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Os estados membros continuam à procura de uma solução para tentar reanimar as economias europeias
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Os estados membros continuam à procura de uma solução para tentar reanimar as economias europeias

AFP via Getty Images

Os estados membros continuam à procura de uma solução para tentar reanimar as economias europeias

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Fundo de recuperação. Alemanha e França acenam com fundo perdido, mas há condições

A Comissão já garantiu que não haverá austeridade. Mas não se sabe ainda com rigor o que é a "ambiciosa agenda de reformas" proposta por Alemanha e França no plano para a recuperação económica.

Os governos dos chamados países “frugais” vão afiando as facas para a próxima cimeira europeia, tendo em conta a ementa que lhes foi apresentada por França e Alemanha — dinheiro a fundo perdido, mutualização de dívida e referências vagas a condicionalidades para distribuir os 500 mil milhões de euros (que podia ser — mas a Comissão Europeia garante que não é — austeridade). O primeiro passo foi dado pelos principais pesos pesados da UE e a Comissão Europeia aplaudiu. Só que falta agora tudo o resto.

O acordo forjado entre Angela Merkel, a chanceler alemã, e Emmanuel Macron, o presidente francês, depois de conversas por videoconferência, prevê que o executivo de Ursula von der Leyen peça emprestado aos mercados 500 mil milhões de euros, em nome da UE, para depois distribuir, sob a forma de apoios gratuitos, pelos setores e regiões mais afetados pela pandemia. Tudo enquadrado no orçamento europeu, em linha com as prioridades da UE e com vista a uma economia mais verde e mais digital. A confirmar-se que o plano avança — o que ainda não é certo — o dinheiro será usado a breve prazo (embora não tão breve quanto os países do sul da Europa desejariam) e devolvido aos mercados a longo prazo pela Comissão Europeia.

No entanto, apesar de ter sido apresentada pelo “motor” da integração europeia, a proposta criou de imediato um fosso entre os países do Sul, mais afetados pela pandemia, e os países do Norte, habitualmente pouco interessados em abrir os cordões à bolsa sem condições associadas e em partilhar risco com estados-membros mais pobres. Áustria, Países Baixos, Dinamarca e Suécia, que defendem menos despesa europeia e mais contenção orçamental, já prometeram fazer uma contraproposta.

500 mil milhões a “fundo perdido”. Alemanha e França chegam a acordo para fundo de recuperação

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Depois de semanas de discussão entre os estados-membros sobre que opções tomar para que a economia europeia retome a normalidade possível, a Comissão Europeia vai agora apresentar um plano de recuperação no próximo dia 27, presumivelmente com base no acordo que aplaudiu, a par das propostas do orçamento plurianual da UE para 2021-2027. Segue-se depois a habitual luta Norte-Sul, numa cimeira de líderes que ainda não tem data marcada. Mas que promete ser dura e prolongada, tendo, desde logo, esse tal fantasma antigo a ensombrar as conversas: que condições devem ser impostas para aceder ao dinheiro?

A fundo perdido, mas à condição

Alemanha e França querem que a União Europeia distribua dinheiro de forma gratuita aos estados-membros. Não são empréstimos, é mesmo dinheiro a “fundo perdido” para ajudar as economias a recuperarem, algo que o Sul da Europa reclamava para fazer face aos efeitos económicos da pandemia, mas que os países do Norte — incluindo a Alemanha — têm rejeitado. Bom demais para ser verdade?

Merkel e Macron prevêem, de facto, que o dinheiro distribuído não seja reembolsável, só que falta o resto da equação: o apoio à recuperação “vai basear-se num claro compromisso dos estados-membros em seguirem políticas económicas sólidas e uma ambiciosa agenda de reformas”.

Sobre condicionalidades, o acordo mais não diz do que esta frase, dando margem a interpretações diversas, embora o comissário europeu com a pasta da Economia, Paolo Gentiloni, já tenha recusado o recurso à austeridade durante a recuperação da crise.

Questionado por vários jornais europeus, incluindo o português Jornal de Negócios, sobre se as reformas previstas no acordo franco-alemão podem significar esforços adicionais, como os que foram feitos durante os resgates da Troika, o comissário italiano deu uma garantia: “Definitivamente, não”. Não é isso que está em causa, porque a “atual resposta não seguiu a lógica cultural de há 10 anos”.

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O que significa então essa ambígua frase franco-alemã? A revista Foreign Policy entende que esta é “a grande questão que vai determinar a viabilidade da nova proposta, mas também a sua real eficácia na distribuição dos fundos”. Descobrir quais são as contrapartidas no fundo de recuperação “será uma grande parte do conflito entre os Estados membros” na próxima cimeira europeia.

