A Reserva Federal dos EUA, o banco central mais poderoso do mundo, deu esta quarta-feira um primeiro sinal de que irá, a partir de agora, abrandar na subida das taxas de juro – um ritmo que tem sido frenético nos últimos meses. Porém, Jay Powell, presidente da Fed, deu um novo “banho de água fria” aos mercados financeiros quando admitiu que as taxas de juro poderão ter de subir até um nível mais elevado do que previsto (mesmo que a uma velocidade mais lenta): é “muito prematuro falar numa pausa” no caminho do aperto monetário, avisou Powell, que protagonizou um momento caricato – e revelador – na conferência de imprensa.
Numa primeira fase, os mercados financeiros pareceram ter visto o (muito aguardado) pivô da Reserva Federal no facto de o banco central ter introduzido uma frase nova no comunicado que divulga habitualmente, no final das reuniões do órgão que decide a política monetária do dólar, o Comité de Operações no Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês): “Para determinar o ritmo de futuras subidas nas taxas de juro, o Comité vai levar em consideração o aperto cumulativo da política monetária e os efeitos retardados com que a política monetária afeta a atividade económica e a inflação, além dos desenvolvimentos económicos e financeiros”.
Em termos práticos, esta frase não veio mudar muito em relação àquilo que já estava implícito nas projeções que os responsáveis da Reserva Federal vêm fazendo, individualmente, no chamado dot plot – uma espécie de grelha onde os membros da Fed mostram publicamente como vai evoluindo a expectativa de cada um deles sobre a trajetória futura dos juros. Porém, o facto de a frase ter sido explicitamente acrescentada ao comunicado oficial pareceu mostrar que o banco central norte-americano estaria a dar um primeiro sinal de suavização – e as bolsas dispararam.
Mas esse alívio nas bolsas durou pouco, porém – e rapidamente se inverteu. Assim que Jay Powell começou a conferência de imprensa, os investidores levaram mais uma série de “banhos de água fria” quando o presidente relegou para segundo plano a relevância da velocidade da subida dos juros e deu mais ênfase ao debate sobre até que nível os juros devem subir. E, aí, os últimos indicadores não trazem boas notícias: Powell diz que não sabe onde está o “nível terminal” desta trajetória de subida dos juros mas admitiu que nas últimas semanas ficou convencido que esse nível é “mais elevado do que prevíamos“.
Nos mercados, essa indicação fez com que as apostas dos investidores em futuros de taxas de juro passassem a apontar para o risco de a Fed subir as taxas de juro para mais de 5%.
Se nas últimas semanas as bolsas tiveram dias muito positivos à conta de uma expectativa de que a Reserva Federal estaria prestes a anunciar um pivô – um virar de página no caminho de aperto monetário – essas esperanças foram anuladas quando Jay Powell sublinhou que “é muito prematuro pensar ou falar numa pausa“. “Temos ainda algum caminho para percorrer na subida das taxas de juro“, acrescentou, e tudo vai depender daquilo que os próximos dados da inflação determinarem – e nos últimos meses esses dados sobre a inflação têm (sempre) saído mais fortes do que o projetado.
Confiante de que a Reserva Federal não está a apertar em demasia a política monetária, os investidores levaram outro “balde de água fria” quando Jay Powell defendeu que “o risco de fazer demais é menos perigoso de que fazer de menos“.
Por outras palavras, a Fed, sob a liderança de Jay Powell, está confiante de que se, a dada altura, achar que foi longe demais na subida dos juros, o banco central “tem ferramentas suficientes” para rapidamente corrigir isso. Em contraste, se a Fed se precipitar nessa “pausa”, isso poderá fazer disparar novamente a inflação e depois pode demorar um ou dois anos a reajustar as expectativas da economia e voltar a controlar a subida dos preços – como aconteceu com Paul Volcker, nos anos 80.
