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Confrontos físicos entre deputados no parlamento. Milhares de georgianos a protestar nas ruas envergando bandeiras da União Europeia (UE). Vários dirigentes ocidentais apreensivos. Nenhum destes fatores impediu, esta terça-feira, a aprovação da proposta de lei dos “agentes estrangeiros” pelo Parlamento da Geórgia, numa legislação que tem sido comparada à que vigora na Rússia e que foi adotada por Vladimir Putin, em 2012.
84 deputados votaram a favor, todos aqueles que integram a coligação (formada entre o partido Sonho Georgiano e o Partido do Povo) que governa com maioria absoluta o país do Cáucaso, de 3,7 milhões de habitantes. Foi o suficiente para que tenha sido dada luz verde à proposta de lei, apesar do contra de 31 parlamentares. O primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze, celebrava o que diz ser a consolidação de um Estado “livre, soberano e digno”, garantindo que a sociedade georgiana apoiava a legislação. Apesar das críticas, o chefe do executivo assegurava ainda que, em 2030, a Geórgia “tornar-se-á definitivamente um Estado-membro da UE”.
Contudo, Bruxelas e Washington estão preocupados e não escondem o incómodo desta legislação “típica do Kremlin”. A proposta de lei prevê que as Organizações Não Governamentais (ONG) e os meios de comunicação sociais independentes que recebam mais de 20% do seu financiamento de outros países se registem como “agentes de influência estrangeira”. A imprensa estrangeira e as ONGs nesta situação passam, assim, a ser monitorizadas permanentemente pelo Ministério da Justiça — e podem ser obrigadas a partilhar detalhes confidenciais se o governo georgiano o requerer. Se se opuserem a estas condições, estão a sujeitas a pagar uma multa na ordem dos 25 mil laris georgianos (cerca de 8.600 mil euros).
???? Last night, clashes broke out between protesters and police in Tbilisi, Georgia over a disputed “foreign agent” law.
(Background reading: https://t.co/lbnyDk12jk)
Today, the country's parliament approved the first reading of the bill. Now, more protests are expected tonight. pic.twitter.com/QHwjMfScqa
— POLITICOEurope (@POLITICOEurope) April 17, 2024
A lei que permite “monitorizações” após “denúncias anónimas” que está assustar várias ONGs
Em declarações ao Observador, Levan Kakhishvili, analista político e investigador no think tank European Politics Research Group com sede em Zurique, na Suíça, dá mais detalhes sobre a lei: “Potências estrangeiras incluem qualquer governo estrangeiro, qualquer pessoa que seja estrangeira, qualquer entidade legal ou outros tipos de organizações que são fundadas fora da Geórgia”.
“A lei permite que o governo conduza a monitorização de certas organizações partindo de uma decisão do Ministério da Justiça ou após uma denúncia anónima a cada seis meses”, prossegue Levan Kakhishvili, acrescentando que essa monitorização pode dar informações do foro íntimo ao governo georgiano sobre “as pessoas que estão ligadas à organização”.
[Já saiu o primeiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui.]
Estes mecanismos funcionam como uma forma de coação e colocam em risco o trabalho das ONGs e meios de comunicação social. Uma das organizações que já protestou é a Sociedade Internacional de Eleições Livres e Democracia, que supervisiona os atos eleitorais na Geórgia. Nino Dolidze, diretora da organização, que é financiada parcialmente pelos Estados Unidos e pela União Europeia, contou à Euronews que preconiza que, quando a lei entrar em vigor, a associação terá de ser encerrada, por ser contra a “dignidade” da ONG e pôr em risco a vida das pessoas que lá trabalham. “Não haverá uma organização de sociedade civil na Geórgia a escrutinar o governo.”
Em desacordo com a lei, várias organizações ameaçam sair da Geórgia, ou então não se registarem junto ao governo — e poderem sofrer consequências legais decorrentes dessa ação. “Nunca, nunca me vou registar como agente estrangeiro”, garantiu, à Agence France-Presse, Baia Pataraia, diretora de uma organização que apoia as mulheres que sofrem violência doméstica e discriminação — e que recebe alguns fundos estrangeiros. “Tudo o que faço é pelo meu povo, pelo meu país e não o faço definitivamente em nome de ninguém.”
