O reacendimento do conflito israelo-palestiniano motivado, na semana passada, pelo ataque lançado pelo movimento radical Hamas contra o território de Israel faz ressurgir uma pergunta: afinal, o que tem aquele local de tão especial para ser o palco de um dos conflitos mais sangrentos, duradouros e complexos da história contemporânea? Apesar de o conflito assumir hoje grande complexidade geopolítica, é impossível compreendê-lo sem uma atenção especial à questão que se encontra na raiz do problema: a dimensão religiosa daquele território.
O lugar onde hoje combatem israelitas e palestinianos está no centro de uma intrincada história religiosa e é, para as três maiores famílias religiosas do mundo, um dos lugares mais sagrados à face da terra. Israel é o lugar prometido por Deus a Abraão e à sua descendência. É o país para onde Moisés conduziu o povo pelo deserto. É também o lugar do antigo reino liderado pelo célebre rei David, com capital em Jerusalém, onde o rei Salomão construiu o templo. É, também, o lugar onde Jesus nasceu, viveu e morreu — e, para os cristãos, terá ressuscitado. E é ainda o lugar que Maomé terá visitado numa viagem noturna conduzida pelo anjo Gabriel. Ao longo de séculos, a região da Palestina foi palco de batalhas sangrentas, conquistas e reconquistas por romanos, árabes, cruzados ou otomanos — e foi o lugar a que o povo judeu sempre sonhou regressar depois da expulsão pelos romanos no ano 70. Terreno sagrado para as três religiões abraâmicas, Israel ainda não encontrou a paz. Afinal, qual é a história religiosa deste território?
De Abraão à ocupação romana: a história judaica de Israel
É difícil definir com exatidão uma cronologia histórica da presença do povo judeu no território que hoje conhecemos como Israel e a Palestina. Recuando vários milénios, os factos históricos e os relatos bíblicos confundem-se e a veracidade de muitos dos dados é impossível de comprovar.
A origem da relação do povo hebreu com aquele território remonta à história de Abraão, o patriarca das três principais religiões monoteístas do mundo — o Judaísmo, o Cristianismo e o Islão, também conhecidas como religiões abraâmicas. Abraão terá nascido na cidade de Ur, na antiga Mesopotâmia (no sul do atual Iraque), cerca do segundo milénio antes de Cristo. Ali, terá recebido um chamamento divino para deixar a sua terra e se dirigir para aquela terra prometida, situada junto ao Mar Mediterrâneo, entre a Síria e o Egipto, onde deveria fundar uma nova nação.
Nesse chamamento, relatado no livro do Génesis, Abraão, que não tinha filhos, terá recebido de Deus a promessa de ter uma ampla descendência que herdaria aquele território e reinaria sobre ele. Na tradição abraâmica, a descendência de Abraão é o “povo eleito”, escolhido por Deus para receber a salvação. O território onde Abraão fundou a nova nação era, então, conhecido como Canã, uma região de grande riqueza agrícola onde viviam povos semitas.
Abraão e a sua mulher, Sara, teriam então um filho: Isaac, o segundo patriarca. Por seu turno, de Isaac e Rebeca viria a nascer Jacob, o terceiro patriarca. É de uma história bíblica envolvendo Jacob que surge o nome “Israel”. Segundo o relato do Génesis, Jacob teria lutado com Deus — ou um anjo —, que lhe impôs o nome “Israel” por ter lutado com Deus e vencido.
A Bíblia hebraica é a principal fonte para conhecer a tradição do “povo eleito” ao longo dos séculos — ainda que a veracidade de vários dos relatos seja colocada em causa pelos historiadores contemporâneos. A tradição judaica conta, por exemplo, que os 12 filhos e netos de Jacob dariam nome às Doze Tribos de Israel — os núcleos patriarcais que, durante largos séculos, ocuparam o território de Israel.
