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Ricardo Salgado (à esquerda) está a ser investigado em Portugal por ter alegadamente corrompido membros do Governo de Hugo Chavéz (ao centro) e responsávels da PDVSA liderada por Rafael Ramirez (à direita)
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Ricardo Salgado (à esquerda) está a ser investigado em Portugal por ter alegadamente corrompido membros do Governo de Hugo Chavéz (ao centro) e responsávels da PDVSA liderada por Rafael Ramirez (à direita)

Ricardo Salgado (à esquerda) está a ser investigado em Portugal por ter alegadamente corrompido membros do Governo de Hugo Chavéz (ao centro) e responsávels da PDVSA liderada por Rafael Ramirez (à direita)

Homem de Salgado para a Venezuela prestes a ser extraditado para os Estados Unidos

Esquema de corrupção e branqueamento de capitais relacionado com o BES vai ser julgado no estado do Texas. Relação de Lisboa autoriza extradição de arguido do caso Universo Espírito Santo.

Um tribunal judicial de Houston (Texas, Estados Unidos) quer julgar um ex-gestor do Grupo Espírito Santo (GES) pelos crimes de branqueamento de capitais e conspiração para promover atos de corrupção. Em causa está um esquema de corrupção de diversos titulares de cargos políticos venezuelanos e administradores e diretores da Petróleos da Venezuela (PDVSA) que terá levado ao desvio de mais de 3,5 mil milhões de euros da principal empresa venezuelana, tal como o Observador noticiou em maio de 2018. O pagamento das referidas ‘luvas’ terá sido feito através de contas bancárias abertas na sucursal do Banco Espírito Santo na Zona Franca da Madeira e no Espírito Santo Bankers Dubai (ESBD), a instituição financeira do GES na capital de Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos).

Os Estados Unidos arriscam-se assim a julgar um caso relacionado com o Universo Espírito Santo mais rápido do que Portugal, visto que o caso BES ainda nem sequer começou a fase de instrução criminal depois do Ministério Público ter acusado Ricardo Salgado de 65 crimes e mais 17 arguidos a 14 de julho de 2020.

Paulo Murta, assim se chama o ex-gestor do GES que também foi constituído arguido em Portugal no processo Universo Espírito Santo e que ainda está a ser investigado no âmbito de um novo inquérito, terá alegadamente servido de intermediário dos pagamentos de luvas que o grupo de Roberto Rincon e Abraham Shiera, dois empresários venezuelanos que já foram condenados por corrupção nos Estados Unidos, faziam a responsáveis da PDVSA. Sendo que a acusação do Tribunal Judicial do Sul do Texas imputa ainda a cumplicidade de dois “BES Bankers” (banqueiros do BES identificados como “empregados do Banco Espírito Santo”, um com cidadania portuguesa e outro luso-brasileiro) na criação do esquema de branqueamento de capitais, que já foi igualmente revelado pelo Observador em novembro de 2018.

Tendo em conta esta constatação de cumplicidade de dois banqueiros do BES, é expectável que as autoridades norte-americanas venham a acusar mais cidadãos portugueses no chamado caso PDVSA.

Como foi desmascarado o carrossel do GES com a Venezuela que tornou Salgado suspeito de associação criminosa

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As razões para o Tribunal da Relação de Lisboa autorizar a extradição

Depois de o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (o equivalente ao Ministério da Justiça) ter avançado com um pedido formal de extradição em 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa autorizou a entrega de Murta numa decisão tomada este verão. Apesar de ser filho de portugueses, Paulo Murta nasceu na Suíça e apenas tem a cidadania helvética — o que acabou por ser decisivo para a decisão dos desembargadores que não tiveram em conta a oposição manifestada pelo arguido.

Além disso, a equipa do procurador José Ranito também não se opôs ao pedido dos norte-americanos, colocando apenas uma condição: quando as autoridades portuguesas desejarem a presença de Murta em Portugal para interrogatórios ou eventuais julgamentos, as autoridades dos Estados Unidos deverão entregar o arguido. Depois da acusação deduzida a 14 de julho contra Ricardo Salgado e mais 17 arguidos no âmbito do Universo Espírito Santo, Ranito continua a investigação num inquérito autónomo a suspeitas de corrupção de altos cargos políticos e públicos venezuelanos por parte do ex-líder executivo do BES.

