. A defesa dos suspeito, que conseguiu que fossem condenados por tráfico de droga, mas na forma tentada, disse em tribunal que os arguidos foram intercetados 45 minutos depois do transbordo da droga e escoltados até ao porto da Nazaré, onde seriam detidos. Para os advogados, não foi cometido um crime de tráfico porque nem sequer tiveram a oportunidade de entregar a droga ao seu destinatário. “As autoridades apenas concederam em entregar a droga aos arguidos quando souberam que, querendo, conseguiam reavê-la”, criticam.
Carlos Melo Alves, advogado que tem tido em mãos vários processos por tráfico de droga e que tem impugnado alguns deles por terem como prova principal a recolhida em ações encobertas, afirma ao Observador que “os relatórios das ações encobertas nunca constam dos processos”. Num tom crítico, lembra que só lhe passou pelas mãos um caso em que o Ministério Público, de facto, colocou no processo o relatório da ação encoberta. O advogado encontra uma justificação para isso: “Caso da ação encoberta resultasse prova favorável aos arguidos, não a juntava ao processo” — o que, para o advogado, constitui uma clara violação dos princípios da legalidade processual.
Por vezes, são os advogados que têm que pedir os relatórios. “O advogado tem de convencer o tribunal a pedir à Polícia Judiciária a ação encoberta e, quando vem, tem-se conhecimento de tudo. Noutros países não é assim. Na Alemanha, por exemplo, todas as ações encobertas estão no processo, em Portugal os polícias tentam ao máximo ocultar e proteger os agentes encobertos”.
Para o advogado, no entanto, estas ações deviam ser feitas “com o máximo cuidado”, porque, na sua perspetiva, são ainda mais violadoras que “as escutas telefónicas”. “A maior parte das ações encobertas que eu tive foram consideradas ilegais pelo tribunal”, garante.
Provas anuladas em julgamento e arguidos absolvidos por causa de agente provocador
Foi o que aconteceu com uma ação encoberta iniciada em 2009. Neste caso, foi um agente da PSP quem contactou a PJ, dando conta de que tinha sido abordado por um grupo criminoso para participar num assalto a um carregamento de droga, que iria ser entregue por um grupo de traficantes marroquinos no Algarve. Em causa estavam 120 quilos de haxixe. O informador referia que, para esse crime, tinham sido contactados outros elementos da PSP. A PJ colocou-o como infiltrado, de forma a poder fornecer às autoridades informações sobre o grupo criminoso.
Pouco depois, o infiltrado informou a PJ que tinha sido contactado para um assalto a uma ourivesaria no Porto, mas foi considerado que tal participação extravasava o âmbito da operação encoberta. Seguiram-se depois dois crimes de roubo, um deles na forma tentada, em dois armazéns na Lousada e em Gualtar, no quais o infiltrado foi autorizado a participar. Ambos acabaram por ser julgados no Tribunal de Braga em finais de 2010. Resultado: o tribunal considerou que o infiltrado atuou como um agente provocador, participando no crime, e que todas as provas que recolheu eram nulas. Todos os arguidos acabaram por ser absolvidos.
Neste caso, foram os arguidos envolvidos, entre eles um outro agente da PSP, que demonstraram em tribunal que, com eles, tinha atuado um outro assaltante. Mais: era também agente da PSP e teria sido ele a contactá-los para o assalto e a comandar os crimes no local, tendo mesmo manietado as vítimas — como, aliás, as próprias atestaram, uma vez que conheciam o polícia em questão. Os inspetores da PJ ouvidos pelo coletivo de juízes garantiram desconhecer a ação encoberta, mas a defesa dos arguidos acabou por provar que ela tinha existido.
“Não podemos deixar de reconhecer que a investigação criminal é efetivamente cada vez mais complexa necessitando os Estados de se socorrer dos denominados ‘homens de confiança’, sendo no entanto aqui que se impõe a necessidade de estabelecer limites”, considerou o tribunal, que concluiu que os meios de prova obtidos foram feitos através “de um meio enganoso”.
Perante o relatório da ação encoberta, que entretanto chegou ao processo, e os testemunhos das vítimas, o tribunal considerou que o agente infiltrado liderou os dois crimes. E desvalorizou o seu depoimento em tribunal, que dizia o contrário.
“Tendo sido a ação encoberta tornada conhecida nos autos (face à insistência dos arguidos que desde o início propugnaram pela sua existência) já quase no fim da produção da prova em audiência do julgamento, sendo até então negada a sua existência ou pelo menos o seu conhecimento pelos próprios inspetores da polícia judiciária ouvidos, não pode deixar de se considerar que a essa prova até então produzida e respeitante às declarações dos mesmos não pode dar-se a credibilidade e o relevo que em circunstancias normais as mesmas mereceriam pois que acabaram por ficar condicionadas pela referida ação encoberta, até então não revelada nos autos”, decidiram os juízes.
O tribunal concluiu mesmo que foi o agente infiltrado quem avançou primeiro para um dos armazéns de cara tapada, com uma arma na mão. “Foi ele que dominou os acontecimentos, obrigou a quem estava no interior a deitar-se ao chão, com a cara para baixo e manietou-os”. Na sentença, a que o Observador teve acesso, lê-se que, neste caso, o infiltrado “faltou à verdade não só quando ainda em instrução e perante o juiz negou sequer conhecer os arguidos, mas também nas declarações que prestou em audiência de julgamento”.
Pior: o tribunal concluiu que o próprio relato da ação encoberta “não corresponde também à realidade dos factos que foi apurada na audiência de julgamento”. E que o polícia, que permanece ao serviço da PSP, “ultrapassou de forma manifesta os limites que foram estabelecidos para a ação encoberta”.
“Uma ação encoberta que possa ser considerada como ação provocatória de crime não pode valer como método válido de obtenção de prova, o que implica a inexistência de qualquer prova do crime provocado”, o que levou o tribunal a anular todas as provas e a absolver os três arguidos dos crimes de chefia de organização criminosa, associação criminosa, roubo e sequestro.