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Gémeas luso-brasileiras. Consulado no Brasil e advogados falam em meses de espera para nacionalidade. IRN insiste que 14 dias são normais

Advogados habituados a processos de nacionalidade dizem nunca ter tido casos resolvidos em 14 dias como o das gémeas tratadas com Zolgensma. Consulado diz que demora meses. IRN insiste que foi normal.

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Os 14 dias que demorou todo o processo de naturalização das duas gémeas brasileiras que em 2019 foram tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com o Zolgensma — e que o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) garante ao Observador ser normal —, está muito longe das previsões dadas por telefone pelo consulado de São Paulo (escritório de Santos) e pelo do Rio de Janeiro: “De 11 a 12 meses. A informação que tenho é essa, desde que estou no consulado. Aqui é de 11 a 12 meses”. Na verdade, um prazo tão curto não é sequer uma realidade quando os pais iniciam o pedido numa conservatória em território português: António (nome fictício) está há meses à espera de que o caso da sua filha, nascida na Lituânia, tenha um desfecho — só conseguiu a garantia de que a conclusão será dentro de dias depois de, na última semana, o Observador ter questionado diretamente a funcionária do Arquivo Central do Porto. Anabela (nome fictício) vive em Londres e decidiu vir a Lisboa fazer o registo porque também não conseguiu um agendamento rápido no consulado: ficou cerca de um ano e meio à espera.

Ainda assim, o IRN rejeita oficialmente ao Observador um tratamento preferencial no caso das gémeas, garantindo que não só não foi demasiado célere, como até houve três crianças que conseguiram nacionalidade em menos dias, via consulado geral de São Paulo, em setembro de 2019. E defende que os casos que dão entrada nos consulados são mais rápidos do que os que são submetidos em território nacional. “Em regra, não terá ultrapassado um mês”, diz o IRN, contrariando a informação prestada por telefone pelos próprios consulados de São Paulo e Rio de Janeiro a qualquer cidadão, que apontam para mais de 11 meses.

De facto, em Londres uma amiga de Anabela, que conseguiu um agendamento no Consulado, conta ao Observador que a tramitação acabou por ser mais célere. Mas as dificuldades de acesso aos consulados existem e não são exclusivas de Londres. Em São Paulo, também nem sempre é fácil.

https://observador.pt/2023/11/10/gemeas-luso-brasileiras-que-foram-tratadas-no-santa-maria-tiveram-nacionalidade-portuguesa-em-14-dias-irn-diz-que-processo-nao-foi-urgente/

Atualmente, por exemplo, para assuntos relacionados com o consulado Geral de Portugal em São Paulo nem sequer é possível obter informações por telefone: “No momento, estamos com uma anomalia técnica e esperamos resolvê-la o quanto antes.” As informações foram, por isso, obtidas pelo Observador através do escritório consular de Santos, naquele estado brasileiro, e, segundo o funcionário que atendeu o telefone, entre os prazos praticados diretamente no consulado geral e os que são usuais no escritório de Santos não há grande diferença.

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"Em regra, estas preocessos não terão ultrapassado 1 mês", diz o IRN, contrariando a informação prestada por telefone pelos próprios consulados de São Paulo e Rio de Janeiro a qualquer cidadão, que apontam para mais de 11 meses.

O pedido de nacionalidade portuguesa das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal deu entrada no Consulado Geral de Portugal em São Paulo no início de setembro de 2019 e 14 dias depois estava concluído, revelou há dias o Observador. As menores acabaram depois disso por viajar para Lisboa — na véspera de natal — e foram tratadas com um dos medicamentos mais caros do mundo, mesmo sem terem ainda número de utente do SNS atribuído.

As crianças chegaram a Portugal já com consulta marcada no Hospital de Santa Maria, onde viriam a receber o fármaco, que, à época, custava 1,9 milhões de euros, tendo surgido suspeitas de influência no processo por parte do Presidente da República, segundo uma investigação da TVI. Marcelo, porém, já garantiu nada ter a ver com o tratamento dado às menores no SNS.

[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui e o segundo episódio aqui.]