Apesar de ser filho de portugueses, Paulo Murta nasceu na Suíça e apenas tem a cidadania helvética — o que acabou por ser decisivo para a decisão da Relação de Lisboa de autorizar a extradição para os Estados Unidos. O Ministério Público não se opôs à entrega do arguido.

Paulo Murta, que se opõe desde o início ao pedido de extradição, apresentou um recurso no Supremo Tribunal de Justiça a solicitar a revogação do acórdão da Relação de Lisboa mas o mesmo foi recusado a 21 de agosto. A defesa insistiu numa reclamação, invocando omissão de pronúncia e diversas nulidades mas os conselheiros Margarida Blasco (ex-diretora-geral do Serviço de Informações de Segurança que foi a relatora) e Clemente Lima (ex-inspetor-geral da Administração Interna) voltaram a indeferir a 29 de outubro as pretensões da defesa a cargo do advogado Henrique Salinas.

Para já, Paulo Murta é o único alvo dos norte-americanos. O Grand Jury do Tribunal Judicial do Sul do Texas acusou formalmente o ex-gestor do GES dos crimes de conspiração para promover atos de corrupção e branqueamento de capitais a 24 de abril de 2019.

O Grand Jury assemelha-se à fase de instrução criminal do processo penal português em que, após promoção do Ministério Público, um júri formado por cidadãos acusa formalmente (ou arquiva os autos) e pronuncia os suspeitos para julgamento.

O papel de Murta no esquema de branqueamento de capitais

O Grand Jury do Tribunal Judicial do Sul do Texas já acusou formalmente mais de 20 ex-responsáveis políticos venezuelanos ou ex-administradores e ex-diretores da PDVSA com base nas investigações norte-americanas abertas ao esquema de corrupção e branqueamento de capitais centrada na PDVSA Services, filial da petrolífera venezuelana com sede em Houston que era responsável pela importação de produtos e serviços em nome da Bariven — outra filial da PDVSA que importava os bens alimentares que a Venezuela necessitava.

No centro do esquema de corrupção que terá levado ao desvio dos cofres da PDVSA de mais de 3,5 mil milhões de euros estão dois empresários venezuelanos chamados Roberto Rincon e Abraham Shiera que residiam nos Estados Unidos. Era através de empresas sediadas em Houston e em Miami que Rincon e Shiera ganhavam os concursos do Grupo PDVSA e da Bariven depois de alegadamente corromperem os responsáveis daquelas entidades públicas.

O empresário venezuelano Roberto Rincon

Tal como o Observador já noticiou, Ricardo Salgado e a sua estrutura terá tido conhecimento entre 2010 e 2011 do alegado esquema de corrupção liderado por Rincon e Shiera e terá alegadamente oferecido os serviços do Grupo Espírito Santo. Foi assim que o BES começou por assegurar linhas de crédito à PDVSA para financiar o pagamento das faturas devidas ao grupo de Rincon e Shiera — sendo que muitas delas tinham valores claramente empolados para financiar o pagamento das alegadas ‘luvas’ a responsáveis venezuelanos. Não só diversas entidades da PDVSA como a Bariven abriram contas no BES, tendo transferido vários milhares de milhões de euros de bancos suíços para a sede do BES em Lisboa — o pico máximo chegou a ultrapassar os 8 mil milhões de euros em 2009

Numa segunda fase, Salgado e João Alexandre Silva, o então responsável pelo BES Madeira e pela Sucursal Financeira Exterior (SFE) do banco na Zona Franca da Madeira, terão passado a disponibilizar os serviços do Grupo Espírito Santo (GES) na criação de entidades offshore e abertura de contas bancárias nos diversos bancos da família Espírito Santo para que Rincon e Shiera efetuassem os pagamentos de ‘luvas’ a diversos responsáveis venezuelanos. Foram assim abertas dezenas de contas bancárias em nome de mais de 30 sociedades offshore na SFE do BES na Zona Franca da Madeira, no Banque Privée Espírito Santo (Suíça) e no Espírito Santo Dubai Bankers (Emirados Árabes Unidos).