Seria no seio de uma dessas tribos — a tribo de Levi, os levitas — que nasceriam os pais de Moisés, o profeta que viria, segundo a tradição judaica, a libertar o povo hebreu do cativeiro no Egipto, um episódio frequentemente situado no século XIII-XV antes de Cristo. É nesse movimento de fuga do povo eleito, que fora escravizado no Egipto (onde buscou sustento devido à fome), que podemos encontrar as raízes religiosas do judaísmo: o momento em que Moisés sobe ao Monte Sinai e recebe as tábuas com os Dez Mandamentos é visto como o momento fundador da lei judaica. Essas tábuas, aliás, viriam a ser guardadas na Arca da Aliança, no templo de Jerusalém — a mais sagrada relíquia do povo judeu.
Depois do regresso do povo hebreu à “Terra Prometida”, as tribos de Israel viveram sob a liderança de figuras conhecidas como “juízes”. O profeta Samuel terá sido o último destes juízes — e é conhecido por ter sido o responsável pela formação da monarquia israelita, ao ungir Saul como o primeiro rei de Israel por volta do ano 1000 a.C. Saul terá sido o primeiro monarca a unir todas as tribos de Israel sob uma única coroa, embora o seu reinado tenha acabado em fracasso. A Saul sucederia uma das figuras mais lendárias da história judaica, fundamental para compreender a centralidade de Jerusalém: o rei David.
Nascido numa família de Belém, David era um jovem pastor que entrou ao serviço da corte do rei Saul e se tornou num importante líder militar depois de ter matado o gigante Golias apenas com uma funda (é, aliás, com a funda que David se encontra retratado na sua imagem mais célebre, a estátua esculpida por Miguel Ângelo). David, conhecido também pelos seus dotes musicais e poéticos (é apontado como o autor de grande parte dos salmos), viria a suceder a Saul depois da sua morte e, como rei, consolidou a união de todos os povos de Israel.
Terá sido David a conquistar a cidade de Jerusalém e transformá-la na nova capital do reino unido de Israel, levando para a cidade a Arca da Aliança, onde estavam guardadas as tábuas com os Dez Mandamentos. A grande habilidade política e militar de David transformá-lo-ia numa das figuras centrais da história do povo judeu. O filho de David, Salomão, sucedeu-lhe no trono de Israel — e é a ele que é atribuída a construção do primeiro templo de Jerusalém, o lugar mais sagrado da fé judaica.
Durante o tempo em que foi rei, Salomão consolidou e expandiu o seu império — um território situado numa região estratégica para as relações comerciais, à beira do Mediterrâneo, com acessos à Europa, Ásia e África. Porém, Salomão não escondeu o seu favoritismo relativamente à região sul do reino, onde vivia a tribo de Judá, que era a sua. Depois da morte de Salomão, o reino de Israel foi dividido ao meio: as tribos do norte formaram um novo reino de Israel, com capital em Samaria, enquanto a parte sul passou a ser o reino de Judá, com capital em Jerusalém, governado pelo filho de Salomão, Roboão.
No século VIII a.C., o poderoso reino de Israel foi conquistado pelo Império Neoassírio, que também passou a controlar o reino de Judá. Mais tarde, no século VI a.C., o povo de Israel passa por um novo cativeiro: o império da Babilónia cerca Jerusalém e provoca a rendição do então rei de Judá, Joaquim, dando início ao exílio dos judeus na Babilónia. O rei babilónio, Nabucodonosor II, foi também responsável pela destruição do templo de Salomão. O cativeiro dos judeus na Babilónia duraria quase um século, até serem autorizados a regressar à sua terra e a reconstruir o templo de Jerusalém.
Já durante aquele que ficou conhecido como o “período do Segundo Templo”, o povo judeu esteve sob domínio persa e, depois, dos gregos liderados por Alexandre o Grande, antes de, no ano 63 a.C., os romanos terem conquistado a região. Depois do cerco de Jerusalém, os romanos transformaram aquele território na Judeia, um Estado vassalo da república romana — e colocaram Herodes o Grande no trono judaico. Foi neste contexto, numa região controlada já pelo Império Romano, que, em Belém, nasceu Jesus Cristo — o revolucionário que foi considerado por muitos judeus o Messias prometido por Deus, aquele que dava cumprimento às muitas profecias da tradição judaica.
