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ISP. O que pagam os milhões de "benefícios perversos" que o Governo quer eliminar?

O Governo quer acabar com "benefícios perversos" concedidos no âmbito do ISP. Há isenções de 500 milhões de euros neste Imposto sobre Produtos Petrolíferos. Mas nem todos podem ser retirados.

Última atualização do artigo a 22 de julho

Perdem-se todos os anos quase 500 milhões de euros em impostos por benefícios perversos que são dados aos combustíveis fósseis”. A frase, usada pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, em entrevista à rádio Observador, serve de arma de arremesso à indústria petrolífera, numa altura em que o preço dos combustíveis volta a subir. Para fazer face a perturbações do mercado, o Governo quer avançar com uma proposta para limitar a margem de comercialização dos combustíveis, porque, “em comparação com 2019, a margem bruta da venda da gasolina aumentou em 33%”, mas refere também esses tais “benefícios perversos”. São “esses que temos de acabar”, disse o ministro.

E que incentivos são esses, afinal, que o Governo quer eliminar? É possível saber o que são os cerca de 475,5 milhões de euros estimados para 2021 — ou, em quatro anos, 1.877 milhões de euros gastos entre 2016 e 2019 —, mas quais são, em rigor, os benefícios encarados como “perversos”? Questionado pelo Observador, o Governo responde, em parte, a essa questão, mas, como veremos, nem todas as dúvidas são dissipadas.

No total, há 32 benefícios em sede do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, dos quais cinco deles concentram 374 milhões de euros (ou 77% do total neste imposto), de acordo com o estudo sobre Benefícios Fiscais em Portugal feito por um grupo de especialistas em 2019, a pedido do Governo.

Algumas dessas isenções já estão a ser retiradas. Mas noutros casos será sempre mais difícil mexer — mesmo que essa fosse a vontade —, como acontece com as viagens aéreas e marítimas, que estão enquadradas por diretiva europeia. E não só. Daqueles quase 500 milhões de euros a que se referiu o ministro do Ambiente, pelo menos 160 milhões de euros vão continuar na mesma.

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Poluidoras que participam no mercado de carbono mantêm isenção

Na resposta que deu ao Observador já depois da publicação inicial deste artigo, o Ministério do Ambiente referiu que “o Governo iniciou a eliminação dos subsídios prejudiciais ao ambiente no orçamento de estado para 2018, com a eliminação progressiva das isenções de ISP e de taxa de carbono que a utilização de carvão para a produção de eletricidade usufruía”.

E lembrou que, “posteriormente, a eliminação progressiva das isenções foi alargada a outros produtos energéticos, como o fuelóleo, o coque de petróleo ou o gás natural, para a produção de eletricidade, para a cogeração e mais tarde para a utilização na indústria”. Garantiu ainda que, “tratando-se de um processo de eliminação progressiva, nos próximos anos manter-se-á o faseamento já programado”. Mas não deixou claro se todas as isenções em sede de ISP seriam afetadas.

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No entanto, perante a insistência do Observador, numa segunda resposta do Governo, o Ministério das Finanças já esclareceu que, apesar de quererem “prosseguir a eliminação dos incentivos prejudiciais ao ambiente, como as isenções associadas ao uso de combustíveis fósseis e as isenções de taxa de carbono”, estão fora desta equação as isenções relativas “ao comércio europeu de licenças de emissão”.

No chamado mercado de carbono, as empresas que não cumpram as quotas de poluição veem-se obrigadas a pagar às empresas mais “limpas”. Este mercado impõe quotas de emissão de CO2 a grandes setores e empresas poluidoras, incentivando-as a adquirirem tecnologias limpas e a tornarem-se mais eficientes.

E onde é que entra aqui o benefício do Estado? Estão em causa produtos petrolíferos e energéticos que sejam utilizados em instalações sujeitas a esse regime de comércio europeu de emissão de licenças de gases com efeito de estufa. Ou seja, empresas que contam com isenção de ISP “porque já estão a pagar para poderem emitir a poluição que geram” no mercado europeu de carbono, sublinha Afonso Arnaldo. Poluem para lá das quotas que são permitidas, pagam por isso, mas não são, desta forma, duplamente penalizados. A medida teve um custo para o Estado de 88,6 milhões de euros em 2019.