É precisamente este envolvimento do GES no esquema de corrupção do caso PDVSA que está no centro da acusação deduzida pelo Tribunal Judicial do Sul do Texas contra Paulo Murta — um ex-funcionário da Gestar, uma empresa de serviços de gestão de fortunas do GES, que passou a trabalhar com Michel Ostertag, um suíço que também tinha trabalhado na Gestar e que trabalhava de forma direta com Ricardo Salgado.

No centro desta acusação contra Murta estão dois tipos de alegados benefícios concedidos às empresas de Roberto Rincon e Abraham Shiera entre 2011 e 2013. Por um lado, um favorecimento na adjudicação dos concursos e ajustes diretos realizados pela PDVSA, PDVSA Services e Bariven; por outro, com a crise de liquidez que a Venezuela começou a viver a partir de 2012, as empresas de Rincon e Shiera passaram a receber os pagamentos da PDVSA mais depressa do que os seus concorrentes.

Paulo Murta é acusado de ter participado no esquema de branqueamento de capitais que teve origem em alegados actos de corrupção. Na prática, e de acordo com a acusação, Murta não só criou as sociedades offshore que foram utilizadas por Rincon e Shiera e pelos responsáveis da PDVSA (que costumavam escolher familiares como testas-de-ferro), como abriu as contas bancárias nos diversos bancos do Grupo Espírito Santo para promover um pequeno carrossel financeiro entre o Texas (Estados Unidos) e a Zona Franca da Madeira, a Suíça, o Dubai e o paraíso fiscal do Curaçao.

Paulo Murta é acusado de criado sociedades offshore e aberto contas que foram utilizadas no esquema de corrupção no Grupo PDVSA. Diversos bancos do Grupo Espírito Santo foram utilizados para promover um pequeno carrossel financeiro entre o Texas (Estados Unidos) e a Zona Franca da Madeira, a Suíça, o Dubai e o paraíso fiscal do Curaçao que permitiram a ocultação das 'luvas' pagas a diversos diretores da PDVSA.

Tudo com conhecimento e apoio de dois banqueiros do BES que apenas são identificados na acusação como “BES Banker 1” e “BES Banker 2”, um com cidadania portuguesa e outro com dupla cidadania portuguesa e brasileira. O facto de a identidade ser ocultada na acusação do Grand Jury que foi revelada publicamente aqui pode significar que as autoridades norte-americanas estão a investigar esses dois banqueiros.

O envolvimento de “BES Bankers”

Além de Murta, o Grand Jury acusou ainda diversos responsáveis da PDVSA, nomeadamente Nervis Villalobos Cardenas (ex-vice-ministro de Energia Eléctrica de Venezuela entre 2001 e 2006), Javier Alvarado Ochoa (ex-vice-ministro do Desenvolvimento Elétrico e ex-presidente da Bariven e da Electridade Caracas, ambas entidades filiais da PDVSA), Alejandro Isturiz Chiesa (ex-assistente de Alvarado Ochoa na Bariven), Rafael Reiter Munoz (ex-responsável pela polícia interna da PDVSA denominada de Prevenção e Controle de Perdas). Luis de León (ex-diretor financeiro da empresa Electricidade de Caracas) e César Rincon Godoy (ex-diretor-geral da Bariven) são outros cúmplices que já foram acusados pelos norte-americanos noutros processos relacionados com o esquema de corrupção criado por Rincon e Shiera, como pode verificar aqui. Todos eles são acusados de agirem em grupo, distribuindo entre si as ‘luvas’ pagas por Roberto Rincon e Abraham Shiera.

Javier Alvarado Ochoa, Rafael Reiter, César Rincon Godoy, Luis de León e Nervis Villalobos (ler no sentido do ponteiro do relógio)

Na acusação confirmada pelo Grand Jury e assinada pelos procuradores John P. Johnson e Sarah E. Edwards Patel, pode ler-se que Javier Alvarado Ochoa, Luis de León e Nervis Villalobos prometeram a Roberto Rincon e Abraham Shiera e outros que iriam beneficiá-los na adjudicação de contratos, assim como no pagamento prioritário das suas faturas, “em troca do pagamento de subornos”. Assim, “Vilallobos e BES Banker 1 [identidade ocultada na acusação] disseram a Rincon e a Shiera que deviam abrir uma conta bancária no Banco Espírito Santo para facilitar a continuidade do pagamento no país”.