Mas foi a própria mãe das crianças a assumir que falou com a nora de Marcelo Rebelo de Sousa (que vive também em São Paulo) para garantir o tratamento das filhas. E, nos bastidores deste hospital central, a história há muito que é falada, como confirmou a presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria), Ana Paula Martins. “Sei que se fala nisso”, disse à TVI.

“14 dias? Nunca vi nada assim”

“Eu nunca tive uma situação como essa. Todas as vezes que precisei pedir necessidade especial, eu justifiquei. Nunca tive uma experiência dessas, seria uma surpresa. O único caso [mais rápido] foi em 30 dias, mas com uma defesa absurda da urgência. Eu estranho [a rapidez], nunca tive uma situação destas a meu favor”. Luciane Barreto Tomé, advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil e na de Portugal, com escritório em Lisboa e em São Paulo, prefere tratar estes casos diretamente com as conservatórias em território nacional, evitando o consulado: “Sinto que dá maior dinamismo.” Mas nem esse dinamismo significa prazos tão céleres quanto o dos processos de Lorena e Maitê, que entraram via Consulado Geral de São Paulo.

“Trabalho diretamente com as conservatórias do registo civil, muito com a conservatória de Tondela, com a de Viseu, com o Arquivo Central do Porto, com o Registo Civil de Lisboa e com os Centrais (em Lisboa) quando a gente tem uma competência absoluta. Agora a experiência de ter um processo tão rápido assim, mesmo trabalhando com a conservatória diretamente, nunca tive”, confessa a advogada que afirma já ter tratado de milhares de processos. “Já tive um que, por uma questão de debilidade de saúde (a criança precisava de uma cirurgia), ainda antes da pandemia, saiu em 30 dias. Mas eu tive de justificar, juntei a declaração do médico, os pais da criança tiveram de assinar. Mas foi um pedido em milhares que eu já fiz”.

"Não é de todo normal [...] Nós temos processos pendentes que deram entrada em 2021 e que ainda não passaram da fase 1 (entrada dos documentos) ou da fase 2"
Ana Sofia Matos, advogada

Ana Sofia Matos também não esconde a surpresa. Pelas mãos da advogada da Candeias & Associados já passaram diversos processos destes e nunca assistiu a uma celeridade idêntica: “Não é de todo normal. Nós temos processos pendentes que deram entrada em 2021 e que ainda não passaram da fase 1 (entrada dos documentos) ou da fase 2”, diz, explicando que nada justifica que os processos que entram nos consulados sejam mais rápidos, porque todos acabam no mesmo local — os registos centrais, em Lisboa: “Nós tentamos de alguma forma encurtar esse caminho e ir logo aos arquivos centrais e não a conservatórias.”

No caso de Lorena e Maitê, “o processo saiu do consulado, mas entrou na conservatória do registo central em Lisboa para ser tramitado com todos os processos que entram cá, por isso não entendo — não existindo uma via preferencial para consulados — porque o IRN diz que esses casos duram menos do que os que são feitos cá”.

Quando vem dos consulados é menos “oneroso”, porque parte do trabalho já vem feito, garante IRN

No princípio do mês, o IRN confirmou ao Observador que os processos das gémeas “tiveram início no Consulado Geral de Portugal em São Paulo (Brasil) a 02/09/2019) […]” e “registado o assento de nascimento no dia 16/09/2019” — alegando que “os prazos de tramitação destes processos não diferiram daqueles que são praticados normalmente em qualquer outro processo da mesma natureza”, ou seja, “processos relativos a menores, pela via atributiva, ou seja, descendentes originários”.

Mais recentemente, confrontado com os prazos muito mais dilatados indicados pelos escritório consular de Santos (em São Paulo) e pelos advogados que tratam destes casos, o IRN refere que “entre 31/08/2019 e 31/08/2023, o prazo médio de duração dos processos para menores com registo de nascimento elaborado no Consulado de São Paulo, integrados como prioridade, em regra, não terá ultrapassado um mês, após a receção para integração”.

