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O coordenador Nacional da 'Task Force' para o Plano de Vacinação contra a Covid-19, vice-almirante Henrique de Gouveia e Melo (D), usa da palavra durante a ultima reunião do Plano de vacinação contra a Covid-19, em Oeiras , 28 de setembro de 2021.  RODRIGO ANTUNES/LUSA
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RODRIGO ANTUNES/LUSA

RODRIGO ANTUNES/LUSA

Já há um primeiro grupo obrigado a vacinar-se, em Portugal, contra a Covid-19: os militares operacionais da Marinha de Gouveia e Melo

Ramo das Forças Armadas liderado por Gouveia e Melo recusa "obrigatoriedade" mas admite que vacinação é "requisito" para militares operacionais. São o primeiro grupo que tem de se vacinar em Portugal.

Já há um primeiro grupo obrigado a vacinar-se, em Portugal, contra a Covid-19: são os militares operacionais da Marinha, comandados pelo ex-líder da task force da vacinação, o almirante Gouveia e Melo. A Marinha emanou um despacho onde define como “requisito” que “todos os militares que integram ou venham a integrar unidades operacionais sejam vacinados contra a Covid-19″. Este ramo das Forças Armadas recusa a ideia de obrigatoriedade e lembra que já é prática comum os militares se vacinarem (contra outras doenças) quando vão para geografias longínquas mas, perante a insistência do Observador, não diz o que pode acontecer a quem recusar – isto é, para aferir se existe, ou não, aquilo que os constitucionalistas definem como “obrigatoriedade indireta“.

Na mesma semana em que mais de 40 militares ficaram infetados numa corveta que teve de atracar em Porto Santo, o Chefe do Estado-Maior da Armada Gouveia e Melo ordenou a vacinação contra a Covid-19 dos militares das unidades operacionais da Marinha, uma decisão justificada com a necessidade de diminuir a “incidência, gravidade e transmissão da doença” e evitar quebras nas missões. A Marinha garantiu que todos os infetados a bordo da Corveta António Enes estavam vacinados e tinham feito teste antes de embarcar, mas o tema não é novo e é delicado: em novembro o Diário de Notícias escrevia que havia “centenas” de militares nas Forças Armadas que recusavam ser vacinados.

O Observador pediu números atualizados sobre quantos militares recusam a vacina na Marinha, Exército e Força Aérea – os três ramos das Forças Armadas. Não obteve respostas concretas, mas em novembro, segundo o mesmo jornal, havia na Marinha 800 militares anti-vacina (10% do efetivo) e no Exército 756 militares (6%) que não tinham querido ser vacinados. A Força Aérea, que não partilhou números com o Diário de Notícias, também não respondeu ao contacto do Observador.

Ainda assim, embora não tenha dado números, o Exército não mostra ter em cima da mesa qualquer plano para criar um “requisito” da vacina Covid aos seus militares em unidades operacionais. “No contexto da pandemia da Covid-19, o Exército cumpre as normas e orientações definidas pelas Autoridades de Saúde, implementando-as no seu Plano de Contingência para a Covid-19, que é cumprido por todas as suas Unidades”, afirma fonte oficial do Exército, acrescentando que, “com a pandemia, o Exército enfrentou novos desafios, tendo sido implementadas medidas para mitigar o impacto da Covid-19, e nenhuma missão deixou de ser cumprida”. Não há qualquer referência a vacinas contra o novo coronavírus, que são definidas pelas autoridades de saúde, para toda a gente, como facultativas.

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"A Célula de Resposta para a Covid-19 do Exército monitoriza a implementação do Plano de Contingência para a Covid-19, garantindo o acompanhamento do processo de vacinação do efetivo do Exército, a vigilância dos casos positivos e respetivos contactos, bem como a adoção de medidas adicionais como os rastreios com TrAg sempre que oportuno, após aprovação pela Direção de Saúde do Exército."
Fonte oficial do Exército

A Marinha, por seu turno, argumentou que o despacho “não estabelece a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 aos militares, militarizados e civis” e alegou que o que está em causa é uma “revisão dos requisitos de aprontamento sanitário dos militares que prestam serviço nas unidades operacionais”. Mas o que acontece a um militar que se recuse a fazer essa vacinação? Deixa de poder ir em missões? Pode ser alvo de processo disciplinar ou dispensa? A insistência do Observador não obteve resposta.