A cumplicidade de altos funcionários do BES no esquema criado com a assistência de Paulo Murta é devidamente evidenciada na acusação do Tribunal Judicial do Sul do Texas. Para os procuradores Johnson e Patel não há dúvidas de que, antes de 2012, “Murta, BES Banker 1 e BES Banker 2 [identidades ocultadas na acusação] assistiram Villalobos, Alvarado, Reiter e De Leone em abrirem contas no BES”. Foram assim abertas oito contas no Espírito Santos Dubai Bankers e uma conta em Macau — território onde Michel Ostertag, o patrão de Murta, também operava.

Uma das provas citadas contra Paulo Murta baseia-se num email que o gestor luso-suíço terá enviado a 21 de março de 2013 que contém um diagrama desenhado à mão com a estrutura financeira do grupo e que mostra as empresas de Rincon e Shiera a transferir fundos para as contas do “Amigo 1”, “Amigo 2” e “Amigo 3” — ou seja, para Nervis Villalobos Cardenas, Javier Alvarado Ochoa, Alejandro Isturiz Chiesa e Rafael Retier Munoz.

Uma das provas citadas contra Paulo Murta baseia-se num email que o gestor luso-suíço terá enviado a 21 de março de 2013 que contém um diagrama desenhado a mão com a estrutura financeira do grupo e que mostra as empresas de Rincon e Shiera a transferir fundos para as contas do "Amigo 1", "Amigo 2" e "Amigo 3". Murta era o intermediário entre os alegados corruptores e os "amigos".

Na prática, Murta agia como um intermediário entre Shiera e os “amigos”, segundo a acusação. Apesar de viver no Dubai na data dos factos descritos na acusação, Paulo Murta era o braço direito de Michel Ostertag na ICG Wealth Management, uma sociedade semelhante à Gestar, e passava a vida entre os Emirados Árabes Unidos, a Suíça e Caracas. Era na capital venezuelana que se encontrava com Nervis Villalobos Cardenas, Javier Alvarado Ochoa, Alejandro Isturiz Chiesa e Rafael Retier Munoz, entre outros, para dar documentação que era necessário assinar pelos próprios ou pelos seus testa-de-ferro. Entre essa documentação encontrava-se não só a criação das sociedades offshore e abertura de contas bancárias, mas também a assinatura de contratos falsos de prestação de serviços que justificavam as transferências bancárias do carrossel financeiro por si criado.

Por exemplo, a 21 de março de 2013 (no mesmo dia em que enviou o email com o diagrama acima referido), Shiera enviou uma mensagem escrita para Murta a pedir a transferência de “6,1 MM [milhões de dólares] para os amigos com urgência. Eles podem processar a transferência enquanto os contratos estão a ser assinados?”. Murta confirmou que sim.

Como as BBM’s tramaram os venezuelanos: “Preciso de amor $$$$$$”

Quem tenha interagido com membros do Governo de Hugo Chavéz ou da administração venezuelana durante a década de 2000 sabe que a ferramenta de comunicação preferida era só uma: o serviço de mensagens escritas da marca Blackberry conhecido por BBM. Tratando-se de uma empresa canadiana e de um serviço encriptado, os venezuelanos pensavam estar a salvo das escutas dos ‘gringos’ norte-americanos — um dos seus adversários. A acusação deduzida pelo Tribunal Judicial do Sul do Texas demonstra que estavam enganados, já que as BBM’s, juntamente com a reconstituição dos circuitos financeiros, são a prova mais forte descrita no texto divulgado publicamente.

Salgado e BES envolvidos em esquema de corrupção de 3,5 mil milhões de euros na Venezuela

Nessas trocas de mensagens, Alejandro Isturiz Chiesa, ex-assistente de Javier Alvarado Ochoa, é um dos personagens centrais, já que supervisionava os principais concursos que eram lançados pela Bariven. Eis um exemplo de uma troca de mensagens entre Chiesa, também conhecido por ‘Piojo’, e Abraham Siera (tratado por ‘Pumita’) a propósito dos concursos em que as empresas de Shiera e de Roberto Rincon (tratado pelo apelido de ‘Pelon’) seriam beneficiadas. Os nomes das empresas são ocultadas na acusação:

Isturiz: “Consegui para ti e para Pelon cerca de 1,3 milhões [contrato para a empresa 1 de Roberto Rincon], 1,2 milhões [contrato para a empresa 2 de Rincon] e 6,9 milhões [contrato para a empresa 1 de Shiera]. Verifica, sff.”