Juros podem subir mais devagar, mas podem subir mais
Com a subida desta quarta-feira, a taxa de juro nos EUA subiu para um intervalo entre 3,75% e 4%. Foi a quarta subida de 75 pontos-base nas taxa de juro – aliás, em toda a história do banco central só em sete ocasiões os juros tiveram uma subida tão elevada, de 0,75 pontos percentuais de uma assentada, e quatro dessas ocasiões aconteceram nos últimos meses.
A partir de agora, as subidas da taxas de juro podem passar a ser mais lentas – 50 pontos-base é a aposta prevalecente nos mercados sobre a próxima reunião do FOMC. Porém, passou a estar em cima da mesa a forte possibilidade de que os juros subam para níveis mais elevados do que antes se previa: em setembro, a média dos membros do FOMC colocava o “teto” dos juros em cerca de 4,6% – agora os mercados acreditam que os juros vão subir pelo menos até aos 5%.
Essa é a convicção de Bernd Weidensteiner, economista do alemão Commerzbank que segue o banco central norte-americano. “Powell disse que é claramente prematuro pensar numa pausa neste processo de aumento das taxas de juro (…) e comentou que a Reserva Federal está disposta a aceitar uma recessão caso isso seja necessário para controlar a inflação”, diz o economista, concluindo que “assim, mesmo com o anúncio de possíveis subidas mais lentas na taxa de juro, de modo algum a reunião desta quarta-feira pode ser interpretada como um pivô por parte da Fed para uma postura mais dovish“, ou seja, uma atitude mais condescendente em relação aos riscos de inflação.
O momento caricato (e revelador) na conferência de imprensa
Para o BCE, que começou mais tarde do que a Fed no processo de subida dos juros, este conjunto de decisões tomadas nos EUA não traz qualquer alívio da pressão sobre Christine Lagarde. Após as palavras de Jay Powell, o dólar voltou a subir em relação ao euro, o que é em si um fator indutor de mais inflação na união monetária, pelo que restam cada vez menos alternativas ao BCE que não continuar a seguir o mesmo rumo: é quase certo, aos olhos dos investidores, que a 15 de dezembro virá uma nova subida de 75 pontos-base nas taxas de juro da zona euro – sobretudo depois de a inflação na zona euro ter surpreendido com um “salto” para 10,7% em outubro, segundo a primeira estimativa do Eurostat.
Quanto às bolsas, o índice S&P 500 afundou para fechar com uma queda superior a 2% e o Nasdaq perdeu mais de 3%, depois de ambos terem estado a subir antes da conferência de imprensa de Jay Powell. Um momento caricato (e revelador) durante a mesma conferência de imprensa aconteceu quando, já os trabalhos iam adiantados, um dos jornalistas incluiu na sua pergunta uma referência ao facto (desatualizado) de que as bolsas estavam a subir por causa da decisão da Fed – na realidade, naquele momento já tinham invertido de forma dramática e estavam a cair.
Ao ouvir a pergunta do jornalista, Powell, que no púlpito não tem qualquer ecrã atualizado com os números das bolsas à sua frente, pareceu ficar incomodado com a indicação de que as bolsas estavam a subir apesar de todos os “banhos de água fria” que sabia estar a dar, verbalmente, aos investidores. Em resposta, Jerome Powell embarcou numa repetição exaustiva de todos os argumentos que tinha dado, todos no mesmo sentido de demonstrar o empenho da Fed com o aperto monetário.
Ao fazer isso, o presidente da Fed reforçou inadvertidamente a opinião daqueles que acreditam que o banco central quer ver as bolsas a corrigirem nos próximos tempos, até níveis que Powell considere que refletem melhor o aperto monetário que se quer aplicar. Se a Fed quer as bolsas a cair, Powell mostrou-o, de forma caricata, num esforço que, como terá comprovado no final da conferência de imprensa, foi desnecessário: o jornalista estava desatualizado e bastou, afinal, dizer que os juros podem subir “mais do que o previsto” para fazer afundar as bolsas.