Afonso Arnaldo entende que, “estando em causa a indústria portuguesa, o Governo também não pode ou não deve pensar tudo isto sem ter em conta as consequências para a indústria, nomeadamente esta medida das instalações sujeitas ao regime de comércio europeu de emissão de licenças”. O consultor considera que o executivo “tem de ter bastante cuidado com o perigo de deslocalização de indústria”, porque se, a certa altura, “o custo dispara em Portugal — e não em Espanha e noutros países” — haverá perda de competitividade. “São conhecidas situações de empresários portugueses que saem de Portugal e montam uma fábrica noutros países, por exemplo na Europa de Leste”, lembra Afonso Arnaldo. “E uma das razões é a fiscalidade”.

No entanto, como já referimos, o Ministério das Finanças esclareceu entretanto que esta é uma “exceção” no processo de eliminação dos incentivos prejudiciais ao ambiente.

“No final do dia, quem vai pagar isto é o consumidor final”. Os produtores “vão pagar mais impostos na produção de eletricidade, não têm alternativa”, mas “vão ter também de aumentar o preço”
Afonso Arnaldo, consultor da Deloitte

Isenções sobre navegação aérea e marítima são impostas pela UE

O mercado de carbono não é a única isenção que fica de fora. O Governo até pode querer acabar com vários dos 32 benefícios em sede de ISP, mas sabe que, nalguns casos, esbarraria sempre em diretivas europeias. É o que se passa com a isenção dos produtos petrolíferos e energéticos que sejam utilizados na navegação aérea, com exceção da aviação de recreio privada — em que o Estado deixa de receber um pouco mais de 50 milhões de euros por ano (200 milhões de euros entre 2016 e 2019) —, bem como esse tipo de produtos para navegação marítima costeira e navegação interior, incluindo a pesca — perto de 30 milhões de euros por ano.

“Não está na total disponibilidade do Governo português acabar com algumas destas isenções”, lembra Afonso Arnaldo. Relativamente à navegação aérea e à navegação marítima “são isenções de aplicação obrigatória impostas pela UE”, por via de diretiva. “O que não quer dizer que não se deva discutir e que não se possa pôr em causa esse contexto”, ressalva Afonso Arnaldo.

“Portugal pode querer pô-lo em causa, imagino que muitos outros países — e no âmbito desta preocupação ambiental — estão a querer colocar em causa”, mas, sendo medidas impostas pela UE aos estados-membros, “só chegando a acordo entre todos é que poderão, das duas uma: ou acabar com a isenção ou incluir uma norma que permita a cada estado-membro ser livre de aplicar ou não” esse benefício fiscal. Há isenções em que têm essa possibilidade, “como é o caso de todas as isenções ligadas à produção de eletricidade”, como vimos acima.

O ministro do Ambiente até já disse que não se opõe à ideia de eliminar, de forma faseada, a isenção fiscal atualmente concedida aos combustíveis usados por aviões e navios, mas Matos Fernandes remete para a legislação europeia. E agora, na resposta recebida pelo Observador, o Ministério das Finanças insiste que “as isenções de ISP sobre a navegação aérea e marítima não decorrem de uma opção governativa, mas de uma imposição comunitária“.

Porque não acabam isenções fiscais ao combustível de aviões e barcos? Ministro não se opõe

Acabar com este benefício seria, aliás, uma estreia. Em Portugal, “o ‘jet fuel’ nunca foi tributado” e a medida tem, aliás, uma escala maior do que a própria União Europeia. “Os países mais representativos não tributam o ‘jet fuel’ com um imposto especial de consumo”, porque era entendido, noutros tempos, “que seria importante não onerar demasiado o tráfego internacional, as trocas comerciais, a deslocação de pessoas entre países”.

“Quando isto foi criado, as preocupações ambientais não eram nem de perto nem de longe aquelas que estão em cima da mesa. Esta isenção já tem muitos anos, não existia essa sensibilidade”.

Além disso, a medida poderia não ter fácil aplicação. Exemplo: “Muitos aviões conseguiriam fazer voos Madrid-Lisboa, saindo de Madrid e voltando a Madrid sem terem de ser abastecidos em Lisboa”. Ou seja, um avião que poluísse em Portugal poderia pagar, nesse caso, o imposto a Espanha. É mais fácil, por exemplo, criar uma taxa sobre a utilização de combustível poluente pelas companhias aéreas, como será feito agora no âmbito do pacote de medidas adotado para cumprir as metas do Acordo Verde Europeu.

Germany Presents Ebola Medevac Plane

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Energia para produzir eletricidade lidera isenção de ISP

A isenção que, dentro do ISP, mais custos tem para os cofres do Estado beneficia os produtos petrolíferos e energéticos que sejam utilizados na produção de eletricidade, cogeração ou de gás de cidade. No total, tem significado um esforço de perto de 150 milhões de euros anualmente — 587 milhões de euros entre 2016 e 2019, de acordo com os últimos dados disponíveis.