Shiera: “Essa empresa [a empresa 1 de Shiera] é dele [de Roberto Rincon].”

Isturiz: “Merda, irmão. Já enviei [a lista de adjudicações]! Deixa-me ver o que consigo fazer.”

Shiera: “Muda, se faz favor.”

Isturiz: “Pumita! [Shiera]. Relaxa, deixa o Piojo [Isturiz] cuidar de si!”

Shiera: “Preciso de amor $$$$$$$ hahahaha.”

Alejandro Isturiz Chiesa costumava enviar a lista dos concursos que iriam abrir, ao que Roberto Rincon e Abraham Shiera respondiam com as propostas que iriam fazer e os respetivos montantes.

Os responsáveis da PDVSA e da Bariven também enviavam as listas dos alegados subornos que esperavam receber. Por exemplo, a 5 de janeiro de 2012, Isturiz enviou a Rincon o seguinte email: “Eu preciso que verifiques estes números [de subornos]. São pagamentos pela proposta. A data não coincide com aquela em que vais receber o dinheiro. Não te foques nisso mas sim nos valores.”

Dois meses mais tarde, a 22 de março de 2012, Isturiz Chiesa foi ainda mais explícito numa mensagem para Rincon e Shiera: “Olá P e P, envio as coordenadas para que vocês enviem algo para eu comprar o carvão que permita continuar a fazer o cozido… nós podemos usar esta conta enquanto esperamos pela abertura da outra”, disse, referindo-se a uma conta bancária que tinha aberto no paraíso fiscal de Curacao.

A 2 de abril de 2012, uma empresa de Roberto Rincon transferiu 450 mil dólares de uma conta no Texas para a conta bancária de Isturiz. Um mês antes, as contas de Isturiz na Suíça já tinham recebido cerca de 766 mil dólares de uma empresa de Rincon.

Em junho de 2012, Alejandro Isturiz, que agiria com total conhecimento de Javier Alvarado Ochoa, trocou as seguintes mensagens com Roberto Rincon e Abraham Shiera:

Isturiz: “Caros colegas, vou enviar um ficheiro Excel com o resumo dos pagamentos e a grande dívida que têm para com o ‘Paulo’ [o próprio Isturiz].”

Rincon: “Paulo, o problema é que às vezes precisamente de retirar 5% do pagamento para os nossos aliados… Pedimos desculpa pelo incómodo mas vai ser depositado hoje e assim haverá uma diferença de 00000000000000000000000.00 dólares”, descreveu em pormenor de seguida todos os pagamentos que já tinha feito no montante total de 1.700.447, 30 dólares.

Abraham Shiera com a sua mulher Alexandra numa festa em Miami

Os arguidos também recordavam regularmente a Rincon e a Shiera as dívidas que tinham para com eles. Luís De Leon, por exemplo, enviou a 15 de março de 2012 para Shiera uma BBM com o seguinte conteúdo: “Conseguiste comprar as coisas [nos concursos da PDVSA]? A dívida de hoje para com os ‘amigos’ é de 1.093.232 dólares”.

Nas semanas seguintes, Rincon e Shiera fizeram uma série de transferências para a conta suíça de De Leon no total de 1 milhão de dólares.

O envolvimento de Nervis Vilallobos neste esquema de corrupção, o que motivou uma acusação à parte em agosto de 2017, também está evidenciado na acusação deduzida contra Paulo Murta — um dado significativo, visto que Vilallobos foi vice-ministro de Energia Eléctrica de Venezuela entre 2001 e 2006 e era uma figura próxima de Rafael Ramirez, o poderoso ex-presidente da PDVSA que se encontra em parte incerta após ter sido declarado persona non grata pelo Presidente Nicolás Maduro.

Abraham Shiera: “Irmão, ‘Piojo’ [Alejandro Isturiz] nunca falha. Ele fez a minha proposta [e adjudicação] por 3,5 milhões [de dólares] e 5 [milhões de dólares] para as outras de ‘Pelon’ [Roberto Rincon], de acordo com o que falamos ao jantar. Apoia-o.”