Na mesma situação está Nato Shavkaladze, diretora de uma ONG que dá guarida a pessoas que fogem de ambientes familiares marcados pela violência doméstica. Com quartos para proteger atualmente 20 mulheres, a responsável sublinha à Agente France-Presse a importância da ajuda estrangeira. “Israel doou um frigorífico”, exemplifica, acrescentando ainda que o chão de uma das habitações da ONG foi renovado com fundos da embaixada polaca e outras obras foram financiadas pelo Japão. “Estamos a falar de algo que protege vidas”, insiste, que não olha com otimismo para o futuro: “Se não nos registarmos, vamos deixar de existir”.
O Instituto de Imprensa Internacional também enviou uma carta a Irakli Kobakhidze a pedir ao primeiro-ministro georgiano que deixasse cair a lei dos agentes estrangeiros. “Ameaça a viabilidade dos órgãos de comunicação social independentes”, lê-se na missiva, que explica que a legislação “providencia às autoridades uma ferramenta poderosa para descredibilizar, pressionar e eventualmente silenciar vozes independentes, ameaçando por isso a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão”.
Levan Kakhishvili não tem, por isso, quaisquer dúvidas que esta proposta de lei tem como “objetivo descredibilizar os críticos das políticas do governo, limitando direitos e liberdades”: “Mina, por conseguinte, os princípios básicos da democracia e tem potencial para manter no poder o atual governo”.
Por sua vez, Ana, georgiana a viver no estrangeiro que prefere não revelar o seu apelido, conta ao Observador que o governo da Geórgia está a tentar fazer passar a mensagem que a legislação aprovada é idêntica à norte-americana. Em 1938, para tentar evitar que entrasse propaganda nazi nos Estados Unidos, o Congresso norte-americano decidiu aprovar a legislação que obriga a que todos os governos estrangeiros, organizações ou indivíduos que estejam envolvidos em atividades de lobbying em favor de uma potência estrangeira se registem no Departamento de Justiça.
Segundo Ana, o governo da Geórgia apresenta este exemplo para comprovar que existe uma lei idêntica no Ocidente e que não está a fazer nada que vá contra os valores ocidentais. No entanto, entre os críticos, não é essa a perceção que prevalece, que apontam que a legislação norte-americana visa simplesmente promover a transparência. “As pessoas são espertas o suficiente e entendem que não é nada similar”, vinca a georgiana.
A integração europeia da Geórgia — que pode estar mais longe. E até pode haver sanções
Ao Observador, Ana não esconde que quer que o seu país integre a União Europeia. “Quero que o meu país seja parte da Europa. Ganhámos o estatuto de candidato, mas vai prejudicar a imagem [da Geórgia] na UE”, desabafa. O apoio popular às aspirações europeias da generalidade dos georgianos foi um dos motivos que terá levado Bruxelas a agir e a conceder aquele estatuto a Tbilisi.
“A Comissão recomenda dar o estatuto de candidato à Geórgia, no pressuposto de que o governo executa reformas importantes”, escreveu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na sua conta do X (antigo Twitter) a 8 de novembro de 2023. Essas reformas devem, de acordo com a líder comunitária, “espelhar as aspirações genuínas da esmagadora maioria dos seus cidadãos que se querem juntar à União Europeia”.
Era uma espécie de aviso a Ursula von der Leyen ao governo georgiano, que já na altura discutia a possibilidade de adotar a lei dos agentes estrangeiros. A população, segundo uma sondagem publicada em dezembro de 2023 pelo Instituto Nacional Democrático, estava a favor da adesão à UE: cerca de 79% dos georgianos querem a integração na União Europeia, um respaldo bastante significativo.
The Commission recommends to grant candidate status to Georgia on the understanding that the government takes important reform steps.
