Linguagem pornográfica nas descrições judiciais e uma cultura que desincentiva as vítimas de crimes sexuais a falar são algumas das críticas feitas por Isabel Ventura, docente convidada na Escola de Direito da Universidade Católica do Porto, onde coordena o seminário de mestrado “Direito e Género: o caso dos crimes sexuais”. Numa altura em que continuam os protestos contra a sentença aplicada ao grupo La Manada, que violou uma jovem de 18 anos em Espanha, chega às livrarias portuguesas um livro que explora a forma como o sistema judicial português tratou e trata os crimes sexuais. A obra “Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual”, da editora Tinta da China, resulta da tese de doutoramento de Isabel Ventura, um trabalho que já valeu à autora o Prémio APAV Investigação.
Em entrevista ao Observador, Ventura fala também em esquadras e tribunais portugueses que “não estão preparados para dar privacidade às vítimas” e de um sistema que “desculpabiliza o agressor” — quanto mais capital social este tiver, mais desconfiança recai sobre quem acusa. Isabel Ventura assegura que, no geral, as mulheres são menos criminosas do que os homens e que, quando o são, são menos violentas e define ainda o pénis enquanto “protagonista” de acórdãos judiciais e argumenta que, muitas vezes, “o que se está a definir é sexo e não violência.”
“Acho que [a justiça portuguesa] falha quando das 100 queixas apenas 11 chegam a julgamento. Falha porque não garante às pessoas que sofrem processos traumáticos condições para se sentirem em segurança durante todo o processo”, diz em entrevista ao Observador.
O livro agora publicado pela Tinta da China resulta de uma tese de doutoramento. Que investigação está na base da obra?
Dividi a tese [de doutoramento] em três partes. No livro apenas estão duas. Acabámos — eu e a editora — por abdicar das representações da magistratura, que consistiam em entrevistas feitas a magistradas e a magistrados, quer judiciais quer do Ministério Público, para perceber que imagens tinham do que é uma violação, do que é uma verdadeira vítima, uma vítima credível e um agressor… Fiz 20 entrevistas.
Dessas entrevistas é possível definir um padrão tendo em conta a forma como os magistrados olham para a vítima e para o agressor?
É possível encontrar reproduções de estereótipos, mas 20 entrevistas significam que o trabalho é qualitativo e não quantitativo. Quer isto dizer que não se pode extrapolar que, a partir das entrevistas, toda a magistratura pense daquela forma. Cientificamente não seria correto.
De que reprodução de estereótipos está a falar?
Dou aulas na Católica do Porto. Costumo dar aos meus alunos um esquema do que é uma violação credível. Esse esquema baseia-se na citação de um entrevistado, que estava a explicar-me o que era uma acusação credível — quando perguntava o que era uma vítima credível, as pessoas respondiam-me que não há vítimas credíveis, mas sim acusações credíveis… A citação desta pessoa foi dada relativamente à seguinte situação: uma mulher foi violada por um sem-abrigo, um agressor disfuncional, que corresponde a estereótipos relacionados com comportamentos desviantes, sem capacidade de atração erótica; a vítima pediu imediatamente ajuda; havia vestígios de violência e a roupa estava meio rasgada. Nesta sequência há uma série de imagens que comprovam mais facilmente o uso de violência física sobre aquela pessoa. Há outra coisa muito importante neste esquema todo: a relação de desconhecimento entre agressor e vítima ou entre acusado e acusador. A relação de desconhecimento entre estas duas personagens é um princípio muito grande, que é tido em conta pela acusação com muito menos desconfiança do que se houver uma relação de conhecimento.
Porque é que isto acontece?
Há imagens que associamos a pessoas com comportamentos desviantes e que temos sobre o que é um violador. Nessas imagens não entram pessoas bem falantes, com muito capital social, que tenham um grande valor simbólico em termos sociais. Essas pessoas não entram no nosso imaginário como tendo comportamentos desviantes, muito menos na área da agressão sexual. Até porque uma das ideias é: se a pessoa tem capital erótico, não precisa de violar ninguém; se a pessoa tem dinheiro, também não precisa de violar ninguém — compra.