Nervis Villalobos: “Aquele gajo é bom.”

De acordo com as autoridades norte-americanas, Roberto Rincon e Abraham Shiera usavam regularmente Luis De Leon e Nervis Villalobos como intermediários para comunicarem com os arguidos da PDVSA.”

Na acusação do Tribunal Judicial do Sul do Texas estão evidenciados vários pagamentos que Roberto Rincon e Abraham Shiera fizeram em benefício de Nervis Villalobos, Javier Alvarado Ochoa, Alejandro Isturiz Chiesa, Luis De León, Rafael Reiter e Cesar Rincon usando diversas contas bancárias nos Estados Unidos (incluindo no Distrito Sudoeste do Texas), Suíça e Panamá. Tudo com base em fundos que tinham sido anteriormente pagos pela PDVSA.

Ricardo Salgado, o “fininho”, as “maçãs” e a Venezuela

Por exemplo, a PDVSA pagou cerca de 7 milhões de dólares a uma empresa de Abraham Shiera a 17 de outubro de 2011. Esse valor levou ao seguinte circuito financeiro entre contas bancárias do Estados Unidos, Suíça e Panamá:

  • Os fundos começaram por ser transferidos da empresa de Shiera para uma conta de uma empresa de Rincon;
  • A empresa de Rincon transferiu cerca de 515.513 dólares para a conta de De Leon a 26/10/2011;
  • A empresa de Shiera transferiu cerca de 179.552 dólares para a mesma conta de De Leon a 2/11/2011;
  • A 16 de novembro, a conta de De Leon transferiu cerca de 100 mil dólares para a conta de Nervis Villalobos, 330 mil dólares para a conta 3 de De Leon e 215 mil dólares para a conta de Alvarado;
  • A conta 3 de De Leon  transferiu cerca de 330 mil dólares para a conta de Villalobos;

De acordo com a acusação deduzida contra Paulo Murta, Roberto Rincon e Abraham Shiera transferiram os seguintes totais:

  • 27 milhões de dólares para a conta suíça de Luis De Leon, na qual Nervis Villalobos também tinha autorização para fazer operações;
  • 10 milhões de dólares para a conta suíça de Nervis Villalobos;
  • 16 milhões de dólares para a segunda conta suíça de Luis De Leon
  • 1 milhão de dólares para a conta suíça de Javier Alvarado Ochoa

As alegadas contrapartidas pelos favorecimentos nos concursos da PDVSA e da Bariven nem sempre foram pagas em dinheiro. Desde viagens para hotéis de luxo em paraísos tropicais (como as Bahamas), passando pela compra de carros blindados e pelo pagamento de contas em restaurantes e supermercados — são alguns exemplos de ofertas que Roberto Rincon e Abraham Shiera fizeram ao grupo alegadamente liderado por Nervis Villalobos. Por exemplo, a 28 de fevereiro de 2013, Shiera foi informado de que tinha de pagar uma conta de 26 mil dólares numa mercearia na estância balnear de Aruba, ilha das Caraíbas ao largo da Venezuela que faz parte da Holanda. Lagostas, bifes, vinho e whisky foram alguns dos bens que justificaram aquela conta astronómica que terá sido feita pelo grupo de Villalobos.

O link da Venezuela no caso Universo Espírito Santo em investigação em Portugal

As investigações em Portugal do chamado caso Universo Espírito Santo, coordenadas pelo procurador José Ranito, também incluem os factos que já descrevemos mas com um foco nos alegados crimes que terão sido praticados em território nacional por cidadãos nacionais ou estrangeiros. Os alegados crimes praticados na Venezuela, Suíça e Dubai também estão sob investigação desde que tenham sido praticados por portugueses ou beneficiado empresas nacionais.

Por isso mesmo, e tal como o Observador tem vindo a noticiar desde 2018, a cooperação judiciária internacional entre a equipa do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e as autoridades dos Estados Unidos, Espanha (outro país que tem investigado os fundos desviados da PDVSA que passaram por bancos espanhóis) e Suíça tem sido particularmente intensa.

