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US President Biden Delivers Speech On Russia's Invasion Of Ukraine
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Joe Biden apelou ao fim do consulado de Putin à frente da Rússia durante um discurso em Varsóvia, na Polónia

Getty Images

Joe Biden apelou ao fim do consulado de Putin à frente da Rússia durante um discurso em Varsóvia, na Polónia

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"Este homem não pode continuar no poder." Biden, a "máquina de gaffes", queimou as hipóteses negociais com Putin?

Num poderoso discurso em Varsóvia, Joe Biden disse que Vladimir Putin não deveria manter-se no poder. Casa Branca corrigiu de imediato, mas parte do mal está feito. Que impacto pode ter a gaffe?

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“For God’s sake, this man cannot remain in power!”

Bastaram nove palavras sobre Vladimir Putin, um desabafo que não estava no guião — “Por amor de Deus, este homem não pode continuar no poder!” —, para que o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abrisse uma crise diplomática que pode dificultar ainda mais a resolução da guerra lançada pela Rússia sobre a Ucrânia, que já dura há mais de um mês e já provocou centenas de mortes entre a população civil, incluindo crianças.

Ao longo das últimas 24 horas, a diplomacia norte-americana tem tentado por todas as vias suavizar, reenquadrar, contextualizar e corrigir as palavras de Biden. Na Europa, os líderes dos países aliados dos EUA afastam-se cautelosamente do discurso enfurecido do Presidente norte-americano, tentando salvar as hipóteses negociais com Putin. Mas, em Moscovo, algum mal já está feito: o Kremlin reagiu em fúria, avisando Biden que quem elege o Presidente russo são os russos.

Em 2018, ainda antes da corrida presencial contra Donald Trump, Joe Biden admitiu que era “uma máquina de gaffes“, mas acrescentou que essa fragilidade era “uma coisa maravilhosa quando comparada” com Trump, “um tipo que não consegue dizer a verdade”. Agora, a “máquina de gaffes” elevou a tensão entre Washington e Moscovo para níveis que fazem lembrar a Guerra Fria. Será esta a gaffe de Biden mais perigosa de sempre?

O discurso em que Biden pediu o fim de Putin: da viagem ao passado soviético até à frase polémica

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“Ditador assassino,  puro bandido”

Desde o dia 24 de fevereiro, quando Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia com o alegado propósito de “libertar” as populações russófonas das regiões separatistas pró-Moscovo do jugo “nazi” do regime de Kiev, o Presidente dos EUA foi endurecendo gradualmente o discurso contra o líder russo — sobretudo à medida que o horror se ia abatendo sobre a população civil da Ucrânia e as negociações de paz falhavam sistematicamente.

Ainda em Washington, Joe Biden subiu a parada dos ataques contra Putin quando lhe chamou diretamente “criminoso de guerra“. Nessa altura, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional, na Haia, já tinha ordenado a abertura de um inquérito preliminar aos possíveis crimes de guerra cometidos pela Rússia em solo ucraniano.

President Putin Addresses Supporters On Anniversary Of Annexation Of Crimea

Vladimir Putin lidera a Rússia, como Presidente e primeiro-ministro, desde 2000

Getty Images

Depois, num discurso no Capitólio, foi mais longe, classificando Putin como “um ditador assassino, um puro bandido que está a travar uma guerra imoral contra o povo da Ucrânia”.

Mas o Presidente norte-americano tinha as palavras mais duras guardadas para a sua viagem à Europa, esta semana. Biden voou primeiro para Bruxelas, para participar nas cimeiras da NATO, G7 e Conselho Europeu, e depois para Varsóvia, onde esteve o mais próximo que lhe foi possível da zona do conflito — o Presidente dos EUA lamentou mesmo que, por razões de segurança, não lhe tenha sido possível cruzar a fronteira para a Ucrânia, para testemunhar em primeira mão o impacto da invasão russa.