"De acordo com a pesquisa efetuada nos processos do mesmo tipo, ou seja, pelos processos de nascimento criados em São Paulo, entre 01 e 05/09/2019, foram localizados mais 3 menores integrados com prioridade, 1 criado em 02/09/2019 e 2 criados em 04/09/2019, todos com data de integração de 09/09/2019"
Instituto dos Registos e Notariado, numa resposta enviada através do Ministério da Justiça

Em outros casos, afirma, houve até mais celeridade do que no caso das gémeas: “De acordo com a pesquisa efetuada nos processos do mesmo tipo, ou seja, pelos processos de nascimento criados em São Paulo, entre 01 e 05/09/2019, foram localizados mais 3 menores integrados com prioridade, um criado em 02/09/2019 e 2 criados em 04/09/2019, todos com data de integração de 09/09/2019”.

Assim, conclui a resposta encaminhada pelo Ministério da Justiça ao Observador, “não é correto [afirmar] que este concreto tipo de processo, na data em questão, durasse meses”.

Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) enviou uma resposta no mesmo sentido. Mas só à segunda insistência do Observador, porque quando foi questionado a primeira vez foi claro a encaminhar o caso para o Ministério da Justiça: “Os processos de aquisição de nacionalidade são da competência do Ministério da Justiça, servindo os postos consulares de ponto de entrada para o processo. Os prazos são alheios ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.”

Perante a insistência no pedido de resposta, com o objetivo de perceber se teria havido — formal ou informalmente — alguma urgência na parte que compete ao consulado (ou seja, na receção e encaminhamento da documentação), o ministério de João Gomes Cravinho reforçou que existe prioridade nos “pedidos de registo de nascimento atributivos de nacionalidade portuguesa a menores”.

E acrescentou informação estatística do consulado Geral de São Paulo: “De acordo com a pesquisa efetuada nos processos do mesmo tipo, ou seja, pelos processos de nascimento criados em São Paulo, entre 01 agosto 2019 e 30 setembro 2019, 12 foram integrados em menos de 15 dias. Por exemplo, no dia 02/09/2019 aquele Consulado Geral processou dois pedidos que foram integrados 7 e 14 dias depois. E no dia 04/09/2019 foram processados outros dois pedidos que foram integrados 5 dias depois.” Ou seja, segundo estas informações, há processos que são ainda mais rápidos do que os das gémeas.

“Em 2019, a maioria dos pedidos de registo de nascimento de menores apresentados nos postos consulares portugueses eram integrados pela Conservatória dos Registos Centrais num prazo entre 3 e 10 dias. 35 a 40% demoravam 10 a 20 dias a ser integrados e apenas meia dúzia por mês (para os quais normalmente era solicitado algum esclarecimento, correção ou documento adicional) é que eram integrados passado mais de um mês da sua apresentação”, rematou o mesmo ministério.

A rapidez alegada pelos dois ministérios é justificada na resposta enviada pelo IRN, através do gabinete de comunicação do Ministério da Justiça, com o facto de o processo ser apresentado diretamente no Consulado, “que o analisa, solicita desde logo os suprimentos necessários, sendo caso disso, e considerando que existe viabilidade para o pedido ser deferido, introduz os dados e documentos na aplicação informática, elabora o Assento de Nascimento, remetendo-o por via eletrónica, para despacho (integração) pela Conservatória dos Registos Centrais, ou seja, esta Conservatória só intervém (tem acesso ao processo) nesta última fase”.

Uma situação diferente da de qualquer processo que seja submetido em território nacional, diz o IRN, em que “todo o ciclo de vida do processo ocorre na Conservatória”. Trata-se, refere o IRN, de “outra via atributiva de nacionalidade, cujo prazo médio de tramitação varia conforme a Conservatória à qual se encontram distribuídos, em função do volume de pedidos e dos recursos existentes, e o tipo de processos em causa. Nestes casos, a tramitação é mais onerosa para os serviços em Portugal, uma vez que não há uma análise jurídica e documental prévia quanto à verificação dos requisitos para a viabilidade do pedido e subsequente feitura do Assento de Nascimento pelos Consulados (órgãos de especiais de registo civil), todo esse trabalho é desenvolvido pelos trabalhadores das Conservatórias”.