Os “falcões” orçamentais — com Áustria, Países Baixos, Dinamarca e Suécia a encabeçarem o movimento de contestação à proposta franco-alemã — deverão lutar por essas contrapartidas na próxima cimeira europeia, ainda sem data, depois da apresentação da proposta pela Comissão Europeia.

“Veremos nas negociações que condições vão anexar às subvenções”, avisa J.H. Weiler, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova Iorque, citado pela Foreign Policy. Mas “não será um almoço totalmente gratuito”.

Fonte de uma instituição europeia ouvida pelo Observador adianta que a condicionalidade pode ser imposta na forma como a despesa é feita ou relativa às reformas nos domínios do ambiente e da transformação digital, preconizadas por França e Alemanha. Mas, tal como o comissário europeu, garante que “não é austeridade” que está em cima da mesa.

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O economista Pedro Bação também não espera a imposição de esforços suplementares, como no tempo da Troika. “Penso que a questão da condicionalidade serve para reiterar o respeito pelas regras orçamentais europeias (importante para muitos países) e para indicar a possibilidade de serem beneficiados os países com os melhores projetos nas áreas a que a proposta parece dizer respeito: digitalização e ambiente”, diz o economista da Universidade de Coimbra ao Observador.

Resta também saber se haverá ligação ao Semestre Europeu (em que os governos alinham políticas económicas e orçamentais com as regras europeias), contemplando recomendações específicas para cada estado-membro. Nesse caso, os países apresentariam propostas de reformas ou investimento com base nessas prioridades e caberia ao executivo europeu garantir que há uma implementação adequada.

Seja como for, Angela Merkel já avisou que esta é apenas uma resposta de curto-prazo à crise e que outro tipo de respostas, de longa duração, também têm de ser discutidas nas próximas semanas ou meses.

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Ajuda à recuperação. Mas não para já

Para quem ainda pensasse que o fundo de recuperação europeia seria uma solução para o pós-confinamento, que reanimasse as economias europeias nos próximos meses, a proposta franco-alemã e as indicações da Comissão deitaram essa possibilidade por terra. “A Alemanha e França apoiam um Fundo de Recuperação ambicioso, temporário e focado, no âmbito do próximo quadro financeiro plurianual, concentrando recursos nos primeiros anos”, pode ler-se no acordo alcançado por Merkel e Macron.

Ora, uma solução com base no próximo orçamento comunitário (2021-2027) “apenas disponibilizará fundos a partir de Janeiro de 2021”, sublinha a consultora de risco Teneo, que admite por isso problemas maiores para Itália, um dos países mais afetados pela pandemia: “Pode vir a precisar de assistência financeira já no segundo semestre de 2020”.

Além disso — e ainda que considere que este plano deu “um novo ímpeto ao projeto de um fundo de recuperação” — o Commerzbank lembra que há “muitas questões por resolver e desentendimentos entre Norte e Sul da Europa”, que deverão atrasar um acordo final. O dinheiro “não deverá ser distribuído antes de 2021, na melhor das hipóteses”, diz o banco de investimento alemão.

Emmanuel Macron e Angela Merkel deram o mote à Comissão Europeia

HAYOUNG JEON/EPA

Para Pedro Bação, se se confirmar que o dinheiro será mesmo distribuído no âmbito do próximo quadro financeiro europeu, “virá muito tarde para acudir à situação atual”. Ou seja, neste cenário, o investigador da Universidade de Coimbra entende que o acordo “visa outros objetivos que não o suavizar da crise em que estamos neste momento”.

Para que serve então? Primeira hipótese: “acelerar a ‘revolução digital’ e a transição para uma ‘economia mais verde’” — prioridades que constam do acordo franco-alemão. Só que, nesse caso, correspondendo a “cerca de 3,6% do Produto Interno Bruto da União Europeia em 2019”, a quantia em causa “parece ser interessante, mas possivelmente não será decisiva”.

Segunda hipótese: a proposta pode ser vista como “uma antecipação à necessidade de estimular a economia no próximo ano”. O acordo “estabelece já um programa que ajudará a combater a crise no próximo ano, por se prever que a crise atual será não só profunda, mas também prolongada, algo que de facto é uma possibilidade a ter em conta”, admite Pedro Bação. E se assim for, “talvez a proposta venha a ser útil para combater a crise nessa fase”.

O investigador admite que se a recuperação e o ajustamento deste ano “não decorrerem satisfatoriamente”, em 2021 “poderemos estar a falar não só ainda da recuperação da crise económica, mas também sobre como lidar com uma crise financeira generalizada”.

Para a crise atual, “mais importante do que esta proposta franco-alemã poderão ser medidas como as do programa de compras de ativos” do BCE. “Desde que o Banco Central Europeu vá comprando a dívida decorrente da resposta a esta crise, quase como um financiamento monetário do défice público, os governos terão algum espaço para mitigar os efeitos da crise”, explica Pedro Bação. Mas este apoio tem limitações: “O financiamento pelo BCE é apenas para conter os efeitos da crise no imediato. Por si só não irá reanimar a economia”. A evolução da pandemia terá também aí uma palavra.

