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ILUSTRAÇÃO: Ana Martingo/OBSERVADOR
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ILUSTRAÇÃO: Ana Martingo/OBSERVADOR

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Imobiliário. Bruxelas vê sobrevalorização, mas há uma "bolha" nos preços das casas?

Comissão Europeia alertou para risco de "potencial sobrevalorização" nos preços das casas, mas ela própria admite que preços continuem a subir. Especialistas continuam a descartar risco de "bolha".

Portugal é o único país europeu onde os preços das casas subiram mais de 6%, em todos os anos desde 2016, de forma consecutiva, apontou a Comissão Europeia num relatório de finais de novembro. No mesmo relatório, e à luz desses aumentos, Bruxelas colocou o país no grupo daqueles onde vê “sinais de potencial sobrevalorização” dos preços das casas. Porém, os especialistas – ligados ao setor mas, também, os economistas – continuam a descartar um cenário de “bolha” no imobiliário em Portugal, embora reconheçam que, cada vez menos, a família portuguesa média irá conseguir aceder aos centros das principais cidades.

Além da fasquia do aumento de 6% (real, ou seja, excluindo a inflação) para identificar uma “possível sobrevalorização”, Bruxelas também incluiu Portugal no grupo de 11 países onde é preciso mais de 10 anos de rendimentos médios do trabalho para comprar uma casa de 100 metros quadrados. A Comissão Europeia reconhece que está a haver menos crédito bancário na origem destas valorizações e nota que as limitações do lado da oferta “mitigam os riscos de ajustamentos negativos significativos”, ou seja, correções súbitas – porém, “as preocupações económicas mantêm-se”.

Há razões para estas “preocupações económicas”? Existem, mesmo, riscos de “sobrevalorização” dos preços? Para Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), este relatório de Bruxelas parte de “informação que surge descontextualizada e pouco representativa da realidade do mercado imobiliário no seu todo”. “Não me parece que os preços em Peniche ou em Boliqueime estejam sobrevalorizados”, afirma Paulo Caiado.

“Todos percebemos que existe meia dúzia de nichos geográficos que têm tido uma pressão de procura que fez subir muito os preços – centro de Lisboa, Cascais, Comporta, Porto, alguns sítios no Algarve, etc. – mas Portugal é muito mais do que isto”, acrescenta o responsável, acrescentando que “esta pressão de preços ocorre em nichos, não é um tema nacional. Há um centralismo exacerbado quando estas notícias são dadas como sendo transversais ao nosso país – sabemos o que subiram os preços no Chiado, em Lisboa, ou na Foz, no Porto, mas se for a Sobral do Monte Agraço, ou a Arruda dos Vinhos, os preços subiram mas não me atreveria a dizer que estão sobrevalorizados”, diz, ao Observador.

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“Não vemos uma bolha a formar-se em Portugal”, diz suíço UBS

Olhar para o que está a acontecer noutros países ajuda a enquadrar os alertas de Bruxelas. O banco suíço UBS dedica-se anualmente a procurar sinais de “bolhas” imobiliárias, locais onde se detetam “padrões de excesso de preços” como um desfasamento entre os preços das casas e os rendimentos das famílias ou, também, a comparação com a evolução dos preços no arrendamento. São levados em conta, ainda, sinais de “desequilíbrios na economia real, tais como um aumento excessivo do crédito ou da atividade de construção”.

Na edição de 2021 do UBS Global Real Estate Bubble Index, Frankfurt, Toronto e Hong Kong são as metrópoles mundiais onde os excessos se tornaram mais evidentes. Por outro lado, cidades como Madrid, Milão e Varsóvia aparecem no fundo da tabela, com preços que o UBS considera “adequados”. O único mercado que aparece como sub-avaliado é o Dubai, à luz da metodologia utilizada pelo banco suíço.

Por ser um mercado comparativamente pequeno, Lisboa não está incluída neste trabalho mas o analista Thomas Veraguth, do UBS, analisou o caso português a pedido do Observador e afastou a ideia de que se tenha formado um “bolha”. “Não vejo uma bolha a formar-se em Portugal – tem havido alguns anos de aumentos nos preços mas isso é um fenómeno de catch up (recuperação do terreno perdido) associado ao facto de ter havido uma recessão profunda” em 2011-2014, afirma o especialista.