Biden ficou-se pela Polónia, uma visita de enorme simbolismo nesta guerra: é o país que está a acolher a esmagadora maioria dos refugiados provocados pela guerra de Putin (dos 3,8 milhões de pessoas que fugiram da Ucrânia até sábado, 2,3 milhões estão neste momento na Polónia) e é a grande fronteira da NATO com a zona do conflito.

Um discurso em fúria

Em Varsóvia, Joe Biden reuniu-se com dois ministros ucranianos acabados de chegar de Kiev para discutir a ajuda ocidental à Ucrânia, conversou longamente com o Presidente polaco Andrzej Duda, e visitou os soldados norte-americanos presentes no país ao serviço da NATO. Nessa visita, Biden voltou a afiar a língua contra Putin, chamando-lhe “carniceiro”. Para o fim da tarde de sábado, estava prometido um importante discurso de Biden em Varsóvia — que prometia ser a grande intervenção do Presidente norte-americano em solo europeu sobre a guerra.

E foi. Em frente ao Castelo Real de Varsóvia, com uma enorme bandeira norte-americana em pano de fundo, à maneira dos grandes discursos presidenciais de Washington, Joe Biden subiu ao púlpito para um discurso enfurecido — ainda mais furioso porque, horas antes, a Rússia tinha aumentado o nível de provocação ao Ocidente, lançando um ataque com mísseis contra a cidade de Lviv, apenas a 70 quilómetros da fronteira polaca, que até agora tinha ficado relativamente imune ao conflito armado e estava transformada num enorme centro de acolhimento de cidadãos ucranianos deslocados, oriundos da região oriental do país.

Durante 27 minutos, Biden encorajou o povo ucraniano a lutar, prometeu ajudar os ucranianos e multiplicou-se em duros ataques a Putin, procurando desmontar os argumentos de Moscovo, particularmente o “desplante” de propor uma “desnazificação” da Ucrânia: “É uma mentira. É simplesmente cínico. E é também obsceno. O Presidente Zelensky foi eleito democraticamente. É judeu. A sua família paterna foi destruída pelo Holocausto Nazi.”

US President Biden Delivers Speech On Russia's Invasion Of Ukraine

Joe Biden discursou no sábado em Varsóvia, na Polónia

Omar Marques/Getty Images

Acusando Putin de ter sede de “poder absoluto” e de querer recuperar o imperialismo russo de outros tempos, Biden avisou Moscovo: “Nem pensem em avançar e entrar num centímetro que seja do território da NATO.” Antes, tinha garantido ao Presidente polaco que o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte e a cláusula de defesa coletiva são “compromissos sagrados” para os EUA.

Mas foi uma pequena frase, um desabafo que não estava no discurso escrito, que resumiu toda a intervenção de Biden: “Por amor de Deus, este homem não pode continuar no poder!

Diplomacia dos EUA tentou suavizar palavras de Biden

A declaração foi imediatamente interpretada como um apelo à deposição de Vladimir Putin do cargo de Presidente russo, uma interpelação aos elementos do círculo mais próximo de Putin para que o afastassem do cargo. E o Kremlin não se ficou. “Isso não é algo que caiba ao Senhor Biden decidir. Deve ser apenas resultado da escolha das pessoas da Federação Russa”, respondeu pouco depois o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, em declarações citadas pela CNN.

A Casa Branca apercebeu-se rapidamente de que as palavras de Biden tinham enorme potencial explosivo e apressou-se a tentar suavizar o discurso. “O ponto do Presidente era que Putin não pode ter permissão para exercer o seu poder nos vizinhos ou na região. Ele não estava a discutir o poder de Putin na Rússia, ou uma mudança de regime“, disse, pouco depois do discurso, um porta-voz da Casa Branca.

Era a segunda vez em apenas dois dias que a Casa Branca se via obrigada a corrigir uma gaffe de Biden. No dia anterior, o Presidente dos EUA tinha indicado, inadvertidamente, que os soldados norte-americanos seriam enviados para a Ucrânia, e um porta-voz da Casa Branca teve de assegurar os jornalistas de que a posição de não enviar tropas para território ucraniano não tinha mudado.