Quem tem poder de decisão no tribunal também tende a pensar assim?
Se pensarmos que quem toma decisões judiciais cresce dentro da sociedade… Obviamente que não é toda a gente que pensa assim. Haverá certamente pessoas que aderem mais aos mitos da violação do que outras. Isso acontecerá também dentro da magistratura. Agora, não é difícil encontrar em sede de práticas… Gostaria de não estar a elogiar as pessoas que, à partida, fazem bem o seu trabalho. Que haja um acórdão [que espelhe isto] já é grave, mas tantos quanto os que emergem… é muito grave.
Em Espanha, os cinco homens do grupo “La Manada” foram condenados a nove anos de prisão, por abuso sexual e não por violação. Os protestos contra esta sentença ainda se fazem sentir: esta quinta-feira milhares de pessoas saíram às ruas de Madrid entoando cânticos contra o sistema judicial. Acha que, de um modo geral, as pessoas estão mais sensibilizadas para a agressão sexual?
Em Espanha? Sim, claramente, é uma coisa que me emociona imenso. Eles foram condenados a nove anos, é imenso. O nosso crime de violação vai até 10. E teres esta capacidade de mobilização tão persistente é uma coisa que me deixa completamente emocionada. Durante o julgamento, o comportamento da vítima foi claramente escrutinado, avaliado e julgado. Ela foi criticada por um conjunto de comportamentos que teve antes, durante e após o crime, que correspondem à ideia de que as verdadeiras vítimas não se comportam de uma determinada forma. Daquilo que me parece, estas pessoas estão a reclamar o facto de não se estar a reconhecer a violação. Ou seja, eles [os cinco elementos do grupo La Manada] foram condenados por abuso sexual. Existe o reconhecimento de um crime, mas não é o de violação, porque se considerou que não houve violência explícita — as palavras importam.
O caso de violação La Manada. “Está claro que dor não sentiu”
Os portugueses ficariam igualmente sensibilizados caso isto tivesse acontecido cá? As ruas portuguesas não ficariam cheias?
Seguramente que não. Claro que não. Acho que em Portugal se tem vindo a falar cada vez mais sobre violência sexual, o que é bom — quando comecei este trabalho, o único jornal que falava sobre violência sexual era o Correio da Manhã. Mas, tirando aquelas pessoas que já têm uma perspetiva mais informada, não acho que haja uma alteração substancial, no sentido em que as pessoas estão mais informadas acerca do que é a violação. Fiquei um pouco perplexa quando percebi que várias pessoas não tinham ideia que é crime, ou que pode ser crime, ter sexo com alguém que está muito embriagado — é uma coisa que está na lei há anos infinitos. Ninguém discute que há determinadas situações em que não temos capacidade para decidir, isso não é discutível. O que é discutível é quando é que não tens essa capacidade. Quando aconteceu aquilo no autocarro, no Porto, achei incrível o facto de as pessoas não terem a menor ideia do que estavam a falar.
É verdade que quando emergiram os acórdãos [polémicos] na imprensa, há relativamente pouco tempo, houve alguma mobilização e solidariedade, com muito esforço por parte de algumas organizações, mas não há a mesma adesão. Não vemos ruas e ruas cheias, são as mesmas pessoas de sempre e mais algumas.
Leia aqui o acórdão do juiz que desvalorizou agressão por causa de adultério
Quais os acórdãos mais inacreditáveis que já leu?
Não me consigo lembrar. Quando comecei a ler os primeiros acórdãos, ainda antes de ter a bolsa… eram de uma violência horrível. A forma como descrevem as coisas é pornografia.
Mas houve algum acórdão que a marcasse mais?