“Não vejo uma bolha a formar-se em Portugal – tem havido alguns anos de aumentos nos preços mas isso é um fenómeno de 'catch up' (recuperação do terreno perdido) associado ao facto de ter havido uma recessão profunda.”
Thomas Veraguth, analista do UBS em Zurique

Como salienta Bruxelas, Portugal é o único país onde os preços, em termos reais, subiram mais do que 6% em todos os anos desde 2016. Mas essa “é uma forma um pouco mecânica” de apreciar se o mercado está ou não sobreaquecido, diz o especialista. Thomas Veraguth repete que “a subida dos preços em Portugal veio de um ponto de partida muito baixo, em 2014”.

“Essa foi uma fase em que se reduziu drasticamente a atividade na construção, devido à recessão, pelo que quando a procura voltou a aumentar naturalmente os preços subiram – especialmente num contexto de taxas de juro baixas e aumento da procura por estrangeiros”, aponta Thomas Veraguth.

Preço das casas bateu na “muralha”. Bolso dos portugueses trava compra nas grandes cidades

Com a pandemia, acrescenta o especialista, “as taxas de crescimento dos preços já estão a desacelerar” – o que acontece em Lisboa mas não acontece em muitas outras cidades, onde os preços continuaram a acelerar: “Isso diz-nos que, a existir, qualquer risco de sobreaquecimento ou ‘bolha’ está a reduzir-se muito rapidamente”.

Por outro lado, salienta Thomas Veraguth, não existem sinais de uma aceleração rápida da construção nem aumentos excessivos nos valores do endividamento das famílias para comprar habitação – o que está a acontecer, por exemplo, em várias cidades no Canadá, afirma. Porém, reconhece que se pode falar de preços desajustados em algumas zonas de Portugal quando se compara com os rendimentos médios dos portugueses. “Mas isso também é consequência do facto de os rendimentos médios terem crescido mais lentamente em Portugal, após a crise financeira, do que em outros países europeus”, afirma o suíço. É por isso, acrescenta, que num cenário de escassez de oferta, “quando os estrangeiros entram no mercado, isso torna mais difícil o acesso a determinados locais e segmentos, por parte do português médio”.

Crédito à habitação a acelerar há 11 meses consecutivos

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Os empréstimos aos particulares para habitação continuaram a acelerar em novembro, com um aumento de 4,4% face ao período homólogo. Segundo dados divulgados pelo Banco de Portugal (BdP) no final de dezembro, no mês de novembro de 2021 a concessão de empréstimos a particulares continuou a acelerar, com os empréstimos para habitação a subir para 96,6 mil milhões de euros – mais 4,4% em relação a novembro de 2020.

De acordo com a mesma síntese de dados divulgada pelo supervisor, este é um ritmo de subida mensal (homóloga) que acelerou durante onze meses  consecutivos, uma sequência que começou nos 1,9% de outubro de 2020 e que tem subido de forma gradual desde então. Em novembro a taxa de crescimento manteve-se igual à que tinha sido registada em outubro.

“Sobrevalorização? Pagar 120 milhões pelo João Félix foi demasiado?”

Os alertas sobre a evolução do mercado imobiliário português não são de hoje. Em junho de 2018, o Banco de Portugal alertou oficialmente que na segunda metade de 2017 tinham começado “a surgir alguns sinais de sobrevalorização” nos preços do segmento residencial.

Esse alerta foi colocado num relatório sobre estabilidade financeira que, logo em 2018, dizia que as indicações de sobrevalorização eram “muito limitadas” mas se os anos seguintes trouxessem uma “persistência ou reforço desta dinâmica”, isso poderia colocar a estabilidade do sistema financeiro em risco – daí que o supervisor tenha tomado medidas como limitar a percentagem de financiamento que os bancos podem conceder (em função do valor da casa).

"Não temos evidência" de que preços elevados estejam relacionados com concessão excessiva de crédito

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Desde esse primeiro alerta, em junho de 2018, o Banco de Portugal tem referido de forma recorrente a “sobrevalorização” dos preços em alguns segmentos do imobiliário. Esses alertas surgem, normalmente, no Relatório de Estabilidade Financeira, uma análise semestral que foi atualizada no último dia 21 de dezembro e que voltou a referir essa sobrevalorização.

