O debate a quatro desta terça-feira, na RTP, acabou num fogo cruzado entre todas as partes, com Sebastião Bugalho e Marte Temido a acabarem envolvidos numa troca de acusações sobre as políticas de imigração — que se estendeu para lá do fim do debate, com ambos a ficarem à mesa a continuarem o diferendo –, Tânger Corrêa enredado numa confusão (que o próprio criou) sobre em que família política afinal está mais confortável o Chega e João Oliveira isolado e atacado por todos os lados sobre Ucrânia.
O debate começou com os cabeças de lista de AD, PS, Chega e CDU a serem confrontados com a mais recente sondagem da RTP, que aponta um empate técnico entre as duas maiores forças. Mas quase nenhum candidato quis prender-se aos números, com exceção para Sebastião Bugalho que os aproveitou para se mostrar “satisfeito”: “Esta sondagem já supera as minhas expectativas”.
Temido tinha chutado o assunto para canto, preferindo dramatizar a eleição tendo em conta o contexto Europeu de guerra no seu território. João Oliveira também recusou fazer “métricas entre eleições”. E Tânger Corrêa foi pelo mesmo caminho, dizendo que “sondagens são sondagens” e que o Chega “começou assim nas últimas legislativas e acabou de outra maneira”. Depois prendeu-se em justificações sobre a futura presença de André Ventura em campo nestas campanha (numa altura em que se prepara isso mesmo, muito por causa da sua prestação em entrevistas debates): “Eu não sou uma figura tão conhecida como os meus colegas de painel”.
Extrema-direita: o primeiro embate entre Temido e Bugalho
Os candidatos também foram confrontados com o peso que dão ao cumprimentos do valores democráticos pelos estados membros e o tema serviu a Marta Temido para aproximar a AD da direita conservadora, ao dizer que “Von der Leyen admite parcerias com forças políticas” da direita radical e que “a AD parece viver bem com isso”. A candidata ainda acrescentou que a AD que “tem no seu seio partidos que são anti-europeístas e que querem referendar a permanência na UE”, falando do PPM: “Não são projetos de direita tradicional que convivem bem com a extrema direita que nos levam a resolver os problemas”.
O assunto incomodou Bugalho, que, do outro lado da mesa, disse que “a extrema-direita ameaça a Democracia”, acrescentando: “Mas a AD não pode aceitar lições de moral da parte do PS. Os socialistas na Europa votaram juntos 37% das vezes no último mandato”. O cabeça de lista da AD tinha acabado de ser cauteloso sobre o uso de sanções severas para estados membros que violem o Estado de Direito. “Expulsar só num caso absolutamente limite”, defendeu argumentando com o contexto de guerra: “Seria quase autofágico a Europa dividir-se por dentro para responder à guerra de Putin”.
João Oliveira, da CDU, surgiu pelo meio da contenda entre Temido e Bugalho para dizer que
“é importante que haja quem dê combate à extrema-direita”, mas que isso não se faz com esforços retóricos, e muito menos com alianças como aquelas que se fazem na Holanda”, atirou, referindo-se à coligação de direita que apoia atualmente o governo neerlandês.
Já o candidato do Chega defendeu-se nesta frente afastando o seu partido da classificação de extrema direita. “É profundamente errada“, afirmou Tânger Corrêa, que garantiu repudiar de “ideologias caducas que estão mais perto do PCP”. O embaixador disse ainda que o Chega “é um partido conservador e que não é a favor de Putin”. Ouviu Bugalho atirar-lhe que, se se classifica como conservador, então devia mudar de família política.
O candidato do Chega enredou-se num novelo de palavras sobre eventuais negociações depois das eleições “para aumentar a base de apoio à base conservadora onde o Chega se insere e onde se vai inserir no futuro” ao mesmo tempo que não excluiu a junção das duas famílias: Identidade e Democracia e Conservadores. Ou talvez não: “Não excluo, o que não quer dizer que considero”. Já em entrevista ao Observador, Tânger tinha admitido mudar de família europeia.
Nas prioridades, Temido chocou com Bugalho e Oliveira com Tânger
A determinada altura do debate, os candidatos foram desafiados a eleger as prioridades dos respetivos mandatos e que comissões pretenderiam integrar no Parlamento Europeu. Arrancou Bugalho, elegendo os Assuntos Externos e os Assuntos Constitucionais, por causa da questão do alargamento, como objetivos do seu mandato. Logo de seguida, Temido escolheu os Assuntos Sociais, dentro dessa grande pasta a Habitação e as políticas para a Juventude. E foi aí que o caldo entornou, quando o candidato da AD provocou a socialista: votará ou não a favor da inclusão da Habitação como direito na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como pretende a coligação PSD/CDS.
Na resposta, a antiga ministra da Saúde recordou as posições assumidas no passado pela família política onde se inclui Sebastião Bugalho e defendeu que nada do que defende o independente fará qualquer diferença em matéria de Habitação Pública. “O que é que isso resolve?”, foi provocando a socialista, num dos momentos mais quentes do debate, em que era praticamente impercetível o que ambos os candidatos tentavam dizer.