Embaixador de Portugal explica que inserção dos pedidos no sistema é “praticamente automática”

Confrontada com a resposta do IRN, Ana Sofia Matos diz não entender a discrepância, dado que os processos que entram pelos consulados vão para o sítio “para onde todos vão”, mesmo que numa outra fase: a conservatória dos registos centrais. “Tudo vem parar aos centrais. Não faz sentido ser em 14 dias porque há muitas pendências nas várias fases do processo. E quando chegam dos consulados vão para a fila.”

"A inserção dos pedidos de nacionalidade no sistema pela nossa estrutura consular é praticamente automática. Depois o processo é integrado na conservatória em Portugal"
Luís Faro Ramos, embaixador de Portugal no Brasil

E mesmo quanto ao facto de ser mais oneroso e demorado para os serviços um processo que começa numa conservatória (por não ter alegadamente o trabalho de análise e verificação feito pelo consulado, como refere o IRN), a advogada lembra que, “quando se entregam no balcão os documentos, o funcionário que os recebe faz logo uma pré-triagem”.

Além disso, ao Observador, o embaixador de Portugal no Brasil, Luís Faro Ramos, também disse que os prazos são alheios à estrutura consular, referindo-se ao trabalho de verificação mencionado pelo IRN como algo simples e quase automático: “A inserção dos pedidos de nacionalidade no sistema pela nossa estrutura consular é praticamente automática. Depois o processo é integrado na conservatória em Portugal.”

O que vai ao encontro da primeira resposta enviada pelo MNE, que disse que os postos consulares apenas servem como “ponto de entrada para o processo”, o que tornava estes postos e o próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros alheios aos prazos.

Instituto dos Registos e Notariado: “Não há evidências de ter sido pedido urgência” no caso das gémeas

Na primeira resposta, o IRN fez saber que “não localizou” qualquer pedido de urgência feito no caso das duas gémeas, lembrando que “os processos relativos a menores, pela via atributiva, ou seja, descendentes originários, independentemente da proveniência, têm tratamento prioritário”.

"Não foram encontradas evidências de ter existido um pedido de urgência" no caso das gémeas.
Instituto dos Registos e Notariado, numa resposta enviada através do Ministério da Justiça

Após uma insistência sobre se tinha havido algum pedido de urgência formal ou informal, o IRN usou uma nova formulação: “Não foram encontradas evidências de ter existido um pedido de urgência.”

Já no que toca à segunda resposta enviada pelo ministério tutelado por João Gomes Cravinho — e apesar de ter sido diretamente questionado sobre se houve algum pedido para que o consulado tramitasse este caso de forma diligente na parte que lhe compete –, nada foi referido.

António está há meses à espera do processo da sua filha no Arquivo Central do Porto

António (nome fictício) decidiu colocar nos últimos dias o Observador em CC nos emails que estava a trocar há meses com o Arquivo Central do Porto, depois de ter lido a notícia em que o IRN considerava normal o prazo de 14 dias para atribuição de nacionalidade via consulado. Neste caso, também se trata de uma menor, filha de português, nascida no estrangeiro, em Vilnius, Lituânia, em abril deste ano.

Após decidir regressar a Portugal, para reagrupar a família, em agosto deu entrada do processo no IRN, na cidade do Porto, no Palacete dos Pestanas. Foi precisamente no dia 14. Mas foi após uma troca de emails, que começou em outubro, por sua iniciativa, que ficou alarmado: o processo poderia demorar até 29 meses.

“Nesta data, estão decididos até 30 de julho de 2023 […] atualmente deve prever entre 24 a 29 meses, desde a entrega do pedido de nacionalidade até ao registo final da nacionalidade, para os pedidos que apresentam logo todos os documentos necessários e o requerimento corretamente preenchido”, referia a notária a 6 de novembro.

Email do Arquivo Central do Porto, em resposta a António (nome fictício)

Uma semana depois, no dia 12, já colocando o Observador em conhecimento, o pai responde à notária: “Entendo perfeitamente. No entanto, sendo minha filha, eu sendo residente fiscal português (nascido em Portugal) e tendo urgência clara no pedido (preciso de acesso à creche para a minha filha), peço que trate este como urgente. Relembro a notícia onde gémeas luso-brasileiras receberam a nacionalidade em 15 dias para terem acesso a um medicamento de 1,9 milhões de euros. Sendo eu português e a mãe da minha filha da União Europeia, estando a minha filha a necessitar de creche, peço para dar seguimento ao meu pedido com carácter urgente.”