“Nos últimos anos, o crescimento dos preços do mercado imobiliário residencial em Portugal tem vindo a ocorrer em simultâneo com uma evolução contida do crédito à habitação, ao contrário de outros países da área do euro”, salienta o documento divulgado pelo Banco de Portugal, supervisor que sublinha que o cenário que tem de se evitar é a “criação de uma espiral entre crédito e preços”.

Na conferência de imprensa de apresentação desse relatório, o administrador Luís Laginha assinalou que “até aqui, havendo sinais de sobrevalorização do mercado, não temos evidência de que isso esteja relacionado com concessão de crédito”. Mas isso é algo que o supervisor garante que irá continuar a “monitorar”, com vista a, se for necessário, “tomar decisões“.

Desde então, os preços continuaram a subir, mas com que base é que se pode dizer que o preço de um ativo está sobrevalorizado, neste caso um ativo imobiliário? A economista Vera Gouveia Barros afirma que “o facto de os preços estarem a aumentar, só por si, não me diz grande coisa – o Atlético Madrid pagar 120 milhões pelo passe do [futebolista] João Félix foi um preço sobrevalorizado? Só sabemos que o clube espanhol se disponibilizou a pagar esse valor”.

A economista diz que, para formar uma opinião fundamentada sobre os preços do imobiliário, “é preciso perceber de onde vem esse aumento e há que ler estes dados com cautela porque um dos fatores que se verificou no mercado português é que os compradores estrangeiros puxam para cima a mediana dos preços“. Vera Gouveia Barros nota que o Instituto Nacional de Estatística (INE) publica a percentagem de transações feitas por não-residentes e por residentes “mas não publica as medianas para cada um dos tipos, que serão certamente diferentes”.

“Só o facto de os preços estarem a aumentar, só por si, não me diz grande coisa – o Atlético Madrid pagar 120 milhões pelo passe do [futebolista] João Félix foi um preço sobrevalorizado? Só sabemos que o clube espanhol se disponibilizou a pagar esse valor."
Vera Gouveia Barros, economista

Publicar esses dados seria importante, diz a economista, porque, “à falta deles, podemos estar a comparar duas realidades que não encaixam uma na outra – os preços das casas pagos pelos estrangeiros e os rendimentos dos portugueses”. O risco, depois, é que se tomem decisões políticas com base em dados que não são comparáveis e podem ser enganadores.

A economista dá um exemplo: “No Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) há uma referência direta a uma ‘desadequação entre os rendimentos das famílias da classe média e a oferta existente’ e afirma-se que ‘26% das famílias que arrendam a sua habitação estão em situação de sobrecarga com os custos habitacionais, com a agravante de a taxa de esforço de um agregado que vá agora ao mercado ser superior a 40%‘”. Ora, sem dados mais fidedignos é impossível dizer que a realidade é mesmo assim, argumenta a economista.

Há investimento especulativo? O que diz a comparação entre vendas e rendas

A subida dos preços das casas, em toda a Europa, é algo que era expectável tendo em conta que as taxas de juros continuam em mínimos históricos, diz Vera Gouveia Barros. “Ao longo da História, o setor imobiliário provou ter uma rendibilidade a longo prazo comparável a outros instrumentos, ao mesmo tempo que há uma perceção de risco menor, pelo que é interessante para quem investe“, afirma.

A economista explica que uma forma possível de perceber se existe alguma especulação no preço das casas é comparar os valores na venda e no arrendamento. Isto porque na venda existe uma componente de uso da casa mas também está em causa um investimento – no arrendamento, em contraste, só existe a componente de uso.

Assim, “uma medida que me pode sinalizar estarmos perante um efeito de especulação é quando há um descolamento entre o preço de venda e o preço do arrendamento“, diz a economista. E, aí, os dados do INE não parecem apontar para esse “descolamento”: na comparação entre o valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares nos últimos 12 meses e, por outro lado, o valor mediano das rendas por m2 de novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares, o rácio tem subido nas zonas mais procuradas mas tem-se mantido relativamente estável nos últimos anos – ou desce, em alguns casos.