Várias decisões não estão integralmente publicadas, são excertos. Aliás, várias decisões não estão publicadas, estão em coletâneas de jurisprudência. Consultei algumas delas. Cheguei até elas através da análise da doutrina. Ou seja, há códigos penais anotados de pessoas que são consideradas referências no mundo jurídico, que dizem qual é o sentido da lei e dão exemplos. Outra das coisas que me espantou imenso foi quando estava a ler a doutrina… Eu não sabia que a lei tinha uma plasticidade tal, a ponto de, para os mesmos factos, haver interpretações tão diversas que fazem com que, por vezes, o enquadramento legal seja diferente. Em vez de ser um crime é outro — em vez de ser abuso sexual é, por exemplo, coação sexual. Estes crimes diferentes podem ter molduras penais realmente diferentes. Outra coisa que me surpreendeu foi a forma como se discutia intensamente o corpo feminino, o escrutínio do que é a virgindade — parecia haver uma obsessão imensa em saber o que é a virgindade — páginas e páginas a dissertar sobre isso.
Porque é que isso interessa?
Porque havia um crime, o estupro, cujo bem jurídico supostamente protegido era a inexperiência. Basicamente, o crime de estupro era a sedução de uma mulher virgem dentro de um determinado quadro etário. O estupro existiu até 1995. Depois foi-se transformando em crimes contra adolescentes. Eventualmente transformou-se em abuso sexual de crianças até aos 14 anos. Muitas vezes, o que acontecia é que havia uma discussão imensa sobre o que era a cópula — se a introdução parcial ou integral podia mudar, por exemplo, de atentado ao pudor para violação, sem se ter em conta que aquele corpo e aqueles atos vieram de uma pessoa, de um ser humano. Isso foi uma coisa que me surpreendeu.
No livro faz referência ao facto de o agressor ser o “grande protagonista” na sala de tribunal, em detrimento da vítima, que é reduzida à pessoa que recebe o ato…
Isso tem que ver com outra coisa, com a pornificação das descrições judiciais, que são assustadoras. Ninguém se exprime dessa maneira. Arguidos não se exprimem dessa maneira no tribunal — eu vi. Nem os arguidos, nem as vítimas, nem a lei. Fazendo uma comparação com as descrições de agressão física… Ninguém descreve “Espetou a faca no externo e deixou-a aí dois minutos”. Quem me chamou à atenção para isto foi um advogado que entrevistei, que me disse “Já reparou como o nosso Direito é a sociedade falocêntrica da penetração? Já reparou que não há um único acórdão que não tenha o pénis ereto?”. Porque é que o pénis tem de estar ereto? E qual é a necessidade de escrever “movimentos de sucção”? Isto não é uma idiossincrasia portuguesa, isto verifica-se noutros ordenamentos jurídicos. Há várias autoras inglesas que anotam isso — uma autora inglesa refere até que as atas dos julgamentos eram passadas como literatura pornográfica nas cadeias.
Acho que hoje isto se mantém porque os tribunais de primeira instância temem que possa existir uma inviabilização do recurso precisamente pela falta de descrição. Imagino que seja isto, que seja uma reprodução de práticas. Falei com várias pessoas da área do Direito — do Ministério Público e da magistratura judicial — que dizem que realmente não faz sentido nenhum que as coisas sejam assim.
É uma questão cultural?
É cultural, claro que sim, e espelha uma cultura falocêntrica, sem sombra de dúvida, em que o pénis é o protagonista, é o centro do sexo e o que se está a definir frequentemente é sexo e não violência. Não quer dizer que não possa haver sexo violento, não é essa a questão. Quando as pessoas respondem que [violação] é sexo em vez de violência, pergunto: é sexo para quem? Quando parti para este trabalho não tinha pensado numa série de coisas que foram emergindo.
Os papéis do agressor e da vítima vão-se alterando ao longo do tempo?
Sem dúvida. E as principais alterações são muito recentes. Durante mais de um século tivemos imagens muito cristalizadas e diria que, a partir de 1995 — mas com um grande aprofundamento em 1998 — há uma ideia nova relativamente à violação. Quando entrámos nos anos 1990 começámos a olhar para estes crimes como crimes que afetam a liberdade sexual das pessoas; liberdade que é tão atingida quando há cópula ou quando há outras penetrações em causa.