A resposta, no dia seguinte, não tranquilizou: “Informo que o pedido de urgência no âmbito do pedido de nacionalidade não está legalmente previsto, pelo que este serviço apenas confere prioridade na tramitação dos processos em caso de apátrida, por razões humanitárias e nos processos relativos a menores em documentados [sic] e a cidadãos de nacionalidade venezuelana e ucraniana por despacho da Ex.ma Sra. Presidente do IRN”.

O Observador contactou de seguida a notária responsável, para averiguar se o prazo normal era mesmo o que constava nos emails trocados, e um dia depois houve um volte face e António foi chamado “a entregar o original do documento de nascimento ao IRN Porto” na última quinta-feira. “Dizem-me agora que a nacionalidade sairá nos próximos dias”, contou ao Observador.

"Hoje em média um processo no Arquivo Central do Porto, se se tratar de menor, pode colocar uma média estimada de 6 a 7 meses de tramitação, pela mina rotina do escritório. É uma estimativa, não há um prazo exato, porque às vezes solicita-se mais coisas. É esta a estimativa que dou aos meus clientes"
Luciane Barreto Tomé, advogada com escritório em São Paulo e Lisboa

A advogada Luciane Barreto Tomé — habilitada desde 2009, junto da Ordem dos Advogados de Portugal — conhece bem o Arquivo Central do Porto e, aos seus clientes, nunca dá falsas expectativas. “Hoje, um processo no Arquivo Central do Porto, se se tratar de menor, pode colocar uma média estimada de 6 a 7 meses de tramitação, pela minha rotina do escritório. É uma estimativa, não há um prazo exato, porque às vezes solicita-se mais coisas. É esta a estimativa que dou aos meus clientes”, conta ao Observador, a partir de São Paulo. Era provavelmente esse o tempo que António iria esperar.

Mais de um ano depois, IRN disse a Anabela que nacionalidade da filha não é “direito constituído”, mas “expectativa jurídica”

Anabela (nome fictício) vive em Londres com o marido, de nacionalidade estrangeira, e a experiência foi idêntica. Como não conseguiu um agendamento em tempo útil para pedir a nacionalidade da filha no consulado de Portugal, acabou por aproveitar uma viagem a Lisboa para submeter o pedido.

No início de abril deste ano, após mais de um ano de espera e de vários pedidos de informação, decidiu a partir de Londres enviar um email para a Conservatória dos Registos Centrais, em Lisboa, a solicitar um ponto da situação do processo de nacionalidade da filha. “O pedido foi feito no final de novembro 2021 (16 meses antes) quando ela tinha cerca de 7 semanas de idade. Não consigo perceber por que motivo um processo tão simples demora tanto tempo e requer tanta burocracia quando se trata de uma menor cujo o direito lhe é de nascença. No vosso site, a atribuição a casos como o dela não deveria tomar mais de 2-4 meses… Fico a aguardar o feedback que justifica o atraso de 4xs superior ao prazo máximo estabelecido por vocês mesmos.”

"O pedido foi feito no final de novembro 2021 (16 meses atrás) quando ela tinha cerca de 7 semanas de idade. Não consigo perceber porque motivo um processo tão simples demora tanto tempo e requer tanta burocracia quando se trata de uma menor cujo o direito lhe e de nascença. No vosso site, a atribuição a casos como o dela não deveria tomar mais de 2-4 meses..."
Anabela (nome fictício) questionou IRN mais de um ano após ter pedido nacionalidade da filha

A resposta não tardou, chegou no dia seguinte. “Os processos de atribuição da nacionalidade portuguesa, (artº 1º nº 1. Al. c) e d) da LN), são analisados e decididos pela ordem determinada pelo critério objetivo da entrada cronológica dos pedidos nestes serviços, visando salvaguardar o princípio da igualdade de tratamento dos interessados, assente nos princípios da imparcialidade e da legalidade, pelos quais se deve reger a atividade administrativa (artigos 3º, 6º e 9º do Código do Procedimento Administrativo). Face ao critério acima referido, ao elevado número de expediente entrado neste setor e à escassez de recursos humanos, informo que o mesmo se encontra a analisar os processos com correspondência entrada, ao abrigo do artigo 1º, n.º 1 alínea c) da LN, no inicio mês de novembro de 2021 e que existe demora na análise dos processos, atendendo ao elevado número de processos em iguais circunstâncias, não sendo possível determinar quando serão analisados”.