  • A nível nacional, o preço mediano era em 2017 de 932 euros por metro quadrado, subindo para 996 euros em 2018, para 1.081 em 2019 e 1.188 em 2020. No arrendamento, nos mesmos períodos o valor subiu de 4,39 euros em 2017 para 4,80 euros em 2018, 5,32 euros em 2019 e 5,61 euros em 2020. Ou seja, os preços foram subindo mas o rácio oscilou de forma relativamente estável na região dos 200/210.
  • No concelho de Lisboa, o cenário é um pouco diferente: o mesmo rácio parte de 253 em 2017, salta para cerca de 270 em 2018 e 2019 e em 2020 ascende aos 294. No Porto, concelho, a tendência também é para algum “descolamento”: 193 em 2017, 205 em 2018, 208 em 2019 e 246 em 2020.
  • Esses são alguns dos casos que suportam a média nacional. Em contraste, há outros onde a evolução é inversa: em Paredes de Coura o rácio foi de 201 em 2017 e baixou para os 137 em 2020; em Póvoa de Varzim era de 249 em 2017 e desceu para 243 em 2020; em Alcobaça baixou de 236 para 212 no mesmo período; e em Portalegre caiu de 215 para 190.

Para Vera Gouveia Barros, estes dados levam a crer que, embora se possa admitir “fenómenos psicológicos” de especulação, localizados, existem “fundamentos económicos” que suportam a subida natural dos preços que se tem verificado.

E a conclusão da própria Comissão Europeia é que “as condições financeiras [as taxas de juro] têm-se mantido acomodatícias e, globalmente, irão provavelmente continuar a impulsionar a procura por habitação”. Além disso, “à medida que os rendimentos das famílias crescem a par da retoma, parece provável que os preços das casas continuem a subir“.

Lisboa e Porto tiveram uma “mudança de escala”

Mesmo quando se diz que os preços em Lisboa e Porto subiram é preciso enquadrar essa subida no que o presidente-executivo da Century 21 Portugal, Ricardo Sousa, chama de “mudança de escala” por parte das duas maiores cidades. Isso quer dizer que na última década Lisboa e Porto deixaram de competir apenas com as outras cidades portuguesas mas passaram a competir na “Liga dos Campeões”, primeiro Lisboa mas também já o Porto em grande medida.

“Houve uma mudança de escala onde se acrescentou valor”, o que “não aconteceu noutras cidades” onde os preços também subiram, diz Ricardo Sousa. “Para analisar se há preços excessivos isso também de ser tido em conta, ou seja, havia edifícios inabitáveis, sem condições, que foram reabilitados e portanto não podem ir para o mercado ao mesmo preço”, acrescenta, resumindo: “o preço não subiu de forma especulativa, houve um investimento, houve capex“.

Imobiliário. Só cresceu em 1% a oferta de casas entre 2011 e 2021, diz estudo da JLL

Outro fator que é “sistematicamente esquecido”, diz Paulo Caiado, da APEMIP, é que “o principal fator que está por detrás das compras… são as vendas”. Ou seja, é certo que houve investimento novo, incluindo estrangeiro, mas “este ano deverá terminar com mais de 170 mil imóveis residenciais transacionados e 80% disso são casas usadas – ou seja, uma grande percentagem das compras é antecedida por uma venda anterior e isso é que está a alavancar o mercado”.

Por outro lado, “mesmo no caso dos casais jovens, hoje em dia, é preciso ter 15% ou 20% de capitais próprios, o que significa que, nos centros das cidades, estamos de falar de dezenas de milhares de euros de entrada – o que nem sempre está ao alcance dos jovens”, acrescenta Paulo Caiado.

É nesse contexto que, “muitos desses jovens, na impossibilidade de comprar casa no centro da cidade, em vez de irem para o Cacém ou Amadora preferem ir para um pouco mais longe, para uma aldeia do concelho de Loures ou de Torres Vedras, onde vão ter outras vantagens do ponto de vista da qualidade de vida”. “Talvez seja assim que vamos ter a tão propalada descentralização, que já se sabe que nunca viria por decreto“, atira.

“Juros baixos são maus para os jovens que não têm pais ricos”

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