Steps that mirror the genuine aspirations of the overwhelming majority of its citizens to join the European Union. pic.twitter.com/J9JQZuAXjM
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) November 8, 2023
A aprovação controversa do projeto de lei desagradou claramente a União Europeia. Num comunicado assinado pelo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell é categórico: “A UE clara e repetidamente declarou que o espírito e conteúdo da lei não estão em linha com os valores e normas fundamentais da União Europeia. Vai minar o trabalho da sociedade civil e dos meios de comunicação sociais independentes”.
De forma clara, Josep Borrell assumia claramente que a “adoção desta lei” tem um “impacto negativo” no progresso da Geórgia rumo à União Europeia. “A escolha para continuar o caminho da UE está nas mãos da Geórgia”, sublinhou o chefe da diplomacia europeia, que insistiu para que as autoridades do país do Cáucaso “desistam” do projeto de lei e mantenham “o compromisso com o caminho para a União Europeia”, assim como o empenho em levar a cabo “as reformas necessárias”. “A União Europeia continua pronta para apoiar os georgianos no caminho de um futuro europeu.”
O comunicado partiu do gabinete de Josep Borrell na quarta-feira, apesar de a maioria das famílias políticas no Parlamento Europeu (populares, socialistas, verdes e liberais) ter pedido uma ação mais musculada, segundo apurou o jornal Politico: querem que o chefe da diplomacia europeia comece a preparar “sanções” contra os políticos pertencentes ao Sonho Georgiano que aprovaram a lei. No lote, está o primeiro-ministro.
Além disso, a resposta de Josep Borrell terá demorado mais do que o desejado para vários eurodeputados. Isto porque, antes daquele momento, ter-se-á tentado elaborar um comunicado coletivo da União Europeia para contestar a aprovação da proposta de lei. Porém, o Politico escreveu que a Hungria e a Eslováquia bloquearam essa iniciativa e coube ao chefe da diplomacia europeia emitir o documento.
Muito mais empenhados do que os eslovacos e os húngaros nesta questão estão os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países Bálticos — Estónia, Letónia e Lituânia. Os três chefes de diplomacia (juntamente com o da Islândia) viajaram a Tbilisi esta quarta-feira e reuniram-se com as autoridades georgianas. O lituano, Gabrielius Landsbergis, escreveu no X que a lei de agentes estrangeiros “é incompatível com padrões da UE”: “Esta lei não pode ser consertada, porque está fundamentalmente partida”.
Os Estados Unidos estão igualmente apreensivos. Em visita a Tbilisi, o secretário de Estado assistente dos assuntos europeus e eurasiáticos, James O’Brien, deu uma conferência de imprensa na terça-feira, em que expressou o seu descontentamento com o projeto de lei. O norte-americano lembrou que, desde a independência da União Soviética, os EUA têm sido um “parceiro” da Geórgia, apoiando a sua adesão quer à União Europeia, quer à NATO. “Valorizamos essas relações.”
As boas relações entre a Geórgia e os Estados Unidos podem agora estar em risco, principalmente por culpa da lei de agentes estrangeiros. James O’Brien pressionou mesmo para que haja modificações à legislação; se existem, haverá o “fortalecimento” dos laços entre Tbilisi e Washington. Se não, o relacionamento entre os dois países pode mesmo ficar “danificado”: “É o que eu temo que esteja a acontecer agora”.
De forma cristalina, o diplomata norte-americano expôs que, se a lei for avante e se continuar a haver uma espécie de hostilidade do governo georgiano face ao norte-americano, a relação estará em risco. “Os Estados Unidos têm cerca de 390 milhões de dólares [cerca de 359 milhões de euros] em assistência que estaríamos a planear gastar com as autoridades da Geórgia. Metade em assistência militar e um pouco mais de um terço em projeto de desenvolvimento económico”, recordou James O’Brien, alertando: “Tudo isto tem de ser revisto se somos agora considerados adversários e não parceiros”.
Não foi só a pressão económica que está a ser equacionada pelos Estados Unidos. Estão a ser igualmente estudadas “restrições financeiras e de viagens aos indivíduos responsáveis por estas ações e as suas famílias”. A aprovação final da lei pode, assim, modificar por completo as relações diplomáticas entre a Geórgia e o Ocidente.