Foi ainda referido pela oficial de registos da Conservatória dos Registos Centrais que “a obtenção da nacionalidade portuguesa não se apresenta como um direito constituído, mas como uma expectativa jurídica”. Em maio, o processo acabaria por ficar concluído.

Uma das amigas de Anabela, Diana Gomes teve uma outra experiência. Depois de ter ido à conservatória em Leiria e ter sido informada de que precisava de documentação autenticada pelo consulado de Londres para o pedido de nacionalidade da filha, decidiu tratar tudo a partir de Londres quando regressasse. Estávamos em 2020. Conseguiu um agendamento e, sem se recordar das datas exatas, diz que foi tudo muito rápido, conhecendo até um caso em que uma criança conseguiu nacionalidade em poucos dias, dentro dos prazos referidos pelo IRN na sua resposta oficial. Mas Diana reforça a ideia do Embaixador de Portugal no Brasil, de que não é muito complexa a fase de verificação de documentos no consulado — fase essa que o IRN diz ser a diferença para a celeridade de todo o processo: “Foi tudo automático.”

“Recebo aqui dezenas de reclamações”, diz bastonária dos Advogados.

Todos estes problemas são conhecidos na Ordem dos Advogados, sobretudo pela quantidade considerável de reclamações que chegam por parte de advogados e cidadãos. Quem o confirma ao Observador é a própria bastonária. Fernanda de Almeida Pinheiro explica que, apesar de não ter dados concretos, a Ordem tem “muitas reclamações de senhores advogados relativamente a estes processo de atribuição de nacionalidade”.

“Recebemos aqui muitíssimas reclamações a dizer que os processos estão muitíssimo demorados, quer do ponto de vista da aquisição da nacionalidade, quer do ponto de vista da manifestação de interesse. Quer uns, quer outros estão atrasados. Eu recebo aqui dezenas de reclamações, não só de advogados, mas também de cidadãos”, conta ao Observador, adiantando que a Ordem “até reencaminha muitas vezes para a comissão dos direitos humanos”.

"Recebemos aqui muitíssimas reclamações a dizer que os processos estão muitíssimos demorados, quer do ponto de vista da aquisição da nacionalidade, quer do ponto de vista da manifestação de interesse. Quer uns, quer outros estão atrasados. Eu recebo aqui dezenas de reclamações, não só de advogados, mas também de cidadãos"
Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados

“Há situações que são muitos graves, como é o caso do reagrupamento familiar, temos a situação dos asilos, também muito difíceis de serem tramitados — mesmo quando as pessoas já têm a sua situação de asilo deferida têm muita dificuldade em fazer os reagrupamentos”, sublinhou.

Ainda assim, Fernanda Almeida Pinheiro remata dizendo não saber se esses processos “são só demorados quando dão entrada aqui” ou se também o “são quando os processos dão início nos consulados — isso não sei”.

Procuradoria-Geral da República em silêncio sobre caso

O Observador questionou a Procuradoria-Geral da República logo que o caso do tratamento das duas gémeas com o medicamento Zolgensma foi noticiado, sobre se tinha aberto ou ponderava abrir inquérito-crime para investigar o caso, sobretudo as suspeitas de interferências por parte do Presidente da República.

Perante a ausência de resposta, foram reencaminhadas esta semana as mesmas questões, que voltaram a ficar sem resposta até à publicação deste texto.

Marcelo Rebelo de Sousa já negou ter exercido qualquer interferência no tratamento das gémeas no SNS

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O Observador também tentou contactar esta sexta-feira, sem sucesso, o Presidente da República para questionar Marcelo sobre se teria tido algum conhecimento relativamente ao processo de atribuição de nacionalidade das gémeas Lorena e Maitê — na sequência das suspeitas de interferência junto do SNS já noticiadas pela TVI, e que Marcelo Rebelo de Sousa negou na altura.

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