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Em agosto de 2017, Anne Stevenson-Yang deu uma entrevista onde disse que a China ia "bater contra uma parede" e que "não há empresa mais ilustrativa da bolha do que a Evergrande – é o maior esquema piramidal que o mundo já viu".
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Em agosto de 2017, Anne Stevenson-Yang deu uma entrevista onde disse que a China ia "bater contra uma parede" e que "não há empresa mais ilustrativa da bolha do que a Evergrande – é o maior esquema piramidal que o mundo já viu".

Em agosto de 2017, Anne Stevenson-Yang deu uma entrevista onde disse que a China ia "bater contra uma parede" e que "não há empresa mais ilustrativa da bolha do que a Evergrande – é o maior esquema piramidal que o mundo já viu".

"Evergrande pode ser a estocada final na economia chinesa", diz analista que vê "maior esquema Ponzi de sempre" no imobiliário chinês

O setor imobiliário chinês é "maior esquema Ponzi que o mundo já viu", criado com a cumplicidade do regime, que agora está "entalado". Entrevista à analista Anne Stevenson-Yang, que previu o colapso.

O “Dia D”, de default, está prestes a chegar. A 23 de outubro esgotam-se os 30 dias do período de graça previsto nos primeiros títulos de dívida cujo pagamento a chinesa Evergrande falhou. O que acontece se esta gigante da promoção imobiliária continuar sem pagar aos credores? “Um momento Lehman não é o paradigma mais apropriado, o que pode estar em causa é a estocada final na economia chinesa”, afirma Anne Stevenson-Yang, uma analista financeira que passou boa parte das últimas décadas na China a alertar para o colapso do “maior esquema Ponzi que o mundo já viu“.

O Observador entrevistou a co-fundadora da firma J Capital Research através do Skype, poucas horas após o Banco Popular da China garantir em comunicado que a Evergrande era um caso isolado e que os riscos para o sistema financeiro eram “geríveis”. “Claro que dizem que não existe um problema relevante… mas isso simplesmente não é verdade“, afirmou a analista, a partir do seu escritório caseiro no Connecticut, EUA.

Nem a Evergrande é um caso isolado – porque já faliram este ano centenas de promotoras imobiliárias (e muitas outras para lá caminham) – nem se pode dizer com certeza que os riscos são geríveis, porque este grupo é “tentacular” e é impossível as autoridades do poder central chinês terem uma noção perfeita das implicações de uma falência. “Aliás, essa é uma imagem errada que muitas pessoas têm – que em Pequim existe um poder central que faz uma gestão política pensada, planificada, coordenada. Simplesmente não é assim: muitas vezes é apenas um conjunto de pessoas a improvisar, cheias de medo de que haja um crash“, diz a analista.

"Há uma imagem errada que muitas pessoas têm – que em Pequim existe um poder central que faz uma gestão política pensada, planificada, coordenada. Simplesmente não é assim: muitas vezes é apenas um conjunto de pessoas a improvisar, cheias de medo de que haja um crash."
Anne Stevenson-Yang, analista da J Capital Research

As autoridades estão a mexer-se, nos bastidores, e isso poderá ser suficiente para conter a pressão no curto prazo, acredita a especialista. “Ao mesmo tempo que garantem que não há problemas, estão a injetar 100 mil milhões de yuan [equivalente a 13 mil milhões de euros, em setembro] em liquidez no sistema bancário e estão a dar ordens aos bancos para que aprovem os processos de financiamento mais rapidamente”, lembra Anne Stevenson-Yang. Por outro lado, Pequim está a pedir às empresas públicas que comprem ativos da Evergrande, para a ajudar a garantir encaixes financeiros que permitam reembolsar a dívida no curto prazo.

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“Eles [as autoridades chinesas] estão a tentar ajudar a situação mas sem o fazer de forma muito visível“, afirma a analista. “Eles sabem que as pessoas não veem com bons olhos que o cidadão comum esteja a perder dinheiro ao mesmo tempo que alguém como Hui Ka Yan, o fundador da Evergrande, leva para casa uma fortuna [7 mil milhões de euros] em dividendos”, acrescenta Anne Stevenson-Yang.

Evergrande à beira do colapso? Presidente já recebeu 7 mil milhões de euros em dividendos

Neste momento, a analista antecipa que este “vai ser um inverno duro“, em que os mercados financeiros vão continuar nervosos em relação às ramificações das falhas de pagamento de uma empresa com o equivalente a 260 mil milhões de euros em dívida acumulada. Mas não é de antecipar “um ataque cardíaco na finança chinesa” porque ainda existe a expectativa de que o governo acabará por colocar a mão por baixo, de alguma forma.