Na vez de João Oliveira, o comunista não só tentou colar PS e PSD na falta de respostas que vão sendo dadas, à escala europeia, em matéria de Habitação, como elegeu o Emprego e os Assuntos Sociais como prioridades dos eurodeputados comunistas. Às várias provocações de Sebastião Bugalho para se pronunciar sobre a bandeira do PCP em matéria de pertença ao Euro, o cabeça de lista comunista não recuou: “É preciso que o país se prepare para a libertação do Euro. Mas, até lá, há muita coisa para fazer.”
Ora, seguiu-se Tânger Corrêa, que não fugiu ao guião do Chega: “Agricultura e Pescas, luta anti-corrupção e imigração”, priorizou o embaixador, antes de explicar: “Queremos uma reformulação da Política Agrícola Comum para apoiar os pequenos e médios agricultura. Somos contra o Pacto Migratório porque ataca a soberania dos países. E, não acusando nenhum dos outros partidos, sabemos que existem bastantes casos da corrupção. A corrupção é o pior cancro que existe.”
João Oliveira não se ficou: “Há limites para incoerência”, atirou o ex-deputado comunista recordando que em Bruxelas o Chega defende a luta anti-corrupção, mas “cá em Portugal impede uma comissão de inquérito à Vinci”; dentro de fronteiras, divide entre imigrantes e portugueses, lá fora admite regras diferentes para os vários Estados-membros. “Como é que esse discurso bate certo com o que dizem cá? Não tente enganar os portugueses”, rematou o comunista.
Imigração pôs todos contra todos
De resto, o tema da imigração acabou por provocar outro bate boca entre os quatro candidatos. Sebastião Bugalho começou por assumir que a Aliança Democrática tudo fará para alterar as regras do Pacto Migratório, nomeadamente para combater as “redes de tráfico”, pelo alargamento “dos mecanismos de imigração legal” e pelos “consensos construtivos”. Como exemplo, o candidato independente elegeu a alteração da diretiva “Blue Card”, que estabelece as condições de entrada e residência de cidadãos altamente qualificados e países fora da UE, para baixar o nível salarial dos requerentes destes vistos.
Marta Temido não se ficou e acusou Bugalho de querer defender apenas “aqueles imigrantes mais qualificados”, fechando as portas a todos os outros. Mais um momento em que a troca de acusações subiu de tom e que tornou impercetível os argumentos de parte a parte – neste e noutros momentos, Bugalho acusou a socialista de faltar à verdade e Temido acusou o candidato da AD de estar a tentar “enganar” os portugueses.
Tânger Corrêa, por sua vez, tentou balizar as posições do Chega sobre esta matéria, dizendo que a Europa deve priorizar os “seus cidadãos e depois os de fora da Europa”, recusando “uma Europa de portas escancaradas” e lembrando que existem já “40% de portugueses no limiar da pobreza”.
Acusando o Chega de ter um discurso que coloca imigrantes contra portugueses, João Oliveira defendeu que é importante que o país garanta o “acolhimento de imigrantes com condições” e rematou: “Portugal deve fazer um investimento nas condições que são necessárias para acolher imigrantes”.
Ucrânia deixou João Oliveira isolado
Mais uma vez, e à semelhança do que já aconteceu noutros debates, o candidato comunista acabou por ficar isolado nas suas posições sobre a guerra na Ucrânia. O mote eram as recentes declarações do Almirante Gouveia e Melo sobre o conflito – “Vamos morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa”.
João Oliveira não o poupou e juntou o militar ao conjunto de personalidades e dirigentes europeus que, diz, estão a tentar criar um “ambiente de preparação para a guerra”. “Temos de interromper esse caminho que não serve a ninguém”, disse, defendendo um “cessar fogo imediato” na Ucrânia lembrando até a posição do Papa Francisco.
Bugalho, que já antes se tinha demarcado das declarações de Gouveia e Melo, interrompeu João Oliveira para dizer que “a paz que a CDU quer é a vitória da Rússia”. “Enviar armas para a Ucrânia é continuar a fazer dos ucranianos carne para canhão”, devolveu-lhe o comunista. Sebastião Bugalho foi interrompendo com muitas críticas à posição do PCP sobre a Ucrânia, com João Oliveira a falar várias vezes em “terrorismo verbal”.
Desta vez, Marta Temido e Tânger Corrêa saíram em defesa de Bugalho, embora com posições ligeiramente diferentes. A socialista disse que a posição do PCP era “indefensável” e que a Europa tinha a obrigação de fazer tudo para “apoiar a Ucrânia” para chegar a uma solução de paz que respeite as posições e os termos de Kiev. O candidato do Chega reconheceu que a prioridade, neste momento, deve ser apoiar a Ucrânia, mas argumentando que, no futuro, será preciso encontrar uma paz negociada que não humilhe ninguém, sob pena de prolongar no tempo conflitos regionais.