No entanto, não será para já. O projeto de lei será vetado inicialmente. A Presidente georgiana, a independente Salome Zurabishvili, já assegurou que vai exercer o poder de veto, sendo completamente contra a legislação. Não terá grande efeito prático, ainda assim. Após o veto, a lei volta ao parlamento e basta uma maioria simples para ser aprovado. Ciente disto, a Chefe de Estado defendeu, numa entrevista à Deutsche Welle, que o veto é um “símbolo” que se opõe “às leis, às medidas e à retórica que está a afastar a Geórgia do caminho europeu”.
O distanciamento da UE e dos EUA e a aproximação à Rússia
A aprovação da lei dos agentes estrangeiros coloca a Geórgia em rota de colisão com as autoridades europeias e norte-americanas. Isso aproxima o país do Cáucaso da sua vizinha Rússia, com que mantém uma relação conturbada. Moscovo invadiu partes do território georgiano em 2008 e tentou anexar as províncias da Ossétia do Sul e da Abecásia. Dezasseis anos depois, e mesmo depois da invasão da Ucrânia, os dirigentes georgianas já não olham com tanta animosidade para o Kremlin.
“A União Europeia declarou várias vezes que esta lei é incompatível com a legislação da UE e pode levar a impedir a abertura de negociações de adesão da Geórgia. Como resultado, a Geórgia encontrar-se-á numa situação de isolamento face aos parceiros ocidentais e isso empurrará o país para os braços da Rússia, deixando Tbilisi a sós com Moscovo”, explica Levan Kakhishvili.
Ainda que assuma um posicionamento pró-europeu e advogue publicamente a entrada da Geórgia na União Europeia, o partido Sonho Georgiano foi fundado em 2012 pelo empresário Bidzina Ivanishvili, conhecido pelas suas ligações a Moscovo. Bastante discreto, o antigo primeiro-ministro georgiano entre 2012 e 2013 fez um comício no final de abril em que atacou duramente as ONGs, financiadas por uma “pseudo elites alimentadas por países estrangeiros”.
Adicionalmente, Bidzina Ivanishvili criticou duramente o Ocidente e o que diz ser o “partido da guerra global”, que está a controlar o Parlamento Europeu. “Eles tentaram interferir descaradamente nos assuntos georgianos”, acusou o homem, que tem uma fortuna avaliada nos 4,5 mil milhões de euros: um terço do PIB da Geórgia.
O magnata desvinculou-se da política ativa há uns anos. Mas apenas da cena pública; nos bastidores é Bidzina Ivanishvili quem controla o partido Sonho Georgiano. “Não é nenhum segredo que todo o poder está concentrado nas mãos de Ivanishvili”, disse ao jornal Guardian Kornely Kakachia, membro do think tank Georgian Institute of Politics.
O partido no poder na Geórgia está nas mãos de um homem que tem fortes ligações à Rússia. E não só. A antiga ministra da Defesa georgiana, que foi membro do Sonho Georgiano, Tina Khidasheli, disse ao The Guardian que Bidzina Ivanishvili “adora o poder” e controla o país como se fosse uma “casa de bonecas” — e que esteve pessoalmente envolvido na aprovação da lei dos agentes estrangeiros. Tende ainda a acreditar, segundo a ex-governante, em “teorias da conspirações” — tais como que existe um “partido da guerra global”.
A Rússia não esconde que vê com bons olhos a aprovação da lei de agentes estrangeiros, claramente inspirada na legislação russa adotada em 2012. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, elogiou o “desejo firme da liderança georgiana em proteger o seu país da interferência nos seus assuntos internos”. Um mês antes, o responsável da presidência russa já tinha classificado como “absurdo” tratar-se de um “projeto russo” ou mesmo de inspiração russa.
Ao Observador, Levan Kakhishvili discorda e traça vários paralelismos entre as duas leis, lembrando o respaldo russo à aprovação do projeto de lei. E teme pelo futuro, olhando para o que se passou em território russo. “Dada a trajetória da mesma lei na Rússia, é provável que versão georgiana possa tornar-se a base para novas violações de direitos humanos e de liberdades”, numa passo que o especialista definiu como sendo rumo ao “autoritarismo”.