Esta posição da Marinha leva a constitucionalista Teresa Violante a afirmar, ao Observador, que estamos perante uma “obrigatoriedade indireta“. “Em vários países do mundo já se discute se a vacina, na realidade, já não é obrigatória quando se proíbe o acesso das pessoas ao trabalho ou a bens ou serviços essenciais”, diz, acrescentando que “o conceito de obrigatoriedade pode não implicar andar atrás das pessoas com uma seringa – já há uma obrigatoriedade quando se condiciona alguns aspetos essenciais da vida das pessoas”.

O seu chefe já lhe perguntou se está vacinado?

Mesmo nos países onde já houve certos grupos profissionais “obrigados” a vacinar-se, como França e Itália, normalmente não se estabelece que a vacinação é obrigatória – define-se, sim, que, por exemplo, um médico só pode estar no seu hospital ou na unidade de cuidados intensivos onde habitualmente trabalha se estiver vacinado.

Ou seja, a “vacinação obrigatória” é isso mesmo: quando se fala em classes profissionais, é condicionar à vacinação Covid a participação de um trabalhador numa dada função ou atividade concreta, a que poderia aceder caso estivesse vacinado. Assim, “lendo o despacho, eu não consigo retirar dali qualquer outra coisa que não uma obrigatoriedade“, nota a constitucionalista Teresa Violante.

Um “arrojo” de Gouveia e Melo?

O Observador contactou o Ministério da Defesa para perceber se esta decisão tinha sido, de alguma forma, articulada com o Governo. Fonte oficial do Ministério, porém, remeteu todos os esclarecimentos para a Marinha.

Ainda na sexta-feira, dois constitucionalistas – Jorge Bacelar Gouveia e Paulo Otero – falaram à Rádio Renascença e divergiram na análise sobre se a ordem de Gouveia e Melo era, ou não, constitucional. Mas ambos partiam de um mesmo pressuposto de análise, isto é, que aquele despacho configura uma situação em que, de facto, se está a tornar a vacina obrigatória para um certo restrito de pessoas.

O Observador pediu números atualizados sobre quantos militares recusam a vacina na Marinha, Exército e Força Aérea – os três ramos das Forças Armadas. Não obteve respostas concretas mas em novembro, segundo o DN, havia na Marinha 800 militares anti-vacina (10% do efetivo) e no Exército 756 militares (6%) que não tinham querido ser vacinados.

Ao passo que Bacelar Gouveia considerava a medida inconstitucional – ainda mais numa situação em que nem sequer existe estado de emergência decretado – Paulo Otero tinha uma posição diferente, baseada no facto de estarmos a falar de membros das Forças Armadas e com essas existir uma “relação especial de poder“.

“Para os cidadãos, em geral, a existência de uma obrigatoriedade da vacina só pode ser imposta por lei. Acontece que, no âmbito do funcionamento das Forças Armadas, da hierarquia militar, é possível a existência de uma ordem com esse conteúdo”, disse Paulo Otero, acrescentando que a ordem de Gouveia e Melo “não consubstancia a prática de qualquer crime e há dever de obediência por parte dos militares, sob pena de existir responsabilidade disciplinar”.

Teresa Violante, porém, tem uma análise distinta. É verdade que os militares são um grupo de cidadãos em relação aos quais existe uma “relação especial de poder” – como acontece, também, com os membros das forças de segurança, os magistrados ou, até, os reclusos. Esses são cidadãos que, legalmente, têm efetivamente alguns dos seus direitos constrangidos, onde se poderia incluir tornar obrigatória uma vacina que é opcional para os cidadãos em geral. Mas, para que isso se possa fazer, “essas restrições aos direitos têm de ser habilitadas por uma lei aprovada pela Assembleia da República, por um mínimo de dois terços dos deputados”.