Jesus Cristo seria condenado à morte pelas autoridades judaicas por blasfémia, por dizer que era filho de Deus — mas, a partir dos seus apóstolos e seguidores, que deixaram por escrito as palavras de Jesus e levaram a sua mensagem a vários povos, nasceria o Cristianismo, hoje a maior família religiosa do mundo.
Naquele primeiro século, Jerusalém foi não só a casa a partir de onde se disseminou o Cristianismo primitivo, mas também o lugar onde continuavam as autoridades judaicas — até ao fatídico ano de 70, o ano da destruição do segundo templo pelos romanos e da dispersão dos judeus.
As tensões entre os romanos e os judeus não eram novas: por um lado, apesar de o Império Romano permitir uma certa liberdade religiosa, havia grandes conflitos entre a visão monoteísta dos judeus e a visão politeísta do paganismo romano; por outro lado, a cobrança de elevados impostos por parte do Império desagradava ao povo da Judeia. No ano 66, os judeus obtiveram uma primeira vitória numa revolução que visou expulsar os romanos de Jerusalém, mas o imperador Nero usou de toda a sua força para responder à revolução e enviou tropas para cercar Jerusalém no ano 70. Com o cerco, os romanos liderados pelo general Tito cortaram por completo o acesso a bens alimentares e água, provocando a morte de muitos judeus em Jerusalém. As tropas romanas entraram na cidade, massacraram uma grande parte da população judaica e destruíram o templo. Desta segunda destruição do templo sobrou apenas um muro da estrutura externa do edifício — hoje conhecido como o Muro das Lamentações, lugar sagrado de oração para os judeus de todo o mundo.
O massacre dos judeus e a destruição do templo intensificaram a diáspora judaica. Privados do seu território nacional, a Judeia, os judeus passaram a viver um pouco por todo o mundo, mas sempre acalentando o sonho coletivo de um regresso a Israel, a terra que acreditam que Deus lhes destinou desde Abraão.
Ao longo dos séculos, sobretudo à medida que o Cristianismo se foi impondo como religião maioritária na Europa, os judeus foram vítimas de forte discriminação em múltiplos pontos do mundo. Classificados como os assassinos de Jesus Cristo e, por isso, inimigos da fé cristã, contaram-se entre as primeiras vítimas das Cruzadas. Nos séculos seguintes, os judeus foram perseguidos, mortos e expulsos em vários lugares da Europa — e a Península Ibérica não foi exceção, com as expulsões dos judeus de Portugal e Espanha no final do século XV. Ao longo dos séculos, surgiram todo o tipo de teorias da conspiração contra os judeus — incluindo a ideia de que eram eles os culpados de doenças como a peste negra ou a ideia de que existiria um plano judaico para dominar o mundo.
O antissemitismo na Europa chegou a um pico no final do século XIX, com o caso Dreyfus, em França. O caso girou em torno de Alfred Dreyfus, um militar francês condenado por traição por ter, alegadamente, entregue segredos militares à Alemanha. Dreyfus viria a ser considerado inocente e libertado, e a discussão à volta do caso dominou a agenda política em França durante vários anos, dividindo o país entre aqueles que defendiam a absolvição de Dreyfus e os que se opunham a ela — e trazendo à tona a gravidade do antissemitismo em França.
O caso impressionou fortemente o jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que acompanhou a situação em França — e que se tornaria no fundador do sionismo político contemporâneo. Herzl era partidário da ideia de que o problema do antissemitismo seria ultrapassado através da aculturação dos judeus nas sociedades ocidentais onde viviam, mas o caso Dreyfus contribuiu para que chegasse à conclusão de que isso seria impossível: a única solução possível para a questão judaica seria a concretização do sonho antigo de regressar a Israel, a uma nação própria para os judeus, como antes do ano 70. A ideia do “regresso a Sião”, o lugar mais sagrado para os judeus, era frequente no imaginário judaico — e a criação de um Estado nacional judaico seria a única solução para trazer paz aos judeus.