Não só o procurador José Ranito tem dado muita documentação ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos (informação essa que também está na origem das mais de 20 acusações já deduzidas no caso PDVSA), como também tem recebido informação relevante dos norte-americanos e de Espanha. Aliás, um dos vários interrogatórios a que João Alexandre Silva foi sujeito no DCIAP, em Lisboa, chegou a contar com a presença de um dos procuradores norte-americanos que investiga o caso PVDSA em Houston, no Texas.

Ministério Público avança com mega-acusação contra Ricardo Salgado entre Abril e Junho

Na certidão extraída do caso do Universo Espírito Santo sobre suspeitas de corrupção no comércio internacional imputadas a Ricardo Salgado, a equipa de José Ranito está concentrada em duas situações diferentes:

  • O pagamento de alegadas ‘luvas’ a titulares de cargos políticos e aos responsáveis por empresas públicas venezuelanas para que empresas como a PDVSA e suas filiais comprassem entre 2011 e 2014 dívida da Espírito Santo International e de outras holdings do GES — que já nessa altura tinham problemas graves de liquidez;
  • A participação do BES e de outras entidades do grupo da família Espírito Santo como intermediárias no pagamentos de ‘luvas’ que o grupo de Roberto Rincon e Abraham Shiera faziam a responsáveis da PDVSA. O BES terá ajudado a branquear esses valores com a compra de títulos de dívida e de outros valores mobiliários do GES.

No primeiro caso, e tal como o Observador revelou em 2018, a equipa de José Ranito terá prova indiciária forte de que a sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso ‘saco azul’ do GES, terá servido para pagar alegadas comissões num valor total de mais de 124,5 milhões de dólares (cerca de 105 milhões de euros ao câmbio de 2018) em alegadas comissões pagas a figuras centrais do regime venezuelano entre 2009 e 2013. Esse valor foi pago a cerca de 30 sociedades offshore com contas no ES Bankers Dubai que estão devidamente identificadas nos autos do Universo Espírito Santo.

Por exemplo, e entre outros responsáveis, tal como o Observador descreveu aqui, o DCIAP tem provas indiciárias de que os venezuelanos acusados pelo Tribunal Judicial do Sul do Texas juntamente com Paulo Murta também receberam fundos através do ‘saco azul’ do GES. A saber:

  • Nervis Villalobos será o titular da offshore Canaima Finance Ltd que recebeu cerca de 17,4 milhões de euros;
  • Javier Alvarado Ochoa será o titular da sociedade offshore ConstellationVentures que tinha 6,4 milhões de euros depositados no Dubai;
  • Luis de León será o beneficiário da offshore Andrean Financial que apenas tinha cerca de 26 mil euros depositados mas têm um registo de transferências muito superior
  • Rafael Reiter será o titular da offshore Safe Leader que tinha depósitos de cerca de 421 mil euros.

Ao que o Observador apurou, a equipa de José Ranito acredita que Nérvis Villalobos, ex-vice-ministro de Estado da Energia e um dos homens de mão de Rafael Ramirez, foi o intermediário de Ricardo Salgado nos contactos com o Grupo Rincon e Shiera. Villalobos terá sido indicado pelo próprio presidente da PDVSA a Salgado. Aliás, ‘Rafa’ Ramirez e o ex-presidente executivo do BES tinham uma boa relação, existindo mesmo vários encontros entre os dois em Lisboa que estão documentados nos autos do Universo Espírito Santo.

Por estes factos, Ricardo Salgado, João Alexandre Silva e Paulo Murta foram igualmente constituídos arguidos no caso Universo Espírito Santo. Salgado, por exemplo, é suspeito da alegada prática do crime de associação criminosa, corrupção no comércio internacional (ou seja, de titulares de cargos político e públicos venezuelanos) e branqueamento de capitais.

Ricardo Salgado e Paulo Murta foram igualmente constituídos arguidos no caso Universo Espírito Santo. Salgado, por exemplo, é suspeito da prática alegada prática do crime de associação criminosa, corrupção de titulares de cargos políticos e públicos venezuelanos e branqueamento de capitais. Já Murta é tido pelo MP como um dos principais operacionais do alegado esquema de corrupção do BES na Venezuela.