O dinheiro “virá muito tarde para acudir à situação actual” (...) O acordo visa “acelerar a ‘revolução digital’ e a transição para uma ‘economia mais verde’” ou estabelecer "um programa que ajudará a combater a crise no próximo ano, por se prever que a crise actual será não só profunda, mas também prolongada"
Pedro Bação, economista da Universidade de Coimbra

Em todo o caso, o economista elogia a proposta dos dois países porque “sinaliza o empenho da Alemanha e da França na União Europeia e a sua disponibilidade para lhe darem um novo ímpeto”.

Apesar de já ter sido aprovado o fundo de emergência com 540 mil milhões de euros (em empréstimos para despesas de saúde relacionados com a Covid-19) e o instrumento de apoios temporários ao emprego, também o Commerzbank entende que, na ausência de uma solução mais imediata, será ainda sobretudo o Banco Central Europeu a segurar a união monetária através das compras de dívida. “O projeto do fundo de recuperação não liberta o BCE”, que ainda este mês foi encostado à parede pelo Tribunal Constitucional alemão por causa das “bazucas” de dinheiro lançadas para resolver crises com “tudo o que for preciso”.

“Eurobonds” que não são “os” eurobonds

Em nenhum momento são referidas no acordo franco-alemão as palavras “eurobonds” ou “coronabonds” — a emissão de dívida conjunta para fazer face à crise pandémica. Mas o texto escolhido pelas diplomacias dos dois países deixa poucas dúvidas sobre a cambalhota neste filme europeu: “França e Alemanha propõem que a Comissão Europeia possa financiar o apoio à recuperação, pedindo emprestado aos mercados em nome da União Europeia”.

A ideia de a UE pedir emprestado em conjunto para fazer face a crises coletivas — que esteve em cima da mesa durante a crise do euro, mas que nunca foi aceite no Norte da Europa — voltou a ganhar força à boleia da pandemia — e de forma inesperada. Em março, numa reunião extraordinária do Conselho Europeu, Angela Merkel terá aceitado, pela primeira vez, discutir os tais “coronabonds”. Só que depressa a ideia foi rejeitada pelo ministro das Finanças alemão e pela própria chanceler, em diversas ocasiões, em coerência com a tradicional resistência do país a este mecanismo.

Durante a discussão sobre o outro grande fundo para fazer face à pandemia — o fundo de emergência, com empréstimos do Mecanismo de Estabilidade Europeu —, a ideia parecia ter sido definitivamente enterrada. Até que — “plot twist” — Merkel chegou a acordo com Macron. Os eurobonds estão de volta.

“Coronabonds”: as vantagens, os obstáculos e as alternativas

Em boa verdade, há uma nuance, porque a emissão de dívida será feita pela Comissão, em nome da UE, e não pelos estados-membros. Não são os eurobonds que pediam os países do sul da Europa, mas também serve. “Podemos chamar-lhe o que quisermos, mas é uma mutualização de dívida em grande escala, é uma outra forma de ‘coronabonds’”, entende J.H. Weiler, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova Iorque, citado pela revista Foreign Policy.

Só que esta ainda não é uma decisão europeia. Será que avança mesmo nestes moldes? França e Alemanha prometem que a medida “respeitará totalmente o Tratado da UE, o enquadramento orçamental e os direitos dos parlamentos nacionais”, mas Pedro Bação, economista da Universidade de Coimbra, tem “dúvidas sobre a viabilidade” desta proposta, porque “países como a Áustria e os Países Baixos dificilmente deixarão passar” uma alteração deste género, diz ao Observador.

O economista lembra que as atuais regras permitem à Comissão emitir dívida em nome da UE para emprestar a países em dificuldades, como durante os resgates da Troika, mas não para alimentar o orçamento europeu, porque não são “recursos próprios”. E entende que não será fácil alterar estas regras.

Merkel diz que Alemanha apoia a “solidariedade” entre países. Mas não através de coronabonds

Pedro Bação fica ainda à espera para saber “qual será exatamente a forma de financiamento do fundo de recuperação”. Uma dúvida que considera “fundamental” e que ficou em aberto na proposta franco-alemã.

Questão diferente é se esta ideia de mutualizar dívida veio para ficar. “Deverá ser a exceção — talvez para circunstâncias excecionais como a atual — e não a regra”, acredita o investigador.

Mesmo que os países mais “frugais”, como Áustria, Suécia, Dinamarca ou Holanda, aceitem este mecanismo temporário — o que ainda não é certo — não deixarão de cerrar fileiras na próxima cimeira europeia para afastar qualquer hipótese de esta forma de financiamento se tornar num mecanismo permanente.

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