"Isso não é algo que caiba ao Senhor Biden decidir. Deve ser apenas resultado da escolha das pessoas da Federação Russa."
Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin

Contudo, para corrigir uma gaffe destas, uma declaração do gabinete de imprensa da Casa Branca não era suficiente. Era preciso uma voz mais forte. Já este domingo, a partir de Israel, onde está para uma visita diplomática, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pronunciou-se sobre o discurso de Biden.

“Penso que o Presidente e a Casa Branca foram claros ontem à noite ao dizer, simplesmente, que o Presidente Putin não pode ter o poder de fazer a guerra ou envolver-se numa agressão contra a Ucrânia ou qualquer outro país”, disse o chefe da diplomacia norte-americana. “Como sabem, e como já nos ouviram dizer repetidamente, não temos uma estratégia para uma mudança de regime na Rússia, ou em qualquer outro lugar, já agora. Neste caso, como em qualquer caso, é uma questão para o povo do país em causa, é uma questão para o povo russo.”

“Uma situação perigosa” que ficou “ainda mais perigosa”

Apesar de considerado um apelo emocional e genuíno do Presidente dos EUA, a declaração de que Putin “não pode continuar no poder” arrisca pôr em causa a capacidade de EUA e Rússia chegarem a entendimentos sobre a paz na região. “Os comentários do Presidente tornaram uma situação difícil ainda mais difícil e uma situação perigosa ainda mais perigosa“, escreveu no Twitter Richard Haass, histórico diplomata norte-americano e presidente do influente think-tank Council on Foreign Relations.

“Isso é óbvio. Menos óbvio é como desfazer os danos, mas sugiro que os seus assessores falem com os seus homólogos e deixem claro que os EUA estão preparados para negociar com este governo russo”, acrescentou Haass.

Outros analistas concordam. Michael O’Hanlon, investigador especializado em conflitos armados e na intervenção dos EUA, disse ao The Washington Post que o discurso de Biden dá sinais preocupantes. “O que [o discurso] me diz, e me preocupa, é que a equipa dele não está a pensar num fim plausível para a guerra. Se estivessem, a cabeça de Biden não estaria num lugar que lhe permitisse dizer ‘Putin tem de sair’. A única maneira de chegar ao fim da guerra é negociar com este tipo”, afirmou. “Quando se diz que o tipo tem de sair, está-se essencialmente a declarar que não se vai negociar com ele.”

Justamente por ser evidente, para já, que só será possível alcançar um fim para a guerra através de uma negociação com Vladimir Putin, a diplomacia dos Estados Unidos tem insistido que não pretende uma mudança de regime em Moscovo. Por isso, a declaração de Biden lançou o caos na política externa norte-americana, ofuscando os 27 minutos do discurso de Varsóvia, que ficou resumido àquelas nove palavras.

"Os comentários do Presidente tornaram uma situação difícil ainda mais difícil e uma situação perigosa ainda mais perigosa."
Richard Haass, antigo diplomata dos EUA

Como resume o The Washington Post, com aquela frase, Biden “foi mais longe até que os presidentes dos EUA durante a Guerra Fria, reverberando imediatamente por todo o mundo, com os líderes mundiais, os diplomatas e os especialistas em política externa a tentar perceber o que Biden disse, o que significou aquilo — e, se Biden não o queria dizer, porque é que o disse“.

Aquele jornal recolheu impressões junto de vários antigos diplomatas dos EUA e especialistas em política externa norte-americana e uma conclusão salta à vista: se a Casa Branca não tivesse clarificado imediatamente a mensagem de Biden, o discurso poderia ter tido consequências muito mais graves, uma vez que seria uma indicação de que os EUA poderiam tentar remover Vladimir Putin do poder pela força.

“Creio que podemos chamar a isto uma gaffe do coração“, resumiu Aaron David Miller, antigo conselheiro da Secretaria de Estado dos EUA para as negociações entre Israel e o mundo árabe. “Se Biden pudesse fechar os olhos e ter dez desejos concretizados amanhã, um deles seria uma mudança de liderança na Rússia.”