Falta definição na lei para os crimes sexuais?
Não diria que falta definição. Antes de mais, acho que falta a questão do consentimento, na minha perspetiva. Ou seja, [é preciso] que a violação não seja um crime apenas centrado na violência, na ameaça grave ou na incapacidade de resistir — aliás, o facto de estar na lei o crime de “abuso sexual de pessoa incapaz de resistir”, significa que as outras têm de ser capazes de resistir. Mas, além disto, na minha perspetiva, deveria ser explícito que o crime se baseia no dissentimento da vítima, isto é, na falta de consentimento. É fundamental que todas as pessoas envolvidas [num processo de violação], dos agentes aos oficiais de justiça, incluindo o Ministério Público, estejam informadas quanto aos processos típicos de vitimação e em relação às reações típicas que muitas vezes se afastam diametralmente dos estereótipos que temos.
A conversa muito atual sobre o assédio sexual pode, de alguma forma, abafar/atrapalhar a discussão que este livro pretende promover?
Acho que não. O assédio sexual faz parte da violência sexual. Na minha tese tenho uma parte não muito aprofundada sobre o assédio sexual porque ele não é crime. Em Portugal o assédio sexual não é crime. É uma contraordenação grave se acontecer no trabalho.
9 perguntas e respostas sobre assédio sexual (e 6 histórias de vítimas)
Mas está englobado no crime de importunação sexual do Código Penal…
Tenho dificuldades em considerar esse artigo como incluindo o assédio. Mas, obviamente, há interpretações nesse sentido. Mesmo em relação à formulação que veio criminalizar o assédio de rua. Há a ideia de que o Código Penal é muito intrusivo na vida das pessoas, em particular na do arguido — esquecem-se que na da vítima também o é. Em termos abstratos, podemos pensar que é o arguido quem pode perder a liberdade, mas muitas vezes a vítima já perdeu essa liberdade, já perdeu a sua paz de espírito.
No livro fala no “obscurecimento da incidência do crime”. Há menos queixas de violação sexual do que casos reais?
Isso há em quase todos os crimes. Quando analisamos a incidência de um crime de violência, em particular de violência sexual, temos de cruzar os dados oficiais (os dados das pessoas que apresentaram queixa) juntamente com os dados das ONG que recebem as vítimas. Há ONG que dão apoio a vítimas que nunca apresentaram queixa — a APAV é exemplo disso. A discrepância é sempre grande. Quando temos a divulgação de determinados acórdãos, ainda que sejam de violência doméstica, que revelam uma enorme incompreensão relativamente aos processos traumáticos e às reações típicas das vítimas, que naturalizam a violência masculina e a descredibilizam, aludindo a direitos de disciplina ou a tradições… que mensagem é que isto passa às pessoas?
Temos uma cultura que desincentiva as vítimas a falar?
Sem sombra de dúvida. Vou dar exemplos de coisas que conheço, o que não significa que não haja outros exemplos: o caso de uma vítima [de violação] que se vai queixar à polícia e que os agentes lhe dão um cartão e dizem “se o vir, ligue-me”; ou os casos em que obrigam a vítima ir várias vezes à mesma esquadra… Isto é uma forma de desincentivo para que as pessoas continuem [o processo de queixa]. As esquadras e os tribunais destes países não estão preparados para dar privacidade às vítimas. Há sempre esta ideia de que as pessoas são responsáveis, em certa medida, por assegurar a integridade dos seus bens jurídicos.
As vítimas são o elo mais fraco no sistema judicial português?
Se falarmos [só] do sistema judicial português, diria que todas as vítimas de todos os tipos de crimes [são o elo mais fraco], porque o sistema penal é muito desequilibrado. Isto é, há muitas interpretações. Saímos de uma ditadura em que os direitos e as garantias dos arguidos não eram respeitados — agora, acho que estamos pura e simplesmente a ignorar os direitos e garantias das pessoas que são testemunhas porque foram vítimas de um crime.
As vítimas ainda são inquiridas pelo grau de prazer sexual no ato de violação?