O conflito israelo-palestiniano ano a ano. Guerras, intifadas e (poucos) acordos
Herzl foi o fundador da Organização Sionista Mundial, que lutou pela criação de um Estado judaico. Depois da Primeira Guerra Mundial, a região da Palestina — que já tinha estado nas mãos dos árabes, dos cruzados e do Império Otomano — ficou sob domínio britânico. A Segunda Guerra Mundial e o drama do Holocausto intensificaram a necessidade de resolver a questão judaica. Em 1948, na sequência de uma proposta das Nações Unidas, são formalmente criados dois Estados na região — um judeu e um árabe —, o que permitiu o esperado regresso dos judeus à terra que reclamavam, mas ao mesmo tempo abriu as portas a um conflito sangrento entre israelitas e palestinianos, que acusam Israel de ocupar o seu território, uma história recente que pode ler nesta cronologia do Observador.
O lugar onde viveu Jesus
O Cristianismo partilha com o Judaísmo toda a história de Israel e Jerusalém antes do nascimento de Cristo. Contudo, a partir da vida de Jesus, aquele território torna-se também terreno sagrado para a nova religião. Na verdade, o Cristianismo surge, inicialmente, como uma cisão do mundo judaico: Jesus Cristo era judeu, de uma família judaica — e, aliás, os evangelhos fazem questão de apresentar uma genealogia completa de Jesus para o caracterizar como descendente de Abraão, Isaac, Jacob, David, Salomão, e por aí fora. Ser descendente do rei David (que também nasceu em Belém) era uma forma de legitimar a ideia de Jesus como o messias prometido aos judeus.
Segundo os relatos bíblicos, aquele território sagrado para os judeus é também o lugar de nascimento de Jesus Cristo — que terá nascido em Belém, na Judeia ocupada pelo Império Romano. Os relatos dos evangelhos colocam Jesus a percorrer longos caminhos por todo o território de Israel: viveu em Cafarnaum e em Nazaré, foi batizado no rio Jordão e passou por várias cidades que ainda hoje pertencem ou a Israel ou à Palestina. Os textos bíblicos também colocam Jesus várias vezes no templo de Jerusalém — são célebres os episódios em que Jesus, com 12 anos, é encontrado no templo a discutir com os doutores e em que, já próximo da morte, peregrina a Jerusalém para a Páscoa judaica e expulsa os vendedores do local sagrado.
Se, para os cristãos, Jesus Cristo foi o messias prometido ao povo judeu, para os judeus esse messias não chegou ainda — e Jesus é visto apenas sob uma perspetiva histórica. Por essa razão, a tradição cristã é, em larga medida, uma ressignificação da tradição judaica: por exemplo, a Páscoa cristã celebra a ressurreição de Jesus, que teria acontecido, segundo o relato bíblico, justamente na altura da celebração da Páscoa judaica, que celebra a fuga do povo judeu do Egipto sob o comando de Moisés, sendo por isso uma atualização daquela celebração judaica. Do mesmo modo, Jesus é visto como um novo Moisés, que conduz o povo de Deus à salvação — e até o reino de Deus é visto como uma “nova Jerusalém”.
Nesse sentido, a região de Israel e da Palestina tem um enorme significado religioso para os cristãos, sendo habitualmente classificada como “Terra Santa” por ter sido a região onde Jesus nasceu, viveu e morreu — e o berço a partir do qual a religião se expandiu.
Depois da destruição do templo e da expulsão dos judeus, a região manteve-se sob o domínio do Império Romano durante vários séculos. A adoção do Cristianismo como religião oficial do império no século IV, pelo imperador Constantino, deu origem às primeiras peregrinações cristãs à Terra Santa. Foi sob o domínio romano e, mais tarde, bizantino que muita da presença cristã em Israel se consolidou, com a construção de igrejas e mosteiros e com a preservação dos lugares supostamente associados à vida de Jesus Cristo — como, por exemplo, a igreja do Santo Sepulcro.