“Em janeiro, quando é feito o novo plano económico anual, penso que eles vão ter medo e vão abrir as torneiras – isto é, injetar dinheiro no setor como fazem sempre, continuando a encher a bolha“, antecipa Anne Stevenson-Yang, que viveu 25 anos na China e tinha como hobby passear pelas cidades-fantasma e tirar fotografias às incontáveis fachadas de prédios desocupados e infraestruturas vazias.

Crescimento económico na China está a desacelerar

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A economia chinesa, a segunda maior do mundo, cresceu 4,9% no trimestre entre julho e setembro, foi esta semana divulgado. Esta taxa de crescimento, que compara com o período homólogo, não só ficou abaixo das expectativas dos economistas como marcou o ritmo de crescimento mais baixo do último ano.

No trimestre anterior, o crescimento tinha sido de 8%, também em termos homólogos, uma desaceleração que os economistas justificam com o impacto da crise energética – incluindo racionamento e falhas no fornecimento de energia – e com o abrandamento de setores como a promoção imobiliária.

Delícias para os olhos dos pessimistas

A especialidade desta analista é escrutinar os balanços de empresas que podem esconder (de forma mais ou menos deliberada) dificuldades que os mercados financeiros ainda não tenham detetado – casos desses podem representar oportunidades para apostar na queda das ações dessas empresas, através do chamado short selling.

Mas o problema aqui não era micro, era macroestava em causa uma “bolha” que rebentaria quando as autoridades deixassem de a manter cheia – ou, em alternativa, quando as autoridades deixassem de conseguir mantê-la cheia. Essas fotografias acabaram por ser compiladas num website a que chamou “As Cidades-Fantasma da China – Delícias para os Olhos dos Pessimistas“.

“Nunca encontrámos uma zona da China onde não houvesse empreendimentos-fantasma. Ninguém parece querer acreditar em quão generalizado este problema é, portanto decidimos expor as nossas fotos e convidamos todos a enviarem também as suas”, pode ler-se no site onde se conclui que “as fotos são de várias zonas, mas a história é sempre a mesma“.

"As fotos são de várias zonas, mas a história é sempre a mesma", pode ler-se no site criado pela J Capital Research

A “história”, que é “sempre a mesma”, é a história de uma aposta na construção de milhões de casas para serem vendidas não como habitações mas exclusivamente como ativos especulativos – construção essa que sempre foi financiada por mais e mais dívida. Em agosto de 2017, Anne Stevenson-Yang deu uma entrevista ao Finanz und Wirtschaft (FUW) onde disse, claramente, que a China ia “bater contra uma parede” e que “provavelmente não há empresa mais ilustrativa da bolha do que a Evergrande – é o maior esquema piramidal que o mundo já viu“.

Ao Observador diz que continua a pensar que a Evergrande e o setor da promoção imobiliária chinesa, como um todo, são o maior esquema piramidal que algum dia existiu – bem maior, portanto, do que os grandes esquemas Ponzi detetados nas últimas décadas, como o liderado pelo financeiro norte-americano Bernie Madoff. “O esquema tem continuado porque as autoridades estão sempre a disponibilizar mais dinheiro ao fundo da pirâmide”, ou seja, novo crédito.

“Dá-se crédito aos promotores e, quando acontece não conseguirem vender o que construíram – o que acontece frequentemente –, os bancos dão mais e mais crédito para que continuem solventes e nunca tenham de baixar os preços”. Caso os preços baixem são os bancos que, depois, ficam entalados porque têm de pensar no que pode acontecer ao valor dos outros ativos comparáveis que também estão no seu balanço. “Se um promotor precisa de vender a um desconto superior a 5%, por exemplo, então o banco credor começa a ficar nervoso e dá-lhe mais dinheiro para que ele possa aguentar mais uns anos, à espera que o mercado suba. É assim que o Ponzi funciona, basicamente“, explica a analista.

"Se um promotor precisa de vender a um desconto superior a 5%, por exemplo, então o banco credor começa a ficar nervoso e dá-lhe mais dinheiro para que ele possa aguentar mais uns anos, à espera que o mercado suba. É assim que o Ponzi funciona, basicamente"
Anne Stevenson-Yang, analista da J Capital Research

“Num mundo normal, se não estivesse a haver continuamente novos refinanciamentos, o que teria de acontecer era que as empresas teriam de assegurar algum cash-flow através da redução dos preços”, explica Anne Stevenson-Yang, dando um exemplo concreto: “Imagine que tem 300 apartamentos para vender e ninguém está a comprar, o que tem de fazer é começar a baixar o preço até começar a haver compradores. Mas isso não acontece na China porque toda a gente tem terror das consequências sociais, para não falar das consequências financeiras, de haver uma quebra nos preços“.