Não sei dizer. Nos julgamentos a que assisti isso não acontecia.
Mas isto faz parte da história jurídica portuguesa?
Faz, claro que sim. Acontecerá certamente em muitos momentos do processo. Nem tudo acontece na sala de audiência — o resultado do acórdão é ele também uma reconfiguração das narrativas, ou seja, nem tudo aparece nos acórdãos. Pode nem partir do tribunal, mas sim da defesa que alude a isso. Há literatura científica que diz claramente que não se pode tirar nenhuma conclusão relativamente a consentimento por haver ou não vestígios forenses relacionados com lesões. E a questão do prazer é muito variável: como é que se prova o prazer sexual de uma mulher? Na maioria das vezes, as provas com que os tribunais têm de decidir não são provas que atestem o uso de violência inequívoca — por isso é que os magistrados e as magistradas dizem que a prova rainha é a testemunha da vítima.
É preciso ver como é que se constrói a credibilidade do acusador e do acusado. Porque depende muito de quem estamos a acusar. Se uma mulher acusa alguém que conhece, isto é logo um motivo de desconfiança. Caso seja um desconhecido, o caminho que se percorre é outro. E depois quem é que vou acusar? Um homem de negócios, uma figura pública? Vou ter sucesso? Quem sou eu? Os meus amigos vão acreditar em mim?
Ainda se desculpabiliza o agressor?
Claro. Sobretudo se for um agressor com muito capital social — isto é, se toda a sua trajetória foi coincidente com aquilo que nós, enquanto sociedade, consideramos como algo de sucesso. Se estiver a acusar um arguido jovem com algum capital erótico, vai haver uma desconfiança. Porque é que não houve uma grande desconfiança, antes espanto, com o violador de Telheiras? Não havia grandes possibilidades para se negar que ele cometeu os crimes, mas ele não correspondia aos nossos estereótipos: andou na faculdade, tinha namorada, ia ao ginásio, era jovem… Se tivesse havido apenas uma vítima, se calhar a maioria de nós duvidava. Temos a imagem do violador como aquele que não consegue ter sexo de outra forma, aquela visão muito biologizante, evolucionista, como se todos os homens que violam procurassem satisfação sexual da forma como estamos habituados a pensar em sexo.
O que procura, então, o violador?
Procura poder, reafirmação de poder utilizando diferentes dimensões. Uma delas é a humilhação sexual. Procuram poder e a reafirmação da masculinidade, sem sombra de dúvida.
Onde é a justiça portuguesa mais falha no que aos crimes sexuais diz respeito?
O sistema judicial tem imensos filtros, nem tudo chega a tribunal e nem tudo chega a um julgamento. Nem todas as queixas se transformam num julgamento. Existe um estudo que abrange Portugal, cujos resultados foram publicados em 2008. A equipa acompanhou 100 queixas apresentadas no DIAP Lisboa e, se não estou em erro, apenas 11 chegaram a julgamento. O que acontece é que as queixas se erodem, há um processo de erosão em que elas se perdem no sistema judicial. Perdem-se porque as vítimas desistem de apresentar queixa ou, então, retiram a queixa. O que se verificou no estudo é que a maior parte das vítimas que retirou ou desistiu da queixa estavam a acusar alguém conhecido — seria necessário explorar se o motivo por que desistiram das queixas estaria ou não relacionado com pressões nesse sentido.
Acho que [a justiça portuguesa] falha quando das 100 queixas apenas 11 chegam a julgamento. Falha porque não garante às pessoas que sofrem processos traumáticos condições para se sentirem em segurança durante todo o processo. Quando se pergunta às vítimas o que as faz apresentar queixa ou desistir, uma das razões tem que ver com o medo ou a desmotivação — quanto mais medo de retaliações ou falta de apoio tiverem, mais vezes desistem. O medo que ainda hoje existe tem sido cultivado durante séculos. A promoção do silêncio feminino, em particular em relação a esta matéria, é uma coisa… devastadora. Não exijo que a justiça seja empática [para com as vítimas], exijo que respeite os direitos humanos.