Esta isenção está enquadrada por uma diretiva europeia, que permite, no entanto, “por razões de política ambiental”, que os estados-membros possam “sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos”.

E a verdade é que esta isenção já tem sido retirada de forma progressiva. No Orçamento do Estado para 2021 “já é o terceiro ano em que se vai dando mais um passo na eliminação desta isenção”, lembra Afonso Arnaldo, consultor da Deloitte. Isto para “dar algum tempo aos operadores, nomeadamente quem produz eletricidade, de fazerem essa mudança na forma de produção”.

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Mas o consultor, que fez parte da comissão que reviu a fiscalidade verde, em 2014, não tem dúvidas de que, “no final do dia, quem vai pagar isto é o consumidor final”. Os produtores “vão pagar mais impostos na produção de eletricidade, não têm alternativa”, mas “vão ter também de aumentar o preço”, que já está carregado de gastos para financiar “o caminho verde na produção elétrica”.

E porque é que esta isenção foi criada? “Fazia sentido no seu tempo, porque não existia uma preocupação ambiental”. Afonso Arnaldo salienta, aliás, que a tributação sobre os produtos petrolíferos, “inicialmente, há muitos anos, não nasceu centrada na preocupação ambiental”, mas “principalmente para obter receita”.

Cerca de 35 anos depois da criação do ISP (imposto que substituiu uma tributação de cariz semelhante), esta é “uma fonte de receita muito importante” — o quarto imposto que mais rende ao Estado, cerca de 3,5 mil milhões de euros num ano normal —, mas a forma como é usado também serve agora para induzir comportamentos ambientais mais sustentáveis.

EDP - torres de alta voltagem em Portugal

Corbis via Getty Images

No caso da energia para produzir eletricidade, era reconhecida a necessidade de consumo pelas famílias e empresas, e, como tal, “entendeu-se que não se deveria onerar o consumo, por exemplo, de carvão” e de outras formas de produzir eletricidade que implicam maior poluição.

Afonso Arnaldo nota que a opção do legislador passou sempre por “onerar a gasolina e o gasóleo, que chegam diretamente ao consumidor — e não esses mesmos bens, ainda que poluentes, para produzir outra energia, no caso a eletricidade”.

Fim da isenção na agricultura seria problema para pequenas empresas

Com um pouco menos impacto para as contas do Estado, mas, ainda assim, a pesar 58 milhões de euros em 2019, está o gasóleo colorido e marcado com aditivos consumido por tratores agrícolas e outros equipamentos, incluindo para a atividade aquícola e na pesca.

Se a isenção de ISP na agricultura fosse retirada “isso traria um problema ao setor, nomeadamente nas empresas de menor dimensão, que têm uma agricultura mais familiar”. Ao contrário destas empresas, "as mais competitivas, mais organizadas e de outra dimensão lidam com estas questões de forma diferente”
António Serrano, antigo ministro da Agricultura

António Serrano, ex-ministro da Agricultura que hoje é presidente executivo da Jerónimo Martins Agro-Alimentar, defende que “o gasóleo ‘verde’ é uma forma de trazer competitividade para o setor agrícola, porque um dos custos com muito impacto no setor sempre foi o dos combustíveis”.

O antigo responsável do Governo PS, entre 2009 e 2011, considera que o apoio aos combustíveis “é uma forma de permitir que a agricultura portuguesa não seja penalizada face a concorrentes europeus, que têm acesso a combustíveis mais baratos do que Portugal”. Sendo a agricultura enquadrada numa política comum, “sempre foi entendido que faria sentido ajudar o setor por esta via, assim como noutras componentes energéticas”, para tornar as empresas mais competitivas.

Por isso, se a medida fosse retirada “isso traria um problema ao setor, nomeadamente nas empresas de menor dimensão, que têm uma agricultura mais familiar”. Ao contrário destas empresas, as “mais competitivas, mais organizadas e de outra dimensão, lidam com estas questões de forma diferente”.

Mas António Serrano não acredita que seja aqui que o Governo vai retirar isenções. “Estranharei muito que se venha a traduzir nessa medida, não creio que o alcance seja esse”.

Questionado especificamente sobre este apoio, o Governo não deu qualquer resposta.

Artigo atualizado a 16 de julho com resposta do Ministério do Ambiente, e a 22 de julho com a resposta do Ministério das Finanças

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