O domínio bizantino chegaria ao fim no século VII, com a tomada de Jerusalém pelo Islão, liderado pelo califa Omar, um dos mais importantes líderes islâmicos do período que se seguiu à vida de Maomé. A tomada de Jerusalém, em 638, representou um dos pontos altos da expansão do califado — uma expansão que teria como resposta o lançamento das violentas expedições militares cristãs que ficariam conhecidas como Cruzadas, com o objetivo de recapturar Jerusalém e outros antigos territórios cristãos, bem como assegurar as rotas de peregrinação cristãs até à cidade. O domínio dos cruzados sobre Jerusalém estendeu-se do século XI até ao século XIII, período durante o qual os grandes templos muçulmanos foram convertidos em igrejas cristãs.
A região voltaria, mais tarde, ao domínio muçulmano, primeiro pelos egípcios e depois pelos otomanos, embora se tenha mantido alguma presença cristã na cidade de Jerusalém. Naquela época, o mundo cristão já se encontrava dividido ao meio entre católicos romanos e ortodoxos, na sequência do cisma de 1054. Foi nesta fase que os franciscanos começaram a representar Roma em Jerusalém — algo que ainda acontece até aos dias de hoje. O Império Otomano governaria a região da Palestina como muçulmana (mas com crescente tolerância religiosa para os cristãos e para os judeus que começaram a emigrar para lá em grande número no final do século XIX) até 1917, tendo os britânicos tomado o controlo do território na sequência da Primeira Guerra Mundial e recebendo da Sociedade das Nações um mandato para o administrar, com capital em Jerusalém.
A partir dessa fase, intensificou-se a violência entre o nacionalismo árabe (que defendia um Estado palestiniano árabe na região) e o sionismo (que defendia a criação de um Estado judaico no território) — uma história a que ainda estamos hoje a assistir.
Atualmente, apesar de as tensões religiosas em Jerusalém se centrarem em torno de judeus e árabes, aquele território continua a ser sagrado também para os cristãos, que ali mantêm uma presença variada. Uma das presenças mais visíveis é a dos franciscanos, que há 800 anos são os principais representantes católicos na região, cuidando de templos centrais para o Cristianismo como a igreja do Santo Sepulcro (Jerusalém) ou a basílica da Natividade (Belém). Institucionalmente, a Igreja Católica tem ali uma única diocese: o patriarcado latino de Jerusalém, com jurisdição sobre todo o território de Israel e Palestina, mas também sobre a Jordânia e Chipre, e com sede na igreja do Santo Sepulcro. O atual patriarca é o cardeal franciscano Pierbattista Pizzaballa.
Porém, a maior presença cristã em Israel não é católica, mas sim ortodoxa: a Igreja Ortodoxa Grega, liderada pelo patriarca Teófilo III de Jerusalém — igualmente com sede na igreja do Santo Sepulcro. Aliás, esta igreja, revestida de tal importância e sacralidade para os cristãos, é administrada em parceria por várias igrejas e denominações cristãs, incluindo católicos, ortodoxos, coptas e arménios. A partir do Vaticano, o Papa Francisco tem procurado agir como mediador para a paz na Palestina. Em 2014, reuniu nos jardins do Vaticano os presidentes de Israel e da Palestina, Shimon Peres e Mahmoud Abbas, para uma oração pela paz.
A viagem noturna de Maomé
Apesar de a história de Israel estar intimamente ligada ao Judaísmo e, posteriormente, ao Cristianismo, a cidade de Jerusalém é também de grande importância religiosa para o Islão, a mais recente das religiões abraâmicas — já que também ela assenta na tradição religiosa iniciada com a figura do patriarca Abraão.