Num país mais autoritário, é “maior o risco de isolamento dos parceiros ocidentais”, salienta Levan Kakhishvili. A Geórgia estará, por este motivo, mais “próxima da Rússia” em termos ideológicos: “Será de esperar que governos autoritários tenham interesses semelhantes em manterem-se no poder e a apoiarem-se cada vez mais”.
Como explicar esta aproximação da Geórgia à Rússia, tendo em conta que há 16 anos o país foi invadido por tropas russas? Ana relata que existem duas versões que circulam na sociedade georgiana. “Há pessoas que pensam como eu, pessoas mais jovens. Não querem ser parte da Rússia. A Rússia é o nosso inimigo. Estudámos e lemos sobre isso. A Rússia é o nosso inimigo número um. É um facto”, explica a georgiana, dando a conhecer a outra versão: “Na opinião de outras pessoas, a Rússia não é um inimigo. Existe a ideia de que se vivia com liberdade na União Soviética. E que os russos são bons com os georgianos, sentem-se próximos deles”.
Os protestos nas ruas de Tbilisi e a esperança da oposição: as eleições em outubro
As ruas da capital georgiana encheram-se de milhares de pessoas para protestaram contra a aprovação da lei de agentes estrangeiros na última terça-feira. E não foi um evento único. Se bem que o diploma tenha sido apenas aprovado esta terça-feira, houve avanços e recuos do governo georgiano pelo menos nos últimos dois anos. Sempre que havia discussões para a sua aprovação, existiam manifestações em frente ao parlamento.
As manifestações travaram inicialmente a aprovação da lei, mas o governo ignorou a revolta nas ruas e finalmente deu luz verde. O resultado? Milhares de pessoas protestaram em frente à sede do executivo georgiano com bandeiras da União Europeia e até da Ucrânia. Uma das organizadoras dos protestos, Natia Seskuria, disse à BBC que os georgianos vão “protestar o tempo que for necessário”, uma vez que paira uma “ameaça existencial” sobre a sobrevivência do país.
A viver no estrangeiro, Ana está “orgulhosa” por os georgianos estarem a sair às ruas e a protestar. “Vejo nas redes sociais os meus amigos a manifestarem-se”, assinala. Porém, nem todos os críticos da lei estão dispostos a marcarem presença em protestos. “Alguns dos meus amigos estão a trabalhar para o governo e nem sequer podem partilhar uma publicação nas redes sociais contra lei”, ou correm o risco de ser despedidos.
Ana recorda um exemplo: um professor de uma universidade “partilhou algumas publicações” contra o governo e a criticar a lei dos agentes estrangeiros nas redes sociais e, no dia a seguir, “teve de deixar o seu trabalho”. “Algumas pessoas estão assustadas, mas algumas não têm medo e não têm nada a perder.”
Entre aqueles que não têm nada a perder estão os mais jovens. Ana refere que maior das pessoas que protestam são da “geração Z”, entre os 15 e os 27 anos, que se mobilizam nas redes sociais. “Os millennials e as gerações mais velhas têm medo, por exemplo, de perder o emprego”, aponta. Com um suspiro, espera que as coisas mudam na Geórgia. “Quero regressar ao meu país, ter um emprego e viver livremente. Mas as coisas devem mudar.”
A 26 de outubro de 2024, as coisas podem efetivamente mudar. A Geórgia tem planeado realizar eleições parlamentares naquela data. O triunfo do atual partido originará inevitavelmente a aprovação da lei dos agentes estrangeiros, enquanto a vitória da oposição provavelmente levará à sua reversão.
Levan Kakhishvili sinaliza igualmente que a adoção da lei é “especialmente problemática” num contexto pré-eleitoral, podendo mesmo alterar o desfecho das eleições. O especialista frisa ainda que esta lei não é sobre “transparência”, mas antes sobre o partido Sonho Georgiano “manter-se no poder”. A dimensão da política externa — e a inclinação a tender para Bruxelas ou para Moscovo — é apenas uma questão acessória. O que está realmente em causa é “o sistema político georgiano” que, neste momento, gira “como um pêndulo entre a democracia e autoritarismo”.