Também ao The Washington Post, o antigo diplomata Richard Haass foi mais longe na sua análise. “Devia haver duas prioridades agora: acabar a guerra em termos que a Ucrânia possa aceitar e desencorajar qualquer escalada do lado de Putin. Este comentário [de Biden] é inconsistente com ambos os objetivos”, afirmou. “Desencoraja Putin de qualquer compromisso. Se ele tiver tudo a perder, liberta-se. Porque é que haveria de mostrar moderação? Isto confirma o o pior medo dele, que é o de que os EUA procuram a sua deposição e uma mudança de sistema.”

Para Haass, o facto de a Casa Branca ter “recuado em poucos minutos” é a prova de que Washington percebeu rapidamente o alcance das palavras de Biden. Mas o mal pode estar feito: “Na perspetiva de Putin, o Presidente revelou as suas verdadeiras intenções.”

Na Europa, palavras de Biden são vistas com relutância

Nos corredores da Casa Branca, os assessores de Joe Biden sabem que têm a árdua tarefa de controlar ao máximo as palavras do Presidente dos EUA. Os discursos são meticulosamente escritos e as comparências de Biden perante os jornalistas são limitadas. Mas nem sempre é possível evitar que os improvisos corram mal, como mostram inúmeros episódios da intervenção pública de Biden.

Em 2019, num discurso de campanha eleitoral em defesa da escola pública, afirmou que é preciso combater a ideia de que a pobreza impede a evolução escolar das crianças porque “as crianças pobres são tão inteligentes e talentosas como as crianças brancas“.

Noutra ocasião, confundiu Theresa May com Margaret Thatcher. E até já no decurso da guerra na Ucrânia o Presidente Biden cometeu gaffes, incluindo referir-se ao “povo iraniano” em vez de ao “povo ucraniano” no discurso do Estado da União.

Agora, uma gaffe de Biden ganha contornos sérios, uma vez que acarretam o risco de enfurecer ainda mais Vladimir Putin, cujos planos de guerra parecem estar a sair furados em toda a linha e que continua a agitar o fantasma da guerra nuclear contra o Ocidente. Por esse motivo, as declarações estão a ser recebidas com grande apreensão nos países europeus.

No Reino Unido, por exemplo, o ministro britânico da Educação, Nadhim Zahawi, esteve na manhã deste domingo na Sky News para falar em nome do governo sobre a atual situação da Ucrânia. Questionado sobre a frase de Biden, Zahawi foi cauteloso, concordando que Putin deveria sair, mas que isso é uma decisão do povo russo:

“Penso que é com o povo russo. O povo russo, penso eu, está bastante farto do que está a acontecer na Ucrânia, esta invasão ilegal, a destruição do seu próprio sustento, a sua economia a colapsar à sua volta e penso que o povo russo vai decidir o destino de Putin e dos seus comparsas”. “É o povo russo que decide como é governado”, reiterou.

Em França, o Presidente Emmanuel Macron foi ainda mais direto e afirmou que não utilizaria as palavras escolhidas por Joe Biden para classificar Vladimir Putin como “carniceiro”, argumentando que é necessário manter as vias diplomáticas abertas para negociar com o Presidente russo e evitar a escalada tanto de palavras como de ações. Numa entrevista à televisão France 3, Macron afirmou mesmo: “Não utilizaria essas palavras.”

O Presidente francês sublinhou que “tudo tem de ser feito no sentido de impedir a escalada da situação”. Macron destacou que a sua missão é “alcançar, em primeiro lugar, um cessar-fogo e, depois, a retirada total das tropas russas pela via diplomática”. “Se queremos fazer isso, não pode haver uma escalada nem de palavras nem de ações”, disse Macron.

Na mesma entrevista à France 3, Macron afirmou que tem nova conversa agendada com Putin para “amanhã ou depois de amanhã”. O Presidente francês tem sido um dos principais intermediários entre o Ocidente e Moscovo durante a guerra na Ucrânia.

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