A constitucionalista dá um exemplo: “em Portugal os militares não podem ser eleitos deputados da Assembleia da República, isso é um exemplo de uma limitação aos seus direitos como cidadãos mas é uma limitação que está especificamente consagrada em lei aprovada na Assembleia da República”. “Não é com um despacho de um Chefe de Estado Maior que uma limitação como essa pode ser aplicada“, advoga Teresa Violante, ao Observador.

"Por exemplo, em Portugal os militares não podem ser eleitos deputados da Assembleia da República – isso é um exemplo de uma limitação aos seus direitos como cidadãos mas é uma limitação que está especificamente consagrada em lei aprovada na Assembleia da República. Não é com um despacho de um Chefe de Estado Maior que uma limitação como essa pode ser aplicada."
Teresa Violante, constitucionalista

“Em todos os países que eu conheço os regimes jurídicos, nesta matéria, têm de ser aprovados por um órgão democrático legítimo”, neste caso o parlamento, diz a constitucionalista. Ainda esta semana, nos EUA, a ordem de Joe Biden para obrigar à vacinação (também) dos funcionários do setor privado foi bloqueada pelo Supremo Tribunal, que afirmou que nem mesmo o todo-poderoso Presidente dos EUA tem autoridade para tomar uma medida com este alcance – “teria de ser o Congresso americano a aprovar uma medida assim”, explica Teresa Violante.

Não conheço nenhum caso em que tenha havido um arrojo deste tipo“, acrescenta a constitucionalista, referindo-se à medida determinada por Gouveia e Melo. “Imagine-se que um diretor de uma prisão se lembrava de fazer o mesmo, porque achava que a prisão estava mais segura se os reclusos estivessem todos forçosamente vacinados… Imagine-se um chefe da PSP a fazer o mesmo, por exemplo… passávamos a ter ilhas de obrigatoriedade em função de considerações feitas por superiores hierárquicos” de forma avulsa, argumenta a constitucionalista.

“Existe discriminação com os militares”, diz Associação Nacional de Praças

Porém, como a própria Marinha alega, já é uma prática comum os militares que vão em missão terem obrigatoriamente de tomar certas vacinas que vão além daquelas que são mandatórias para todos os cidadãos em Portugal – como a malária, por exemplo. Só a vacina do tétano e da difteria são obrigatórias para todos os cidadãos mas, como a Marinha afirma, já é habitual os militares terem de tomar vacinas para outras doenças para se protegerem a si próprios e, também, as populações que vivem nos locais onde as missões decorrem.

Então, diz Teresa Violante, “se essa obrigatoriedade já existe e ultrapassa a vacinação do tétano e da difteria, também é legítimo levantar este problema em relação a esses casos“. “O que acho é que está a faltar uma lei da Assembleia da República que dê amparo a este tipo de despachos das Forças Armadas” de obrigatoriedade de tomar uma dada vacina, conclui a constitucionalista.

Essa é uma obrigatoriedade que, para o presidente da Associação de Praças, introduz uma “discriminação negativa” contra os militares – mais uma, diz Paulo Amaral. Ouvido pela Rádio Observador, no sábado, o responsável disse que, embora defenda a importância da vacinação, é contra a “obrigatoriedade” que está explícita no despacho de Gouveia e Melo.

“Quando chegamos a este patamar, se calhar o Chefe do Estado-Maior da Armada está ultrapassar algumas considerações que estão feitas para o resto da sociedade, aplicando-as apenas aos militares, neste caso, da Marinha”, afirma Paulo Amaral, lembrando que o vírus “não ataca apenas os cidadãos que não estão vacinados, ataca todos” – basta ver que, de acordo com a Marinha, todos os infetados na corveta atracada em Porto Santo estavam devidamente vacinados.

Militares da Marinha obrigados a tomar a vacina contra a Covid-19. “Existe discriminação com os militares”

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