Já Paulo Murta foi constituído arguido em dezembro de 2017, tendo voltado a ser interrogado em setembro de 2018. Tido por Ranito como um dos principais operacionais do alegado esquema de corrupção do BES na Venezuela, Murta foi constituído arguido pelo crime de associação criminosa por uma prática continuada e duradoura de 14 alegados crimes de branqueamento de capitais como forma de apoio a alegados crimes de corrupção de políticos e funcionários públicos venezuelanos. Tudo com base numa alegada cadeia de comando que seria liderada por Ricardo Salgado.

Contudo, o Tribunal da Relação de Lisboa acabou por revogar a 13 de julho de 2018 o despacho de Carlos Alexandre que impôs a Paulo Murta diversas medidas de coação superiores ao termo de identidade e residência. Ouvido novamente em dezembro de 2018, o procurador José Ranito terá deixado cair as imputações de corrupção no comércio internacional, tendo deixando apenas as imputações de associação criminosa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.

Presos em Espanha, extraditados para os EUA

Apesar de a maior parte dos suspeitos não serem cidadãos norte-americanos (como é o caso de Paulo Murta, que apenas tem cidadania suíça), a acusação confirmada pelo Grand Jury foi deduzida com base numa lei norte-americana especial denominada de Foreign Corrupt Pratices Act, aprovada em 1977 e alterada em 1998. Ao abrigo desta lei, os Estados Unidos podem acusar qualquer cidadão ou empresa estrangeira que pratique ou seja cúmplice com atos de corrupção e branqueamento de capitais de titulares de cargos políticos e públicos em qualquer parte do mundo desde que se verifique uma condição: os beneficiários desses atos de corrupção sejam cidadãos norte-americanos ou residentes nos Estados Unidos ou empresas estrangeiras que operem no mercado norte-americano.

Alegadamente é o que acontece com todas as acusações, visto que os corruptores ativos são empresários venezuelanos com residência em Houston (Roberto Rincon e Abraham Shiera) e as empresas daqueles gestores que beneficiaram das adjudicações da PVDSA também têm sede nos Estados Unidos. Rincon e Shiera chegaram a ser detidos no Texas em 2015, tendo confessado os crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e conspiração e negociado uma sentença com as autoridades norte-americanas após a acusação do Grand Jury.

Por exemplo, César Rincon Godoy, de 50 anos, foi preso em Espanha em outubro de 2017, tendo sido extraditado para os Estados Unidos a pedido do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e à ordem do processo de Houston. Depois acusado de corrupção, conspiração para branqueamento de capitais e de branqueamento de capitais, Rincon Godoy fez um acordo de colaboração premiada (“plea bargain” nos Estados Unidos) com as autoridades federais e declarou-se culpado, tendo confessado que tinha conspirado para branquear cerca de 7 milhões de dólares em subornos.

Alguns dos responsáveis venezuelanos, como Luis de León e Rincon Godoy, foram detidos em Espanha e extraditados para os Estados Unidos — onde se deram como culpados e foram condenados. Já Nervis Villalobos e Rafael Reiter também foram detidos pelos espanhóis mas tiveram mais sorte.

Luis de León, 42 anos, foi diretor financeiro da empresa Electricidade de Caracas, filial da PDVSA, tendo sido preso em Espanha na mesma altura que Godoy. Sendo igualmente cidadão norte-americano, foi também extraditado para os Estados Unidos e seguiu os mesmos passos que Rincon Godoy: declarou-se culpado em julho de 2018.  Ambos aguardam julgamento.

Já Nervis Villalobos e Rafael Reiter, igualmente presos em Espanha, também tiveram pedidos de extradição para os Estados Unidos. De acordo com as autoridades norte-americanas, são as figuras mais próximas de Rafel Ramirez e assumem uma particular importância numa acusação contra o ex-presidente da PDVSA — que também está a ser investigado na Venezuela depois de ter caído em desgraça junto de Nicolas Maduro. Depois de Villalobos ter tido mesmo uma decisão judicial a autorizar a sua extradição, a Audiencia Nacional (tribunal especial espanhol que investiga a criminalidade económico-financeira mais complexa) acabou por revogá-la e libertou sob fiança o ex-vice-ministro venezuelano e Reiter em Setembro de 2019. As investigações em Espanha continuam.

Qual será o destino de Paulo Murta — semelhante ao de Rincon Godoy e de León ou ao de Villalobos e Reiter?

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