Prédios vazios. Mas “um dia estarão ocupados, vai ser como a Europa”

Por definição, um esquema piramidal finge que cria valor onde ele não existe. A analista explicou que, se um promotor estivesse a construir uma torre de apartamentos com 200 unidades embora apenas tivesse comprador para 15, fazia o seguinte: vendia essas 15 primeiro, por exemplo a 7.000 yuans/metro quadrado, e chamava àquilo a “Fase 1”. Depois, destacando a forma rápida como foram esgotados os apartamentos da “Fase 1”, colocava-se mais 15 unidades no mercado a 8.000 yuans – “ouçam, a Fase 1 já voou, agora o preço subiu para 8.000 yuans portanto é melhor comprarem já“, dizia-se aos clientes.

Na China “as pessoas não confiam nos bancos, porque sabem que os bancos não têm como prioridade os interesses das pessoas mas, sim, os interesses do governo”, explica a analista, ao Observador. Então, “as pessoas sentem que quando compram uma propriedade têm um ativo real, com quatro paredes” – não é difícil encontrar um taxista em Pequim que é dono de três ou quatro apartamentos nos subúrbios. Até podem estar todos vazios, mas “um dia estarão ocupados, vai ser como a Europa“, pensam, repetindo aquilo que os promotores lhe cantaram aos ouvidos, diz a analista.

A expectativa versus a realidade exposta pelas fotos de Anne Stevenson-Yang

Quando o atrativo de serem ativos reais não era suficiente, seduzia-se os investidores com malas Gucci e eletrodomésticos da Dyson – não só investidores em casas mas, também, na vasta panóplia de “produtos de gestão de património” que a Evergrande começou a distribuir e que prometiam juros na ordem dos 13%, descreveu recentemente a agência Reuters.

Entre os investidores nesses produtos estão, também, funcionários da própria Evergrande que estão nesta altura a organizar manifestações públicas sobre as quais muito pouco chega ao Ocidente. “Alguns deixaram de receber ordenado [ou parte dele] e a empresa sugere pagar-lhes não em dinheiro mas, sim, oferecendo-lhes casas e lugares de estacionamento“, diz Anne Stevenson-Yang.

Evergrande. O gigante chinês dono de um clube de futebol que seduziu o povo com juros de 13% e malas Gucci

A situação em torno da Evergrande pode tornar-se um problema político para o Presidente Xi Jinping porque se gerou uma perceção de que, tendo em conta as particularidades da política económica chinesa, o governo, no final, acaba sempre por intervir. Foi o que aconteceu em 2018 com o grupo financeiro Anbang – dono dos hotéis Waldorf Astoria, que chegou a estar interessado no Novo Banco – e, também, do grupo HNA, que em 2020 também foi alvo de uma reestruturação patrocinada por Pequim.

Porém, todas estas dificuldades na Evergrande e em tantas outras promotoras imobiliárias começaram no ano passado, quando o regime apertou as regras de financiamento a este setor – no fundo, uma tentativa de esvaziar a bolha devagarinho. “A dúvida é se vão ter capacidade de aguentar a pressão durante muito tempo ou se acabarão por ceder, voltando a abrir as torneiras” da liquidez financeira à banca, afirma Anne Stevenson-Yang.

“Posso estar enganada, mas acredito que eles vão ter medo e vão inundar novamente a economia com dinheiro“, afirma a analista. O problema é que desta vez o regime pode não conseguir alimentar a bolha, mesmo que queira fazê-lo. A intervenção, a confirmar-se, “pode agravar os riscos de inflação” que já estão a fazer-se sentir em várias partes do mundo e “as pessoas podem começar a ter medo, a economia pode cortar no investimento – já estamos a ver isso, a nova construção a cair, a procura por cimento a baixar… Isto pode ser a estocada final na economia chinesa“.

Evergrande pagou juros de dívida a investidores locais

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Nesta terça-feira a Reuters noticiou que a Evergrande cumpriu com um pagamento dos juros relativos a uma dívida onshore, ou seja, que é detida por investidores locais.

Em concreto, esse foi um pagamento feito por uma das principais unidades do conglomerado Evergrande, a Hengda Real Estate Group Co. Não era um reembolso de capital mas, sim, o pagamento de um juro periódico (“cupão”) que fez sair dos depauperados cofres da Evergrande 121,8 milhões de yuan (cerca de 15 milhões de euros).

A Evergrande tem feito algumas vendas de ativos que lhe conferem algum “balão de oxigénio” financeiro, mas os analistas olham com preocupação para a capacidade que a empresa terá de cumprir com os próximos pagamentos – não só de juros mas, também, de reembolsos de capital.

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