O Islão remonta à figura de Maomé, nascido no final do século VI no seio de uma importante tribo de comerciantes na cidade de Meca, na península arábica — região marcada, à época, por cultos politeístas. Nessa altura, a região de Israel estava sob domínio bizantino. Segundo a tradição muçulmana, Maomé teria cerca de 40 anos de idade quando, por volta do ano 610, foi visitado pelo arcanjo Gabriel — o mesmo que teria anunciado a Maria o nascimento de Jesus Cristo —, que lhe revelou o conteúdo do Alcorão. Os muçulmanos acreditam que Maomé foi escolhido por Deus como o último de uma extensa linhagem de profetas que incluiu Moisés e Jesus.
O profeta e os seus seguidores ver-se-iam obrigados a fugir para Medina, onde puderam praticar a nova religião — e Maomé continuou a receber revelações divinas que lhe permitiram consolidar a fé monoteísta e expandir a comunidade dos seus seguidores, ao ponto de conquistar e regressar a Meca.
Ainda que o desenvolvimento do Islão se tenha desenrolado essencialmente na península arábica, Jerusalém também surge na narrativa islâmica. Segundo a tradição, certa noite, quando Maomé dormia, o anjo Gabriel apareceu-lhe e levou-o até Jerusalém, montado numa criatura mítica. Nessa viagem até ao lugar que a tradição islâmica identificou como o monte do templo, Maomé encontrou-se com Abraão, Moisés, Jesus e outras figuras da história do povo eleito, visitou o céu e o inferno e encontrou-se cara a cara com Deus. Depois, regressou à terra para continuar a difundir a fé islâmica. Por esta razão, Jerusalém é considerada a terceira cidade mais sagrada para os muçulmanos, depois de Meca (o lugar de nascimento de Maomé) e Medina (onde se encontra sepultado o profeta).
Depois da morte de Maomé, em 632, o problema da sucessão do profeta como líder dos muçulmanos causou a primeira grande divisão do mundo islâmico, entre aqueles que consideravam que só os familiares de Maomé lhe podiam suceder e aqueles que consideravam que se devia escolher o sucessor de entre os companheiros do profeta. Os primeiros (hoje conhecidos como xiitas) defendiam a nomeação de Ali; os segundos (os sunitas) defendiam a nomeação de Abu Bakr, que foi efetivamente eleito como o primeiro califa islâmico. Sob a liderança dos califas, o califado expandiu-se por todo o mundo árabe e rapidamente se tornou uma grande potência.
Com o primeiro califa, Abu Bakr, o califado tomou o controlo da totalidade da península da arábia; com o segundo califa, Omar, o califado continuou a expandir o território, chegando até Jerusalém em 636. As tropas muçulmanas cercaram a cidade e forçaram a rendição dos bizantinos — e acredita-se que o próprio califa Omar terá viajado pessoalmente até Jerusalém para a rendição. Os muçulmanos manteriam o controlo daquela região durante vários séculos, até às cruzadas do século XI. Durante este período, os muçulmanos transformaram parte da cidade, construindo a célebre cúpula dourada que ainda hoje é um símbolo distintivo da cidade, bem como uma mesquita no monte do templo. Hoje, o complexo islâmico da mesquita de Al-Aqsa é um dos lugares mais imponentes de Jerusalém.
Durante uma grande parte dos últimos 1.400 anos, a região da Palestina foi dominada por muçulmanos: não só pelo califado, depois da primeira conquista, mas também pelo Império Otomano, depois das cruzadas. Ainda assim, os povos árabes palestinianos viveram quase sempre sob o domínio de grandes impérios, o que levou ao surgimento de um sentimento de patriotismo palestiniano, sobretudo a partir do século XIX, que levaria à luta pela criação de um Estado palestiniano na região — uma luta ameaçada pelas aspirações judaicas do movimento sionista.
A história da Palestina nos últimos milénios é complexa e dificilmente pode ser resumida num texto curto como este. O que é certo é que é impossível compreender o conflito israelo-palestiniano sem uma atenção especial à intrincada teia de interesses políticos e religiosos na qual, ao longo dos últimos dois mil anos, as três principais religiões do mundo se relacionaram — por vezes de modo pacífico, mas quase sempre com grande conflitualidade e violência —, uma vez que as três veem em Jerusalém e em toda a região da Palestina um lugar profundamente sagrado.